Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
Merval Pereira - O incontrolável
Fernando Exman - Estados cobram novo auxílio emergencial
Plano
de vacinação dá horizonte para fim da ajuda social
Mesmo
que sob risco de tornar-se ainda mais minoritária na reforma ministerial
prevista para depois de fevereiro, a ala fiscalista do governo submergiu. Seria
prudente que pelo menos se recolocasse no debate sobre a necessidade de
implementação de uma nova fase do auxílio emergencial. A ala política do
Executivo está deixando rolar a discussão, que tem permeado os contatos entre
os governadores e os candidatos a presidente da Câmara e do Senado. E pode sair
fortalecida do recesso do Congresso.
A
equipe econômica, por sua vez, corre o risco de chegar à mesa de negociação já
com o prato feito e sendo servido. Neste caso, teria pouco a dizer, além de
reiterar a premissa de que a conta precisa respeitar o teto de gastos.
A
situação no Amazonas, que vive uma segunda onda de covid-19 com consequências
tenebrosas, aumentou a preocupação de diversos governadores. O episódio
evidenciou a necessidade de o Estado assegurar os meios para se combater o
coronavírus e também os efeitos da crise, com a preservação de empregos e da
renda do cidadão mais pobre.
“Vamos ter um crescimento do desemprego e da miséria muito grande. É preciso o auxílio direto e também a prorrogação do programa que reduz a jornada e o salário”, ponderou um governador, citando a iniciativa formulada pelo Ministério da Economia que, segundo a pasta, já promoveu a celebração de acordos entre 1,5 milhão de empresas e 9,8 milhões de trabalhadores.
Cristiano Romero - Encruzilhada fiscal e social
Retomada
desigual do PIB e fim do auxílio fomentam crise social
Não
é desprezível o risco de o país enfrentar nos próximos meses uma grave crise
social. Todos sabemos que 2020 só não foi mais trágico, do ponto de vista
econômico, porque o Congresso Nacional e o governo federal agiram rapidamente
para instituir novo mecanismo de transferência de renda e, assim, compensar o
fato de que, devido à pandemia, milhões de trabalhadores formais e informais
perderam subitamente seu ganha-pão
O
auxílio emergencial funcionou razoavelmente bem e impediu que a contração da
economia fosse muito superior à esperada. Muitos analistas chegaram a projetar
queda acima de 9% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Segundo cálculos
do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV-Rio, o PIB
pode ter caído 4,7% no ano passado e crescerá 3,6% em 2021.
O que evitou um mergulho maior do PIB foram os bilhões de reais transferidos a pouco menos de 70 milhões de brasileiros entre abril e dezembro. Uma parte significativa desse contingente - cerca de 45 milhões de pessoas - é beneficiária do programa Bolsa Família e, por essa razão, continua recebendo o benefício, embora num valor bem inferior ao do auxílio emergencial - aproximadamente, R$ 150 por pessoa, em vez de R$ 600 (quantia paga entre abril a setembro) e R$ 300 (de outubro a dezembro).
Luiz Carlos Azedo - Colapso da diplomacia
Não
existe assimetria entre política externa e política de governo propriamente
dita. O colapso de uma, inevitavelmente, levará a outra de roldão, a não ser
que haja um grande ajuste
A
posse do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, hoje, representa o
colapso da política externa do presidente Jair Bolsonaro, sem mais nem menos.
Seu apoio escancarado não somente à reeleição de Donald Trump, mas também às
denúncias de fraude eleitoral na eleição do democrata, bem como aos protestos
dos republicanos — que culminaram com a invasão do Capitólio — levou as
relações entre o Brasil e os Estados Unidos ao seu pior momento desde o governo
Geisel, durante o regime militar. Entramos num processo parecido com aquele
momento, marcado pela celebração do acordo nuclear com a Alemanha, pelo
presidente Ernesto Geisel, que rompeu um velho acordo militar com Estados
Unidos, em 1975.
Em
março 1978, quando o presidente democrata Jimmy Carter esteve no Brasil, foi
recebido friamente por Geisel, embora a visita, de iniciativa da Casa Branca,
fosse uma tentativa de melhorar as relações. Entretanto, não houve como deixar
fora da pauta do encontro a questão dos direitos humanos. Denúncias de
sequestros, torturas e assassinatos de oposicionistas nos quartéis e aparelhos
clandestinos dos serviços de inteligência do regime, devidamente
circunstanciadas, foram entregues à primeira-dama Rosalyn Carter, estressando
ainda mais as relações.
Na
época do estresse com os Estados Unidos, Geisel ainda encarnava um projeto
nacional-desenvolvimentista, que contava com certo apoio na sociedade, apesar
de o regime vir a ser derrotado fragorosamente nas urnas, em novembro do mesmo
ano. Agora, não existe projeto nacional algum. Ideologicamente, Bolsonaro se
aliou de forma incondicional ao presidente Donald Trump, que, agora, deixa o
governo, depois da sua frustrada tentativa de impedir a posse de Biden, numa
inopinada e brutal ação golpista, amplamente repudiada pelo Congresso e a
Justiça dos Estados Unidos. Como se dizia antigamente, Bolsonaro pegou o bonde
errado.
O fracasso da política externa de Bolsonaro é ainda mais grave porque o presidente brasileiro, ao se aliar a Trump, entrou em rota de colisão com a União Europeia, por causa da questão ambiental, e com a China, nosso principal parceiro, devido à guerra comercial entre os dois países. Até mesmo com a Índia e a África do Sul, que são nossos parceiros no Brics, Bolsonaro desgastou as relações diplomáticas, ao votar contra a quebra de patentes de produtos farmacêuticos na Organização Mundial de Comércio (OMC). Agora, o Brasil depende da importação de insumos farmacêuticos e vacinas desses países, que têm seus próprios interesses geopolíticos e nenhuma boa vontade com Bolsonaro.
Pedro Cafardo - Efeito Bourbon tem um lado bom
Trump
será exemplo a líderes que resolvam rasgar a Constituição
Efeito
Orloff, para quem não se lembra, foi a expressão criada nos anos 1990,
inspirada num comercial de vodka com o mote “eu sou você amanhã”, para indicar
o impacto da crise argentina sobre o Brasil. Os últimos anos do século XX foram
terríveis para países emergentes. As crises em sequência, batizadas pela mídia
ou por acadêmicos de maneira bem humorada, tinham nomes que se referiam a
bebidas preferidas ou a ritmos musicais característicos desses países. Assim,
além do Orloff, houve o Efeito Tequila, usado quando o México entrou em
moratória, o “Efeito Tango”, da própria Argentina, e até o “Efeito Samba”, da
crise brasileira.
Neste
início deste ano, uma nova expressão metafórica, Efeito Bourbon, foi cunhada
para retratar o impacto decorrente do que se passou nos Estados Unidos em 6 de
janeiro, quando o presidente Donald Trump instigou seus apoiadores a invadir o
Congresso em Washington para tentar virar o resultado da eleição. Impossível
saber quem criou a expressão, talvez o jornalista José Roberto de Toledo, que a
citou no Foro de Teresina, da revista “Piauí”.
A
pergunta é: há um risco real de o Efeito Bourbon contaminar o Brasil, embora
Trump vá deixar amanhã, para o júbilo global, o cargo mais importante do mundo?
E a resposta é sim, para o bem e para o mal. O presidente Jair Bolsonaro é um fiel seguidor e bajulador de Trump, a quem já fez uma ridícula declaração de amor. Talvez tenha dito aquele “I love you”, em 2019, por ser essa a única frase que sabe de cor em inglês. Poderia ter dito “The book is on the table”, porque Trump ignorou a declaração e disse apenas “Bom te ver novamente”. Mas Bolsonaro não esconde seu amor pelo agora quase ex-presidente americano. No dia em que houve a invasão do Congresso, ele falou em fraudes nas eleições americanas. E dias depois, disse que poderá ocorrer a mesma coisa no Brasil em 2022 se continuar havendo voto em urna eletrônica.
Ricardo Noblat - Bom dia, general Hamilton Mourão, vice-presidente do Brasil
Prenda
a respiração
Governos
de países do primeiro mundo já teriam caído com a revelação de que pessoas
estão morrendo nos seus domínios há mais de uma semana por falta de oxigênio.
Segure
a respiração o máximo de tempo possível. E em seguida, tente ir um pouco além.
Sentiu o pavor que tomaria conta de você? É assim que já morreram cerca de 40
habitantes de Manaus.
A
falta de oxigênio matou, ontem, pelo menos 7 pessoas em Coari, cidade a 360
quilômetros de Manaus. E começou a matar também em pequenas cidades do Pará.
Em
Faro, município de 12 mil habitantes na divisa com o Estado do Amazonas,
morreram asfixiadas 6 pessoas de uma mesma família. Outras foram transferidas
para Itaituba, área de garimpo.
É
dramática a situação de mães internadas em maternidades prestes a dar à
luz, e de bebês que dependem de respiração artificial para seguir lutando pela vida.
Há
49 bebês em UTIs de hospitais de Manaus. A produção de oxigênio na cidade é de
28 mil metros cúbicos por dia. Na semana passada, por dia, o consumo bateu a
casa dos 70 mil.
Como
é possível que tudo isso esteja em curso no Norte e as populações das demais
regiões do país apenas se mostrem condoídas, abaladas e, se muito, solidárias?
Somente
uma gigantesca operação de socorro, montada pelo governo federal, capaz de
mobilizar todos os seus recursos, poderá deter a mortandade cruel de mais
inocentes. Cadê?
Avisado
desde novembro sobre o colapso iminente do sistema de saúde do Amazonas, o
Ministério da Saúde mal se mexeu. Informado que faltaria oxigênio, mexeu-se
aquém do necessário.
Eduardo
Pazuello, o general especialista em logística militar, visitou Manaus há 10
dias. A ocasião serviu para que ele voltasse a recomendar o tratamento precoce
à base de cloroquina.
Serviu também para que ele adiantasse ao governador o nome do futuro superintendente do Ministério da Saúde no Amazonas: Paulo Ricardo Loureiro. Não é médico, mas coronel da infantaria.
Bruno Boghossian – Pazuello deveria delatar o chefe
O
general recuou. Depois que autoridades afirmaram mais uma vez que não há
remédio eficaz contra o coronavírus, Eduardo Pazuello disse que nunca
recomendou aquilo que o
próprio governo chama incansavelmente de “tratamento precoce”. O Ministério
da Saúde tentou empurrar cloroquina ao país, mas o militar deve ter percebido
que andava em terreno perigoso.
O
comprimido é a peça simbólica que comprova a ação devastadora do governo Jair
Bolsonaro na pandemia. O presidente e seus auxiliares fizeram a opção por um
protocolo de tratamento fantasioso, que sufocou os esforços pela vacinação dos
brasileiros e até o fornecimento de material básico para a sobrevivência dos
doentes.
Três
dias depois de saber que Manaus estava prestes a entrar em colapso, Pazuello
deu uma palestra em que defendeu remédios ineficazes e disse que não havia
“outra saída”. O ministério quis despejar cloroquina no Amazonas, mas mandou
oxigênio insuficiente para abastecer o estado.
Se mudou de ideia, o general deveria delatar o chefe imediatamente. Enquanto Pazuello finge indignação e diz que não indicou medicamentos, Bolsonaro segue à frente do movimento do charlatanismo. “Não desistam do tratamento precoce. Não desistam, tá?”, pediu a apoiadores, na segunda-feira (18).
Ruy Castro - Lambanças de Bolsonaro e Pazuello
Eles
deixam muito mal o conceito que os militares fazem de si mesmos
Se
Jair Bolsonaro fosse presidente durante a 2ª Guerra e Eduardo
Pazuello seu chefe do Estado Maior, os pracinhas mandados pelo Brasil
para lutar na Itália teriam ido parar no Congo Belga. Ou a FEB só desembarcaria
no famoso teatro de operações depois de a peça terminada —com o que, sob
Bolsonaro e Pazuello, o Brasil teria sido protagonista de uma ópera-bufa, não
de uma saga de que os militares tanto se orgulham. É como combatem a pandemia.
Mas não são só as trapalhadas. Bolsonaro e Pazuello não gostam de máscaras, e com razão. Elas são desconfortáveis para seus narizes de Pinóquio, mais compridos do que as pernas —suas mentiras têm pernas tão curtas que, todo dia, eles são obrigados a desdizer-se e a negar não só as frases da véspera como suas próprias negações. O que, para eles, não é difícil, porque, sendo Pinocchio um boneco de pau, o nariz e a cara também são.
Conrado Hübner Mendes* - Impeachment Pró-Vida
Não
se combate vandalismo constitucional sem tirar vândalos do poder
O
negacionismo pandêmico pode matar qualquer um de nós. Já o negacionismo
político, aquela displicência soberba diante do custo democrático e humanitário
que Jair Bolsonaro nos impõe, parece mais inofensivo e pode poupar nossa vida.
Basta manter o bom comportamento e não abusar da liberdade (científica,
acadêmica, artística, de imprensa).
O
casamento de ambos tem permitido a Bolsonaro inviabilizar
uma política sanitária responsável e ao mesmo tempo se livrar de
sanções pelo vandalismo constitucional que imprimiu em seu governo. O tamanho
do dano é intangível e transcende a morte de centenas de milhares de pessoas.
Vandalismo
constitucional, expressão que voltou à tona no debate anglo-saxão sobre o que
Boris Johnson e Donald
Trump infligiram às normas do jogo democrático, denota um estilo
governamental de confrontação permanente. A confrontação não se dá exatamente
com a lei, que vândalos ignoram por vocação, mas com a capacidade de resistência
das instituições de controle. Preocupam-se com inimigos, não com a legalidade.
Vândalos não cometem um crime de responsabilidade. Cometem crimes de responsabilidade seriais e continuados. Foi, talvez, como Carlos Ayres Britto tentou definir Bolsonaro dias atrás: governa "de costas para a Constituição", tem "o pé atrás com essa Constituição", caminha "na contramão da Constituição", adota como estilo "um ódio governamental de ser".
Zuenir Ventura - A esperança e a vida real
Anvisa
teve coragem cívica rara nestes tempos
Talvez
por que tenhamos saído de um ano muito adverso, que ofereceu tão poucos motivos
de satisfação, este começo de 2021 parece mais promissor. Dois acontecimentos
nos deram essa esperança. O primeiro foi a conduta da Anvisa ao julgar o uso
emergencial das vacinas CoronaVac, do instituto chinês Sinovac, em parceria com
o Butantan, e Oxford/AstraZeneca, com a Fiocruz.
Quando
se soube que diretores da agência reguladora que aprovariam o uso ou não das
vacinas tinham sido nomeados pelo presidente da República, muitos acharam que o
resultado seria o óbvio: eles não teriam coragem de aprovar a CoronaVac.
Imagina se iriam contra a vontade do negacionista Bolsonaro, que sempre
desprezou publicamente a “vacina chinesa de João Doria”? Como desobedecer quem
prometera que o país não seria “cobaia”?
Pois bem, demonstrando uma coragem cívica rara nestes tempos, eles aprovaram por unanimidade a aplicação emergencial da Coronavac e da Oxford/AstraZeneca, justificando seus votos com critérios científicos. Defenderam ainda a vacinação em massa e o distanciamento social, afirmando que não há tratamento terapêutico para a doença, contrariando Bolsonaro e o ministro Pazuello, que “receitam” a tristemente famosa hidroxicloroquina.
Roberto DaMatta* - Uma vacina contra privilégios
Iniciamos
a vacinação dentro de um campo politizado precisamente pela velha enfermidade
de um você sabe com quem está falando – o famoso “quem é que manda?!” – que
prolonga a doença e a morte
Considere
uma fotografia. Nela, você vê meninos, jovens e idosos, homens e mulheres.
Todos olham para a câmera sorrindo e logo você acha que se trata de uma
família.
Mas
só há um modo de confirmar suas intuições porque, se a foto exibe
contundentemente os indivíduos, ela não mostra o mais importante: as suas
relações.
Uma
visão mais precisa do quadro só pode ocorrer quando você, realizando um
trabalho parecido com o dos jornalistas, antropólogos e policiais, indagar quem
é quem e – nessa indagação – descobrir a teia invisível que liga esses
indivíduos entre si. Quando os elos são revelados, os indivíduos ganham
existência – são parte de um enredo.
Aquela
bela mulher é a mãe dos meninos; o sujeito engravatado é o seu ciumento marido;
aquele velho sorridente é o avô; aquela pessoa no fundo é a empregada...
*
Todos
nós aprendemos a ser quem somos por meio de relações centradas no nosso grupo
doméstico. Foi por meio de um código administrado pelos nossos pais – os “donos
da casa” – que aprendemos uma língua e o mudo. Esse código só é questionado nas
crises, pois o sistema da casa é tido como natural. Ele é hierárquico e
sustentado pelos axiomas morais de direitos e deveres (o “pode” ou “não pode”)
não escritos.
Descobrimos
a individualidade na “rua”, quando “levamos pau” na escola, brigamos, xingamos
e, sobretudo, namoramos, experimentando uma sexualidade vedada no lar. O mundo
da “rua” nos revela um outro lado. Nele, não somos exclusivos porque suas
regras são impessoais e, por isso, sempre surgem contra nós porque nos obrigam
a existir como anônimos e – eis o absurdo! – como iguais: desconhecidos e
comuns.
Contra elas, usamos as teias invisíveis da casa. O resultado é uma óbvia esquizofrenia (semente de corrupção, nepotismo e despotismo); e uma ambiguidade que cobra o seu alto preço contrariando os valores democráticos da vida pública.
José Nêumanne* - Graças a Deus, ainda há Anvisa em Brasília
Por
5 a 0, agência de vigilância sanitária resgatou vida e ciência e recusou culto
à morte
Devotos
do apóstolo Tomé, que exigiu ver o Cristo ressuscitado e tocar nas chagas da
crucifixão para crer, tinham sérias razões para duvidar que a diretoria da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizasse o uso emergencial
da Coronavac, do laboratório chinês Sinovac e do Instituto Butantan, paulista.
Seus cinco diretores foram indicados pelo presidente Jair Bolsonaro, que chama
o imunizante de “vachina” e fez o possível e impossível para sabotar sua
utilização na “campanha nacional de vacinação”, de ainda duvidosa existência,
fiel à condição de artilheiro matador e a sua estúpida negação da ciência.
Tal dúvida tinha precedente a motivá-la. O diretor-presidente da agência, contra-almirante Antônio Barra Torres, apesar de médico, prestigiou, ao lado do chefe do Executivo, ato antidemocrático na Esplanada dos Ministérios, sem máscara nem distanciamento social, em 15 de março de 2020. Ficou claro na ocasião seu apoio aos golpistas bolsonaristas, expostos na ocasião em palavras de ordem, cartazes e faixas de ataque ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional.
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, foram os nomes mais criticados pelos manifestantes. Em cartazes, parlamentares eram chamados de chantagistas. Um deles defendia fogo e álcool combinados para enfrentar o “vírus” do Supremo Tribunal Federal (STF). “Bolsonaro se aproximou dos manifestantes, fez selfies com o rosto colado e tocou nas mãos das pessoas. Em alguns momentos da transmissão do encontro, Torres apareceu filmando os cumprimentos entre Bolsonaro e os apoiadores presentes”, conforme relato dos repórteres do Estadão Jussara Soares e Mateus Vargas.
Elio Gaspari - 2021 começou bem
Há
luz no fim do túnel: quando serei vacinado, onde?
Ao
meio-dia de hoje, Joe Biden deverá assumir a Presidência dos Estados Unidos, e
Donald Trump foi-se embora. No Brasil, começou a ser aplicada a vacina contra a
Covid-19. Mudou o jogo. Dois centros irradiadores de ansiedade e morte perderam
a iniciativa. O capitão Bolsonaro e o general Pazuello podem dizer o que bem
entenderem, mas há luz no fim do túnel: quando serei vacinado, onde? Trump
continuará dizendo que ganhou a eleição, mas Biden estará no Salão Oval.
Bolsonaro
e Pazuello continuarão em guerra contra João Doria, mas foi ele quem acelerou a
chegada da vacina. No caso do relacionamento com o governo de Joe Biden, o
problema será outro. Noves fora todas as pirraças de uma diplomacia que se
sente bem colocando o país na condição de pária, haverá uma nova realidade na
Casa Branca. (Na Índia, a vacinação maciça imunizará seus párias, antes que as
vacinas do general Pazuello cheguem aos marajás de Pindorama.)
No
lugar de um delirante vulgar, estará na Casa Branca um mandarim que passou oito
anos na vice-presidência e 36 no Senado. Para o atual governo brasileiro, a
chegada de Biden irá além das diferenças entre republicanos e democratas,
ambientalistas e agrotrogloditas. Trump levou consigo a capacidade de operar
numa realidade paralela, dimensão frequentada por Bolsonaro, pelo venezuelano
Nicolás Maduro e pelo filipino Rodrigo Duterte.
O veterano diplomata americano Thomas Shannon, ex-embaixador no Brasil e ex-subsecretário de Estado no início da administração de Trump, já disse que as relações entre os dois países estavam fora do eixo. Numa linguagem que não faz seu estilo, Shannon comentou o negacionismo eleitoral endossado por Bolsonaro: “É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido”.
Entrevista | ‘Bolsonaro faz bravata perigosa e se dirige a escalões inferiores e às PMs’, diz historiador
RIO
– Uma bravata perigosa. Assim o historiador José Murilo
de Carvalho classifica a declaração do presidente Jair
Bolsonaro apontando nas Forças Armadas o poder de determinar se o Brasil é uma democracia
ou uma ditadura. Embora admita que o que mandatário afirmou é em
parte verdadeiro – considera que a República brasileira é tutelada pelos
quartéis –, o pesquisador avalia que ele não fala pelos altos comandos de
Marinha, do Exército e da Aeronáutica. E aponta um risco nas atitudes do
presidente. Ele, afirma, se dirige aos escalões inferiores da hierarquia
castrense e às polícias militares. Para o professor, trata-se de uma “violação
da hierarquia”.
“É
veneno para as corporações militares”, preocupa-se. “Para o historiador,
Bolsonaro “fracassou” na “guerra da vacina” e tenta retomar protagonismo”. Mas
não conseguirá bom resultado se tentar envolver os fardados e desafiar a sua
hierarquia, adverte José Murilo, que diz que na pandemia Bolsonaro “lutou do
lado errado”.
A seguir, os principais trechos da entrevista de José Murilo ao Estadão.
Onde
o presidente Bolsonaro quer chegar quando diz que depende das Forças Armadas se
o Brasil vai ser uma democracia ou uma ditadura?
A
declaração é contraditória. Dizer que a democracia depende das Forças Armadas é dizer que já não há democracia, o que em
parte é verdade na medida em que temos uma república tutelada. Só teremos uma
república democrática quando ela não depender de apoio militar. A república
norte-americana passou por uma crise séria, sem que os militares se
manifestassem.
Essa
declaração é apenas uma bravata ou há uma ameaça real de golpe, com
possibilidade de se concretizar?
É
uma bravata perigosa. Ele fala em “nós militares”, colocando-se
como porta-voz do grupo, o que ele certamente não é. Pela lei, quem fala
pelos militares são seus comandantes. Se falasse como presidente, chefe
das Forças Armadas seria ainda pior, porque estaria colocando a presidência
como defensora de um grupo social. A bravata é perigosa para ele por
estar usurpando a autoridade dos comandantes das três forças.
Em
sua avaliação, Bolsonaro tem apoio das Forças Armadas, no seu todo ou em parte,
para esse tipo de declaração?
Como
já indicou o comandante do Exército, general (Edson) Pujol, aliás colega dele
na AMAN, quando condenou a politização das Forças Armadas, ele (Bolsonaro) não
fala em nome delas. O presidente tem feito um jogo perigoso ao se dirigir a
escalões inferiores da hierarquia militar e às polícias militares. Essa
violação da hierarquia é veneno para as corporações militares.
Bolsonaro
tenta usar as Forças Armadas como “espantalho” contra um eventual processo de
impeachment?
Se for o caso, acho que será mais um erro político, um tiro que poderá sair pela culatra por estar comprometendo as Forças Armadas com seu projeto político pessoal. Esse envolvimento não interessa às Forças Armadas que vêm tentando fugir à acusação de que estamos diante de um governo militar e não apenas de um governo com militares.
FHC diz a tucanos que voto em Lira significa adeus às expectativas de ganhar as próximas eleições
Painel / Folha de S. Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu puxão de orelha nos deputados do PSDB que têm manifestado intenção de votar em Arthur Lira (PP-AL), candidato de Jair Bolsonaro, nas eleições para a presidência da Câmara.
O
partido faz parte do bloco de apoio a Baleia Rossi
(MDB-SP), lançado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas parte da bancada de
33 parlamentares tem indicado que pode não seguir a decisão partidária.
Fernando
Henrique pediu a um ex-deputado que postasse sua mensagem no grupo de WhatsApp
dos parlamentares tucanos, o que foi feito.
"Transmita à bancada meu sentimento: ou mostramos força e independência apoiando claramente o Baleia ou adeus às expectativas de sermos capazes de obter alianças e ganhar as próximas eleições. Se há algo que ainda marca o PSDB é a confiança que ele é capaz de manter e expressar. Quem segue a vida política estará olhando, que ninguém se iluda".
Míriam Leitão - Primeiros e difíceis trabalhos de Biden
Não
há mal que sempre dure. O governo Trump acaba e hoje começa a administração
Joseph Biden e Kamala Harris. Não será um tempo fácil. Os Estados Unidos chegam
a impensáveis 400 mil mortos por coronavírus e a recessão ceifa empregos. Biden
terá que tomar decisões urgentes contra a pandemia. Por ordens executivas ele
vai revogar políticas de Trump, principalmente na área externa. Tentará aprovar
o pacote de US$ 1,9 trilhão de socorro aos trabalhadores e à economia e, como
disse ontem Janet Yellen, a nova secretária do Tesouro, a mudança climática
será assunto central na administração.
Em
compensação, Scheinkman se diz muito impressionado com a qualidade da equipe
que Biden escolheu em áreas fundamentais como economia e ciência:
— Janet Yellen é uma economista com merecida e ótima reputação, e todo mundo concorda que a conduta dela no Fed foi excelente. Para o Conselho de Assessores Econômicos, escolheu minha ex-colega de Princeton Cecilia Rouse, que respeito muito. É muito melhor do que qualquer dos conselheiros de Trump. Ele escolheu como assessor científico Eric Lander, que liderou nada menos que o Human Genome Project, extraordinariamente competente. E elevou o cargo ao nível de ministro. Depois de um governo que não acreditava em ciência, ele nomeou um cientista de primeiríssima linha.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
Desfazer
o legado nefasto de Donald Trump e unir um país rachado ao meio não
Ao
meio-dia de hoje, horário de Washington, Joseph Robinette Biden Jr. proferirá
as 35 palavras do juramento que marca o início de seu mandato como 46º presidente
dos Estados Unidos. Sob rígidas medidas de segurança, tomadas para evitar tanto
a violência das hostes trumpistas quanto o contágio pelo novo coronavírus,
assumirá como presidente de um país dividido ao meio, depois daquela que já
entrou para a história como uma das piores — senão a pior — administração na
história americana. Desfazer o legado de Donald Trump, tarefa já em si
complexa, será ainda mais difícil diante do recrudescimento da pandemia que até
agora matou 400 mil americanos e paralisa a economia.
Os
Estados Unidos são o único país a superar o Brasil no ranking macabro das
mortes por Covid-19. O desafio mais urgente de Biden, portanto, é começar a
trabalhar contra o vírus, em vez de, como Trump, a favor dele. Mas não será o
principal. O mais difícil para o novo presidente será resgatar um mínimo de
unidade nacional. No discurso de posse, ele dirá o oposto do que foi dito há
quatro anos. Em vez da “carnificina americana” de Trump, Biden fará eco à
mensagem de união proclamada por outro presidente quando tomou posse num país
também dividido, 160 anos atrás: Abraham Lincoln, com seu célebre apelo aos
“melhores anjos de nossa natureza”.
Precisará
mesmo de ajuda dos céus e dos anjos. Um terço dos americanos não acredita que
ele foi o vencedor legítimo das eleições de novembro (dois terços entre os
republicanos). Sua vitória, pelas regras do convoluto sistema eleitoral
americano, foi ainda mais apertada que a de Trump há quatro anos (por 45 mil
votos nos estados decisivos, em vez de 77 mil). No Congresso, quase 150
deputados e senadores endossaram a versão estapafúrdia trumpista de que a
eleição foi roubada.
A
maioria democrata na Câmara é apertada (cinco cadeiras) e, no Senado, dependerá
do voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris. Ainda que os
republicanos tenham adiante um doloroso acerto de contas a fazer com o
trumpismo, dispõem de força política considerável para atrapalhar as
iniciativas de Biden. Exatamente metade dos americanos crê que ele tomará as
decisões corretas para o país, constatou uma pesquisa do Washington Post com a
ABC News. Mas a outra metade, não.
Logo
de cara, o Senado terá de julgar Trump no processo de impeachment pela
incitação à violência no Capitólio no último dia 6. Não será exatamente uma
situação que enseje a conciliação e a união que Biden pregará na posse. Toda a
agenda inicial do governo é constituída por temas que polarizam os americanos:
imigração, mudanças climáticas, desigualdade racial, o multilateralismo no
cenário internacional e um pacote econômico de quase US$ 2 trilhões para
combate à pandemia.
No primeiro dia, Biden pretende assinar uma dúzia de decretos, parte deles desfazendo absurdos da gestão Trump. O foco principal será a imigração, com o cancelamento do veto a viajantes de países de maioria muçulmana e das políticas escandalosas que separam crianças das famílias na fronteira com o México. Também haverá nova adesão ao acordo climático de Paris, extensão do perdão às dívidas estudantis e o estabelecimento da obrigatoriedade do uso de máscaras em edifícios do governo federal e em viagens interestaduais. No Legislativo, as prioridades serão a aprovação do pacote de combate à pandemia e a garantia de um caminho viável para conceder a cidadania americana a 11 milhões de imigrantes que entraram ilegalmente no país.
Poesia |Graziela Melo - A morte
A morte
É
uma meia volta
que não tem volta!
Só tem ida!
É
como
um
beco
que
não tem
saída!
No
dia,
os
vivos
te
molham
em
copioso
pranto...
mas
logo
esquecem
do
teu
encanto
e
se reengajam
nas
seduções
da
vida!
A
morte
é
só tua
e
de mais ninguém
sempre
para
o teu mal
nunca
para
o teu bem!!!
Cruel
e má
te
priva
dos
teus
sapatos
preferidos
das
tuas roupas
dos
teus entes
mais
queridos...
entre
tantas
maldades,
que
não
são
poucas...
te
priva do ar
da
terra
de
ver o céu
o
mar,
as
estrelas
te
tira da vida,
as
coisas
mais
belas!!!
Te
leva do mundo
Por
caminhos tortos...
Os
mortos
sabem
de tudo!!!
Por
isso
e
contudo,
a
pior ironia
é
a ironia
dos
mortos!!!