sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Supremo tem o dever de preservar a Lei das Estatais

O Globo

Na volta do recesso, ministros precisam rejeitar decisão que abriu brecha a indicações políticas

Quando voltarem do recesso, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terão de enfrentar uma agenda crucial no relacionamento entre governos e empresas públicas. Ao retomar o julgamento da Lei das Estatais, o STF precisará decidir se mantém filtros na escolha de nomes para diretores e conselheiros dessas empresas, com o objetivo de preservá-las de interferência política. O ideal é que mantenha.

Está em questão, além de experiência profissional comprovada exigida do candidato a dirigente, a quarentena de três anos, cumprida por quem tenha atuado como dirigente partidário ou exercido papel de destaque em campanha eleitoral. A contestação da constitucionalidade desses pré-requisitos foi feita no Supremo pelo PCdoB, aliado do PT. Escolhido relator do processo, o ainda ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, concedeu liminar em março retirando tais requisitos das condições exigidas para cargos de comando, mantendo apenas a proibição de vínculo partidário enquanto o diretor ou conselheiro estiver no cargo. A principal alegação daqueles que contestam a lei é que as exigências impostas retiram autonomia do governo e equivalem a criminalizar a atividade política. Tal alegação não faz sentido.

Vera Magalhães - Os desafios para Lula em 2024

O Globo

Maior dificuldade virá da gestão das contas públicas, essencial para ditar a expectativa de investidores e agentes econômicos

Se 2023 foi o ano da preservação da democracia, de bons resultados na economia e da aprovação da reforma tributária, 2024 exigirá do governo Lula maior capacidade de negociar com os demais Poderes e de apresentar soluções contemporâneas para problemas complexos. Isso demandará mais competência para atingir, por meio de projetos e políticas públicas, os setores da sociedade ainda impermeáveis a seu programa.

O maior desafio será a gestão das contas públicas, essencial para pautar as expectativas de investidores e agentes econômicos. É uma contradição perigosa o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentar sucessivas medidas, como as anunciadas ontem, para corrigir o que ele considera distorções em termos de benefícios tributários e de outra natureza a empresas e setores inteiros da economia, enquanto Congresso, Judiciário e o próprio governo elevam seus gastos sem limites.

Também parece uma aposta arriscada do ministro esperar os últimos dias do ano para anunciar uma Medida Provisória para revogar uma lei aprovada pelo Congresso que havia sido vetada pelo presidente e restaurada pelos parlamentares, por meio da derrubada do veto.

Cristovam Buarque* - Olho na COP e pés na Opep

O Globo

Somos um retrato da civilização contemporânea: defendemos equilíbrio ecológico e comemoramos produzir mais petróleo

A civilização contemporânea caminha com um olho na COP e os pés na Opep; assustada com as consequências do aquecimento global e viciada no aumento do PIB. A cada ano, os líderes nacionais se reúnem por alguns dias com intenção de frear a marcha do planeta rumo ao desastre ecológico e, ao longo de anos, buscam atender aos desejos de seus eleitores nacionais para aumentar a produção usando combustível fóssil. O Brasil é um retrato dessa civilização. Defendemos o equilíbrio ecológico e comemoramos produzir mais petróleo.

O discurso de nosso governo em Dubai oscilou entre guardião do meio ambiente na próxima COP e promotor de parte do desastre simbolizado pela Opep. Na COP, falou-se em desenvolvimento sustentável; na Opep, em exploração de petróleo na Amazônia. Prometeram-se cuidados para evitar vazamento na exploração, negando que o impacto ecológico seja derivado dos resíduos. Fala-se nos milhões de pobres que precisam de emprego, e esconde-se que os benefícios da exploração de petróleo não se espalham localmente e que seus efeitos nocivos se espalham planetariamente.

Flávia Oliveira - Empurrão do mínimo

O Globo

Há impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos

A recomposição do salário mínimo, promessa de campanha do então candidato ao terceiro mandato presidencial, será o primeiro empurrão na atividade econômica em 2024. A política de valorização real do piso, abandonada nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro na Presidência, alcança trabalhadores formais e informais, servidores municipais, beneficiários da Previdência, da Assistência Social, do seguro-desemprego; altera faixas de renda para inclusão no Bolsa Família. A ênfase dos analistas nos gastos públicos, ainda que importante, quase sempre deixa de lado o impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos.

Com o novo valor, de R$ 1.412, a partir de 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva terá incrementado o salário mínimo em R$ 110, desde maio passado. O primeiro aumento, de módicos R$ 18, entrou em vigor naquele mês. Agora, virão mais R$ 92, resultado da fórmula que combina INPC acumulado e crescimento do PIB dois anos antes. A soma faz diferença no orçamento familiar dos mais pobres. Para ter uma ideia, o preço do botijão de gás de 13kg varia de R$ 90 a R$ 120 Brasil afora; no Rio, R$ 50 compram 1kg de alcatra em bifes.

Fabio Giambiagi - O debate da desigualdade

O Globo

Não haverá futuro decente para o Brasil enquanto, politicamente, quem carrega a bandeira do combate à desigualdade continuar com um viés anticapitalista

O documento “Síntese de Indicadores Sociais” (SIS), elaborado pelo IBGE, traz um “raio X” completo do panorama social do país, essencial para o traçado de políticas públicas. Cite-se um caso: a distribuição de renda. Pela última informação disponível, referente a 2022, na tabela do rendimento domiciliar per capita segundo as classes de percentual de rendimento domiciliar per capita, a renda média reportada foi de R$ 1.586, com a renda média do décimo superior da distribuição de renda sendo de R$ 6.448.

Além do IBGE divulgar a renda média do grupo dos percentis de 95% a 100% (R$ 8.995), ele informa a renda do grupo dos percentis 90% a 95%, que era de R$ 3.900. Mais ainda, o IBGE nos diz que a pessoa que se situava exatamente no percentil 90 tinha uma renda de R$ 3.207, de modo que quem recebeu R$ 3.208 se localizava no décimo superior da distribuição.

Bruno Carazza - Lira ataca com semipresidencialismo, agora Pacheco ameaça com fim da reeleição

Valor Econômico

Às vésperas de Natal, Pacheco lança ideia para bagunçar ainda mais o ano legislativo de 2024

Como se não bastasse a sanha por maiores emendas orçamentárias, de tempos em tempos os presidentes da Câmara e do Senado lançam ideias para desviar o foco e drenar a energia política da agenda legislativa.

Faz parte do jogo as lideranças do Congresso complicarem a vida dos presidentes da República. Instrumentos para isso não faltam. Pode ser a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, deixar um projeto menos relevante trancar a pauta de votações ou não incluir determinadas propostas do governo na ordem do dia de votações. Dar prioridade a proposições polêmicas e muito complexas, como o PL das Fake News ou a proposta para limitar a atuação do Supremo Tribunal Federal, também dão resultado.

Nos últimos anos, Arthur Lira tem ameaçado levar adiante a proposta, defendida por políticos como o ex-presidente Michel Temer e o ministro do STF Gilmar Mendes, de implantar no Brasil o semipresidencialismo.

Claudia Safatle - Medidas de Haddad miram as contas de 2024

Valor Econômico

Ministro insiste que proposta não tem o objetivo de ‘abrir espaço no orçamento’

As três medidas anunciadas ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para compensar perdas de arrecadação sobretudo com a derrubada do veto à reoneração da folha de pagamentos de 17 setores, tem o potencial de melhorar os prognósticos para as contas públicas no próximo ano, segundo fontes oficiais.

O ministro, porém, garantiu que elas não melhoram o resultado primário, mas “apenas substituem as perdas de arrecadação projetadas”. O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que estava presente à entrevista coletiva de Haddad, também assegurou que o conjunto de medidas tributárias não trarão receitas adicionais ao que consta no orçamento da União para o ano que vem.

O secretário salientou que “é bom esclarecer que não há previsão de receitas adicionais para ninguém ter ideias. A ideia não é abrir espaço no orçamento”. A proposta é de manter o orçamento equilibrado, sustentou Haddad. Perguntado sobre a razão pela qual o ministro da Fazenda nega o potencial de arrecadação para melhorar as contas públicas, das medidas anunciadas ontem, uma fonte do governo arriscou uma resposta: “talvez seja para tornar a medida mais fácil de ser aprovada pelo Congresso”, mas também pode ser para não instigar parlamentares afoitos por uma abertura de espaço no orçamento.

Eliane Cantanhêde - Congresso faz, governo desfaz

O Estado de S. Paulo

Se sai vitorioso de 2023, Fernando Haddad entra em 2024 com sério risco de derrota

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consolidou-se como um dos principais personagens e um dos grandes vitoriosos do primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, mas 2023 vai chegando ao fim e 2024 projeta o acirramento do mal-estar nada dissimulado entre os três Poderes, com Judiciário acusado de “furor legiferante”, Legislativo desafiando Judiciário, Executivo ora desautorizando o Congresso, ora sendo desautorizado por ele. Haddad está no centro da batalha.

Contrariando o mau agouro e as previsões pessimistas que marcaram o início do governo, a economia traz boas notícias no fim do ano: a inflação caiu, os juros foram atrás; os índices de emprego melhoraram significativamente; a expectativa de crescimento surpreendeu para cima, é um alívio. E as principais reformas foram aprovadas. A tributária é uma vitória histórica do País.

Tudo isso foi possível pelas propostas viáveis e consistentes do Ministério da Fazenda e pela paciência e uma até então desconhecida habilidade política de Haddad, que soube sustentar as posições de sua equipe, atrair a simpatia de setores decisivos da sociedade e negociar com os presidentes da Câmara, do Senado e do Banco Central. “Last but not least”, soube driblar a má vontade do PT e de ministros petistas do Planalto, conquistando o apoio do árbitro maior, que é Lula.

Luiz Carlos Azedo - Lula e Pacheco fecham o ano em rota de colisão

Correio Braziliense

Com o fundo eleitoral e 7.900 emendas parlamentares, no valor total de R$ 53 bilhões, deputados e senadores terão R$ 5 bilhões a mais do que os investimentos do PAC

A quinta-feira não foi de bom agouro para as relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 2024, um ano eleitoral, ao menos simbolicamente. Embora a política se pareça com as nuvens, como diria o antigo político mineiro Magalhães Pinto — “você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou” —, pode ser até que tudo não passe de um jogo de cena, cada qual para sua plateia, mas o choque tem bases objetivas que devem ser levadas em conta.

No mesmo dia em que Pacheco promulgou o marco temporal e a nova lei de desoneração da folha de pagamento, cujos vetos presidenciais foram derrubados pelo Congresso, Lula sancionou a nova Lei dos Agrotóxicos, com novos vetos que restabelecem o poder do Ibama e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em relação ao Ministério da Agricultura. É mais uma queda de braços entre o Executivo e o Legislativo, na qual a bancada do agronegócio, com toda certeza, levará a melhor, em razão da correlação de forças no Congresso.

Hélio Schwartsman - Eles votaram nisso

Folha de S. Paulo

Medidas de Milei não constituem estelionato eleitoral; resta saber se não violam a Carta e se serão aprovadas

Javier Milei não me inspira a menor confiança, mas, até aqui, ele não fez nada que possa ser descrito como jogada manifestamente ilegal ou golpista. O novo presidente recebeu um claro mandato dos argentinos para tentar algum tipo de terapia de choque para os problemas econômicos que devastam o país, e as duras medidas que ele anunciou buscam fazer justamente isso. O símbolo de sua campanha, vale lembrar, era a motosserra. Os argentinos votaram nisso.

Há obviamente dúvidas tanto em relação à eficácia dessas medidas como também à sua legalidade. Embora seja mais ou menos consensual que a Argentina precisa parar de imprimir dinheiro para financiar seus gastos, não há garantias de que o plano de Milei, do qual só conhecemos uma parte, esteja à altura do desafio. Tampouco parece haver uma estimativa realista dos danos sociais que as medidas provocarão. Não há saída indolor para a Argentina, mas é preciso pelo menos ter uma ideia dos efeitos que o "remédio" irá causar.

Bruno Boghossian – Outro caminho para o templo

Folha de S. Paulo

Após resistência no ano de campanha, petistas tentam disputa nos campos da fé e dos cofres do governo

Nas últimas semanas, Lula fez duas referências aos evangélicos. Num ato do PT, o presidente reconheceu que a sigla tem dificuldade em se comunicar com o grupo. Depois, num evento do governo, ele reclamou dos ataques da campanha e emendou: "Se tem um cara neste país que acredita em Deus, é este que está vos falando".

Conselheiros influentes de Lula sempre resistiram à ideia de disputar o eleitor evangélico no campo da fé. O argumento era que a esquerda jamais empunharia certas bandeiras conservadoras. Entrar nessa briga, portanto, evidenciaria uma diferença brutal de valores. O melhor, segundo esses auxiliares, seria fisgar o segmento pelo bolso.

O vínculo cristalizado desse eleitor com o bolsonarismo sugere que talvez não seja suficiente contar com uma melhora da economia. Há uma barreira anterior, ligada a um senso de pertencimento, que faz com que muitos evangélicos ainda vejam a esquerda como adversária.

Vinicius Torres Freire – O pacotinho fiscal de Réveillon

Folha de S. Paulo

Medidas de Lula-Haddad pegam mal na véspera de um ano muito mais difícil na política

Levou um tempo para que o governo Lula 3 entendesse que era minoritário no Congresso como nunca antes. Demorou para compreender, na prática, que era mais isolado em números, em ideias e também em poder, pois os parlamentares limitaram prerrogativas do Executivo.

Quando entendeu, quando passou a negociar de acordo com as novas regras e forças em jogo, lá por maio, aprovou muito projeto importante —até aumento de imposto e reforma tributária. O primeiro ministro a entender o tamanho da encrenca foi Fernando Haddad.

A encrenca continuará grande, com agravantes em 2024.

Neste final do ano, Haddad propôs um pacotinho fiscal que parece não levar em conta os riscos aumentados para o governo no Congresso de 2024. A trouxinha de impostos do Réveillon pode fazer com que aumente o número de desafetos por convicção ou oportunismo. Mais sobre isso mais adiante.

Marcos Augusto Gonçalves* - Bem melhor do que previam

Folha de S. Paulo

Vitórias de Haddad e indicadores contrariaram pitonisas informadas

Na visão de analistas e de economistas de instituições financeiras, 2023 começou como um desastre anunciado. Nuvens carregadas prefiguravam para o ano um cenário de estagnação do PIB, inflação resistente em alta, juros futuros ascendentes e descontrole governamental, com ameaçador retorno aos padrões mais preocupantes do passado.

Ainda em março, as expectativas da maioria dos entendidos, não a simples opinião, continuavam bastante negativas. E equivocadas. A mediana do boletim Focus, uma consulta que o Banco Central faz ao oráculo de seus pares do mercado, apontava para um crescimento do PIB de 0,84% até o fim do ano.

Diante dos números divulgados, influentes analistas, na confortável tarefa de prestigiar o boletim de bancos e financeiras, afirmavam que seria isso mesmo e que não haveria motivo para imaginar alguma coisa diferente. Sob Lula o crescimento não chegaria nem sequer a 1%.

Ruy Castro - Morrendo pela boca

Folha de S. Paulo

O Rei João, o padre Perereca, o imperador romano Claudio e o filósofo Sócrates que o digam

O fim de ano tem seus perigos particulares. Tudo parece meio elétrico. As pessoas ficam impacientes, querem chegar logo, andam e dirigem de qualquer jeito. Outro dia, aqui no Rio, vi um mensageiro carregando uma bandeja de rabanadas ser atropelado por uma motocicleta ao atravessar a rua no meio dos carros. Nada de muito grave, mas as rabanadas foram literalmente para o espaço. Essa sofreguidão vem de longe: foi num Natal que o famoso rei inglês João (1167-1216), contemporâneo de Robin Hood, morreu de indigestão de lampreias. Já o nosso Luiz Gonçalves dos Santos (1767-1844), importante historiador do Brasil Imperial, mais conhecido como padre Perereca, morreu de indigestão de carambola.

Poesia | Ano Novo - Ferreira Gullar

 

Música | MANGUEIRA Carnaval 2024 - Sambas de Enredo