segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

Não deve ter outra origem a ideia de ocupação e loteamento do poder, a cooptação da direita tradicional e praticamente todos os seus representantes, bem como a criação artificiosa de uma "direita" com os pesados atributos de neoliberal, machista, racista e nostálgica do regime militar. Numa circunstância, como a brasileira, instável e sujeita a surtos de populismo, como de resto pode ocorrer a todas as democracias do nosso tempo, chega a ser irresponsável chamar de "direita" todo aquele que diverge ou critica, mesmo pertencendo evidentemente ao campo democrático.

No regime ideológico inflacionado, palavras e gestos se desgastam e se usam de modo instrumental. O punho cerrado, símbolo do comunismo histórico, pode ser erguido, no Parlamento, só para afrontar o chefe de um outro poder. Não há nenhuma ação verdadeira que ajude a formar a opinião pública: discute-se, em vez disso, a desinência gramatical da palavra "presidente". Estes e outros exemplos seriam apenas bizarrices, não viessem de um partido poderoso, com altas responsabilidades na República, e não denunciassem um gosto por operar à beira do abismo em que, à moda de Drummond, o diabo joga damas com o destino.

Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci no Brasil. O Estado de S. Paulo, 23 de novembro de 2014.

TCU aponta sobrepreço de R$ 1,1 bilhão em 20 obras do 'clube' de empreiteiras

• Levantamento realizado pelo 'Estado' em auditorias do Tribunal de contas da União mostra que empresas envolvidas no escândalo da Petrobrás também são suspeitas de promover superfaturamento de preços em outros empreendimentos do governo federal

Fábio Fabrini - O Estado de S. Paulo

As empreiteiras suspeitas de integrar o esquema de corrupção na Petrobrás ganharam de outros órgãos e empresas federais obras com valores que podem ter sido inflados em ao menos R$ 1,1 bilhão, segundo relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) analisados pelo Estado. De acordo com auditorias abertas a partir de 2003, o chamado “clube vip” de empreiteiros teve contratos superfaturados em 20 grandes empreendimentos, como a construção de ferrovias, rodovias, aeroportos e canais da Transposição do Rio São Francisco.

As auditorias e relatórios técnicos ainda não chegaram a render conclusões do TCU. Isso porque, na maioria dos casos, as empreiteiras contestam, por meio de recursos, os critérios usados pelo tribunal.

De acordo com os técnicos do TCU, tanto na Petrobrás quanto em obras de outras áreas do governo, o sobrepreço em planilhas de materiais e serviços é a principal fonte de prejuízos nos empreendimentos tocados pelas construtoras, que tiveram parte de executivos presa na sétima fase da Operação Lava Jato, batizada de Juízo Final e deflagrada no dia 14. Na estatal petrolífera, o “clube” dos empreiteiros obteve contratos de R$ 59 bilhões. Segundo o TCU, as irregularidades detectadas em empreendimentos da Petrobrás somam R$ 3 bilhões.

Ampliação. A Polícia Federal pretende ampliar o leque das investigações para além da Petrobrás. Os relatórios do TCU são usados como ponto de partida para as investigações. A suspeita é que o esquema de corrupção na estatal, que envolvia o pagamento de propina e o financiamento ilegal de partidos em troca de contratos superfaturados, tenha funcionado em outras áreas do governo.

“Essas empresas tinham interesses em outros ministérios capitaneados por partidos. São as mesmas que participaram de várias outras obras no Brasil”, afirmou à Justiça Federal o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que aceitou colaborar com as investigações.

Na construção das ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste em Goiás e Tocantins, contratada pela Valec, a diferença de preços alcança R$ 475 milhões. Na Norte-Sul, as empresas do “clube” assumiram 14 lotes de obras. Em quatro deles, sob responsabilidade da Constran-UTC, o TCU achou “gordura” de R$ 64,6 milhões em contratos que somam R$ 390 milhões.

Em outros três segmentos a cargo da Andrade Gutierrez, orçados em R$ 702 milhões, os preços tiveram um aumento de R$ 112 milhões. Só no trecho de 109 quilômetros entre Córrego Jabuti e Córrego Cachoeira Grande, no Tocantins, o contrato inicial com a construtora, de R$ 270 milhões, estava R$ 43 milhões ou 15% mais caro.

A Valec ainda firmou aditivos que aumentaram o valor global dos serviços para R$ 290 milhões. Um dormente, que deveria custar R$ 279, saiu a R$ 367 para o contribuinte. O TCU mandou a estatal repactuar os preços e abriu tomadas de contas – tipo de processo que serve para confirmar os danos ao erário e identificar responsáveis.

Por conta do superfaturamento nas ferrovias, o Ministério Público Federal ajuizou ações penais e de improbidade administrativa contra executivos das empreiteiras e a antiga cúpula da Valec – afastada em 2011, em meio a denúncias de corrupção.

Para a procuradoria, há similaridades com o caso Petrobrás. O ex-presidente da estatal José Francisco das Neves, o Juquinha, chegou a ser preso em 2012, na Operação Trem Pagador, acusado de enriquecer a partir de desvios da Norte-Sul. Ele nega.

Os contratos com a Valec se encerraram sem que todas as obras previstas fossem entregues. A estatal contratou novas construtoras para terminá-las.

O TCU também suspeita de superfaturamento em outros projetos, como o Metrô de Salvador. O consórcio formado por Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez recebeu R$ 312 milhões para construir o trecho Lapa-Pirajá, Segundo cálculos de auditores, a preços de mercado, o segmento custaria R$ 146 milhões. Por causa disso, a corte determinou que as empresas recolham a diferença de R$ 166 milhões aos cofres federais. Elas recorreram.

Transposição. Na Transposição do Rio São Francisco, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, a Odebrecht firmou contrato de R$ 458 milhões para construir o canal do Sertão Alagoano. Pelas contas do tribunal, houve um sobrepreço R$ 59 milhões, equivalente a 13%.

A Queiroz Galvão, em consórcio com a Galvão Engenharia, arrematou outros dois lotes, orçados em R$ 690 milhões, para escavar o Canal Adutor Vertente Litorânea, no Estado da Paraíba. Materiais e serviços previstos no contrato estão R$ 34 milhões mais caros que no mercado. Na quarta-feira, o tribunal determinou ajuste nos orçamentos.

Cartel opera há mais de 20 anos. Segundo depoimentos de delatores do caso Petrobrás, as dez principais empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato – Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Engevix, Andrade Gutierrez, Constran-UTC, Odebrecht, Mendes Júnior, Iesa, Galvão Engenharia e OAS – formaram um “clube” para desviar recursos de obras públicas desde os anos 1990. Na Petrobrás, o cartel fraudou licitações e superfaturou contratos em pelo menos nove empreendimentos, mediante o pagamento de suborno a dirigentes. As irregularidades ocorreram em obras como a do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e das refinarias de Paulínia (SP) e Abreu e Lima (PE). O “clube” ainda mantém contratos de R$ 4,2 bilhões em vigor com a Petrobrás. Entre elas, havia um grupo de vips, supostamente formado por Odebrecht, Constran-UTC, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e OAS, que tinha maior poder de “persuasão” na escolha dos contratos. A Engevix não apareceu nos relatórios do TCU sobre obras não relacionadas à Petrobrás citados nesta reportagem.

Operador recebeu R$ 5 mi de propina paga por empreiteira

• Diretor da Galvão diz que deu valor para representante de diretoria da Petrobras

• A Folha apurou que a Galvão Engenharia tem provas do pagamento, que serão apresentadas em breve à Justiça

Rubens Valente, Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - Um empresário recolheu propina de R$ 5 milhões, paga por uma empreiteira, dizendo-se representante da diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobras, à época dirigida por um indicado do PT.

O relato foi feito à Polícia Federal pelo presidente da divisão industrial da Galvão Engenharia, Erton Fonseca. Ele disse ter feito o pagamento a Shinko Nakandari --o sobrenome correto do executivo é Nakandakari.

A Folha apurou que a Galvão tem provas do pagamento, que serão apresentadas à Justiça. A reportagem não conseguiu localizar Shinko.

Segundo o executivo da Galvão, que está preso, Shinko atuava junto com o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, que já fez uma delação premiada e prometeu devolver à União US$ 97 milhões obtidos ilegalmente do esquema.

Barusco e Renato Duque foram indicados para a diretoria de Serviços pelo PT, que ficava com 3% dos valores dos contratos dessa área, segundo o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Erton Fonseca afirmou à Polícia Federal que Shinko desempenhou, em relação aos contratos da diretoria de Serviços sob a gestão de Duque, um papel semelhante ao do doleiro Alberto Youssef nas obras tocadas pela diretoria de Abastecimento da estatal, então chefiada por Paulo Roberto.

A Folha revelou na última terça-feira (18) que, em depoimento à PF, o empresário da Galvão disse ter pago propina a empresas do doleiro Youssef. No depoimento, ele conta que o montante chegou a R$ 4 milhões. Segundo ele, houve "pressões" do deputado federal José Janene (PP-PR) --morto em 2010--, de Costa e de Youssef. O dinheiro teria ido para o caixa do PP.

Foi na etapa seguinte do interrogatório que Fonseca reconheceu o segundo pagamento de propina, agora para a diretoria de Serviços. Ele contou que foi procurado por Shinko e este lhe disse que deveria pagá-lo para que "conseguisse contratos na Petrobras".

A Galvão diz ter sido vítima de extorsão: ou pagava suborno ou não obtinha novos contratos com a estatal.

Erton Fonseca contou que teve uma uma reunião com a presença de Barusco para tratar da propina. A empresa foi orientada a pagar um percentual que variava de 0,5% a 1% sobre o valor dos contratos.

Segundo a PF, a Galvão Engenharia fechou R$ 3,47 bilhões em contratos com a Petrobras entre 2010 e 2014. Por meio de consórcios, conseguiu mais R$ 4,1 bilhões em contratos entre 2007 e 2012.

Indagado sobre o papel de Duque nessas tratativas, ele disse que "não se recorda" de o ex-diretor ter "solicitado diretamente qualquer vantagem", mas acrescentou que em certa ocasião Duque lhe disse que "Barusco e Shinko não mais o representavam".

Desvio em Viracopos
Shinko Nakandakari, 65, é sócio da Talude Comercial e Construtora Ltda., que se encontra em recuperação judicial. Em 2007, ele e oito funcionários da Infraero foram alvo de uma ação movida por procuradores por irregularidades nas obras de ampliação do aeroporto de Viracopos (SP) entre 2000 e 2002.

O relatório final da CPI do Caos Aéreo, em 2007, afirmou que a Talude recebeu "pagamentos por serviços não realizados, que evidenciam a implantação de um esquema de desvio na Infraero". A CPI calculou o valor dos desvios na reforma em R$ 3,5 milhões.

EUA ameaçam com cadeia envolvidos em corrupção

• Executivos acusados na Lava-Jato podem ser processados com base em lei anticorrupção dos EUA

Danilo Fariello - O Globo

BRASÍLIA - Os envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato ganharam um motivo a mais para se preocupar. Em conferência na última quarta-feira, a procuradora-geral assistente do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ), Leslie Caldwell, responsável pelos casos de corrupção fora do país, foi bastante clara sobre a intenção de prender mais pessoas corruptas, em vez de punir companhias e seus acionistas, apelando para países parceiros colaborarem na busca dos protagonistas dos crimes. A Petrobras vem sendo acompanhada pelas autoridades dos EUA, que mantêm contato com o escritório Gibson, Dunn & Crutcher LLP, contratado pela própria estatal brasileira.

- O nosso histórico de sucessos nesses processos (mais recentes) nos permite mostrar aos executivos que, se eles participam de atos de corrupção, como influenciar indevidamente um funcionário público estrangeiro, individualmente terão uma perspectiva muito real de ir para a prisão - disse ela, durante conferência em Washington sobre a Lei contra Atos de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês).

A legislação permite ao Departamento de Justiça e à SEC (a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), com dose extra de rigor, investigar e punir empresas estrangeiras, sob alegação de que elas podem comprometer a competitividade de companhias americanas.

Os casos são ainda mais rigorosos quando as empresas têm ações ou ativos nos EUA ou competem com empresas globais, quesitos nos quais a Petrobras se encaixa.

Das 50 pessoas individualmente processadas pelo DoJ, em casos relacionados à lei anticorrupção nos últimos cinco anos, metade foi em 2013, afirmou Leslie Caldwell. Há nos EUA uma grande pressão da sociedade para que pessoas envolvidas em crimes de "colarinho branco" sejam presas, e não apenas suas companhias multadas em valores significativos, o que não deixou de continuar acontecendo.

Caso a Justiça americana comece a responsabilizar e punir com cadeia executivos de empresas envolvidas em fraudes, dirigentes da Petrobras e de empresas envolvidas nos escândalos da estatal poderão ser impedidos de pisar em solo americano e até em outros países, sob risco de prisão.

Se forem responsabilizados nos EUA, pode-se repetir com eles a situação do deputado Paulo Maluf (PP-SP). Indiciado pela Justiça de Nova York em 2007 por roubos de fundos públicos, transferência de recursos de origem ilícita e conspiração, Maluf seria preso se pisasse nos EUA. A partir de 2010, a situação se agravou com sua inclusão na difusão vermelha da Interpol. Isso o impede de deixar o Brasil e de passar por qualquer um dos 188 países signatários da organização policial internacional.

Uma eventual condenação pela Justiça americana, porém, não pode redundar em prisão no Brasil e em extradição, já que a Constituição impede a extradição de brasileiro nato. Assim, eles só serão presos no Brasil se condenados aqui.

Se a Operação Lava-Jato levou para a prisão presidentes e diretores de grandes empreiteiras tradicionais, e pôs em xeque as operações da maior empresa do Brasil, nos EUA a Petrobras, seus executivos e conselheiros deverão enfrentar rigor ainda maior. No âmbito das pessoas jurídicas, os EUA tendem a punir as empresas não só pelos atos, mas pela falta de controles anticorrupção, explica Richard Craig Smith, chefe de Investigações Regulatórias e Governamentais do escritório Norton Rose Fullbright em Washington, e ex-procurador do DoJ.

- As empresas também podem ser consideradas vítimas de processos de corrupção pelas autoridades americanas, mas apenas se tiverem os controles internos e comprovarem que seus processos são suficientemente acurados para indicar essas situações - disse Smith.

Qualquer ação no sentido de maior controle é bem-vinda pelos EUA. Em um caso envolvendo a Statoil, por exemplo, o governo da Noruega, que controla a empresa, preferiu diluir a diretoria da empresa, investigada nos EUA, para mostrar boa vontade em relação às autoridades americanas. A Embraer possui um processo em curso junto às autoridades americanas que envolve investigações sobre o pagamento de propinas em países estrangeiros para a venda de aeronaves, e também optou pela criação de um departamento de controle ("compliance").

- As empresas não têm culpa ou dolo em atos desse tipo, o que compete às decisões de pessoas físicas, mas estão sujeitas a penalidades e têm de provar seus métodos de controle, para indicar que não são lenientes - explicou Marta Viegas Rocha, integrante do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Conselho da estatal não deve ser incriminado
O caso da Embraer mostra um pouco como funcionam as investigações da SEC e do DoJ. Ele se arrasta desde 2010 e levou a empresa brasileira a conviver com restrições operacionais ou de acesso a crédito. A Embraer vem indicando em seu balanço, desde 2011, que as investigações no âmbito do FCPA "podem resultar em multas significativas ou em outras sanções ou consequências adversas". A empresa diz que vem conduzindo uma investigação interna e cooperando com autoridades do Brasil e dos EUA, mas que não pode fazer comentários adicionais.

Assim como a Embraer criou a área de "compliance", a Petrobras vem atuando em sua defesa - e na de seu conselho, principalmente - ao anunciar diretoria similar e ao abrir investigação contra ex-diretores e empreiteiras envolvidas. Essa vem sendo considerada, por especialistas e parlamentares, uma tentativa do conselho de dar satisfação ao mercado e tentar evitar que o caso chegue aos seus integrantes da época de negócios como a compra de Pasadena.

Tradicionalmente, o DoJ aceitava acordos propostos pelas empresas que envolviam multas elevadas (na casa até do bilhão de dólares) mas que preservavam as pessoas envolvidas nos atos. Nessa linha, especialistas e advogados ainda veem como pequena a possibilidade de o Conselho de Administração da Petrobras, do qual fazia parte a presidente Dilma Rousseff, ser incriminado nos EUA. Ao focar nas empresas, e não nas pessoas, o governo americano vinha amealhando bilhões de dólares do exterior em investigações no âmbito do FCPA.

Para Glen Kopp, advogado do escritório Bracewell & Giuliani LLP, é difícil que uma investigação do FCPA puna membros do Conselho de Administração de uma empresa processada.

- As pessoas que atuavam na autorização de pagamentos, na intermediação de valores, que deveriam saber o que ocorria, mas olhavam para o outro lado, os que cobrem ações e que fraudam documentos são tipicamente as pessoas processadas em casos envolvendo o FCPA. É algo que o DoJ gostaria de fazer, mas os sistemas de gestão e a burocracia acabam protegendo diretores e conselheiros - disse Kopp.

O destino mais provável para o caso da Petrobras nos EUA, mantida a tradição das autoridades, seria assumir novas posturas de controle de práticas e pagar uma salgada multa, correndo o risco de sofrer ações judiciais por parte de acionistas minoritários em busca de compensações.

Oposição se mobiliza em comissão do Senado para investigar atuação do 'Clube do Amém'

• Aparelhamento político leva instituições a investirem recursos em negócios suspeitos

Simone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA - O "Clube do Amém" entrou na mira da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Amanhã, o líder do PSDB, senador Aloysio Nunes Ferreira (SP), cobrará agendamento de audiência pública com a presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão, Cláudia Ricaldoni, e com Carlos de Paul, da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Conforme revelado ontem pelo GLOBO, há um esquema de aparelhamento político na gestão dos fundos de pensão das estatais, apelidado de "Clube do Amém", que leva essas instituições a investirem os recursos em negócios suspeitos.

O tucano apresentou requerimento para as entidades irem ao Senado esclarecer denúncias de gestão fraudulenta de recursos do fundo de pensão Postalis, dos funcionários dos Correios.

- A agenda da comissão está carregada, mas vamos ter que apressar a aprovação desse requerimento e agendar a audiência pública para este ano ainda. Essas novas denúncias mostram que não há limites para o PT. Não se trata mais de fatos isolados, mas de um Modus operandi de um partido que resolveu fundar seu poder na corrupção como estratégia de ocupação - disse Aloysio Nunes.

Os partidos de oposição se reunirão amanhã para analisar o que mais pode ser feito para que se investigue os investimentos temerários que vêm sendo feitos pelos fundos de pensão. Segundo o líder do DEM, senador José Agripino Maia (RN), a pauta da CPMI da Petrobras está congestionada e, mesmo que sejam apresentados requerimentos para apurar as denúncias, a tendência é que nem cheguem a ser apreciados, já que os trabalhos da comissão deverão se encerrar dia 22 de dezembro. Por isso, avaliou, a discussão deverá se iniciar na CAE e ser levada, em 2015, a uma nova CPI.

- Esse é um caso clássico da máxima "onde há fumaça, há fogo". Há anos, muito antes de o PT chegar ao governo, circulam indícios de aplicação incorreta dos recursos e de manipulação na gestão dos fundos por petistas - afirmou o senador do DEM.

As denúncias de irregularidades partiram da Associação dos Aposentados e Pensionistas do Serpros e pela Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão à Previc no ano passado. Segundo as entidades, há "uma possível articulação entre os fundos para a realização de aplicações nem sempre de acordo com os interesses dos participantes". As associações alegam que as aplicações feitas pelos gestores levaram à perda de recursos.

Funcionários reagem a interferência em fundos

• Correntes críticas às diretorias dos fundos de pensão aumentam fiscalização sobre gestores

Alexandre Rodrigues e Daniel Biasetto – O Globo

A insatisfação com a ingerência política nos fundos de pensão e com os casos frequentes de investimentos malsucedidos levou funcionários das estatais a formar chapas para ocupar cadeiras nos conselhos deliberativos dessas entidades. O objetivo é tentar aumentar o poder de fiscalização sobre os gestores de seus patrimônios bilionários. Esse movimento começou no início deste ano, quando funcionários do Banco do Brasil, da Petrobras e da Caixa Econômica Federal elegeram conselheiros com posições críticas à direção dos três maiores fundos de pensão do país: Previ, dos empregados do BB; Petros, da Petrobras; e Funcef, da Caixa. Juntos, eles administram um patrimônio de mais de R$ 300 bilhões destinado ao pagamento de futuras aposentadorias complementares de funcionários das estatais que são suas patrocinadoras.

Conselheiros também criarão fórum
Agora, esses conselheiros pretendem criar um fórum de participantes de vários fundos de pensão para trocar informações e experiências sobre como aumentar a fiscalização interna das fundações e promover mudanças nos estatutos para reduzir a influência das patrocinadoras, e, portanto, do governo. As primeiras reuniões deverão acontecer em janeiro de 2015.

Como O GLOBO informou ontem, participantes e funcionários dos fundos de pensão têm feito denúncias a órgãos de ingerência política nessas entidades a Polícia Federal, Ministério Público Federal e Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). O Sindicato dos Empregados de Previdência Privada do Rio de Janeiro (Sindepperj) apelidou a suposta coordenação política de direcionamento de investimentos dos fundos de "Clube do Amém".

Na maioria dos fundos de pensão, a direção das estatais, influenciada pelo governo ou por partidos da base aliada, indica o mesmo número de conselheiros que os eleitos pelos participantes. No entanto, a patrocinadora exerce o controle de fato com a prerrogativa de indicar o presidente do conselho, que tem voto de desempate. Acontece que, em vários fundos, esse instrumento não era utilizado porque não se mostrava necessário. Conselheiros eleitos por funcionários que fazem parte de sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT, dedicam-se com afinco à eleição de conselheiros nos fundos de pensão. Uma vez no colegiado, passam a acompanhar o voto dos indicados pelas patrocinadoras.

Em maio deste ano, participantes da Previ e da Funcef venceram chapas de sindicalistas ligados ao PT e assumiram cadeiras no conselho deliberativo das entidades. São representantes de grupos de auditores de carreira do Banco do Brasil e da Caixa.

Na Petros, sindicalistas ligados à Associação dos Engenheiros da Petrobras e do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindpetro-RJ) já haviam conquistado, em 2013, duas cadeiras fazendo oposição à Federação Única dos Trabalhadores (FUP), que tem um conselheiro eleito e vários dirigentes da fundação indicados pela Petrobras.

A influência política é maior nos fundos cujas regras de governança dão menos poder de decisão aos representantes dos participantes. Na Previ, por exemplo, os funcionários têm direito a eleger conselheiros e alguns diretores. Não há voto de qualidade da patrocinadora, mas os principais cargos seguem sendo indicados pela direção do Banco do Brasil, ligada ao PT, como os de diretor-presidente, diretor de Participações e diretor de Investimentos.

Previ teve lucro em 2013
Já na Petros, todos são eleitos pelo conselho deliberativo, onde a Petrobras tem o voto de desempate.

- A gente percebe que em vários negócios controversos a Petros está sempre com Postalis ou Funcef. A Previ quase não aparece - explica Silvio Sinedino, conselheiro eleito da Petros e um dos integrantes do grupo de participantes dos fundos de pensão.

Fundos com maior participação de pessoas independentes têm melhor resultado. Em 2013, um ano com rentabilidade baixa para todos os fundos por causa de problemas na economia, a Previ teve um superávit de R$ 24,7 bilhões. Já a Petros amargou déficit de R$ 2,2 bilhões.

Maria Inês Capelli, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), acredita que a criação de uma rede de segurados de diferentes fundos pode aumentar a conscientização dos funcionários das estatais para participar da gestão dos fundos de pensão. Ela afirma que os participantes do Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios, podem aprender muito com a experiência dos oposicionistas que venceram eleições nos conselhos de Previ, Funcef e Petros recentemente.

- Precisamos barrar o aparelhamento e a ação de sindicalistas que não estão defendendo o interesse dos funcionários. É a nossa aposentadoria que está em jogo - diz Maria Inês, que também integra o grupo que está formando a rede de segurados.

Reunidos em São Paulo no dia 12 de novembro, membros de Adcap, Funcef, Previ, Petros e da Associação Nacional dos Auditores Internos da Caixa Econômica Federal (Audicaixa), que estão à frente da criação do fórum, lançaram um manifesto com as principais diretrizes de trabalho, preocupados com os "destinos dos fundos de pensão" e tendo em vista o que chamaram de "ameaças no contexto atual". Foram definidas quatro frentes de trabalho: concentrar esforços para incentivar a união de atividades para proteger os interesses dos membros dos fundos; traçar estratégias comuns na política de investimentos; participação ativa nas discussões sobre mecanismos regulatórios que afetem os associados; e aumento da participação na governança dos fundos, pondo à disposição o maior número de informações aos participantes do fórum.

Perfil ortodoxo gera críticas no PT ao escolhido para a Fazenda

• Ex-secretário do Tesouro entrou em conflito com Mantega em 2006 por visão sobre salário mínimo

• Petistas veem contradição na escolha de Levy após campanha de Dilma afirmar que Aécio cortaria mínimo

Andréia Sadi - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Convidado para assumir o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy coleciona críticas de ministros atuais de Dilma Rousseff e tem sido alvo de petistas, que nos bastidores tentam reverter a indicação. Eles argumentam que Levy tem perfil liberal e é contra a política de valorização do salário mínimo.

Um dos principais adversários de Levy no governo Lula foi justamente Guido Mantega, então presidente do BNDES e hoje titular demissionário da Fazenda.

Em março de 2006, Mantega acusou Joaquim Levy, então secretário do Tesouro Nacional, de ter uma visão "conservadora, não sintonizada com a política social do governo Lula".

Os programas sociais são a principal vitrine dos 12 anos dos governos Lula e Dilma.

Na ocasião, Mantega contestou um estudo elaborado por Levy, hoje no Bradesco, que apontava o aumento do salário mínimo como o responsável por parte substancial do crescimento do gasto público em 2005. O estudo foi divulgado no site do ministério da Fazenda.

"Estão equivocados. Este governo tem por objetivo elevar o valor do salário mínimo e executar os programas sociais. Isso é o que diferencia este governo. Nenhum burocrata pode impedir que o presidente o faça. Quem for contra está em outro governo", atacou Mantega em uma entrevista para o jornal "O Estado de S. Paulo" em 2006.

Na sexta, Dilma convidou Joaquim Levy, Alexandre Tombini e Nelson Barbosa para integrarem a sua nova equipe econômica.

Proximidade com PSDB
Uma ala do PT quer reverter a escolha de Levy para a Fazenda alegando sua proximidade com a política econômica do PSDB de Aécio Neves. Eles lembram, reservadamente, que a indicação pode representar uma contradição em relação às críticas feitas por Dilma durante a campanha eleitoral.

Dilma criticou a escolha de Aécio por Armínio Fraga, presidente do BC no governo FHC, que ficaria à frente da Fazenda. A presidente chegou a dizer que Fraga "não gosta do salário mínimo".

"Ele acha que, no Brasil, para resolver os problemas, eles têm de reduzir o salário mínimo porque está excessivo. Isso é um escândalo", afirmou a presidente.

Na TV, Dilma explorou uma frase de Aécio, segundo a qual, se eleito, tomaria medidas "impopulares". A peça dizia que poderia isso significaria "eventuais cortes na educação, saúde e em programas sociais".

A indicação de Levy, revelada pela Folha na sexta (21), foi bem recebida pelo mercado. A Bolsa subiu 5% e dólar caiu 2,08% para R$ 2,519.

Isto é Joaquim Levy
"Qual é, afinal, o objetivo fiscal do governo? É diminuir a dívida? Ou é imprimir uma trajetória para o gasto corrente? Algo que dê uma visibilidade de três, quatro, cinco anos. Acho que isso é o mais importante"
Em entrevista ao "Valor Econômico", em novembro de 2013

"Quanto mais sólido o desempenho fiscal, menor vai ser a carga em cima dos juros e eventualmente melhor para as ações"
Em entrevista à "Isto É Dinheiro", em janeiro de 2014

"Ao mudar a base da folha de pagamento para o faturamento, você precisa ficar ajustando a alíquota para cada setor, e pode até errar e acabar aumentando o custo de alguns. Em tributação, você não pode improvisar"
Em entrevista à Folha em agosto de 2013

Mercado financeiro projeta PIB menor e inflação maior em 2014

• Analistas consultados pelo Relatório Focus calculam que a economia irá crescer 0,20% neste ano e a inflação fechará em 6,43%

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

Depois do suspiro da semana passada, as estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2014 passaram de 0,21% para 0,20% no Relatório de Mercado Focus. O documento, divulgado pelo Banco Central, revela que há um mês a expectativa mediana para o crescimento do País estava em 0,27%. A perspectiva dos analistas de que haverá retomada da atividade no ano que vem foi mantida em 0,80%, como na semana anterior. Quatro semanas antes, porém, a projeção para 2015 estava em 1,00%.

A produção industrial segue como o principal setor responsável pelas previsões para o PIB deste e do ano que vem. No boletim Focus, a mediana das estimativas do mercado para o setor manufatureiro revela uma expectativa de queda de 2,30% este ano - a mesma da semana passada. Há quatro semanas, estava em -2,24%. Para 2015, o crescimento desse segmento deve ser de 1,30% ante 1,31% do levantamento anterior e de 1,42% de um mês atrás.

Os economistas também ajustaram suas estimativas para o indicador que mede a relação entre a dívida líquida do setor bruto e o PIB. Para 2014, a mediana passou de 35,80% da semana passada para 35,85% agora - estava em 35,25% um mês atrás. Já para 2015, a mediana das previsões permaneceu em 36,00%. Quatro semanas antes estava em 35,75%.

Inflação. As projeções para a inflação deste ano cada vez mais se consolidam perto do teto da meta de 6,50%, ultrapassando-o em alguns casos. De acordo com o Focus, a mediana das estimativas para o IPCA de 2014 passou de 6,40% para 6,43%. Há um mês, a taxa estava em 6,45%. Para 2015, a mediana das previsões foi alterada de 6,40% para 6,45% ante 6,30% de quatro semanas atrás.

Para o curto prazo, mesmo com a boa nova do IPCA-15 deste mês, que veio abaixo das previsões feitas pelos analistas do mercado financeiro, a taxa para novembro se manteve em 0,60%. Já a de dezembro foi alterada de 0,69% para 0,73%.

Juro. Uma semana antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o mercado manteve a estimativa de que a Selic subirá mais 0,25 ponto porcentual em dezembro. A mediana das previsões para a taxa básica de juros ao final do ano continuou em 11,50% ao ano. A estabilidade das projeções ocorreu mesmo depois da sinalização do diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, de que poderá aumentar o passo do aperto monetário. Com isso, a Selic média deste ano também segue em 11,00% ao ano.

Dólar. A escalada do dólar nas mesas de operações foi transferida para o Focus. A mediana das estimativas para o fim de dezembro de 2014 passou de R$ 2,53 para R$ 2,55 - há um mês, estava em R$ 2,40. Já para 2015, a cotação subiu de R$ 2,61 para R$ 2,65 de uma semana para outra - um mês antes estava em R$ 2,50.

Levy deve restaurar credibilidade da gestão

• No Tesouro, desavenças com Dilma

Angela Bittencourt e Vanessa Adachi – Valor Econômico

SÃO PAULO - A escolha de Joaquim Levy para comandar a pasta da Fazenda certamente não foi trivial para a presidente Dilma Rousseff. O secretário do Tesouro do governo Lula controlava o cofre do governo com mão de ferro e precisou ser sacado de seu posto por aqueles que pretendiam desengavetar projetos, ampliar investimentos e programas sociais, grupo encabeçado por Dilma, então ministra da Casa Civil. Levy agora é resgatado do setor privado para repetir a receita do início do governo Lula: controlar gastos, colocar a casa em ordem e, com isso, restaurar a credibilidade do governo.

Em sua primeira passagem pelo governo, Levy foi consagrado pelo extraordinário trabalho de reestruturação do perfil da dívida pública, alongando o prazo de vencimento de títulos federais que passaram a ser alvo de atenção de investidores estrangeiros, hoje responsáveis pelo financiamento de quase 20% da trilionária dívida mobiliária brasileira.

A saída do então secretário do Tesouro, em 2006, está intimamente ligada à ampliação da zona de influência de Dilma no segundo mandato do governo Lula. Levy e Dilma encontravam-se em lados opostos da disputa que se instaurou entre monetaristas e desenvolvimentistas no interior do governo. Disputa essa que, como se sabe, foi vencida pelo segundo grupo e traduziu-se na substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega na Fazenda.

O estranhamento entre Levy e Dilma não ficou circunscrito a aspectos de política fiscal. Começou ainda quando a presidente era Ministra das Minas e Energia. Mesmo no Tesouro, Levy não se furtou de externar que tinha uma visão muito diferente daquela da ministra para o modelo energético do país.

Antigos colegas de governo e setor privado descrevem Levy como um homem muito correto, de opiniões fortes, duro, obcecado por suas metas e que não se conforma quando as coisas não saem do seu jeito.

O temperamento difícil e o comportamento tido como arrogante por alguns - traços pessoais que afugentam até alguns amigos - são apontados por ex-colegas de governo e de mercado como "vantagens competitivas" neste momento em que o ex-secretário do Tesouro, título que consolidou seu nome no sistema financeiro, ascende ao comando da Fazenda - cargo de maior prestígio no governo, após a Presidência da República.

Levy é tido como um formulador de políticas que, mesmo na iniciativa privada, mantinha o cacoete de sempre avaliar o impacto das decisões de negócios sobre a economia do país.

Segundo ex-colegas, é grande conhecedor dos setores de infraestrutura e transporte e um defensor de que os investimentos nessas áreas sejam financiados via mercado de capitais. A expectativa é de que ele persiga uma forte desalavancagem dos bancos públicos.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, que substituiu Levy no Tesouro Nacional em 2006, contou que o ex-secretário tem "um perfil de executivo duro, correto e determinado". Levy era conhecido por ser "workaholic" e muito dedicado. "Ele chegou a deixar um sofá na sala do Tesouro onde costumava descansar quando ia até tarde no trabalho", relata Kawall.

Formado em Engenharia Naval e doutor em Economia pela Universidade de Chicago, com rica experiência de trabalho no Fundo Monetário Internacional (FMI), praticamente por toda a década de 1990, nos Departamentos do Hemisfério Ocidental, Europeu e de Pesquisa especializada em Mercado de Capitais e União Europeia, Levy assumiu o Tesouro em 2003 - início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e foi um dos homens fortes do presidente até março de 2006, quando deixou o Tesouro e assumiu a vice-presidência de Finanças e Administração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No ano seguinte, deixou este cargo para assumir a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio no governo de Sérgio Cabral (PMDB).

Quatro anos mais tarde, em 2010, já estava cotado para nova posição no BID, em Washington, quando foi convidado para compor a equipe da Bradesco Asset Management (Bram). Reza a lenda que Levy foi surpreendido por um interlocutor com uma mensagem de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, em meio a um embarque com destino à capital americana, onde ainda residia a sua família.

A contratação do ex-secretário do Tesouro pelo Bradesco, embora para a equipe da gestora de ativos, agitou o mercado financeiro. Em comunicado dirigido ao mercado, o presidente do Bradesco informou a contratação do ex-secretário, que representava "importante contribuição para a consolidação do projeto de internacionalização da Bram".

Mas Joaquim Levy sempre foi apontado como um brilhante formulador de políticas públicas, algo distante da gestão de carteiras de investidores. Ainda mais em uma instituição privada que é de onde ele partirá para retornar ao setor público, para o qual tem genuína vocação. (Colaboraram Talita Moreira e Silvia Rosa)

Ele é o próximo

• O tesoureiro do PT, João Vaccari está na mira da Operação Lava Jato. Seu envolvimento no petrolão assusta o PT e o governo

Alberto Bombig e Pedro Marcondes de Moura - Época

Desde 2005, quando eclodiu o escândalo do mensalão, uma palavra é capaz de tirar o sono de militantes do PT: tesoureiro. Foi a ligação entre o responsável pelas finanças do partido, Delúbio Soares, e o empresário Marcos Valério que levou à ruína de líderes históricos do PT, como José Genoino. "Presidente , o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira", afirmou o ex-deputado Roberto Jefferson, em junho de 2005, ao relatar uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva meses antes. O desfecho do mensalão é conhecido. Dirceu, Genoino, João Paulo Cunha e o próprio Delúbio acabaram condenados e presos. Lula enfrentou sua maior crise política, e sei mandato ficou sob risco. Transcorridos nove anos, o rastilho de pólvora do petrolão, o escândalo de corrupção na Petrobras, ameaça chegar até o Palácio do Planalto. A dinamite agora atende pelo nome de João Vaccari Neto, sucessor de Delúbio na Tesouraria do PT.
Nos últimos dias, o nome de Vaccari ressurgiu com força nas investigações sobre o petrolão. Mesmo diante da cautela com que o juiz Sergio Moro vem conduzindo as apurações da Operação Lava Jato, a quantidade de citações a Vaccari e as evidências que o ligam ao esquema sugerem que ele, mesmo sem ter sido indiciado pela Polícia Federal, será um dos próximos alvos da operação.

Sem compromisso com a cautela que rege o bom processo judicial, a CPI mista da Petrobras, no Congresso Nacional, quebrou os sigilos bancário, fiscal e telefônico de Vaccari, numa vitória da oposição. "Como o tempo da Justiça é outro, a CPI tem a função de investigá-lo, porque Vaccari é o elo direto do esquema com o PT", afirma o senador José Agripino (DEM-RN), um dos líderes da oposição no Congresso. Assim como Delúbio cuidou das contas da campanha de Lula em 2002, Vaccari atuou nas finanças das campanhas de Dilma, em 2010 e neste ano. A quebra de seu sigilo preocupou o Palácio do Planalto.

Um advogado que atua na defesa dos presos na Lava Jato e é ligado ao PT disse a ÉPOCA que o futuro de Vaccari está atrelado aos depoimentos de Renato Duque, o ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras, cuja prisão preventiva foi decretada na semana passada pelo juiz Sergio Moro. Em seu despacho, Moro disse que ele tem uma "fortuna" em contas secretas no exterior. Com base na delação premiada do executivo Julio Camargo, da empresa Toyo Setal, os investigadores identificaram uma empresa offshore, a Drenos, controlada por Duque e com contas na Suíça. Camargo afirmou ter pagado propina a Duque. Em seu depoimento, Duque negou."Se Duque contar tudo o que sabe, não há como Vaccari resistir", diz o advogado.

O próprio Vaccari avisou a familiares e integrantes da cúpula do PT sobre a possibilidade de ser preso a qualquer momento pela PF. O partido e o governo estão de sobreaviso. No último dia 15, um dia depois da fase atual da Lava Jato, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se encontrou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, enquanto Lula fazia um check-up médico. Lula e Cardozo conversaram sobre a necessidade de o governo federal agir para tentar criar um ambiente positivo, que tire Dilma e o PT das cordas. Para complicar, a morte do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, aos 79 anos, na semana passada, também se transformou em outro motivo de preocupação para o PT (leia mais na seção Em Memória, na página 39). Sem o cérebro das estratégias de defesa do PT, os petistas terão mais dificuldades para explicar os negócios de Vaccari e do partido com os implicados na Lava Jato.

O primeiro a ligar Vaccari às fraudes foi o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Ao detalhar, em cifras e valores, como os postos-chave da maior empresa do país foram repartidos entre PT, PMDB e PP para montar um esquema de corrupção, Paulo Roberto disse que Vaccari era um dos responsáveis por levar os recursos desviados aos cofres petistas. O doleiro Alberto Youssef foi além. Afirmou que se reuniu mais de uma vez com Vaccari para discutir negociatas. Num depoimento na terça-feira, dia 18, Pedro Barusco, braço direito de Duque na Petrobras e ex-gerente de Serviços da estatal, alçado ao posto pelo PT, também envolveu Vaccari no esquema. Barusco se comprometeu a devolver à Justiça cerca de R$ 250 milhões em propinas, em troca da atenuação de sua pena. Suas revelações foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), procedimento adotado quando há citação a autoridades com direito a foro privilegiado. Preso na carceragem da Polícia Federal de Curitiba desde a sexta-feira, dia 14, Duque ainda relutava, na semana passada, a admitir transações ilícitas em sua relação com o tesoureiro do PT. Afilhado de José Dirceu, a quem deve a indicação para a diretoria da Petrobras, Duque admitiu proximidade com Vaccari. Mas atribuiu-a a "empatia" e "amizade", a ele "ser pessoa agradável para o convívio, principalmente em jantares em São Paulo e Rio de Janeiro", segundo seu depoimento aos investigadores da Lava Jato. Se depender do juiz Moro, Duque não deverá ganhar a liberdade tão cedo. Depois de ter transformado a prisão de Duque de temporária em preventiva, Moro deverá transferi-lo para o presídio estadual de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba. O local é conhecido por abrigar presos de facções criminosas.

Apesar de Duque tê-lo descrito como "pessoa agradável de convívio", Vaccari não goza dessa reputação, mesmo no PT. É conhecido como um homem duro, "um trator". Delúbio apreciava charutos cubanos, fazia questão de mostrar proximidade com o poder e chegou a dar entrevista no saguão do Palácio do Planalto. Vaccari é discreto e avesso à ostentação, qualidade que agrada à presidente Dilma. Pouco afeito a discursos, ele controla minuciosamente os cofres do partido. A gestão dele na Secretaria de Finanças foi responsável pela recuperação das contas do PT, combalidas após o mensalão. Uma das poucas semelhanças entre Vaccari e Delúbio é a origem no sindicalismo e a proximidade com Lula. Tal relação confere a Vaccari um status no PT parecido ao do atual presidente, Rui Falcão.

Quando Delúbio caiu em desgraça, Vaccari foi apresentado aos operadores do petrolão. Era chamado para reuniões que ocorriam em São Paulo, num hotel da rede Meliá, onde se hospedava o deputado José Janene (PP-PR). Janene, morto em 2010, foi uma espécie de padrinho de Paulo Roberto e o mentor do petrolão. Lá, ele recebia líderes petistas para conversas. A convite de Janene, o doleiro Youssef também participava das reuniões.

A entrada de Vaccari na vida sindical e política se deu praticamente no momento em que ingressou como escriturário numa agência do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), na Praça do Patriarca, centro da capital paulista, em maio de 1978. Era, segundo quem trabalhou com ele, um rígido seguidor da jornada de trabalho de seis horas por dia. Não fazia nem um minuto de hora extra, mesmo em eventualidades. Lá, passou a conviver com militantes de grupos de esquerda que, mais tarde, participaram, como ele, da fundação da Central Única dos Trabalhadores e do PT. Entre eles, Luiz Gushiken - seu colega de Banespa e ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, morto em 2013 - e Ricardo Berzoini, atual ministro de Relações Institucionais. Em 1979, Vaccari ajudou o grupo de oposição a tomar o poder no Sindicato dos Bancários de São Paulo, numa eleição realizada na Casa de Portugal (espaço de eventos paulistano famoso por celebrar reuniões do PT antes da chegada do partido ao Planalto).

Em 1983, após uma greve, o sindicato sofreu uma intervenção decretada pelo regime militar. Foi então que Vaccari obteve as chaves do cofre de um grupo político pela primeira vez. Tornou-se o tesoureiro do movimento alijado do sindicato. O grupo voltou ao poder, para não mais sair, em 1985, depois do fim da intervenção. Pelos serviços prestados, foi empossado como tesoureiro do sindicato e estreitou sua relação com Berzoini. Nessa ocasião, ganhou a fama de "homem do cheque". Vaccari operava, com eficiência, nos bastidores, as eleições sindicais que garantiram a permanência do grupo no comando do sindicato. Em 1998, depois que Berzoini foi eleito deputado federal, coube a Vaccari substituí-lo na presidência do sindicato.

A destreza com que ele operava a máquina sindical o levou a duas missões que serviram para ampliar a base do PT entre os bancários. Depois de participar da fundação da CUT, Vaccari percorreu o país aglutinando sindicatos dos bancários, no fim da década de 1980. No mesmo período, também foi indicado para a presidência do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A gestão de Vaccari à frente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, entre 1998 e 2004, acumulou polêmicas. No período, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), uma empreitada imobiliária liderada pelo sindicato, atingiu seu auge.

Segundo um relatório do Ministério Público de São Paulo de 2013, cerca de 3 mil famílias que investiram na casa própria foram vítimas de fraude em 14 empreendimentos inacabados da Bancoop. Diretores das associações de vítimas dizem que a gestão de Vaccari foi desastrosa, criou cobranças irregulares para os compradores que não receberam seus apartamentos e também para aqueles que já tinham escritura. Investidores ligados a Vaccari tiveram sorte diferente. Marice Correa de Lima, cunhada dele, relacionada ao mensalão e detida na Operação Lava Jato, por ter recebido dinheiro da OAS, é dona de uma unidade da Bancoop. A CUT é proprietária de outros dois apartamentos entregues pela Bancoop no bairro paulistano do Tatuapé.

Os desvios nos caixas da Bancoop, cujo diretor financeiro era Vaccari, foram investigados por uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo e são alvo de uma ação na Justiça. Entre os documentos anexados aos autos, há cheques assinados por Vaccari sacados na boca do caixa e pagamentos a construtoras de outros diretores da cooperativa. Isso gerou acusações de desvios de recursos para campanhas do PT, ampliadas por causa dos investimentos dos fundos de pensão na Bancoop. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) aportou cerca de R$ 5 milhões na empreitada da Bancoop. Também colocaram dinheiro a Petros, dos funcionários da Petrobras, e o Funcef, da Caixa Econômica Federal. Nos governos do PT, o relacionamento de Vaccari com os fundos de pensão estatais gerou, mais de uma vez, denúncias. O doleiro Lúcio Funaro, operador do mensalão, em depoimentos às CPIs dos Correios e das ONGs no Congresso, afirmou que Vaccari fazia tráfico de influência nos fundos de pensão para facilitar investimentos em projetos.

Vaccari assumiu o cargo de tesoureiro do PT no início de 2010, quando terminou a gestão de Berzoini no comando nacional do partido. Uma das exigências de Berzoini para apoiar José Eduardo Dutra, o preferido de Dilma para a presidência do PT, era que Vaccari Ficasse responsável pelo caixa do partido. Consultado, o ex-ministro Dirceu deu aval, e Vaccari foi confirmado no cargo. Naquele mesmo ano,Vaccari passou a arrecadar para a campanha eleitoral que levou Dilma ao Planalto, em parceria com o ex-prefeito de Diadema José de Filippi Júnior. Impulsionado pelo bom momento da economia no final da gestão Lula e pela força da candidatura Dilma, Vaccari pôde demonstrar sua habilidade como arrecadador. A campanha de Dilma amealhou R$ 135 milhões, quase R$ 30 milhões a mais que o tucano José Serra.

No ano seguinte, o desempenho de Vaccari também foi notável. Mesmo que 2011 não fosse um ano eleitoral, o PT arrecadou R$ 50,7 milhões de empresas, 20 vezes o que PMDB e PSDB conseguiram. Metade das doações foi feita por construtoras e empreiteiras com contratos com o poder público. O resultado permitiu ao PT saldar dívidas da campanha de Dilma e equilibrar as contas do partido. Em entrevista ao jornal O Globo, Vaccari explicou seu método de trabalho: "Procuro a empresa e peço o dinheiro para o partido. Mantenho relacionamento com empresas de todos os setores da economia. Apenas eu estou autorizado a fazer isso dentro do PT", disse.

Nas eleições deste ano, Vaccari teve uma vida mais difícil. O deputado estadual Edinho Silva (PT-SP) foi escalado para arrecadar recursos para a campanha de Dilma, enquanto Vaccari ficou encarregado de buscar dinheiro para o PT. Era inevitável que os dois disputassem recursos nas mesmas fontes. A primeira arrecadação parcial, em agosto, mostrou que a campanha de Dilma obtivera R$ 10,1 milhões, contra RS 11 milhões do tucano Aécio Neves.
Vaccari tentou atribuir o desempenho ruim a Edinho. Depois que depoimentos da Lava Jato sobre suas relações com Youssef se tornaram públicos, empresários que costumavam doar ao PT pararam de atender aos telefonemas de Vaccari, até mesmo para evitar ser associados ao petrolão. Passaram a procurar preferencialmente Edinho. Dilma tinha a preocupação de afastar do Planalto a arrecadação comandada por Vaccari, que sempre teve como motor a relação das empreiteiras com o governo e a Petrobras. Como se vê, ela tinha razões para agir dessa maneira.

Marina Silva critica primeiras medidas econômicas de Dilma

• Ex-senadora acusou a presidente de tomar rumo conservador na economia; ela evitou tecer comentários sobre os nomes cogitados

Eduardo Rodrigues - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A ex-ministra Marina Silva criticou duramente as primeiras medidas tomadas pela presidente Dilma Rousseff na economia após o segundo turno das eleições. Marina, que disputou a sucessão presidencial pelo PSB, não quis fazer comentários sobre os nomes cogitados para os ministérios do novo governo,mas acusou a presidente de tomar o rumo conservador, que na campanha tanto criticou.

A Executiva da Rede Sustentabilidade, partido que Marina não conseguiu ainda legalizar, realizou dois dias de reunião, em Brasília. A ex-ministra informou que os integrantes da agremiação, que se filiaram ao PSB para a disputa eleitoral deste ano, continuarão até que se consiga as cerca de 32 mil assinaturas, que ainda faltam para viabilizar o partido.

Marina acusou de “marketing selvagem” o que o PT teria feito durante a campanha e que agora se mostraria incoerente. “Uma coisa foi o marketing selvagem para se ganhar a eleição e outra coisa agora é a realidade. A nossa atitude de oposição independente é coerente com aquilo que falamos durante a campanha. Seremos contrários ao que julgarmos que seja ruim e favoráveis ao que for bom”, disse a ex-candidata.

Entre os pontos criticados por Marina está o aumento da taxa de juros e o anúncio da redução do superávit primário em 2014 logo após o fim das eleições. O Banco Central elevou a Selic de 11% para 11,25% ao ano em outubro, surpreendendo o mercado financeiro. “Uma outra coisa que antes era tratada como um tabu durante a campanha eram os preços administrados. E já vimos ações tomadas logo após a eleição. Esta é a diferença entre a realidade e o mundo colorido do marketing selvagem do PT”, completou.

Perguntada os nomes cogitados para o Ministério da Fazenda - primeiro Luiz Carlos Trabuco e, depois, Joaquim Levy, ambos do Bradesco - logo após o PT ter cunhado a expressão “candidata dos banqueiros” para classificar Marina durante a campanha, a ex-ministra afirmou preferir não comentar nomes antes de um anúncio oficial do governo.

Ainda assim, Marina lembrou que Levy foi braço direito do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e classificou o economista como “competente”. Ela lembrou que Palocci foi o responsável pelo superávit fiscal que superou a meta de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005 e chegou a 4,84%. “E a presidente Dilma criticou muito isso (a elevação do superávit) durante a campanha.”

Marina também não quis comentar a hipótese de a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) vir a assumir o Ministério da Agricultura. “Vivemos um momento delicado, de uma visão desenvolvimentista, que não respeita o meio ambiente. O código ambiental representou um retrocesso no Congresso e o desmatamento volta a crescer”, avaliou.

Já o porta-voz da Rede Sustentabilidade, Walter Feldman, complementou dizendo que as medidas de ajustes ficais que já vêm sendo tomadas pela presidente Dilma mostram que a economia, de fato, está em uma situação mais dramática do que a que era mostrada na campanha do PT. “Aquela história de pobres contra ricos, trabalhadores contra banqueiros, não se mostrou uma verdade como era dita na campanha da Dilma.”

Embora o PSB só deva anunciar sua posição em relação ao governo federal até 27 de novembro, próxima quinta-feira, a Rede Sustentabilidade já se declara “oposição” à gestão Dilma Rousseff. Antes da legalização do partido, a Rede evita fazer um balanço de parlamentares eleitos, mas, sem citar nomes de aliados, a estimativa é de que o novo partido tenha seis deputados estaduais, dois deputados federais e um senador na próxima legislatura.

Sobre as alianças estaduais, Feldman afirmou que a Rede participará dos governos apoiados pelo grupo nas eleições deste ano desde que a formação dessas gestões tenha afinidade programática com os ideais da Rede. “Vamos dar uma contribuição real a esses governos, e não apenas ocupar espaço. Indicaremos pessoas por critérios de capacidade técnica e administrativa. Queremos ter uma participação qualificada”, concluiu.

As deliberações da Executiva Nacional tomadas neste fim de semana serão levadas à reunião do diretório nacional da Rede Sustentabilidade, que ocorrerá no próximo mês. Somente em dezembro, portanto, a plataforma de oposição do grupo será concluída.

Rede será transformada em partido até março de 2015

• Com a criação oficial da legenda, Marina deixa o PSB na mesma data

Catarina Alencastro – O Globo

BRASÍLIA - A Rede Sustentabilidade, idealizada por Marina Silva, pretende transformar-se oficialmente em partido até março do ano que vem. A Comissão Executiva Nacional da futura legenda, que reuniu-se durante o fim de semana em Brasília, informou, em entrevista coletiva em Brasília, que ainda precisa coletar e validar cerca de 32 mil das 484,5 mil assinaturas de que precisa para ter seu registro oficializado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Marina deve deixar o PSB até março do ano que vem, quando a Rede estiver oficializada.

Em outubro de 2013, a Rede teve o registro de criação do partido negado pelo TSE por não ter obtido o número mínimo de assinaturas para sua constituição. Na época, eram necessárias 492 mil assinaturas para validar a legenda pela qual Marina pretendia concorrer à Presidência, o que correspondia, naquele ano, a 0,5% da soma dos votos dados aos deputados federais na última eleição, que tinha sido em 2010. A Justiça Eleitoral validou 442.534, 49.466 a menos que o necessário. Isso obrigou Marina e aliados a migrarem às pressas para outro partido a tempo de disputar as eleições deste ano, e o escolhido na época foi o PSB.

Oposição independente
Segundo integrantes da Rede, a legenda terá perfil de oposição independente, uma posição muito semelhante à que o PSB também pretende assumir. A Rede vai permanecer ligada à legenda do falecido Eduardo Campos até que consiga se viabilizar junto ao TSE.

A Comissão Executiva Nacional também decidiu que fará oposição independente ao governo Dilma Rousseff. O objetivo é criticar o que considera ruim e apoiar o que acha ser bom para o país.

- Avaliamos as questões no mérito. Por isso, seremos oposição independente para podermos assumir posições contrárias àquilo que julgamos que será ruim para o país, e posições favoráveis ao que for bom para o país - emendou Marina.

O porta-voz da Rede, Walter Feldman, disse estar preocupado com a "dramática crise econômica" e prometeu fiscalizar os desvios éticos, especialmente com relação à Petrobras.

- (Estamos) Extremamente preocupados com os caminhos que o Brasil vai tomar do ponto de vista econômico-político, e as medidas que são necessárias, que terão eficaz oposição e fiscalização em relação a fatos graves que a imprensa tem veiculado todos os dias, notadamente em relação à corrupção, aos graves desvios éticos, particularmente em relação à Petrobras - disse o ex-coordenador da campanha de Marina na coletiva.

Nas discussões internas, integrantes da Executiva da Rede fizeram um balanço sobre o capital eleitoral que obtiveram no último pleito e eventuais participações em governos estaduais. Pedro Ivo, um dos fundadores do grupo, lembrou que a Rede elegeu seis deputados estaduais, dois federais e um senador, todos filiados a partidos aliados. Ele preferiu não citar os nomes, alegando que não cobrará adesão ao novo partido, quando ele for criado.

Dilema de apoio a governos
A portas fechadas, a Executiva discutiu que só integraria governos que apoiou no primeiro turno. Entre esses, venceram as eleições Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), José Ivo Sartori (PMDB-RS) e Paulo Câmara (PSB-PE). O debate passou pelo dilema de apoiar um governo do PSDB, como o do Pará, e depois ter que explicar para os eleitores que a Rede não é um braço auxiliar dos tucanos.

Assim como fez no segundo turno, quando impôs condições programáticas para apoiar o tucano Aécio Neves contra Dilma, no plano estadual a participação em governos também terá de obedecer a tais critérios.

- Não podemos nos enfraquecer como terceira via. Mas também não podemos nos tornar um PSOL da sustentabilidade e nos isolarmos - disse um participante. ( Colaborou Simone Iglesias )

Marina acusa Dilma de 'esquecer tabus'

• Ex-senadora diz que petista fez "marketing selvagem" e agora adota posições que usou para desqualificar adversários

• As 32 mil assinaturas que faltam para formalizar a Rede devem ser colhidas até março do ano que vem

Márcio Falcão - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois de se reunir com seu grupo político, a ex-senadora Marina Silva anunciou neste domingo (23) que fará uma "oposição independente" no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e acusou a petista de esquecer tabus pregados durante a eleição para tentar retomar a credibilidade econômica.

Terceira colocada na corrida presidencial, Marina afirmou que a Rede, partido que tentará formalizar até março de 2015, quer ter autonomia para assumir posições contrárias naquilo que considerar ruim para o país, e favoráveis para o que for bom.

A ideia, segundo ela, é tentar marcar uma diferença em relação à oposição tradicional, principalmente após ter declarado apoio ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) no segundo turno das eleições.

A ex-senadora disse que Dilma praticou "marketing selvagem" na campanha e agora tem adotado posições que usou para desqualificar adversários diante do confronto com os riscos econômicos para o Brasil.

"Temos uma série de ações que foram tomadas logo em seguida [da eleição] que era um tabu, que não podia mencionar, como, por exemplo, a questão dos preços administrados. E tudo isso foi esquecido, a diferença entre a realidade e o mundo colorido que foi apregoado pelo marketing selvagem", afirmou.

A ex-senadora foi cautelosa ao comentar os ministeriáveis que devem ser anunciados nesta semana por Dilma.

Tachada pela presidente de "candidata dos banqueiros" na campanha, Marina não quis comentar o convite feito ao diretor-presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para assumir o Ministério da Fazenda --ele recusou.

A ex-senadora também mediu palavras sobre a aguardada confirmação de Joaquim Levy, também do alto escalão do Bradesco, no cargo.

Marina disse que só vai se manifestar depois que os nomes forem oficializados, mas fez questão de ressaltar que Levy foi "responsável pelo superávit fiscal" de 4,5% do PIB quando estava na Secretaria do Tesouro Nacional, no governo Lula, índice rechaçado por Dilma na campanha.

Rede
Ficou acertado que o grupo de Marina terá que recolher até março as 32 mil assinaturas que faltam para formalizar o pedido de criação do partido. Até lá, integrantes da Rede filiados ao PSB devem manter-se na sigla.

"Nós fomos lá abrigados e pretendemos manter essa posição", disse o porta-voz da Rede, Walter Feldman. "Pretendemos ter uma linha de proximidade com o PSB."

Para líderes, reforma política precisaria ser aprovada em 2015

• De acordo com líder do PT na câmara dos Deputados, o ano é ideal para a discussão da reforma por estar longe da disputa eleitoral

Iuri pitta, Ricardo Chapola, Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

Apesar das tradicionais divergências sobre qual reforma política levar adiante, líderes partidários e de bancadas da Câmara dos Deputados concordam em pelo menos dois pontos estratégicos. Para acontecer, ela deve ser debatida e votada em 2015 para não sofrer interferência do processo eleitoral de 2016. E, para ser efetivada, deve ter forte participação popular.

"Temos a disposição de discutir a reforma no ano que vem, longe da disputa eleitoral", disse o líder do PT na Casa, deputado Vicentinho (PT-SP). Segundo ele, o PT pretende insistir na realização de um plebiscito para que as questões sejam submetidas ao voto popular. A proposta da presidente Dilma Rousseff já encontrou forte resistência na Casa e corre risco de não ser aprovada.

O partido, dono da maior representação da casa, com 70 deputados, ainda não fechou posição sobre questões como o fim da reeleição. A principal bandeira será a proibição das doações de campanhas eleitorais por empresas, com a manutenção das feitas por pessoas físicas.

Para o deputado Marcos Pestana (PSDB-MG), escalado como porta-voz tucano para a reforma política, apesar da necessidade urgente de alterações substanciais no sistema político, a reforma deve ser "rasa e despretensiosa, mas com mudanças importantes" para garantir a aprovação do que é mais relevante.

O líder do PMDB na Casa, Eduardo Cunha (RJ), nome mais cotado para ser o próximo presidente da Câmara, diz que a discussão será feita ponto a ponto. Segundo ele, o levantamento do Estado, ainda que apresente um quadro preliminar, sinaliza que a maioria dos parlamentares da Casa quer mudanças a partir do ano que vem. "E eu estou entre aqueles que querem muitas mudanças", disse.

Levantamento mostra reforma política possível

• Enquete revela itens que têm apoio da maioria dos deputados eleitos, como o fim da reeleição e das coligações proporcionais

Iuri Pitta, Ricardo Chapola, Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo


SÃO PAULO - Levantamento realizado pelo Estado com os deputados federais eleitos aponta para itens de uma possível reforma política que contariam com o apoio da maioria do Congresso. São eles o fim da reeleição, a unificação do calendário eleitoral, a proibição das coligações partidárias para o Legislativo e a adoção de cláusula de desempenho para as legendas. Em contrapartida, o financiamento público das campanhas aparece como a medida que mais encontra resistência.

A partir das sete perguntas elaboradas para a enquete, a proposta de maior aceitação entre os 341 deputados que responderam ao questionário - de um total de 513 parlamentares - foi o fim da reeleição para cargos executivos. A medida foi defendida por dois dos três principais candidatos à Presidência - Aécio Neves, do PSDB, e Marina Silva, do PSB.

Hoje, 278 parlamentares reeleitos ou novatos se dizem favoráveis a essa mudança. Outros 63 afirmaram ser contra à proposta, que não foi defendida abertamente pela candidata vencedora ao Planalto, Dilma Rousseff. A petista, porém, se disse disposta, durante a campanha, a discutir o assunto. A reeleição foi instituída por emenda do Congresso em 1997, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Esse volume de votos ainda é inferior aos 308 exigidos para mudar novamente a Constituição - o número corresponde a 60% do total de deputados da Câmara. Os 278 votos representam, porém, 81% de todos os parlamentares entrevistados. Essa tendência foi constante ao longo da enquete. O tema também foi o único no qual nenhum entrevistado se absteve.

Outras duas propostas obtiveram adesão semelhante. A adoção da cláusula de desempenho foi apoiada por 274 entrevistados. A medida restringiria o acesso ao Fundo Partidário a siglas que não obtivessem um mínimo de votos. Ela chegou a ser aprovada pelo Congresso em 1995, mas foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Juristas consideram que a medida depende de emenda constitucional para que entre em vigor.

Outra medida bastante apoiada, com 273 votos, é a unificação das eleições municipais, estaduais e presidencial num mesmo ano - hoje, os eleitores vão às urnas a cada biênio e as eleições para prefeito e vereador são realizadas separadas das demais. O tema também foi defendido por Aécio e Marina, mas rejeitado por Dilma e por 64 deputados eleitos.

Coligações. O fim das coligações proporcionais obteve adesão de 270 deputados, ou 79% dos entrevistados que responderam a essa questão. Outros 64 foram contra e 7 não souberam opinar. A medida é vista como fundamental para evitar distorções na representação parlamentar: pelo atual sistema, os partidos podem se unir na disputa por vagas do Legislativo e, depois, atuarem de forma independente. Assim, o eleitor dá o voto para uma legenda, mas ajuda a eleger o candidato de outra sigla.

Na atual proposta de reforma política em discussão no Congresso, os parlamentares discutem a criação da federação partidária, como contrapartida à defesa da cláusula de desempenho. Partidos menores poderiam se unir na disputa eleitoral, mas seriam obrigados a atuar de forma conjunta pelos próximos três anos - caso contrário, seriam barrados pela cláusula de desempenho.

Com menor adesão, mas próxima da maioria dos 513 deputados, o fim do chamado foro privilegiado para autoridades tem apoio de 257 parlamentares. Isso permitiria abertura de processo contra políticos sem depender de autorização do STF. Os defensores do foro privilegiado - 76 votos - alegam que, na primeira instância, haveria maior risco de perseguição política.

O ponto que mais divide os deputados ouvidos é o financiamento de campanha. Na enquete, 182 se disseram favoráveis ao uso exclusivo de verba pública e 151, contra esse modelo. O STF julga a ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que tenta barrar a doação de empresas aos candidatos e aos partidos, por considerá-la inconstitucional. A análise permanece suspensa por um pedido de vistas.

A única questão feita com múltipla escolha é a relacionada ao sistema de votação. A exemplo da cláusula de desempenho, foi a que mais houve abstenção: 13 entrevistados. Entre os cinco modelos que poderiam ser votados, o de maior adesão (30%) é o distrital misto, pelo qual metade da Câmara é eleita em lista definida pelos partidos, de forma proporcional, e metade em distritos eleitorais, nos quais o mais votado ganha a vaga. Esse modelo é o preferido da maioria dos tucanos. Em seguida vem a proposta de "distritão" defendida pelo vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer.

O modelo majoritário, na qual os mais votados são eleitos, obteve 27% de apoio. A proposta de maior aceitação entre petistas - proporcional com lista fechada - foi apoiada por 12% dos entrevistados, mesmo porcentual dos que preferem o sistema distrital puro. O atual modelo - proporcional com lista aberta - ficou com 14% da preferência.

Como foi feita a enquete
A enquete foi realizada eletronicamente e por telefone. Por e-mail, a reportagem enviou o link para um formulário criado no Google Forms, que poderia ser respondido pelo deputado ou por um assessor.

Dos 513 parlamentares que tomam posse em fevereiro, 341 responderam às perguntas - seis com opções Sim ou Não e uma de múltipla escolha - e 72 informaram não querer opinar. Outros 84 eleitos foram contatados por e-mail ou por telefone, mas suas respostas não chegaram ao Estado até sexta-feira, e 16 não foram localizados.

Ajudaram a realizar a enquete alunos do Curso Estado de Jornalismo: Ana Cristina Mazeo, Ana Paula Mansur, Diego Moura, Luiz Felipe Barbiéri, Luana Assis, Maria Eduarda Chagas, Maria Tereza Matos, Mariana Goulart Hueb, Mariana Naviskas, Marília Marasciulo, Mateus Luiz de Souza, Natália Cacioli, Raquel Brandão, Raul Galhardi, Stéfano Mariotto de Moura, Thiago Sawada e Tulio Kruse.

José Antonio Segatto - Reforma política

- O Estado de S. Paulo

A declaração de intenção da presidente, recém-eleita, de fazer uma reforma política via plebiscito causou estranheza em alguns e perplexidade em outros. Isso, provavelmente, porque a presidente em 2013 já havia feito tal proposta - rejeitada pelo Congresso e vista como imprudente por muitos setores da opinião pública -, sobressaltada que ficou quando jovens manifestantes, durante as "jornadas de junho", se aproximaram do palácio e chegaram às portas e ao teto do prédio do Congresso. Cessados os ímpetos contestatórios, o projeto governamental foi engavetado temporariamente.

Essas proposições da presidente não são novidade. Em quase todos os governos, no início de mandato ou em momentos de crise (impeachment de Collor em 1992, escândalo do mensalão em 2005, etc.), a reforma política é posta e reposta. Considerada por muitos como "a mãe de todas as reformas", calcula-se que haja no Congresso cerca de três centenas de projetos tramitando, que vão desde iniciativas pontuais até propostas abrangentes.

Não obstante as controvérsias e vicissitudes, é fato que desde os anos 1990 a reforma política vem sendo realizada de maneira gradativa, com alterações tópicas nas normas político-eleitorais.

Por exemplo: a opção pela República e pelo presidencialismo em detrimento da monarquia e do parlamentarismo no plebiscito realizado em 1993; a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos; o estabelecimento da reeleição para os cargos executivos; a exclusão dos votos em branco do cálculo do quociente eleitoral; a determinação da verticalização obrigatória para as coligações partidárias (depois considerada inconstitucional pelo STF); a fixação da cláusula de barreira de 5% dos votos para deputado federal para que o partido tenha direito ao funcionamento legislativo, acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito (também julgada inconstitucional pelo STF); a regulação do financiamento de campanhas; a aprovação da Lei da Ficha Limpa; a abolição de candidaturas natas; a introdução da urna eletrônica, etc.

Sem dúvida alguma, essas mudanças todas nas regras político-partidárias e eleitorais contribuíram, sobremaneira, para o aprimoramento da soberania popular e da representação política e, consequentemente, das instituições democráticas.

Obviamente, em que pesem essas melhorias, há ainda muitos problemas a serem resolvidos, como o da correção da desproporção de representação entre os Estados na Câmara dos Deputados; o das coligações partidárias, particularmente nas eleições proporcionais; o da suplência de senador; o do cálculo da distribuição de cadeiras (quociente eleitoral e sobras); o do financiamento das campanhas por empresas e a limitação do poder econômico; o da distribuição e da duração do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão; o da sobreposição do Poder Executivo ao Legislativo; o das siglas de aluguel; o do voto em listas abertas ou fechadas, ou ainda flexíveis.

O enfrentamento e a resolução desses problemas envolvem a elaboração de consensos mínimos, que, por sua vez, requerem laboriosos convencimentos, permanentes negociações e alta dose de transigência. Isso porque as divergências e os interesses representados são muitos e vastos. Portanto, o debate e a deliberação sobre a reforma política - qualquer que seja sua dimensão, extensa ou restrita - não podem ser encaminhados de maneira açodada e muito menos facciosa e ardilosa.

Há pelo menos três grandes vertentes com concepções e propostas diferentes. Uma que não deseja mudança alguma; diante do imponderável, prefere manter tudo como está. Considera o atual sistema político-partidário e eleitoral eficiente, funcional e conveniente. Outra que julga necessária uma reforma substancial, capaz de eliminar os elementos perturbadores que causam instabilidade e paralisia decisória, para garantir a governabilidade. E a terceira, que concebe o sistema em vigor como sendo, embora não ideal, bastante razoável. Ele necessitaria, sim, de aperfeiçoamentos específicos que eliminem determinadas distorções.
Pelo exposto, é possível aquilatar que a questão da reforma política não é tão patente ou indiscutível como muitos apregoam, muito menos uma panaceia para todos os males da política brasileira.

Se a proposição da presidente em 2013 teve evidente intento diversionista, a proposta reatualizada, em novembro de 2014, soou como um blefe. Como advertência ao PMDB e aos demais partidos da "base aliada" - cujos presidentes estavam todos à volta dela no palanque no momento do discurso da vitória - o recado foi claro: ou apoiam os projetos do governo ou serão ultrapassados, ou mesmo subjugados, por ele.

Mas é possível, também, interpretá-lo por outro viés, segundo o qual o governo, diante das resistências do Congresso para realizar a reforma política (entre outras) por ele desejada, entende que caberia ao Executivo a iniciativa de promovê-la, convocando um plebiscito - a vitória eleitoral ter-lhe-ia dado o aval necessário para tal.

Se essa compreensão é factível, estamos presenciando uma tentativa de revivificar a história pregressa. Nos idos de 1964, seu ascendente político (Leonel Brizola) propugnava, ante os impasses e dificuldades para se aprovarem as reformas no Congresso, por sua realização à revelia do Legislativo e por plebiscito. Meio século depois, as mesmas concepções parecem ser reencarnadas ou exumadas por uma herdeira daquela linhagem política. E nisso não há paradoxo algum - tanto a geração morta quanto os novos donos do poder sempre desconfiaram deles e nunca tiveram muito apreço, em sua cultura e práxis política, pelos procedimentos e valores democráticos.

Isso nos faz evocar Marx, que certa vez lembrou que Hegel observara que "os fatos e personagens na história ocorrem duas vezes, mas esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa".

*José Antonio Segatto é professor titular de Sociologia da Unesp