quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Maria Cristina Fernandes – Livramento

Valor Econômico

Velório de Pelé ensina a diferença entre emoção e alívio

Fez muito bem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva suspender as audiências que se acumulam em seu gabinete para comparecer ao velório de Pelé. Santos foi tomada por um público superior a 230 mil pessoas e para lá se deslocaram 1.190 jornalistas de 32 países.

A posse de Lula atraiu mais do que o dobro de sua primeira investidura, em 2003. Foi uma multidão bem maior do que aquela reunida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (100 mil) em 7 de setembro do ano passado, mas, ante o velório de Pelé, Lula foi súdito. Atraiu 407 jornalistas de 16 países e cerca de 150 mil pessoas.

Os números são uma tentativa tacanha de colocar números na diferença entre dois sentimentos, emoção e alívio. Ao reverenciar Pelé, compartilhando da emoção que só a morte é capaz de despertar, Lula o reconhece como o único símbolo que hoje une a nação.

O que não deixa de ser um bom começo para reconhecer os limites dos muitos simbolismos de sua posse. Alguns, como as cores trocadas nas gravatas dele e do vice, Geraldo Alckmin, foram dirigidos ao conjunto do eleitorado.

Cristiano Romero - Ministério, um perfil

Valor Econômico

Equipe espelhou setores da economia em 2003; agora, sociedade

O primeiro ministério do terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva é o mais representativo da diversidade social brasileira. Além de criar pasta dedicada aos temas relacionados aos povos originários, iniciativa inédita na história do país, o presidente convidou uma mulher, Sonia Guajajara, para comandá-la.

Originária de Araribóia (MA), onde vive o Povo Guajajara/Tentehar, Sonia é deputada federal pelo PSOL e, no ano passado, em reconhecimento ao seu ativismo, foi eleita pela revista americana “Time” uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Com a criação do Ministério dos Povos Originários, Lula dá à questão indígena a importância que o tema exige. Até agora, cabia apenas à Funai, autarquia que, a depender dos interesses da ocasião, vinha migrando de ministério, como um estorvo com o qual a maioria dos políticos não gosta de lidar.

Conrado Hübner Mendes* - A Constituição manda polarizar

Folha de S. Paulo

Incluir, cuidar e punir são ordens jurídicas, não revanche ideológica

Palavras nunca foram só palavras, mas também ação concreta. Proferidas por autoridades, ainda mais. Palavras ditas por presidentes da República geram efeitos em corpos e mentes individuais e no patrimônio coletivo: fazem subir ou descer desmatamento, violência doméstica, ataque homofóbico, armamento ilegal, invasão de terra indígena, uso de máscara e vacina, sufocamento por Covid, indicador econômico.

Quando Bolsonaro presidente falava, periferias simbólicas e territoriais do país sentiam na pele. Seus cânticos do porão, entoados por quatro anos, acentuaram sofrimento, adoecimento e morte nessas periferias e nas UTIs. O assédio, a violência e a bala perdida com alvo certo, também. Não foi coincidência, nem mero discurso.

Lula, quando fala, não faz os pilotos da Faria Lima ou comentaristas de jornal temerem pela vida. Eles não levam tiro nem fatiam a merenda. Mas estrilam verbosamente. Cada vírgula lulista se sujeita a escrutínio crítico, psicográfico, ético e estético. A delinquência verbal bolsonarista passa como indelicadeza na sala de jantar.

Maria Hermínia Tavares* - Pragmatismo bem temperado

Folha de S. Paulo

Terminada a festa, começa o percurso no qual propostas ambiciosas terão de se ajustar às limitações

Não faltaram afirmação de valores nem ambição aos discursos que inauguraram o terceiro mandato de Lula. O empenho na redução das desigualdades ocupou o centro dos dois pronunciamentos —para os convidados que lotavam o Senado e para a massa compacta diante do Palácio do Planalto. O compromisso foi reiterado na cerimônia mais forte do dia, quando representantes do povo pobre subiram a rampa com o novo mandatário e lhe entregaram a faixa presidencial.

Menos que agenda de governo, os discursos explicitaram um roteiro progressista para a construção de um país democrático e mais equânime. Incisivo na defesa das instituições representativas; claro nos compromissos sociais; atualizado na identificação dos muitos destinatários de iguais direitos; contemporâneo no peso dado aos riscos e oportunidades ambientais; assertivo quanto à atuação do país no mundo —e algo passadista na visão dos caminhos para o crescimento.

Bruno Boghossian - Bagagem pesada na Esplanada

Folha de S. Paulo

Ligação política com família de miliciano não é trivial e aumenta custo de nomeação

Daniela Carneiro se tornou ministra do Turismo num acerto de última hora. Nos dias finais da montagem do governo, dois parlamentares da União Brasil recusaram cargos na Esplanada. A fila andou, e o partido indicou a deputada para a pasta.

A ministra leva uma bagagem pesada para o primeiro escalão. O grupo de Daniela na Baixada Fluminense tem ligações políticas com a família de um ex-policial condenado por chefiar uma milícia na região, como revelou a Folha. Para se eleger deputada em 2022, ela fez campanha ao lado da mulher do ex-PM.

A equipe de Lula tirou a máquina de calcular do bolso quando a história veio à tona. Concluiu que, com o que se sabe até aqui, o desgaste de demitir Daniela na primeira semana de mandato seria maior que o prejuízo de mantê-la no cargo. O núcleo do governo considerou um mau precedente derrubar uma ministra antes da depuração do caso.

Luiz Carlos Azedo - Geraldo Alckmin e Marina Silva completam Esplanada

Correio Braziliense

Compatibilizar a retomada industrial com a economia verde e combater o desmatamento desenvolvendo a economia local com a floresta em pé são prioridades do novo governo

O vice-presidente Geraldo Alckmin, no Desenvolvimento, Indústria, Comércio e serviços, e a deputada Marina Silva, no Meio Ambiente, protagonizaram, ontem, as cerimônias de posse mais concorridas da Esplanada, com discursos que apontam para duas prioridades, entre outras: a reindustrialização do país, que perdeu complexidade industrial, e o combate ao desmatamento, um verdadeiro ovo de Colombo do ponto de vista ambiental. Os dois setores estão entre os mais prejudicados pela política econômica do governo Bolsonaro.

Ao lado do presidente Lula, Alckmin fez um longo discurso sobre a situação da estrutura produtiva do país e destacou que “a reindustrialização é essencial para que possa ser retomado o desenvolvimento sustentável e que essa retomada ocorra sob o único prisma que a legitima: o da justiça social”. Para Alckmin, a recriação do ministério foi necessária para “reconstruir o país e retomar o caminho do desenvolvimento”. A novidade na proposta de Alckmin, porém, é compatibilizar a retomada industrial com a economia verde, para que o Brasil possa ser um “grande protagonista do processo de descarbonização da economia global” e possa integrar às cadeias globais de valor com investimentos em inovação e novas tecnologias nas áreas onde pode ter competitividade.

Merval Pereira - Batendo cabeça

O Globo

Governo está emitindo sinais desconexos e o mercado está reagindo mal

Faz bem o presidente Lula de aproveitar a primeira reunião ministerial amanhã para dar um freio de arrumação em seu ministério. Esse novo governo está batendo cabeça em público desde o primeiro dia. É preciso dar uma organizada nessa falação toda, impedir que a empolgação de ter voltado ao poder provoque os estragos que vem provocando.

Não se trata de receio do “mercado”, mas de evitar prejuízos econômicos concretos numa economia de mercado devido a uma palavra mal colocada. E, se ela foi colocada com segundas intenções, pior ainda. Não custa recordar as palavras do economista Gustavo Franco, anos atrás, quando disse:

— Goste-se ou não, o mercado é a forma mais eficiente e influente de expressão da opinião pública, e transparência é tudo quando se trata do funcionamento do mercado.

Para ele, uma coisa é certa:

— Quanto mais distantes do mercado estiverem as relações entre o público e o privado, quanto mais discricionárias as decisões, e quanto menor a transparência, maior será a corrupção.

Míriam Leitão - Entre os ruídos e a nova melodia

O Globo

Governo precisa acertar o tom na economia, para que esses ruídos não atrapalhem a melodia que voltou a ser ouvida em diversos pontos de Brasília

Existem os ruídos e a melodia. É preciso alertar sobre os ruídos antes que eles desliguem a música que se ouviu de maneira tão forte aqui em Brasília nos últimos dias. Marina disse que a defesa do meio ambiente “não é uma forma de fazer, é uma forma de ser”. Silvio Almeida convocou cada um de nós para dizer que existimos e somos importantes para o Estado brasileiro. Os indígenas percorreram as salas da Funai, com cantos e chocalhos, tomando posse do que sempre foi deles. “Nada sobre nós sem nós”, disse Sonia Guajajara. Isso é música.

Brasília nesta transição de poder está tomada de emoção e está intensa. Posses, discursos, mudanças, declarações, conflitos, acertos e erros, tudo ao mesmo tempo. É um daqueles momentos em que a História se acelera. Toda a transição de poder tem seus fortes simbolismos, mas essa ocorre depois de um longo padecimento do país e de um ataque direto à democracia.

Cora Rónai - Ufa! Ou... o valor dos símbolos

O Globo

Agora pisaremos no terreno fundamentado da democracia, e não na zona minada do golpismo

Eu sei: já é quinta-feira e a posse foi no domingo, quase uma vida atrás. Mas vou falar da posse mesmo assim, porque há muito tempo eu não via uma cerimônia cívica tão bonita e tão carregada de símbolos positivos. Nós estávamos muito precisados disso, de beleza e de uma simbologia representativa do que temos de bom, do lado melhor da nossa natureza.

Foi exaustivo passar quatro anos sob peso de rancor e ressentimento, exprimidos em mãos fazendo arminhas, em motociatas intermináveis e naquele profundo desprezo a qualquer forma de gentileza, de educação e de diversidade.

Na vida pública tudo é símbolo, e foi uma alegria imensa rever o Brasil simbólico de que tanto gostamos subindo a rampa numa celebração de cores; foi um alívio ver seres verdadeiramente humanos em desfile, na companhia triunfal de Resistência, a Primeira Cã.

O ar está mais leve, respiramos melhor.

William Waack - O espírito de acomodação

O Estado de S. Paulo.

É muita coisa que Lula pretende conciliar em pouco tempo

O homem parece um pouco mais cansado, mas o velho espírito de acomodação do presidente Lula continua o mesmo. Apesar de muito mais exigido e já de início do terceiro mandato confrontado com a escassa paciência de imensa parte do público em aguardar resultados.

“Quando é que eles saem de lá?”, esbravejou Lula em seu novo/velho gabinete no Planalto ao saber que, passadas 48 horas de início de seu governo, acampamentos de bolsonaristas perduravam em áreas militares diante de quartéis do Exército.

Foi necessário acomodar o “espírito de pacificação” de seu ministro da Defesa, que qualificou os protestos nos quartéis de democráticos (e achou melhor esperar que eles acabem sozinhos), com o espírito de punição do ministro da Justiça.

Além de influentes vozes da advocacia no entorno do presidente, que já queriam a cabeça do recém-empossado ministro da Defesa. Tido como excessivamente pacificador, tinha conversado com Bolsonaro sobre a nomeação dos comandantes militares do governo Lula.

Adriana Fernandes - É com anistia

O Estado de S. Paulo

O consignado do Auxílio foi um ato de irresponsabilidade fiscal e social sem precedentes

O governo Bolsonaro e aliados no Congresso deram o aval ao lançamento do consignado para os beneficiários do programa Auxílio Brasil já sabendo que, logo à frente, teriam de encontrar uma solução para o problema que criaram na tentativa de ganhar as eleições.

Esse ponto estava nos cálculos caso o presidente Bolsonaro tivesse saído vitorioso em outubro, segundo relatos coletados pela coluna antes e depois do lançamento do consignado.

É uma bola cantada, a de que o programa se mostrará insustentável mais cedo ou mais tarde. Avaliação feita até mesmo por quem fez o consignado.

Foi um ato de irresponsabilidade fiscal e social sem precedentes permitir o endividamento de beneficiários de um programa de transferência de renda a juros elevadíssimos.

Celso Ming - Haddad e a conta a pagar

O Estado de S. Paulo.

Uma coisa é sair por aí dizendo o que tem de ser feito na economia e proclamar sustentabilidade social e fiscal, sem explicar como se faz isso. E outra é executar essas coisas. O governo Lula começa a ter que lidar com trombadas e a ter de fazer escolhas dolorosas.

Política econômica é como o velho jogo do pega-varetas. É preciso concentração e habilidade para libertar pauzinho por pauzinho, porque o deslocamento de um pode desequilibrar irremediavelmente o outro e fazer ruir o todo.

O caso dos subsídios federais aos combustíveis que levou o governo ao primeiro bate-cabeças é a prova disso. O ministro Fernando Haddad dava como certa a revogação dessas isenções tributárias, porque entendeu que é preciso reduzir o rombo fiscal. A área política vetou, pelo seu impacto sobre o orçamento do consumidor. A decisão do presidente Lula foi adiar a revogação das isenções – o que desautorizou Haddad –, que tinha anunciado outra coisa.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula precisa barrar antirreforma de Carlos Lupi

O Globo

Ministro da Previdência usa ficção contábil para negar déficit e propõe anular avanços já conquistados

Foi desastroso o discurso de posse de Carlos Lupi, presidente do PDT, como ministro da Previdência em Brasília nesta semana. No auditório do ministério, ele negou o óbvio. Disse que não existe déficit nas contas da Previdência. Embalado pelos aplausos de apoiadores, esbanjou populismo ao declarar que aposentadoria é dívida da União com os trabalhadores, como se estivesse sobrando dinheiro nos cofres do governo federal para outras áreas igualmente importantes.

Antes de acabar seu discurso, ainda anunciou que criará uma comissão formada pelo governo, por sindicatos patronais, trabalhadores e aposentados para analisar “com profundidade” as mudanças feitas no governo anterior. De profundo, tal iniciativa só deverá gerar atraso e confusão. É desanimador.

O argumento de Lupi para tentar negar o déficit não para em pé. O novo ministro diz que as receitas previdenciárias devem incluir a arrecadação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e também a do PIS/Cofins, criado originalmente para ajudar a financiar a Previdência. A questão é que esse imposto também banca outros benefícios, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Poesia | E agora José - Carlos Drummond de Andrade (Musicado)

 

Música | Portela 2023 - Samba ao vivo

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