sábado, 7 de outubro de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - 'Nós é que fizemos de menos'

Folha de S. Paulo

Não são as ambições que são excessivas, mas nossas injustiças que são muitas

A mais democrática e generosa de nossas Constituições completou 35 anos nesta semana. Ponto culminante do processo de transição para a democracia, estabeleceu como objetivos fundamentais da República "construir uma sociedade livre, justa e solidária"; "garantir o desenvolvimento nacional"; "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"; por fim, estabeleceu como meta "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação".

Fruto de uma intensa participação popular, que invadiu o Congresso Nacional, e de uma ampla negociação entre os principais atores políticos, econômicos e sociais, o texto foi recebido com uma forte dose de ceticismo por setores conservadores, que não apenas vaticinaram a sua morte precoce como também sempre resistiram à sua implementação.

Dora Kramer - Moderação aos Poderes

Folha de S. Paulo

Se não colocarem a bola no chão, STF e Congresso enfraquecerão a democracia

Há que se chamar ao exercício da moderação o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Apelar à observância do pressuposto maior da política em seu sentido nobre: a construção de consensos a partir de dissensos.

Instituições que —cada qual a seu modo e grau de intensidade— resguardaram a legalidade, enfrentaram os achaques golpistas de um presidente da República e, assim, reforçaram a democracia, agora atuam para enfraquecê-la.

Fricções são normais entre Poderes, por independentes. Já atritos ao molde de conflitos pedestres, ferem o preceito da harmonia. Pois é isso o que vemos no rebuliço armado entre o Parlamento e a corte maior do Judiciário.

Alvaro Costa e Silva - O fantasma do golpe parlamentar

Folha de S. Paulo

Recado do Congresso ao STF é claro: se contrariar meus interesses, aguente o garrote

Mais interessado em emparedar o STF, o Senado esqueceu a votação da minirreforma, inviabilizada para as eleições municipais de 2024. Aprovado na Câmara, uma das muitas maracutaias do projeto envolve o fundo eleitoral, mina de dinheiro —cerca de R$ 6 bilhões— com recursos públicos empregada sem transparência e controle.

Em novembro de 2022, Valdemar Costa Neto entrou em pânico quando o ministro Alexandre de Moraes, do STF, bloqueou o fundo do PL, reagindo a mais uma etapa do golpe contra a eleição de Lula. À época, o partido pediu ao TSE a impugnação de quase 280 mil urnas usadas no segundo turno. No primeiro, com 99 deputados federais e oito senadores eleitos pelo PL, elas continuariam valendo. A ação aloprada de Valdemar custou caro. Os pagamentos ao partido só foram liberados em fevereiro com a quitação da multa de R$ 22,9 milhões.

Hélio Schwartsman - Faroeste policial

Folha de S. Paulo

Esquerda não deveria abrir mão das ideias iluministas ao tratar de segurança pública

A esquerda em geral tem dificuldades para lidar com a segurança pública. E a principal razão para isso é que a visão esquerdista da questão, herdeira do projeto iluminista e calcada no respeito aos direitos humanos, não é muito bem recebida pela população, que tende a preferir abordagens mais punitivistas, de olho em resultados rápidos e sem se importar muito com efeitos colaterais.

Não é uma surpresa que as pessoas se deixem pautar pelo medo. Thomas Hobbes, um produto do violentíssimo século 17, captura bem a escala do desejo de nossa espécie por segurança quando escreve que, para nos livrarmos da guerra de todos contra todos, que ele julgava ser o estado natural da humanidade, deveríamos nos submeter ao poder absoluto do soberano. Para Hobbes, só teríamos o direito de nos rebelar contra o chefe caso ele nos condenasse à morte.

José Casado - A direita reage

Liberais tentam se reinventar para sobreviver no mapa eleitoral

Sebastián Piñera já presidiu o Chile por duas vezes e é um empresário afortunado, com patrimônio estimado em 3 bilhões de dólares, equivalentes a mais de 15 bilhões de reais. Aos 73 anos poderia estar aposentado, mas está inquieto. Desde que deixou o poder, em março do ano passado, percorre capitais latino-americanas para submeter uma ideia à crítica de líderes políticos, empresariais e ativistas locais.

— Creio naquilo que dizia Dante Alighieri: os piores lugares do inferno estão reservados àqueles que se declaram neutros em tempos de crise — vem repetindo, amparado nas alegorias do poeta italiano, autor do clássico A Divina Comédia.

Dias atrás, em Buenos Aires, Piñera juntou-se a Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina, e a dezenas de antigos chefes de Estado, parlamentares, empresários e acadêmicos para discutir a reconstrução da direita na América Latina.

O projeto é ambicioso. Prevê agenda comum, supranacional, baseada em ações “claras, transparentes e comunicadas” entre os engajados — 21 partidos inscreveram-se até a semana passada.

A proposta é inédita. Pela primeira vez, líderes da direita tradicional preocupam-se em coordenar posições na disputa pelo poder na região, dentro das regras do regime democrático.

Ricardo Rangel - Grito, choro e ranger de dentes

O conflito entre o liberalismo e o reacionarismo

“Estado de coisas inconstitucional”: é assim que o STF define o sistema carcerário brasileiro. Trata-se da violação ampla, constante e sistemática de direitos humanos fundamentais.

Não é novidade: todo mundo sabe que o sistema prisional brasileiro é um inferno. Há superlotação de celas; assassinatos, estupros e tortura; mistura de sexos; faltam água e higiene. E grande parte dos presos não deveria sequer estar presa. Os presídios são fábricas de criminosos perigosos e fornecedores de mão de obra para o crime organizado.

A novidade é a determinação à União (e aos estados) que apresente um plano para corrigir a situação.

Para o governo Lula, é um constrangimento: a esquerda é defensora dos direitos humanos e o ministro da Justiça acaba de anunciar um plano de segurança que promete construir mais presídios, mas não fala sobre a situação dos presos em si. Sem falar que o PT ficou treze anos no poder e nada fez em relação ao assunto.

Carlos Alberto Sardenberg - Ora, a Constituição

O Globo

O salário mínimo constitucional quebraria as empresas privadas e todos os níveis de governo

Data venia, desculpa qualquer coisa e perdão pelas palavras, mas a Constituição Cidadã foi um desastre econômico. Gerou uma versão estatizante e criou direitos e benefícios que simplesmente não podem ser cumpridos.

O salário mínimo é inconstitucional desde que a Carta Magna foi aprovada, em 1988. Diz lá que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

Considerem uma família de quatro pessoas, casal e dois filhos, morando no Rio ou em outra região metropolitana, e está na cara que o valor atual, R$ 1.320, não dá.

Eduardo Affonso - Sem neura capitalista

O Globo

Os culpados são essa gente malvada que prefere dividir mal a abundância a ratear salomonicamente a miséria

A riqueza global voltou a crescer, depois da queda registrada em 2022. Estima-se que aumente 38% até 2027 — e que esse aumento, nos países emergentes, contribua para a redução da desigualdade.

Os culpados são os capitalistas, essa gente malvada que prefere dividir mal a abundância a ratear salomonicamente a miséria. Felizmente, há pessoas boas e sensíveis, que ficam chocadas com o aumento no número de milionários — e, no bom combate aos muito ricos, acabam nem percebendo que os pobres têm ficado menos pobres.

Uma dessas almas nobres é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. O ex-sindicalista está incomodado com o liberalismo das relações entre a Uber e os motoristas que, voluntariamente, usam a plataforma para garantir o próprio sustento e o de suas famílias. O ministro quer melhorar a vida de mais de 1 milhão desses trabalhadores — que hoje escolhem o dia e o horário em que desejam trabalhar, que clientes aceitam, para onde topam fazer a corrida e por quanto tempo estão dispostos a ficar no batente. Sabendo, claro, que seus ganhos dependem dessas escolhas.

Pablo Ortellado - Guerras culturais prejudicam proteção à infância

O Globo

Demonização do adversário acaba se sobrepondo ao interesse declarado de proteger a família

As eleições para o Conselho Tutelar marcaram uma nova explosão das guerras culturais em torno dos temas da família. Progressistas e conservadores entraram em intensa campanha para eleger os conselheiros responsáveis por garantir os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. A disputa aconteceu na mesma semana em que se desenvolvia a controvérsia sobre o sucesso do filme conservador “Som da liberdade”, que discute a exploração sexual infantil.

A disputa no Conselho Tutelar foi marcada pelo receio de progressistas de que conselheiros conservadores atuariam para limitar o aborto legal, seriam condescendentes com abusos sexuais no seio das famílias e ignorariam agressões homofóbicas e transfóbicas contra adolescentes. Os conservadores temiam que conselheiros progressistas fossem complacentes com a difusão da “ideologia de gênero” nas escolas e que fechassem os olhos à pedofilia, interpretada por eles como liberdade sexual.

Carlos Góes - É proibido tropeçar

O Globo

Para saber se um lugar é desenvolvido, deve-se olhar para os canteiros: cuidar deles exige estruturar serviços

Numa rua qualquer havia muitos buracos, e muitas pessoas tropeçavam. Os cidadãos passaram a reclamar para a prefeitura até que um vereador teve uma ideia genial. Aprovou-se uma nova lei em que se resolvia os problemas. Numa manhã qualquer, um encarregado de negócios da prefeitura colocava um cartaz na parede da rua: “É proibido tropeçar.”

Esse parágrafo é, claro, uma piada. Mas a forma como os legisladores, tecnocratas, promotores e juízes brasileiros lidam com os muitos problemas que a sociedade brasileira enfrenta, por vezes, não é tão diferente da piada.

Por vezes, parece haver a percepção de que, para prover serviços para a população, basta escrever num pedaço de papel que medidas devem ser cumpridas, sem necessariamente criar as condições para que elas se realizem. Nem, tampouco, calcular os custos e benefícios de cada medida.

Miguel Reale Júnior* - O STF e a efetividade de direitos fundamentais

O Estado de S. Paulo

Na questão da criminalização do aborto, não se trata de invasão de competência do Legislativo, mas de atribuição originária do STF, como dispõem a Constituição e a lei

A ministra Rosa Weber entendeu que, parcialmente, não se coadunam com a Constituição os artigos 124 e 126 do Código Penal, relativos ao autoaborto, bem como o ato de terceiro que provoca aborto consentido, no caso de interrupção da gestação nas primeiras 12 semanas.

Acusa-se o Supremo Tribunal Federal (STF) de ativismo, por ter assumido tarefa que caberia ao Congresso Nacional. Cumpre, então, explicar não se tratar de invasão de competência do Legislativo, mas de atribuição originária do STF, como dispõem a própria Constituição e a lei.

No artigo 102, § 1.º da Constituição se estabelece caber ao STF julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) decorrente da Constituição, “na forma da lei”. Essa é a Lei n.º 9.882/99, que, ao regular a matéria, estatuiu que a ADPF terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder público, podendo ter por objeto lei anterior à Constituição. O conteúdo da lei deve estar alinhado com os limites fixados na Constituição, cabendo ao STF o exame desse alinhamento.

Bolívar Lamounier* - O jeito cubano de Lula

O Estado de S. Paulo

A idolatria do Estado não é privativa de Lula, é uma mania que não sai da cabeça de milhões de brasileiros

Sempre me pareceu que Lula nutre uma especial simpatia por Cuba; simpatia que não se deve apenas às praias e à hospitalidade dos cubanos, mas também ao que eles pensam a respeito do Estado e da economia.

Como eles, Lula, se pudesse, estatizava até os salões de beleza. Imagino como ficou constrangido, dias atrás, quando viajou a Havana a fim de cobrar os US$ 500 milhões que devem ao BNDES. Enquanto isso, em São Paulo, na terça-feira passada (3/10), os sindicatos fizeram greve contra a eventual privatização da Sabesp, alegando que o serviço irá piorar. Os sindicalistas por certo se esqueceram de como era tempos atrás a telefonia. Lembro-me de que, naquela época, residindo no Rio de Janeiro, num apartamento na Avenida Rainha Elizabeth, eu tinha de caminhar até uma farmácia próxima e entrar numa fila de pelo menos meia dúzia de pessoas. A espera podia demorar uma hora ou duas, porque o telefone não dava linha. Furiosos, os que chegavam ao aparelho o esmurravam, acreditando que assim ele por fim funcionasse. Hoje, os próprios sindicalistas recorrem ao celular para agilizar a convocação da greve.

Adriana Fernandes - Hora das votações do ‘fim do mundo’ se aproxima

O Estado de S. Paulo

O fim do ano está se aproximando, vem mais feriado por aí e as votações dos projetos vão embolar

A ida do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Congresso na semana passada para um encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira, parecia indicar que finalmente o pacote tributário do governo começaria a andar. Não foi isso que aconteceu. Haddad acertou com Lira a indicação do relator e a unificação, num mesmo projeto, das mudanças na tributação de investimentos fora no País (offshore) e em fundos exclusivos dos super-ricos.

A intenção era juntar também a proposta de alteração na tributação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), um tipo de remuneração dos acionistas de grandes empresas.

Marcus Pestana* - Privatizações: ajuste fiscal, modelagem e valor

O papel do Estado mudou desde o final do século XX. Foram desencadeadas ondas de desestatizações. Convicções ideológicas, busca de investimentos, ganhos de eficiência embasam as privatizações.

Em outros casos, a privatização é impulsionada por necessidade fiscal. Para geração de receitas derivadas da venda dos ativos públicos ou alívio do fluxo do Tesouro que tem que subsidiar empresas.

Nestes casos, a questão central é a destinação dos recursos. É essencial que os frutos da privatização sejam usados para a reestruturação patrimonial dos governos, sendo utilizados para gerar soluções de longo prazo ligadas à dívida pública ou ao sistema previdenciário. É um crime vender patrimônio para financiar gastança de curto prazo. Como ensina a metáfora dos economistas, seria como “vender geladeira e fogão para comprar comida”.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Nova tragédia expõe poder crescente do ‘Estado paralelo’

O Globo

Na semana em que governo exibiu seu plano para a segurança, assassinato de médicos no Rio chocou o país

Na mesma semana em que o governo federal divulgou um plano insuficiente de combate ao crime organizado, na mesma semana em que completou 35 anos a Constituição que garante a todos direitos como vida, segurança ou justiça, nesta mesma semana o Brasil ficou estarrecido com um episódio trágico, que expôs de modo cruel os limites do Estado e da lei no território nacional.

Quatro ortopedistas vieram de São Paulo ao Rio participar de um congresso num hotel na Barra da Tijuca. No fim da noite, atravessaram a avenida para tomar cerveja num quiosque diante da praia. Um deles fez uma selfie dos quatro sorrindo, sem saber que minutos depois seriam alvejados por 33 tiros, disparados em 25 segundos por quatro bandidos, saídos de um carro que depois partiu em disparada. Três médicos morreram na hora, um foi internado em estado grave. O crime, por si só repugnante, foi sucedido por um roteiro de explicações e desdobramentos que despertam ainda mais revolta.

Poesia | A verdade - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Lenita Bruno - Canta, canta mais