• Para analistas, Nelson Barbosa terá de lutar por sobrevivência política com melhoras na economia
Cássia Almeida - O Globo
Economistas e cientistas políticos avaliam que o dilema do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, é lutar pela sobrevivência política, com melhorias na economia. Recuperar a confiança do mercado, evitar outro rebaixamento do país e elevar impostos estão entre os desafios, conta Um mar turbulento espera o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. As crises gêmeas, da política e da economia, paralisaram o país. A turbulência política talvez dê uma trégua para o novo condutor da Fazenda. A decisão do Supremo derrubando o rito de impeachment da Câmara tornou a saída da presidente Dilma Rousseff uma possibilidade mais distante no radar.
Economistas e cientistas políticos acreditam que o maior desafio de Barbosa e do próprio governo é lutar pela sobrevivência política, mostrando alguma melhoria na economia, após o país fechar 2015 com a pior recessão desde o governo de Fernando Collor, que renunciou para evitar o impeachment.
— No mínimo, o governo terá de mostrar resultados econômicos que não sejam piores que os de 2015 — diz o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-RJ.
A política acabou ditando os rumos da economia este ano e deve ser protagonista também em 2016.
— A política é a mãe da crise nesse momento. A economia vem a reboque — afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
A saída de Levy desagradou ao mercado, mas “Fora Levy” foi um dos gritos de ordem dos movimentos sociais e sindicatos na última quartafeira, durante a manifestação a favor da presidente. A iniciativa pode indicar maior sustentação política, com o PT mais unido em torno das demandas da presidente Dilma. Se este cenário se confirmar, o ministro teria menos dificuldade para aprovar novos impostos. A medida ajudaria a arrecadação e as contas públicas.
Também mudou o horizonte de atuação. O alvo agora é 2016 apenas. Não há muita crença que reformas estruturais para reduzir gastos a médio e longo prazo vão avançar.
Mesmo depois das primeiras afirmações de Barbosa como novo ministro, de que o superávit fiscal de 0,5% é o alvo a ser perseguido, alcançar esse objetivo ainda é considerada a missão mais árdua, na opinião de Vale.
— Acho muito difícil, especialmente porque a arrecadação frustará o governo e porque dois anos seguidos de corte de gastos em governo de esquerda seriam uma jabuticaba impossível. Nem aqui conseguiríamos ter isso.
Outra das tarefas do ministro citadas por analistas é a tentativa de recuperar a confiança dos agentes econômicos — de empresários a consumidores — para que o país volte a caminhar para frente.
A composição da equipe é tarefa que o novo ministro já iniciou. Parte dos técnicos que estavam com ele no Ministério do Planejamento seguirão para a Fazenda. Dyogo Oliveira continuará sendo o secretário-executivo do ministro, mas agora na nova pasta no lugar de Tarcísio Godoy, que integrava a equipe de Joaquim Levy. O atual chefe de Assessoria Econômica do Planejamento, Manoel Pires, deve ser o novo secretário de Política Econômica. A Secretaria do Tesouro Nacional, que é comandada por Marcelo Saintive, também terá um novo titular. Mas Saintive se comprometeu a ficar no cargo até o final do ano. Na Receita Federal, Jorge Rachid deve permanecer.
Os 7 trabalhos do novo ministro
1 Recuperar a confiança e as expectativas
Durante 2015, as expectativas sobre os resultados da economia foram se deteriorando semana a semana. Para o historiador Francisco Carlos Teixeira, professor da UFRJ e da Fundação Dom Cabral, a mudança das expectativas já no começo do ano será fundamental para dar sustentação ao governo e ao próprio ministro.
— Ele precisa mostrar que a economia parou de desabar, mostrar algum resultado nos próximos 40, 60 dias para ter impacto político. Tem que fazer que os empresários brasileiros acreditem, senão não vai ter investimento.
A mudança da meta de superávit fiscal primário (economia do governo antes do pagamento de juros da dívida pública), na visão do cientista político da UFF Eurico Figueiredo, pode dissipar um pouco o pessimismo generalizado com 2016, o que ele considera fundamental.
2 Evitar nova rodada de rebaixamento do país
Evitar a perda de grau de investimento por mais uma agência de classificação de risco, a Moody’s, será praticamente impossível, de acordo com analistas. Duas agências, a Standard & Poors e a Fitch, já rebaixaram os títulos brasileiros para grau especulativo. O desafio agora é evitar que o país perca mais uma vez o selo de qualidade, que é referência dos investidores.
— Levy era o fiel da balança de que o Brasil poderia impedir o rebaixamento. E sofreu downgrade por duas agências. O problema agora é evitar nova rodada no segundo semestre — afirma Luiz Roberto Cunha, da PUC.
Para Sergio Vale, da MB Associados, a piora ainda maior das notas brasileiras é praticamente certa:
— Os rebaixamentos estão garantidos. Além da Moody’s, veremos as outras duas agências diminuírem ainda mais as notas.
3 Resultados econômicos melhores que os de 2015
O horizonte do governo se encurtou. Para Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ, os olhos estão voltados para o Natal de 2016. Por isso, é importante que os resultados econômicos sejam menos ruins do que os deste ano. Entre os indicadores, ele ressalta que a recessão, que deve ficar entre 3,5% e 4% este ano, poderia ficar em 2,9% em 2016. Já o desemprego, que deve encerrar 2015 em 11%, recuaria para algo entre 8%a 9%. Ele pondera que a inflação será menor, pois o tarifaço de energia ficou em 2015.
— Será um ano de pressão política, com processo de impeachment, portanto é preciso melhorar o quadro pelo menos um pouco, evitando deteriorar ainda mais emprego, produção e renda, flexibilizando um pouco a política fiscal. Mas não há espaço para dar de novo um cavalo de pau na economia.
4 Conseguir alcançar a meta de 0,5% de superávit fiscal
O ministro Nelson Barbosa tocou várias vezes na mesma tecla na primeira entrevista como condutor da política econômica: perseguir a meta de 0,5% de superávit primário. Mas, para analistas, esse será um dos principais desafios de Barbosa.
— O teste fundamental vai ser mostrar que essa meta é para valer, que ela vai ser cumprida e o Brasil vai começar a recuperar o equilíbrio fiscal. Não podemos entrar num terceiro ano de déficit primário. O sinal para os mercados é que a economia começaria a entrar numa dinâmica perversa — diz Langoni.
Vale considera praticamente impossível economizar 0,5% :
— O maior desafio de todos é fazer o ajuste fiscal, que deveria ser maior que 0,5%. O governo não entendeu que aceitar política fiscal frouxa só vai piorar a situação.
5 Fechar acordos para abertura comercial
Indicadores externos melhoraram com a crise. A alta do dólar e a recessão fizeram as importações desabarem e os gastos externos de turistas estrangeiros também. O momento é de investir em acordos de comércio, diz Langoni:
— O Brasil tem que alavancar as exportações. Mas para isso precisa ter acesso a mercados. Vi muito pouca coisa em relação a novos acordos comerciais, começando pela União Europeia (UE). Vamos aproveitar agora que a Argentina está dando essa guinada liberal. Acesso ao mercado é fundamental.
Teixeira, da UFRJ, também cita a falta de empenho em fechar acordos:
— O ministro precisa viajar muito, a imagem do Brasil está ruim lá fora. Tem que acelerar o acordo com a UE.
6 Aprovar aumento de impostos
A chegada de Barbosa na Fazenda pode unir o PT — que nunca aprovou a escolha de Levy —e recompor a base do governo no Congresso. Eurico Figueiredo, cientista político da UFF, diz que movimentos sociais, micro e pequenos empresários e funcionalismo público podem voltar a dar apoio, o que influenciaria na queda de braço no Congresso. A ajuda de governadores que ganham com a aprovação da CPMF conta a favor, diz Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ:
— Governadores terão mais espaço para gastar, deputados terão benefícios. Vai ter apoio para aprovar CPMF.
Sergio Vale já avalia ser mais difícil aprovar CPMF em ano eleitoral. Aposta mais na Cide, a contribuição embutida no preço da gasolina, mas somente quando terminar a entressafra da canade-açúcar, para não aumentar muito o preço do combustível.
7 Não ceder a medidas heterodoxas
O ministro que é apontado como um dos formuladores da “nova matriz econômica”, política adotada no primeiro mandato da presidente Dilma, terá como desafio também não ceder à tentação de adotar medidas heterodoxas, destaca Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central:
— Temos a experiência da Argentina e a tragédia na Venezuela como exemplos do que não seguir.
Colaboraram Martha Beck e Marcello Corrêa