segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Fernando Gabeira - Que país é este do ‘imbrochável’?

O Globo

É preciso mais que um pênis ereto para debelar a fome de 33 milhões e a insegurança alimentar de quase 100 milhões

Sei que é uma pergunta batida, mas, na comemoração dos 200 anos da Independência, é razoável perguntar que país é este.

O que nos diz o presidente Bolsonaro subindo no palanque e gritando que é imbrochável? O que nos diz a multidão que o segue? O que nos diz o presidente comparando sua mulher com a do rival?

Estava meio perdido na melancolia de um desfile militar quando comecei a fazer essas perguntas. Como um velho delirante, concluí que estávamos quase prontos para participar da Segunda Guerra Mundial, embora até para isso os equipamentos tenham me parecido um pouco obsoletos.

No momento em que um grupo fez acrobacias com a própria arma, jogando-a para o ar, rodando-a febrilmente, pensei: isso é uma preparação para dias difíceis, um trampo diante dos sinais luminosos de trânsito?

Na verdade, enquanto Bolsonaro exorcizava aos gritos seu pavor da castração, a fumaça das queimadas na Amazônia começava a chegar a São Paulo. O cheiro de fumaça sempre teve um efeito de despertar consciências adormecidas, sobretudo quando acompanhado de calor.

Miguel de Almeida - O povo da rachadinha

O Globo

Palavras e atos de Bolsonaro, incensados por evangélicos de extrema direita, contradizem os ensinamentos cristãos

A turma da rachadinha, os bolsonaristas e agregados, embora desconheçam, intuem que toda crueldade tem origem no medo. Não devem ser leitores de Lúcio Sêneca, o tutor de Nero, mas é possível que desconfiem que o homem é tão miserável quanto ele imagina que seja.

Bolsonaro parece temer a prisão. Pastores como Silas Malafaia, a perda das celestiais isenções de impostos — na pessoa física e na jurídica. É uma boa dupla. Enquanto o primeiro libera as armas, o segundo evoca Jesus Cristo, mas escamoteia o Sexto Mandamento.

O que o pastor responderia ao axioma proposto dias atrás pelo capitão: se você (mulher) está trocando um pneu e surge um bandido, prefere ter na bolsa a (lei) Maria da Penha ou um revólver? Difícil essa?

Marcus André Melo* - Por que a atual disputa presidencial é diferente das anteriores?

Folha de S. Paulo

Há uma mescla de wedge issues, afeto e temas redistributivos na eleição atual

Há uma descontinuidade entre a atual disputa presidencial e as anteriores. Na Nova República, elas foram vertebradas pela dimensão socioeconômica; a atual tornou-se multidimensional.

Temas redistributivos e a macroeconomia (inflação/emprego) ocuparam a agenda política até 2018. PSDB e PT protagonizaram a disputa de narrativas em torno de quem redistribuía mais e/ou melhor (garantindo simultaneamente governabilidade fiscal e eficiência). E mais: o padrão de voto era cada vez mais segmentado por renda. Entretanto o país foi submetido a um duplo choque que destruiu as bases desta disputa.

O primeiro resultou da magnitude da debacle econômica após o superciclo de commodities, da euforia fiscal e da má gestão macroeconômica dos governos Lula (segundo mandato) e Dilma. A crise produziu colossal reversão de expectativas sobretudo nas novas camadas que haviam experimentado mobilidade vertical. O sentimento antissistema prosperou.

Celso Rocha de Barros - A campanha normal acabou

Folha de S. Paulo

Nela, Jair já perdeu; o que resta para as próximas semanas é a anormalidade

A revista britânica The Economist, que a elite brasileira lia antes de começar a dar mamadeira de coturno para seus filhos, trouxe em sua capa essa semana a foto do Jair com o texto "Bolsonaro prepara sua grande mentira para o Brasil".

"A Grande Mentira", nesse contexto, tem um sentido bem específico. "The Big Lie" é o nome que os americanos dão à mentira segundo a qual Donald Trump venceu a eleição presidencial de 2020, mas foi vítima de fraude.

Não há, obviamente, um único indício que comprove isso. Se houvesse, seria "a grande dúvida", ou "o grande questionamento", mas é "a grande mentira".

Ana Cristina Rosa - Notícia boa para mulher

Folha de S. Paulo

Rosa Weber se tornará a 3ª mulher a presidir o STF desde sua instalação, em 1891

Como é caprichoso o destino. Por ironia —ou será efeito da chamada lei da atração?—, num momento de polarização política, a 20 dias das eleições gerais de 2022, numa nação que infelizmente tem se notabilizado pela violência política de gênero, uma mulher assumirá nesta segunda (12) o comando da mais alta corte judicial do Brasil.

Embora não se trate de "beijinho, presente ou férias" como há quem sustente por aí, essa sim é uma notícia boa para as mulheres.

A chegada de uma magistrada de carreira —que coincidentemente presidiu o Tribunal Superior Eleitoral nas eleições gerais de 2018— à presidência do Supremo Tribunal Federal neste exato momento é um marco na história.

Bruno Carazza* - As pistas do uso do Fundão nas eleições 2022

Valor Econômico

Distribuição de recursos indica prioridades dos partidos

As eleições de 2014 foram as mais caras da história. Num tempo em que as doações de empresas eram permitidas, grandes grupos como JBS, as construtoras Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, UTC e Odebrecht, os bancos Bradesco e BTG e mais as cervejarias Ambev e Petrópolis (para ficar apenas nos top ten) investiram pesado no financiamento de candidatos e partidos.

O custo final das eleições de 2014 foi de R$ 4,4 bilhões - ou R$ 7 bilhões em dinheiro de hoje, corrigido pelo IPCA.

Este ano ficará muito próximo daquele recorde. As doações de empresas foram proibidas, mas a classe política tratou de manter os cofres dos partidos irrigados, só que com dinheiro público. Para este ano são R$ 4,962 bilhões de fundão eleitoral e mais R$ 984 milhões de fundo partidário. Com praticamente R$ 6 bi assegurados, o que vier de doação privada será lucro.

Felipe Moura Brasil - As bolhas da estupidez

O Estado de S. Paulo

Lulistas e bolsonaristas podem aprender com a trajetória de Gilberto Freyre

“Não é nada fácil, mesmo para os mais lúcidos ou mais ousados, resistir ao canto da sereia das ideias dominantes.”

Esta foi, segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, a “grande lição” extraída por Maria Lúcia Pallares-Burke, “ao reconstituir” no livro Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos “a trajetória tortuosa, mas corajosa (do eugenismo à valorização da mestiçagem)” que o sociólogo “teve de percorrer por sua própria conta e risco”, antes de publicar Casa-Grande & senzala, em 1933.

Pallares-Burke disse em entrevista de 2018 a Bernardo Buarque de Hollanda ter “um especial interesse por estudar o período formativo, aquilo que faz alguém se tornar ou realizar aquilo pelo qual depois ficou famoso”. Seu livro sobre Freyre apurou “o que teria feito um indivíduo que, quando jovem, compartilhava com a elite os preconceitos da época contra o mestiço, vendo-o como um elemento que impedia o progresso do Brasil, mudar drasticamente de atitude” e “se impor como um defensor da mestiçagem”.

Denis Lerrer Rosenfield* - Lula, o MST e o agro

O Estado de S. Paulo

Mal não faria o candidato do PT ao explicitar suas posições, sem tergiversar. Reconhecer os erros passados seria já um grande avanço!

Talvez Lula devesse se perguntar por que o setor agrícola se opõe tão veementemente à sua candidatura. De nada adiantam inventivas ideológicas, senão mentirosas, rotulando os produtores rurais de “fascistas e reacionários”. Se medisse um pouco as suas palavras e abandonasse essa retórica sem nenhum fundamento, não teria o risco de um efeito propriamente bumerangue. Durante anos – e até hoje –, justificou e apoiou a invasão de terras, com armas brancas e de fogo, do MST, que reinava soberano e impune no campo brasileiro. Isso para não falar de seu apoio incessante a todas as ditaduras que se dizem de esquerda – sendo a mais recente a da Nicarágua, com a prisão de vários padres católicos. Isso para não falarmos, ainda, das ditaduras vizinhas, como Venezuela e Cuba. Seriam eles “democratas e progressistas”?

Merval Pereira - Marina Silva perto de apoio a Lula

O Globo

Ex- ministra se encontrou com Lula e apresentou condições para apoia-lo

Após duas horas de reunião no escritório do PT em São Paulo, tudo indica que Lula e Marina Silva chegaram a acordos mínimos em relação a propostas sobre meio-ambiente para o programa de um futuro governo petista. Toda a cúpula petista estava presente para recepcionar Marina, e o candidato a vice Geraldo Alckmin chegou a comentar com assessores dela que nas viagens que tem feito pelo interior do estado tem constatado o grande apoio a Marina para deputada federal.

O maior indício é que o PT já publicou no seu Instagram oficial a proposta da ex-ministra, que tem com um dos principais temas a criação de uma Autoridade Climática no país acompanhar a execução do programa ambiental. Amanhã o PT deverá confirmar que aceita as propostas e, caso realmente aconteça, Marina Silva anunciará seu apoio ao ex-presidente Lula na corrida presidencial.

Petista e Marina farão pronunciamento hoje

Lula e ex-ministra estiveram juntos neste domingo

Por Raphael Di Cunto / Valor Econômico

BRASÍLIA - O ex-presidente Luiz Inácio da Silva (PT) encontrou neste domingo a ex-ministra e atual candidata a deputada federal Marina Silva (Rede), que por três vezes disputou a Presidência. A reunião foi divulgada pelo petista por meio de suas redes sociais e um pronunciamento conjunto foi marcado para esta segunda-feira, às 11h, em São Paulo.

“Hoje [domingo], a meu convite, depois de muitos anos, reencontrei com Marina Silva. Relembramos da nossa história, desde quando nos conhecemos. Conversamos por duas horas e ela me apresentou propostas para um Brasil mais sustentável, mais justo e que volte a proteger o meio ambiente”, disse Lula. Junto à publicação, foi divulgada uma foto em que Marina entrega um documento para ele. O Rede Sustentabilidade, seu partido, já apoia Lula, mas ela foi posição vencida.

O encontro vinha sendo negociado por aliados de ambos há meses, numa nova tentativa de mostrar uma “união nacional” contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) e a disposição de Lula para fazer uma “conciliação” do país. Outro passo dessa estratégia foi o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), ex-adversário do PT, assumir como vice do ex-presidente nesta eleição.

Ricardo Mendonça - Lula dá guinada ao questionar Bolsonaro

Valor Econômico

Petista toma a ofensiva no debate sobre corrupção ao inquirir presidente sobre uso de dinheiro vivo na compra de imóveis

Mais que um ponto de inflexão em sua estratégia de campanha, o vídeo divulgado no feriado da Independência em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chama Jair Bolsonaro (PL) a explicar a compra de 51 imóveis por parte de familiares com dinheiro vivo pode ser considerado um marco da história do petista com o tema corrupção.

Oito anos depois da deflagração da Lava-Jato, seis anos após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e quatro anos depois de sua própria prisão - revogada com as peças de acusação derrotadas -, Lula retoma a ofensiva no tema que encurralou o PT e quase o levou a nocaute.

Até então, por razões táticas, petistas em geral evitavam o tema e nem sequer cogitavam “apontar o dedo” para levantar suspeitas contra rivais. Desde a noite do 7 de setembro, o comportamento tem sido radicalmente diferente.

Na manhã seguinte à data do Bicentenário da Independência, numa demonstração de que o tema havia sido alçado a um novo status, Lula voltou a citar a questão dos imóveis da família Bolsonaro numa carta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Embora o motivo da missiva fosse outro - justificar sua ausência em solenidade do Congresso sobre a Independência - ele achou relevante deixar registrado que Bolsonaro “poderia ter aproveitado o espaço generosamente cedido pela mídia para explicar como sua família conseguiu comprar 107 imóveis desde que ele entrou na política, sendo que 51 deles foram pagos em dinheiro vivo”.

Heloisa Murgel Starling* - De noviço a revolucionário

Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Frei Caneca foi o principal pensador político do processo de emancipação do Brasil que se desenhou a partir de Pernambuco, saltando do convento para as trincheiras na Revolução de 1817 e na Confederação do Equador, de 1824. Em seus escritos e atos práticos, associou a ideia de pátria à noção de virtude civil em relação à terra que se habita, defendeu uma Constituição que abarcasse uma lista de direitos e se opôs ao despotismo de dom Pedro, o que o levou à morte por fuzilamento.

A cabeleira amarelo-avermelhada era inconfundível. "Sou ruivo", disparou frei Caneca, em meio à polêmica que travou com o redator do jornal A Arara Pernambucana em junho de 1823, para confirmar, de uma vez por todas, a ascendência paterna portuguesa —aliás, a avó, Francisca Alexandrina, ganhara o apelido de Ruibaca, no Bairro Alto, em Lisboa, em consequência da ruividão.

A origem materna, ao contrário, estava entroncada desde meados do século 17, entre os indígenas e os escravizados africanos. Principiava na figura de sua trisavó, que ele reinventou com o nome Maria das Estrelas: "Pois é ponto de fé pia que essa Maria das Estrelas, minha trisavó, havia de ser alguma Tapuia, Potiguari, Tupinambá, senhora de muito mingau, tipoias, aipim e macaxeira; e também se foi alguma rainha Ginga, nenhum mal me fez; já está à porta o tempo de muito nos honrarmos do sangue africano".

O que se conhece sobre as origens de frei Caneca deve-se a ele mesmo, registrou o historiador Evaldo Cabral de Mello na introdução do volume que reúne seus principais escritos políticos. Difícil saber ao certo quando a investigação genealógica teve início, mas ela não tinha nada de inofensivo; servia bem ao debate público.

Desenrascar o enredo de sua ascendência talvez tenha lhe fornecido, ainda em 1822, algumas das respostas de que precisava para concretizar as bases de um projeto alternativo ao processo de Independência como empresado no Rio de Janeiro: federalista, voltado para a garantia do princípio do autogoverno provincial, ancorado na ideia de pátria e na figura de um personagem de inspiração republicana —o "cidadão patriota".

No dia 6 de março de 1817, antes mesmo de se processar a ruptura com Lisboa, a República foi proclamada na cidade do Recife. A Revolução de 1817 contestou o projeto de Império brasileiro encabeçado pela Corte instalada no Rio e abriu o ciclo revolucionário da Independência.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - “London Bridge is down!..”

A Rainha morreu. Vida longa ao Rei!...  Não dá quase tempo para respirar. A partir daquele momento, em cerimônia interna, todos se curvam e aclamam o sucessor. A Guarda Real assume o seu posto e, imediatamente, coloca-se a seu serviço. Desse momento em diante, quem, simbolicamente, manda, no Reino Unido, é o rei Charles III (Charles Philip Arthur George) e as maldições históricas. A primeira-ministra é comunicada em código: “London Bridge is down!”  

Parece um Golpe de Estado. Mas, não.   É assim que se faz na Inglaterra. A proclamação oficial do novo monarca, pelo chamado Conselho de Ascenção, acontece dois dias depois na presença dos membros do Parlamento, do Judiciário, do clero, representantes dos chefes de Estados dos países da Commonwealth (ex-colônias, que, independentes, ainda cultivam a monarquia inglesa como chefe de Estado) e toda a Família Real 

Muito diferente por aqui. Discute-se exaustivamente a eficiência e a neutralidade da tecnologia ou a possibilidade de fraude nas eleições. Concluído o pleito, o anúncio do resultado é provisório. As dúvidas são tantas, e é tanto recurso na Justiça que o reconhecimento dos vencedores oficialmente demora ainda uma semana. Perde-se depois um tempão escolhendo os convidados.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

É inadmissível cortar orçamento de áreas essenciais

O Globo

Para ampliar emendas parlamentares, governo propõe cortes em segurança, saúde, educação — e até na merenda

Em sua última manobra orçamentária, o presidente Jair Bolsonaro mudou por decreto a regra de autorização de despesas , para permitir a liberação de R$ 5,6 bilhões do orçamento secreto ainda antes da eleição, enquanto mantém o veto a verbas aprovadas pelo Congresso para Cultura e Ciência e Tecnologia. Cortes no Orçamento são naturais em qualquer governo diante do vaivém da arrecadação e das despesas previstas. O que não é natural é fechar a torneira em áreas essenciais, como educação, saúde ou segurança, e ao mesmo tempo deixá-la jorrar nas nebulosas emendas do relator, essenciais apenas para comprar apoio político no Parlamento.

Um exemplo cruel desse descontrole foi o veto de Bolsonaro ao reajuste, aprovado pelo Congresso, no valor que a União repassa a estados e municípios para comprar merenda escolar. São ridículos R$ 0,36 para alimentar um aluno do ensino fundamental ou médio e R$ 0,53 para crianças na pré-escola. Os valores estão congelados desde 2017, enquanto o preço dos alimentos disparou nos últimos meses. Não se deve ignorar que o refeitório das escolas é porto seguro para milhares de crianças que não têm o que comer em casa. A situação ficou evidente na pandemia, quando as escolas fecharam, e famílias pobres não tinham o que dar aos filhos.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O lutador

 

Música | Beth Carvalho - As rosas não falam (Cartola)