terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Dora Kramer

Depois de encerrar 2015 fazendo um balanço do ano completamente distante da realidade, a presidente Dilma Rousseff inicia 2016 com projeções cujas realizações estão muito acima de suas reais possibilidades. Dilma fala como se ainda tivesse cacife suficiente para fazer e acontecer, e não fosse uma governante desprovida de apoio até entre seus aliados formais.

Na entrevista que deu na última quinta-feira, a presidente vendeu terrenos na lua: decretou o fim de uma crise que ganha fôlego a cada revelação da Operação Lava Jato, prometeu reduzir uma inflação de trajetória ascendente, manifestou confiança na volta de um imposto (CPMF) repudiado no Congresso e na sociedade e, por fim, anunciou que vai “encarar” a reforma da Previdência, coisa que nem Lula conseguiu no auge da popularidade e da força política.

Isso tudo sem levar em conta o ano eleitoral em que a tendência é o aumento dos conflitos políticos e uma considerável redução na disposição dos partidos de confrontarem o eleitorado dando sustentação a medidas que não sejam do gosto popular. O PT, os movimentos sociais e os sindicatos se contrapõem abertamente a Dilma nas ações necessárias na busca do equilíbrio fiscal.

E se os representantes do que ainda restaria de sustentação ao governo não têm intenção de contribuir para a realização das projeções presidenciais, muito menos o farão seus adversários oficiais. De onde seria conveniente que Dilma desviasse a cabeça do mundo da lua e pusesse os pés no chão.
-------------
Dora Kramer, jornalista, ‘Terrenos na lua’, O Estado de S. Paulo, 10.1.16

Merval Pereira: Barafunda política

- O Globo

Pelo jeitão que está tomando, a próxima disputa presidencial, seja em 2018, ou antes, dependendo do que venha a acontecer, será tão ou mais diversificada do que a de 1989, quando simplesmente todos os principais líderes políticos daquela época participaram da campanha. E deu no que deu, Collor vitorioso. Sem condições de governar o país, acabou impedido, contra um Lula que já admitiu que não estava preparado para ser presidente naquele momento.

Se naquela época não se sentia pronto, imagine-se o que faria, diante do que se sabe que fez 13 anos depois. A barafunda que se avizinha pode ser percebida pelos candidatos que se colocam em campo e pela divisão profunda no PSDB, o maior partido de oposição.

Com o senador Aécio Neves dominando a máquina partidária e aparecendo nas pesquisas como o favorito de uma hipotética corrida presidencial, outros líderes tucanos buscam alternativas. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, ele mesmo um potencial candidato do PMDB “se o cavalo passar encilhado”, declarou que gostaria de ver o senador José Serra nas hostes peemedebistas como o candidato oficial do partido.

Essa possibilidade esteve mais visível quando o impeachment parecia mais viável, com Serra podendo tornar-se um superministro da Fazenda num governo de coalizão presidido por Michel Temer. A viabilidade da candidatura dependeria do seu sucesso no cargo, o que desde já parece uma missão impossível: recuperar a economia sem cometer maldades que lhe inviabilizem a candidatura.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, outro eterno candidato, começa a se colocar mais claramente, mas parece disposto a cometer o mesmo erro pela segunda vez: aproxima-se do MST. Um erro, aliás, que acometeu também Serra na campanha de 2010: tentar se afastar do governo Fernando Henrique e se vender como próximo de Lula, ou da esquerda de maneira geral.

Alckmin em 2006, para rebater as acusações de que era favorável às privatizações até de ícones da esquerda como a Petrobras ou o Banco do Brasil, em vez de defender a lógica das privatizações do governo Fernando Henrique, enfiou-se em um ridículo colete com as logomarcas de todas as estatais, para garantir quer elas seriam intocáveis em um eventual governo seu.

O próprio marqueteiro João Santana, depois de vencida a batalha que parecia ameaçada — Alckmin terminou o primeiro turno com uma votação inesperada de 41%, mas no segundo teve menos votos —, deu entrevistas dizendo-se surpreso com a falta de defesa da privatização da telefonia, por exemplo, que ajudara muito, até mesmo os trabalhadores.

Pois agora Alckmin se abraça ao MST, como se fosse possível tirar daí alguma vantagem política. Revelando uma ambiguidade só comparável à sua inabilidade ao implantar uma reforma de ensino sem prévio debate entre educadores e alunos que encaminhasse a mudança de maneira menos autoritária.

Os benefícios que a reforma traria, na opinião de especialistas não engajados politicamente, ficaram ofuscados pela atitude imprudente do governo. Para se ter uma ideia do que a atitude de Alckmin pode produzir, o máximo de elogio que o líder do MST Gilmar Mauro conseguiu dizer foi: “É surpreendente e bom que esse projeto venha de um governo tucano. Isso ajuda a pressionar a esquerda e o governo”. Alckmin estaria disposto a entrar para o PSB, partido de seu vice, para disputar a Presidência. E o senador tucano Alvaro Dias, sem espaço, vai para o Partido Verde para ser candidato. Mas não parece ter futuro nesse campo, pois terá pela frente a ex-ministra Marina, a verdadeira candidata ecológica. Só de origem do PSDB teríamos então, num cenário radical, quatro candidatos.

O ex-ministro Ciro Gomes começa a afiar sua língua para se lançar mais uma vez à Presidência da República, o que pode ser um trunfo nesse debate que se avizinha, mas também uma fonte de autodestruição, como já aconteceu na eleição de 2002. Sua chegada ao PDT retirou do senador Cristovam Buarque a chance de ser novamente o candidato, e ele busca outra legenda.

A direita já aparece com dois candidatos, Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado. E o PT busca uma candidatura alternativa à de Lula, que pode ser a única opção, mas depende da Operação Lava-Jato e da Zelotes. Os demais potenciais candidatos petistas são abatidos como moscas sempre que tentam voar mais alto, vide o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, vítima da maldição da Casa Civil nos governos petistas.

Luiz Carlos Azedo: As relações perigosas

• A fronteira com o esquema de corrupção desnudado pela Lava -Jato é sinuosa e tênue. Seu ponto de interseção com a Presidência da República é a Casa Civil

- Correio Braziliense

Uma das características do capitalismo de Estado é a conexão entre as suas agências públicas e os grandes grupos privados, de maneira a que o governo seja o gestor dos grandes interesses monopolistas e árbitro das disputas entre eles. Por isso mesmo, as relações promíscuas entre políticos, empresários e lobistas são seu modus operandi, uma vez que as políticas públicas acabam subordinadas a esses interesses e a grande política é aprisionada pelos altos escalões do Executivo. Resta ao Congresso a lavagem destinada aos porcos ou o jus esperneandis.

Mesmo sendo um grande caso de polícia, a Operação Lava-Jato renderá muitos debates e estudos políticos, além de jurídicos, por desnudar os bastidores dessas relações e interesses nos governos Lula e Dilma Rousseff. Com o detalhe de que o capitalismo de Estado, nos regimes fascistas, socialistas e no populismo, foi uma via de industrialização, ao passo que o nosso atual modelo está desindustrializando o país.

Quando o Brasil surfou a onda da expansão mundial, graças à China, a vida das pessoas melhorou da porta “pra dentro”, enquanto “pra fora”, nos grandes centros urbanos, tudo piorou: o padrão habitacional, a mobilidade urbana, a saúde pública e a qualidade do ensino, além da violência. Outra característica do nosso neocapitalismo é a captura das políticas públicas pelos grandes interesses privados, igualzinho ao chamado “Estado mínimo”.

Ocorre por duas vias paralelas: a primeira é a “focalização” dos gastos sociais nos mais pobres, com transferência direta de renda e a ampliação do endividamento, ou seja, pela expansão do consumo; a segunda, a canibalização das políticas universalistas pelos grandes grupos de fornecedores de insumos e concessionários de serviços, como a indústria farmacêutica, os cartéis da educação, as máfias do transporte coletivo, as empresas de segurança, etc.

Nesses setores, existe uma corrupção endêmica, mas nada se compara ao esquema montado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujo gerenciamento esteve a cargo da presidente Dilma Rousseff, que acabou escolhida candidata à sucessão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. Dilma sabia da existência de grandes “ralos” na administração. No primeiro mandato, ensaiou uma faxina na equipe de governo, mas a interrompeu quando chegou ao Ministério de Minas e Energia e à Petrobras.

Fronteiras
A fronteira entre as relações perigosas e o esquema de corrupção desnudado pela Lava-Jato é sinuosa e tênue. Seu ponto de interseção com a Presidência da República é a Casa Civil. Ninguém passou por ali sem perder o pescoço, com exceção de Dilma. José Dirceu está preso; Palocci, muito enrolado. Erenice Guerra e a senadora Gleisi Hoffman também. Agora, a estrela ascendente do petismo, o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, entrou na zona de perigo.

Wagner conseguiu eleger seu sucessor no primeiro turno, quando garantiu maior diferença de votos para a presidente Dilma Rousseff do país. Pediu o Ministério da Defesa para evitar uma trombada com o ex-ministro Aloizio Mercadante, que havia conquistado a posição pelo desempenho no primeiro mandato, mas acabou voltando para a Educação depois de fritado por Lula. Wagner é candidato natural do PT em 2018 se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogar a toalha. Agora, faz parte do grupo de risco do governo, ao lado dos ministros Edinho Silva (PT), da Comunicação; e Henrique Eduardo Alves (PMDB), do Turismo. Só não virou bola da vez porque o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não deixa.

Mas voltemos ao tema de início. O ministro da Fazenda, Nélson Barbosa, submeteu à presidente Dilma Rousseff um plano de expansão das linhas de crédito do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estimular a retomada do crescimento. As três instituições receberam R$ 49,7 bilhões das chamadas pedaladas fiscais do Tesouro Nacional, dinheiro que poderá ser aplicado nestas linhas de crédito.

O BB vai conceder mais crédito para o setor agroindustrial, a Caixa para o setor da construção civil e o BNDES para operações de longo prazo em infraestrutura. A MP dos acordos de leniência permitirá que as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras recebam esse dinheiro. Com a nova lei de repatriação de dinheiro não declarado à Receita, que Dilma deve sancionar nesta semana, elas também poderão trazer dinheiro de fora e legalizar o caixa dois. São ovos da serpente.

Raymundo Costa: PT e governo entram na órbita da eleição

• Candidatura Lula é certa se Dilma sofrer impeachment

- Valor Econômico

As eleições municipais entraram no radar do PT e devem pautar a relação do partido com o governo, este ano, especialmente no que diz respeito à política econômica. A exemplo do que ocorreu em 2012 em relação a 2014, a eleição de 2016 deve esboçar o cenário da sucessão presidencial de 2018. O desenho delineado não é dos mais favoráveis para o partido que há 13 anos domina o centro da vida política nacional.

Os grandes vencedores de 2012 foram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - e a presidente Dilma Rousseff, por tabela -, o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, morto em acidente aéreo durante a campanha presidencial de 2014, e o senador Aécio Neves, do PSDB, não por acaso três dos principais protagonistas da eleição vencida por Dilma.

O prestígio de Lula era tal que o ex-presidente se dava ao luxo de inventar e eleger nomes tirados do bolso do colete, sem nenhum passado partidário. Eram os "postes" de Lula. Assim como Dilma dois anos antes, Fernando Haddad foi escolhido candidato a despeito de nomes tradicionais do PT, como a senadora Marta Suplicy, hoje no PMDB, e o atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante. E Haddad derrotou José Serra, o que contribuiu para tirar de vez o tucano paulista da sucessão presidencial de 2014.

Proporcionalmente, o PSB foi o partido que mais cresceu em 2012, o que entronizou o nome de Eduardo Campos no panteão da sucessão. Ele não só poderia ser o candidato do PSB, o que ocorreu, como entrou nos cálculos tanto de Lula como de Aécio para eventual composição. Um detalhe curioso: a derrota de Serra em São Paulo e a vitória de Marcio Lacerda (PSB) em Belo Horizonte fortaleceram posição de Aécio no PSDB, mas o tucano elegeu nas principais cidades mineiras, em 2012, menos prefeitos que elegera em 2008. Dois anos depois faltaram os votos de Minas para Aécio na disputa com Dilma.

Eleição municipal não é parâmetro definitivo para as eleições presidenciais. Mas a eleição de 2012, pelo menos, deixou pistas sobre o humor do eleitorado, ao meio do mandato presidencial, sobretudo nas grandes cidades, e virtualmente definiu os atores da eleição de 2014 - à exceção de Marina Silva (Rede), à época sem partido, elevada à condição de protagonista depois da morte trágica de Eduardo Campos. A preocupação do PT e do governo com 2016 se justifica, pois o quadro, visto de hoje, é desfavorável e sua principal liderança, Lula, está desgastada como nunca antes esteve numa eleição, desde que chegou ao Planalto.

A prioridade do PT é a reeleição de Fernando Haddad em São Paulo. No Rio, o PT não deve disputar com candidato próprio. A ideia é apoiar o candidato do prefeito Eduardo Paes, do PMDB. O senador Lindbergh Farias foi avisado pela cúpula partidária que deverá viajar na campanha, se insistir no apoio à candidatura de Marcelo Freixo (PSOL).

O PT depende do PMDB do Rio como o PMDB do Rio depende do governo do PT. O engajamento de Paes, do governador Pezão e do ex-governador Cabral na luta contra o impeachment dividiu os pemedebistas. Em Belo Horizonte, o PT está sem um nome competitivo, e o governador Fernando Pimentel, com seus próprios problemas, não parece empenhado na eleição. Em Salvador, o segundo maior colégio, entre as cidades brasileiras, o favoritismo é do prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto, um remanescente do DEM.

Lula e o PT vão manter em suspenso a candidatura do ex-presidente, em 2018, enquanto for possível. Até porque, se Lula resolver não se candidatar novamente e anunciar já sua decisão, abre imediatamente uma disputa interna pela vaga no PT, onde já desfilam eventuais pretendentes. Uns mais, como Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul, outros ainda cautelosos, como o ministro Jaques Wagner (Casa Civil). Aloizio Mercadante já esteve melhor posicionado, e as chances de Fernando Haddad dependem do resultado da eleição na capital. Enquanto Lula não decide, as ambições ficam represadas.

As eleições municipais também devem servir para Lula medir a temperatura em relação a 2018. Sua candidatura, hoje, só é vista como irreversível na hipótese do impeachment de Dilma.

A presidente Dilma e o ex-presidente Lula reconheceram que o PT acertou ao se posicionar contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na votação do Conselho de Ética que examina a cassação do mandato do deputado. Lula e seu entorno defendiam uma negociação com Eduardo Cunha, para evitar a abertura do procedimento do impeachment.

O ex-presidente considerava "um erro bater de frente" com o parlamentar do Rio. O voto contra Cunha foi uma decisão de risco do presidente do PT, Rui Falcão. Lula não gostou e não fez segredo disso, assim como não faz segredo de que mudou de opinião. Hoje a avaliação no governo e no PT é que a decisão restituiu um pouco da identidade própria do partido, deu mais personalidade à bancada e desnudou o vice-presidente Michel Temer e sua aliança com o presidente da Câmara. Desgastado, Eduardo Cunha é o adversário mais que perfeito.

A autoestima melhorou no Palácio do Planalto. A coordenação política do governo avalia que acertou também ao estimular a dissidência do PMDB do Rio com verbas e cargos. As duas operações serviram para deixar isolado um vice-presidente que circulava com desenvoltura entre a Fiesp e uma parte expressiva do PSDB. Segundo fontes ligadas ao Planalto, Temer sentiu o golpe e pediu arrego ao governo para se garantir na convenção de março, quando deve ser reconduzido à presidência do PMDB. Numa conversa com Wagner, o ministro disse ao vice que a presidente Dilma pediu para a equipe econômica analisar pontos do programa pemedebista "Uma Ponte para o Futuro". Na Vice-Presidência a conversa é que Temer não se sente mais isolado que Dilma e que o agrado de Wagner não causou maior entusiasmo.

Nelson Paes Leme: Predadores da República

• A repugnância coletiva move hoje a sociedade brasileira contra esse tipo de indivíduo que tem pontificado na vida política

- O Globo

É famosa a frase de Talleyrand, alertando Napoleão Bonaparte sobre as consequências políticas do assassinato do príncipe Louis de Bourbon-Condé, o Duque D’Enghien, que levou a França a isolar-se das demais monarquias europeias: “É pior do que um crime, é um erro.”

Mais do que uma frase de efeito, tornou-se um exemplo clássico em ciência política, história e sociologia, da prevalência devastadora que tem o crime público sobre o crime privado. O sociólogo e criminalista americano Edwin Sutherland, autor do clássico “White-Collar Crime”, nos anos 40, propõe penas mais rigorosas quanto aos criminosos públicos em relação aos criminosos individuais, tendo em vista que o crime público atinge diretamente o coletivo e, portanto, potencializa enormemente seus efeitos perversos e muitas vezes devastadores: a vítima é multiplicada por centenas, milhares, milhões e até bilhões de indivíduos, como nos crimes ambientais e nucleares.

O público e o privado estão para a economia política assim como o coletivo e o individual estão para as ciências naturais. A ordem universal está toda ela montada nessa interação correta e harmoniosa entre o esforço individual sempre na direção do coletivo. Sempre com a prevalência do geral para o particular. Ou do todo para a parte, como identificou Hegel. Vem daí a predominância do plural sobre o singular. O que é de todos, a todos pertence e não a um único indivíduo que eventualmente conduza a coisa pública, a res publica, ou a coisa de todos.

A repugnância coletiva que move hoje a sociedade brasileira contra esse tipo de indivíduo que tem pontificado na vida política, em todos os níveis e poderes, decorre desse sentimento transcendental coletivo de repulsa à rapina da coisa pública por grupos de indivíduos e até por bandoleiros solitários preocupados apenas em encher as próprias burras com o que é coletivo e suportado por tributos dos cidadãos. É o singular furtando do que é plural. O privado assaltando o que a todos pertence.

Partidos políticos de encomenda e seus chefes flibusteiros perderam completamente o compromisso republicano e dedicam-se hoje aos métodos mais sórdidos de apropriação dos cofres do Estado e suas companhias públicas, partilhando essas carcaças dos exauridos corpos como se verdadeiros abutres fossem. Roubar do Erário se transformou na regra, no objetivo mater da atividade pública, estabelecendo normas de certa omertà entre os larápios que o instituto da colaboração judicial premiada tenta desmontar. Daí o seu papel fundamental que tanto tem escandalizado os criminalistas ortodoxos, colocando-os em oposição a uma novíssima geração de juízes, promotores públicos e policiais federais.

----------------------
Nelson Paes Leme é cientista político

Vinicius Torres Freire: A nossa maldição do petróleo

- Folha de S. Paulo

O barril de petróleo pode baixar a US$ 20, alardeiam grandes bancões do mundo em suas previsões. Ontem, baixou a US$ 32. Até meados de 2014, o preço andava pela casa de US$ 100. E daí?

O preço importa, entre vários motivos, pois: 1) Levanta perguntas importantes sobre o que a Petrobras vai ser quando deixar de decrescer; 2) Suscita perguntas ainda mais graves sobre a política de energia do Brasil, não apenas no médio prazo; 3) Indica que há receios importantes sobre o que vai acontecer com a China, o que nos afeta diretamente.

No curto prazo, pelo menos, a queda do preço do petróleo não arrebenta a Petrobras, que vende um diesel quase 50% mais caro que o do mercado internacional (e gasolina 35% mais cara). Porém, o que a empresa planeja fazer da vida, caso o preço permaneça em baixa, além do mais sabendo-se que sua produção não é barata, no pré-sal?

A pergunta sobre os planos futuros da Petrobras não seria tão dramática se a petroleira não fosse amarrada por tantas normas, intervenções e manipulações do governo, que a arruinou, nos anos Dilma Rousseff. A Petrobras é obrigada a comprar máquinas e equipamentos caros por causa de ordem do governo (comprar produto nacional, até certa medida), para ficar num exemplo.

A Petrobras não é uma empresa qualquer. Já foi responsável por mais de 10% do investimento do país. Arruinada como foi, contribuiu para afundar a economia do Brasil. Uma empresa mais livre poderia ter repensado suas estratégias, antes do desastre.

Quais são seus planos, dado que está superendividada, tendo de lidar com essa baixa medonha de seu principal produto, ora sustentada pelo sobrepreço dos combustíveis no mercado nacional, desacreditada, dada a roubança e o excesso de dívida? Aliás, quais são os planos do governo?

Decerto as previsões de preço de petróleo são chutes terríveis, talvez tão ruins quando os prognósticos sobre taxas de câmbio.

A Energy Information Agency, dos EUA, prevê barril a US$ 56 em 2016 (Brent). Há bancões prevendo, na média, US$ 46. Prevê-se que a produção fora da Opep vá baixar neste ano, que os estoques vão crescer menos que em 2015, apesar de a Arábia Saudita ainda comandar o movimento de inundar o mundo de petróleo, a fim de arrebentar a concorrência. Logo, apesar das projeções baixistas de curto prazo dos bancões, em tese haveria recuperação de preços. O curto prazo, porém, não é bom guia para políticas de energia.

Como serão tomadas as decisões de investir em energia no país? O governo vai engessar o mercado a ponto de impedir soluções criativas? O que se deve esperar do pré-sal? A política de preços de combustíveis será razoável o bastante para não arruinar o setor?

Considere-se: no ano passado, o consumo de derivados de petróleo caiu mais de 5% no Brasil. O consumo de etanol subiu 35%, recuperando-se da desgraça dos preços artificialmente baixos e tabelados da gasolina, obra dos anos Dilma que arrebentou tanto a indústria de álcool quanto a Petrobras. No médio e longo prazo, quanta energia virá de petróleo e hidrelétricas, em vez de fontes alternativas mais limpas?

Não há falta de rumo apenas na política econômica. O governo do Brasil todo está atolado.

Celso Ming: Morreu porque morreu

- O Estado de S. Paulo

Ao apresentar sexta-feira a carta com as explicações formais para o descumprimento da meta de inflação em 2015, o Banco Central foi mais sincero do que vinha sendo até agora. Mas, ainda assim, não chegou a reconhecer os erros de base do governo nem os seus próprios, tanto na condução da política monetária (política de juros) quanto na formação da expectativa dos agentes da economia que definem os preços.

A meta de inflação em 2015 era de 4,5%, admitida tolerância para um escape de dois pontos porcentuais. O teto da meta, portanto, era de 6,5%, mas a inflação disparou para 10,67%.
Como principais explicações para esse enorme desvio, o Banco Central apontou o processo de realinhamento dos preços administrados (os que são reajustados por decisões do governo, como as tarifas de energia elétrica, dos combustíveis e da telefonia) e o repasse da alta do dólar no câmbio interno.

Sozinho, o realinhamento dos preços administrados foi responsável por 4,21 pontos porcentuais na inflação de 10,67%. E o repasse da alta do dólar, por outro pedaço de inflação, da ordem de 1,57 ponto porcentual.

Reconheça-se que isso já é mais do que até recentemente vinha admitindo o governo. Ao longo de 2015, a presidente Dilma atribuiu a cavalgada da inflação a choques de oferta, especialmente o produzido pela seca. Ou seja, se foi preciso apontar um culpado, culparam-se adversidades climáticas e não decisões erradas ou omissões do governo. O Banco Central, só atribuiu a choques de oferta 0,86 ponto porcentual da inflação total do ano.

Até aí se trata de falsa explicação. É como dizer que Neves morreu porque o coração dele parou de bater. O desalinhamento dos preços e o atraso cambial são fatores que refletem a existência de problemas mais profundos da economia que, por sua vez, têm como causas graves erros de política econômica. Embora deixe implícita a responsabilidade do governo pela existência dessas distorções, o Banco Central não vai mais fundo.

Quando insiste no impacto das “alterações nas trajetórias para as variáveis fiscais” não deixa de avançar em relação ao que dissera antes. Até agora a retórica era de que as condições das contas públicas tendiam a ser neutras para a produção de inflação. Também reconhece que os desencontros do governo nas definições da política fiscal ao longo do ano contribuíram decididamente para a produção de incertezas e para a deterioração das expectativas e, aí sim, para empurrar a inflação para cima.

Mas a carta não chega a apontar a desordem fiscal como principal fator responsável pela disparada dos preços. Apenas reconhece que o processo de realinhamento dos preços administrados e do câmbio foi mais intenso e mais duradouro do que o previsto. Nem mesmo assumiu seus erros de previsão. Preferiu dizer que ninguém no mercado tinha projetado impacto tão intenso.

Isso expõe os limites da capacidade de avaliação do Banco Central e de ação para neutralizar seus efeitos. Ao insistir em que a inflação de 2016 ficará dentro do teto da meta, enquanto o mercado projeta 6,93%, mostra que segue na rabeira do comboio, incapaz de conduzir as expectativas.

Mais aumento dos juros
O recado final do Banco Central na carta em que explica as razões do estouro da inflação é o de que terá agora de combater os efeitos secundários dos choques de preços. Portanto, está claro que o Banco Central vai puxar novamente os juros que hoje estão nos 14,25% ao ano. Falta saber se a nova dose será de 0,5 ou de 0,25 ponto porcentual e por quanto tempo.

Míriam Leitão: Política contraditória

- O Globo

Se o Banco Central precisa de sinal verde para subir taxas de juros, da presidente e do ministro da Fazenda, metade do efeito benéfico do aperto monetário se perde. Se, ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda está ampliando o acesso ao crédito subsidiado, a outra metade também se perde. Restam apenas os efeitos colaterais do remédio amargo que é a elevação da taxa de juros.

O governo precisa se dar conta de que a inflação está alta demais e que uma taxa de quase 11% é um perigo enorme. A economia ainda é muito indexada, parte da inflação de 2016 virá da inércia. O salário mínimo subiu de acordo com a inflação passada, assim com os benefícios do INSS, e as tarifas públicas começarão a discutir reajustes a partir desses 11%.

Não basta o Banco Central subir os juros se, ao mesmo tempo, a política econômica for no sentido oposto. Se o Banco Central precisar de autorização para fazer seu trabalho, significa que ele pode deixar de tê-la a qualquer momento, e isso tira a potência da política monetária. Autonomia concedida não é autonomia. É liberdade vigiada. Diante desses sinais de fraqueza da autoridade monetária os agentes econômicos passam a apostar que o órgão não poderá o necessário.

As ideias que têm surgido são no sentido de ampliar a fatia do mercado de crédito que não está sob a influência da política de juros do Banco Central. Foi isso que o ministro Nelson Barbosa anunciou em entrevista publicada no domingo na “Folha de S. Paulo”. Ele disse que o governo elevará o crédito via banco público. O ministro afirma que não haverá subsídio do Tesouro nas linhas de crédito, mas se os juros forem mais baixos sempre há subsídio. Não há linha de BNDES, por exemplo, que não custe ao Tesouro o diferencial de juros. O FGTS é um dinheiro tão mal remunerado, que pode não haver custo para o Tesouro, mas seu uso abusivo pode desequilibrar o Fundo em época de muitas demissões, quando haverá mais saques. Foi exatamente usando e abusando de bancos e fundos públicos que o governo cometeu erros no passado.

É velho conhecido de qualquer economista o fato de que a ação do BC fica mais fraca quando o mercado de crédito tem taxas especiais, que não são afetadas pela política monetária. A política econômica tem que ter unidade e fazer esforços numa mesma direção.

Na semana que vem, o BC vai se reunir para decidir a taxa de juros e todos os sinais são de elevação, de novo, da Selic, que está em 14,25%. A expectativa é que o Copom suba os juros, principalmente depois da Carta divulgada pelo BC na sexta-feira passada para explicar a inflação de 2015.

Na Carta, o BC culpa a política fiscal, o choque tarifário e a alta do dólar pelo resultado ruim. O problema é que nas inúmeras comunicações que o BC fez ele não alertou com a ênfase necessária para os riscos inflacionários.

Nos últimos cinco anos, desde que a atual diretoria do Banco Central tomou posse, foram várias as declarações de dirigentes do banco de que o repasse cambial para a inflação havia se tornado menor no Brasil, e que, por isso, também diminuía a preocupação com a alta do dólar. O que se viu foi o contrário, e agora o BC admite que permanece forte o repasse cambial.

O BC aponta dois momentos de alta do dólar. Um, no início do ano, outro, no final de 2015. Sobre a alta a partir de setembro, culpa o envio pelo governo do Orçamento deficitário ao Congresso Nacional para o ano de 2016, que derrubou a confiança. Isso levou o país à perda do grau de investimento, pressionando a cotação da moeda americana.

O Banco Central diz que a expectativa de inflação estava caindo até o envio do Orçamento deficitário. Mas àquela altura o país estava com inflação crescente pelo peso do salto da tarifa de energia. O forte aumento dos preços administrados contaminou também os preços livres, pelo encarecimento da energia elétrica e dos combustíveis. É para impedir que haja este contágio que o BC faz alertas e usa os instrumentos que tem.

Sozinho, o Banco Central não conseguirá levar a inflação para a meta. É preciso que a política econômica não reme no sentido contrário. As propostas de usar o dinheiro transferido para os bancos públicos e o FGTS para estimular a economia são a prova da ação contraditória da política anti-inflacionária.

Yoshiaki Nakano: A elevação da taxa de juros e a inflação

• Tem razão quem propõe o abandono do regime de metas para adotarmos a taxa de câmbio como âncora

- Valor Econômico

A inflação oficial medida pelo IPCA alcançou, em 2015, 10,67%. Isto é, ultrapassamos dois dígitos e entramos num cenário perigoso em que a indexação, repasse de aumento de custos, esta voltando com força, ampliando o componente inercial da inflação. Quando isto se generaliza, e a taxa de inflação ao atingir dois dígitos é um forte estímulo para isto acontecer, a taxa de inflação se torna mais rígida, menos dependente do que acontece com a demanda, portanto pouco sensível à política monetária convencional.

E é isto que estamos assistindo neste momento. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com a taxa de inflação projetada nos títulos públicos. Na sexta feira a taxa de inflação implícita nas NTN-Bs, negociadas no mercado, ultrapassou 9%. Para vencimento em maio de 2017 alcançou 9,19% e para maio de 2019 alcançou 9,02%, portanto muito acima da meta de inflação do Banco Central e de seu limite superior. Estes números sinalizam concretamente a falta de confiança do mercado financeiro na promessa do Banco Central controlar a inflação levando-a para a meta em 2017.

Evidentemente, por trás desta desconfiança está a questão fiscal, a trajetória de crescimento explosivo da dívida pública. Com o ajuste fiscal anunciado tendo como meta um superávit de 0,5% do PIB e como as reformas institucionais não passam ainda de promessa num quadro político caótico e conturbado, alguns analistas do setor financeiro já projetam para 2019 uma dívida pública em relação ao PIB superior a 90%, Com este índice, entre os países emergentes, somente a Ucrânia e Hungria estão mais endividadas do que o Brasil. É óbvio que neste quadro a percepção de risco aumenta e o mercado exige um prêmio maior, puxando a curva de juros para cima, aumentando a inflação implícita.

Mais ainda, num governo com baixíssima credibilidade fiscal e politicamente totalmente fragilizado, o anúncio de expansão de crédito para estabilizar a queda do PIB pelos bancos oficiais aumenta mais ainda a desconfiança do mercado. Para neutralizar este aumento de desconfiança, o governo tinha antes que efetivamente demonstrar maior empenho em estancar o crescimento da dívida pública, apresentando e aprovando medidas legais que efetivamente estanquem a dinâmica de crescimento automático das despesas públicas acima do crescimento do PIB, em função de indexações e vinculações legais. As despesas classificadas pelo governo como obrigatórias e as indexadas chegam a quase 90% dos gastos públicos. Portanto se projetarmos estas despesas, mesmo num quadro de crescimento econômico otimista, faremos com que em pouco tempo a nossa dívida pública ultrapasse a da Grécia. Creio desnecessário comentar a lamentável situação deste país.

A carta do presidente do Banco Central ao ministro da Fazenda justificando o estouro da meta de inflação em 2015 e reforçando a expectativa de elevação da taxa de juros dificilmente mudará este quadro. As desculpas de que foram os preços administrados e as desvalorizações cambiais os maiores culpados pelo estouro da meta, não convencem, pois o Banco Central vem elevando a taxa de juros básica da economia e também fazendo fortes intervenções no mercado de câmbio. O que é possivel fazer é uma leitura oposta, de que o que estas desculpas mostram é que os instrumentos utilizados pelo Banco Central têm pouca ou nenhuma eficácia. A taxa de juros no Brasil em 2015 foi uma das mais altas do planeta e nas intervenções no mercado futuro de câmbio o Banco Central gastou, de forma pouco transparente do ponto de vista orçamentário, R$ 89, 7 bilhões. Desta forma, o Banco Central deveria ter mudado a sua estratégia de controle da inflação ou utilizando outros instrumentos e principalmente ter aperfeiçoado suas regras operacionais para tornar, particularmente, a taxa de juros num instrumento mais eficaz para controlar a inflação, num quadro em que o Banco Central não conseguia utilizar a taxa de câmbio como instrumento de controle da inflação.

É do conhecimento público que ao adotar a taxa Selic e a LFT como instrumentos de política, o Banco Central obrigou todo o sistema bancário e o mercado de capitais a adotar a chamada "cultura DI", isto é, quase todos os ativos financeiros atrelados à taxa Selic, pagas nas operações Overnight. Assim, quando o Banco Central eleva a taxa de juros o valor dos ativos financeiros não se altera, pois seu valor é dado pela capitalizacão da taxa diária DI até a data, e com isso o Banco Central não elimina também de todo o sistema bancário o risco de juros. Com isso, um dos principais canais de transmissão da política monetária fica sem eficácia. Se a taxa básica de juros do Banco Central fosse pré-fixada, como no resto do mundo, uma elevação na taxa implicaria em redução do valor dos ativos financeiros e é por aí que política monetária atua, obrigando os bancos a contrairem o volume de crédito.

Nas atuais circunstâncias, em que o principal foco é fiscal e o crescimento explosivo da dívida pública, a elevação de juros, já em nivel altíssimo, só agrava este problema, ampliando os gastos do governo com juros, que já atingem 8% do PIB, aumentando a desconfiança e a cobrança de prêmio de risco maior. Isto é, a taxa de câmbio sofre pressão adicional para se depreciar e a inflação sobe. Se já estamos entrando neste quadro, tem razão quem propõe o abandono do regime de metas de inflação para adotarmos a taxa de câmbio como âncora para controlar a inflação, e isto é válido enquanto temos reservas cambiais e a taxa está num nível bastante competitivo. Com a vantagem de que aos poucos vem estimulando a indústria de transformação.
-----------------------
Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

Edmar Bacha: Pau nas reservas? Que má ideia!

• Convém explicar por que isso não faz sentido, antes que mais esse atentado contra as finanças públicas do país seja perpetrado

- O Globo

No final do ano passado, o governo editou uma medida provisória que permitiu ao ministro da Fazenda pagar de uma só vez as chamadas pedaladas fiscais de 2014, usando o dinheiro que o Tesouro Nacional mantém no Banco Central (BC). As pedaladas originaram-se de pagamentos feitos pelos bancos oficiais a beneficiários de programas do governo que não foram devidamente ressarcidos pelo Tesouro na época oportuna.

A maneira natural de o Tesouro obter recursos para ressarcir os bancos oficiais pelas pedaladas seria através da colocação de novos títulos de dívida diretamente no mercado, sem envolver o BC. Em vez disso, o governo editou a medida provisória cancelando leis anteriores que previam que o caixa do Tesouro no BC deveria ser usado preferencialmente para pagar dívida do Tesouro com o próprio BC.

Deste modo, o Tesouro pôde usar o dinheiro que tinha no BC para pagar os bancos oficiais que haviam financiado as pedaladas. Os bancos, é claro, não deixam esse dinheiro parado, sem render juros. Usam o dinheiro para comprar títulos do Tesouro no Banco Central, nas chamadas operações compromissadas. Através delas, o BC recolhe o dinheiro dos bancos e, em contrapartida, repassa a eles títulos do Tesouro, com um compromisso de recompra futura.

Ou seja, quem se endivida com o mercado para pagar as pedaladas é o Banco Central, e não o Tesouro diretamente. Trata-se de uma operação tortuosa, obscura e quiçá inconstitucional.

Agora circula em Brasília a proposta de tentar reativar a economia com a venda das reservas internacionais para financiar um aumento dos gastos do governo. Convém explicar por que isso também não faz qualquer sentido, antes que mais esse atentado contra as finanças públicas do país seja perpetrado.

O BC tem atualmente US$ 373 bilhões de reservas internacionais. Ao mesmo tempo, ele deve US$ 113 bilhões através dos chamados swaps cambiais. Esses são contratos financeiros entre o BC e os bancos, em que o BC troca o principal e os juros em dólar pelo principal mais os juros em reais. O BC tem ganhos se os juros em reais superam a depreciação cambial. Tem perdas se a depreciação supera os juros em reais.

Os swaps cambiais são possíveis porque os bancos entendem que eles estão assegurados pelas reservas internacionais do BC. De fato, eles são uma dedução das reservas internacionais. Diminuindo os swaps das reservas, o valor que fica são US$ 260 bilhões de reservas internacionais efetivas.

As normas prudenciais a respeito da manutenção de reservas internacionais sugerem que elas devam ter um valor equivalente a seis meses de importação, para evitar que o país pare, no caso de uma queda súbita das exportações ou de uma suspensão de créditos externos. Como as importações anuais do país são cerca de US$ 300 bilhões, isso significa que as reservas prudenciais de que necessitamos são iguais a US$ 150 bilhões. Portanto, o excesso das reservas efetivas sobre as reservas prudenciais é igual a 260 menos 150, ou seja, US$ 110 bilhões.

Deste modo, o valor das reservas que o governo poderia em princípio pensar em dispor seria de US$ 110 bilhões, apenas 30% das reservas de US$ 373 bilhões, mas ainda assim um valor significativo.

Considere-se, entretanto, que as reservas são um ativo que o governo adquiriu com a emissão de dívida interna. Para comprar as reservas, o governo teve que vender títulos no mercado interno. O razoável, portanto, seria que a receita obtida com a venda de US$ 110 bilhões das reservas fosse usada para abater a dívida interna. Haveria, nesse caso, uma economia considerável de pagamento de juros por parte do governo.

Supondo que a diferença entre os juros pagos sobre a dívida interna e os recebidos pelas reservas seja de 10% ao ano e que a taxa de câmbio seja igual a R$ 4 por dólar, então a economia anual de juros seria de R$ 44 bilhões de reais (pois: 110 x 0,10 x 4 = 44). Essa seria uma economia que se repetiria todo ano, dependendo da diferença entre os juros internos e externos, ajudando as contas do governo e a rolagem da dívida interna, que seria menor do que antes.

O problema é que querem gastar o dinheiro da venda das reservas não para reduzir a dívida interna, mas para aumentar a despesa do governo, o que é uma péssima ideia.

O pior dos mundos seria usar as reservas para aumentar as despesas correntes do governo, porque estaríamos trocando um ativo valioso por um gasto temporário sem retorno. Se for para despesas de capital, também seria ruim, porque, embora essas despesas aumentem a demanda interna de imediato, não são um impulso que possa se manter à frente, porque as reservas acabariam. A demanda aumentaria num ano, para reduzir-se novamente no ano seguinte. Muito provavelmente, a ponte ficaria pela metade. Perderíamos as reservas e continuaríamos no fundo do poço.

-----------------
Edmar Bacha é sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças

Bem ao estilo lulopetista – Editorial / O Estado de S. Paulo

Jaques Wagner, ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, é o exemplo típico do militante petista, de origem sindical, bem sucedido na vida pública e privada, identificado com o estilo e os métodos do chefão Lula, de quem é considerado, dentro do próprio PT, como uma versão “envernizada”. Hoje é um dos principais protagonistas da cena política e chega a ser apontado, dentro e fora de seu partido, como uma possível opção petista para disputar a sucessão de Dilma Rousseff em 2018, um plano B para a hipótese de Lula desistir de se candidatar.

Tal qual muitos altos dirigentes petistas, Jaques Wagner vê-se às voltas com denúncias de seu envolvimento em transações financeiras estranhas, de acordo com o que revelam mensagens entre ele e o ex-presidente da construtora OAS, Léo Pinheiro, gravadas em aparelhos celulares apreendidos do ex-presidente da empreiteira, já condenado no âmbito da Operação Lava Jato. Além disso, em delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró – outro condenado por corrupção – Wagner é acusado de ter recebido recursos desviados da estatal para a campanha de sua primeira eleição ao governo da Bahia, em 2006.

A trajetória política de Wagner, sempre dentro do PT, do qual foi fundador quando ainda era dirigente sindical dos trabalhadores na petroquímica em Salvador, ganhou projeção a partir da eleição de Lula à Presidência da República, quando foi nomeado ministro do Trabalho e, dois anos depois, titular da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, onde passou a ter papel de destaque na coordenação política do governo, logo após a saída de José Dirceu da chefia da Casa Civil. Este último foi substituído por Dilma Rousseff, a quem Lula atribuiu a responsabilidade pela coordenação administrativa. Wagner deixou Brasília para se candidatar ao governo da Bahia em 2006. Reelegeu-se em 2010. Em 2015, quando Dilma assumiu seu segundo mandato, voltou à capital federal como ministro da Defesa. E naquela pasta ficou até outubro último, quando Dilma finalmente cedeu à pressão de Lula e o transferiu para a Casa Civil em substituição ao notório Aloizio Mercadante.

Nas novas funções, Wagner dedicou-se desde logo ao desafio de promover a distensão das relações do PT com seu principal aliado, o PMDB, atendendo à prioridade de esvaziar a campanha do impeachment de Dilma. Sendo a habilidade política a sua principal credencial para o cargo que ocupa, Wagner, em evidente articulação com Lula, passou a fazer declarações calculadamente ousadas, na tarefa de mais longo prazo de recuperar a imagem do PT.

Foi com esse objetivo que, a pretexto de fazer uma autocrítica do partido diante dos erros que resultaram na crise política, econômica e moral em que o País está mergulhado, Wagner admitiu que o PT deixou de fazer as necessárias reformas políticas quando tinha força para isso, porque seus quadros preferiram “lambuzar-se” com as delícias do poder. Esse é o tipo da afirmação que Lula jamais faria – seria abusar da credulidade até dos mais desavisados –, mas, na boca de outro, pode sensibilizar antigos militantes e simpatizantes de boa-fé que estão hoje recolhidos a um constrangido desapontamento diante da evidência de que os governos petistas não conseguiram garantir aos brasileiros honestos as mesmas possibilidades de prosperidade que ofereceram a políticos, funcionários e empresários inescrupulosos.

Assim, o fato de mais um figurão do PT, agora o ministro Jaques Wagner, tornar-se alvo de denúncias de corrupção demonstra apenas o óbvio: a começar por Lula – que se disse traído e pediu desculpas ao País pelo mensalão e depois, do alto de sua enorme popularidade, passou a chamar de “farsa” o escândalo que levou a Suprema Corte a colocar na cadeia uma quadrilha de “guerreiros do povo brasileiro” –, a grande proeza dos petistas e aliados em 13 anos de “lambuzação” no poder foi criar a mais seleta e ousada elite de amigos do alheio que enriqueceram à custa do desvio dos recursos que faltam para a educação, a saúde, a segurança, etc.

A presidente Dilma vive repetindo que é honesta, que não admite e combate a corrupção no governo. Dá para imaginar, então, o enorme constrangimento que lhe é imposto pela obrigação de conviver com pessoas que não sabe se amanhã deixarão de ser apenas suspeitas de graves malfeitos.

Voluntarismo em torno do dinheiro das ‘pedaladas’ – Editorial / O Globo

• Usar os recursos para aumentar oferta de crédito é arriscada aposta do Planalto em ajustar as contas sem cortes, apenas pela reativação da economia

O aviso dado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, de que, na economia, “não há coelhos a tirar da cartola”, foi reforçado pela presidente Dilma pouco depois, num café da manhã com a imprensa. Ficou entendido, portanto, que nada será feito de mirabolante, tampouco de surpresa, contra a crise, na inauguração efetiva da gestão de Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda.

O governo sabe que precisa avançar com cautela em terreno minado. Barbosa carrega no currículo a nada abonadora participação na formulação do “novo marco macroeconômico”, o lastro intelectual da desastrosa política econômica aplicada em Dilma 1, fonte de inspiração, já no segundo mandato de Lula, das ações “anticíclicas” aplicadas a partir da eclosão da crise mundial, em fins de 2008.

Plasmado na visão ideológica do intervencionismo voluntarioso, exacerbado devido às eleições de 2014, o “novo marco” deixou de herança à própria Dilma uma cava recessão, inflação de dois dígitos, desemprego ascendente etc. Barbosa e Dilma se preparam para anunciar medidas que reativem a economia, sem seguir o caminho do ex-ministro Joaquim Levy, que dava ênfase ao ajuste fiscal pela redução de gastos.

Para isso, mobilizarão os R$ 55,8 bilhões que o Planalto transferiu, no final do ano, para o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o FGTS, a fim de zerar “pedaladas” praticadas para maquiar a contabilidade pública.

Em entrevista na “Folha de S. Paulo” de domingo, em que citou infraestrutura, habitação, saneamento e capital de giro de pequenas e médias empresas como áreas a serem irrigadas por esse dinheiro, Nelson Barbosa frisou que não haverá subsídio nessa nova oferta de crédito — a favor da qual Lula e economistas orgânicos do PT tanto se batem. Este coelho não sairia da cartola da heterodoxia fiscal, porque não implicará mais gastos, como garante o ministro. Que, por sinal, renovou o compromisso com a meta de 0,5% do PIB de superávit primário.

A grande aposta do Planalto é reequilibrar as contas públicas menos por meio de cortes e mais pela inversão da curva de queda na coleta de impostos, pela retomada do crescimento. Aqui aflora mais um ato de voluntarismo palaciano.

O próprio ministro reconhece que não há escassez de crédito, mas falta de demanda. Por óbvio: sem credibilidade, o governo não anima o empresário a investir. Isso mudaria caso o Planalto agisse de maneira firme para conter gastos. Não será assim, e por isso pode ser que os bilhões oferecidos via bancos públicos sejam incapazes de fazer mover as engrenagens do crescimento. Por falta de apetite de ressabiados empresários.

Com um agravante: injetar mais crédito numa economia com inflação elevada e grande dispersão na remarcação de preços é o oposto do que se deve fazer nessas circunstâncias. Novamente, a política fiscal irá na contramão da monetária. Já se conhece o final: não dará certo.

Queda da produção industrial abala previsões para economia – Editorial / Valor Econômico

A forte queda da produção industrial em novembro surpreendeu e tornou ainda mais pessimistas as projeções para este ano, contaminando as expectativas para a economia como um todo. A produção da indústria encolheu 2,4% em novembro sobre outubro, o triplo da média esperada por 17 analistas consultados pelo ValorData. No acumulado do ano, a retração chegou a 8,1%. Diante desses números, já se projeta para a indústria queda ao redor de 8% em 2015, superando o pior resultado - o de 2009 - quando teve recuo de 7,1%. Será o segundo ano consecutivo de retração da indústria, cuja produção diminuiu 3,2% em 2014 e agora volta ao patamar de aproximadamente sete anos atrás.

A queda na produção industrial é generalizada, atingindo 25 dos 26 ramos, 71 dos 79 grupos e 77,6% dos 805 produtos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para levantar a Pesquisa Mensal da Indústria (PMI). O setor utiliza apenas 74,6% da sua capacidade instalada. A retração mais importante ocorreu em bens de capital, de 25,1% no acumulado de janeiro a novembro, principalmente por conta de equipamentos de transporte (30,6%). Também foi expressiva a queda na produção de bens de consumo duráveis (18,3%), puxada por automóveis (19,1%) e eletrodomésticos (22%). Bens de consumo semi e não-duráveis encolheram 6,9%; e bens intermediários, 4,9%, mostrando que toda a cadeia produtiva está mergulhada na crise.

A principal surpresa dos analistas em novembro foi o tombo de 10,9% da indústria extrativa, causado pelo desastre ambiental da Samarco em Mariana (MG) que reduziu a produção de minério, e o recuo de 7,8% da fabricação de coque, derivados de petróleo e biocombustíveis, ocasionado pela greve dos petroleiros. Em 2014, esses foram dois dos únicos seis setores da indústria que cresceram.

Mas o que causa maior preocupação é o persistente recuo da produção de bens de capital, que indica queda do investimento em cenário de demanda fraca, juros elevados e menor confiança dos empresários, mais aguda na construção civil, prejudicada pelas investigações das construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato, pela redução da oferta de financiamento para a compra de imóveis e pelo interesse menor das famílias, atribuladas com endividamento, desemprego e queda da renda.

A queda do consumo das famílias também influencia a fabricação de bens duráveis, como eletrodomésticos, cuja produção diminuiu 22% de janeiro e novembro; e de veículos, que teve recuo de 19,1% no mesmo período. Dados da Anfavea indicam que a produção de veículos fechou o ano com 2,4 milhões de unidades produzidas, queda de 22,8%, o que representa um retorno ao patamar de 2006; e as vendas diminuíram 26,6%.

O mercado de trabalho está sendo afetado em toda a indústria, que lidera a queda da renda média real do trabalhador. O rendimento médio do empregado da indústria caiu 12,5% em novembro em comparação com o mesmo mês de 2014. Nas negociações salariais do primeiro semestre, 61% tiveram reajuste abaixo da inflação. No setor automotivo, o número de empregados recuou para 129,77 mil, mesmo nível de 2010.

Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a indústria está no centro da crise econômica. A forte queda da produção esperada para 2015 e a previsão de novo recuo neste ano prejudicam as estimativas para o PIB. Pesquisa Focus feita pelo Banco Central após a divulgação do desempenho da indústria em novembro mostra que o mercado financeiro ampliou a expectativa de queda do PIB neste ano de 2,67% para 2,99%.

Pouco antes do Natal, o Ministério do Desenvolvimento falou em um plano para aumentar a produtividade, tornando mais eficiente especialmente as pequenas e médias empresas com a qualificação da mão de obra e renovação do parque fabril. A equipe econômica, o BNDES e o Sebrae costuram um plano a ser anunciado no próximo mês para financiar o capital de giro de pequenas e microempresas, a taxas corrigidas pela TJLP (O Globo 11/1). O plano inclui a ampliação do cartão do BNDES. O cacife do banco foi reforçado pelo pagamento das pedaladas e pode destravar o crédito também para a construção civil, a infraestrutura e as exportações. O câmbio depreciado dá impulso aos exportadores. Mas tudo isso parece claramente insuficiente para mudar de forma significativa o quadro da indústria.

Síntese perturbante – Editorial / Folha de S. Paulo

Dada a importância do tema e a atenção insuficiente que tem recebido, a Assembleia Geral da ONU houve por bem aprovar em dezembro uma resolução em que reconhece o saneamento básico como um direito humano específico, distinto do direito à água potável.

Calcula-se que mais de 2,5 bilhões de pessoas vivam sem acesso adequado a sistemas de esgoto em todo o mundo, em uma situação que não somente afeta a dignidade mas também favorece a transmissão de doenças infecciosas, como cólera, hepatite e febre tifoide.

Pelo impacto negativo que a falta de saneamento provoca em outras esferas, como saúde, bem-estar e educação, não há exagero em afirmar que um país jamais poderá ser considerado de fato desenvolvido enquanto permitir que parcelas expressivas de sua população morem em domicílios sem ligação com a rede coletora de esgoto.

Por esse critério, infelizmente, o Brasil parece condenado ao subdesenvolvimento por muitos anos. De acordo com os dados mais recentes (2013), 85% dos domicílios contam com fornecimento de água, mas a fatia que dispõe de coleta de esgoto é vergonhosamente menor: 58%.

Ainda pior, estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que, no ritmo atual, a universalização do serviço de saneamento básico ocorrerá apenas depois de 2050, pelo menos duas décadas mais tarde que o previsto no plano oficial do governo federal.

Com base no andamento das obras nesse setor, a CNI conclui que seria preciso dobrar o volume de gastos para levar água tratada a 100% das residências até 2023 e ligar à rede coletora cerca de 90% dos domicílios até 2033.

Isso num cenário em que foram aplicados cerca de R$ 10 bilhões ao ano (em valores atualizados) de 2009 a 2013. Não será surpresa se a cifra, em vez de aumentar, vier a diminuir neste período de crise econômica –retardando ainda mais o cronograma.

A demora traz prejuízos ao próprio Estado. A Organização Mundial da Saúde afirma que se economizam R$ 4 na área da saúde a cada R$ 1 investido em saneamento.

Mesmo que houvesse dinheiro, porém, outro obstáculo talvez impusesse o deplorável atraso. Para a CNI, o principal vetor da perda de tempo nas obras é a burocracia; projetos apresentados pelos municípios recebem recursos federais quase dois anos depois, quando a realidade urbana às vezes se modificou de modo substantivo.

O campo sanitário, como se vê, constitui síntese perturbante das graves deficiências do Estado brasileiro: milhões de pessoas são privadas de um requisito civilizacional básico, mas o poder público por aqui, assim como em tantos países subdesenvolvidos, revela-se incapaz de enfrentar essa mazela.

José Casado: Do ministro à presidente

• Ao liderar a migração de indústrias e empregos do Brasil ao Paraguai, o ministro Monteiro Neto ajuda Dilma a transformar o ‘conteúdo nacional’ em ‘maquila paraguaya’

- O Globo

Odesemprego avança nas cidades médias. Volta Redonda (RJ) e Cubatão (SP), por exemplo, estão na expectativa de seis mil demissões nos pátios da CSN e da Usiminas, dois dos maiores produtores de aço do país.

A indústria nacional completou cinco anos em declínio constante. Sua participação no conjunto da economia já equivale à do Brasil pré-industrial, na Segunda Guerra, indicam a Fundação Getúlio Vargas e a Federação das Indústrias de São Paulo em pesquisas recentes.

Nesse panorama de decadência precoce, as perdas são significativas e nocivas. Três décadas atrás, o setor industrial era responsável por 27% do total de empregos formais.

Agora detém apenas 16% do mercado regido por leis trabalhistas, segundo o governo. Por ironia da história, a queda do setor mais dinâmico da economia foi acelerada no governo de um ex-líder sindical, Lula, que apostou na valorização do real (em relação ao dólar) como instrumento de controle da inflação. Dilma Rousseff ampliou a degradação ao tentar compensar os efeitos com extraordinária concessão de benesses do Estado a grupos industriais e agropecuários, privilegiados nas sombras da política eleitoral e partidária. Fez isso no embalo do samba-exaltação sobre o “conteúdo nacional”, que justificou preços 40% acima do padrão mundial num mercado cativo.

A montanha de dinheiro público transferida a cofres particulares, com rarefeita transparência e sem nada exigir em troca, supera gastos somados com os serviços de saúde pública.

O prêmio à ineficiência na produção local custou caro. Sequer garantiu a base de empregos, como demonstram Usiminas e a CSN, e, também, a indústria automobilística, onde são mais notáveis os laços de cumplicidade empresas-sindicatos na drenagem do Erário público. Resultou no aumento das importações e criação de empregos no exterior, principalmente na China. Entre 2003 e 2014, por exemplo, foram criadas 1,4 mil empresas dedicadas à exportação. Nesse período, o Brasil viu nascer 22 mil novas importadoras.

Estimulou-se a contínua diminuição do número de empregados nas fábricas brasileiras. Durante o ano passado, o setor industrial demitiu de 8,6 mil pessoas por semana. Agora, o governo comanda a migração de indústrias e empregos do Brasil para o Paraguai. O ministro da Indústria, Armando de Queiroz Monteiro Neto, tem liderado expedições de empresários interessados nos incentivos paraguaios às “maquiladoras”.

Ali, o custo de mão de obra é 39% inferior ao do Brasil, a eletricidade é 64% mais barata, tem menos burocracia e o mercado preferencial é o brasileiro. Até dezembro, 42 empresas brasileiras atravessaram a fronteira, e o governo paraguaio recebeu mais de 400 consultas — Vale, JBS, Camargo Corrêa, Riachuelo, Bourbon, Eurofarma e Buddemeyer, entre outras.

É natural que empresas procurem maximizar lucros. Estranha é a liderança do ministro brasileiro na migração de indústrias e empregos além-fronteira. Sugere que o governo abdicou de resolver os problemas domésticos de custos de produção e de emprego.

Se assim for, Monteiro Neto está apenas ajudando a escrever um novo capítulo na biografia de Rousseff: a presidente que transformou o “conteúdo nacional” em “maquila paraguaya”.

Delação de Cerveró liga Lula a empréstimo sob investigação

Rubens Valente, Aguirre Talento e Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou, em delação premiada, que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu-lhe um cargo público em 2008 como "reconhecimento" pela ajuda que ele prestou para quitar um empréstimo de R$ 12 milhões considerado fraudulento pela Operação Lava Jato.

É a primeira vez que um delator do caso envolve Lula diretamente no episódio.

Em 2004, o fazendeiro José Carlos Bumlai obteve empréstimo do Banco Schahin e diz ter repassado R$ 6 milhões para o empresário de Santo André (SP) Ronan Maria Pinto, que, segundo a Lava Jato, detinha informações comprometedoras sobre o PT na região.

Anos depois, sob o comando de Nestor Cerveró, a diretoria Internacional da Petrobras aceitou contratar a Schahin Engenharia por US$ 1,6 bilhão para a operação de um navio-sonda, o Vitoria 10.000.

Segundo as investigações, o contrato seria uma forma de o PT retribuir o grupo Schahin pelo empréstimo.

Cerveró ficou na diretoria entre 2003 e 2008, e em seguida, foi nomeado diretor financeiro e de serviços de uma subsidiária da estatal petroleira, a BR Distribuidora.

O delator contou que Lula "decidiu indicar" seu nome para o novo cargo "como reconhecimento da ajuda do declarante [Cerveró]", ou seja, por ele "ter viabilizado a contratação da Schahin como operadora da sonda". A atuação também rendeu a Cerveró "um sentimento de gratidão do PT".

No termo de colaboração, não consta que Cerveró tenha sido indagado diretamente pelos investigadores se Lula sabia da finalidade do empréstimo concedido pela Schahin ou do sistema de "quitação" da dívida por meio do navio-sonda.

Em seu depoimento, Bumlai admitiu que o empréstimo contraído no Banco Schahin foi usado para quitar dívidas do PT, mas isentou Lula de participação no negócio. O empréstimo, disse o pecuarista, nunca foi pago. A contratação do navio-sonda implicou no pagamento de propina estimada em US$ 25 milhões a funcionários da Petrobras, políticos e lobistas.

'Esvaziar' CPI
No mesmo depoimento, de 7 de dezembro, Cerveró também afirmou que Lula atribuiu ao então senador José Eduardo Dutra (PT-SE) "missão de participar do 'esvaziamento' da CPI da Petrobras" instalada no Congresso em 2009.

Dutra, morto em outubro passado, tinha "facilidade de diálogo, inclusive com a oposição", segundo Cerveró. Dutra havia sido presidente da Petrobras, e deixara a chefia da BR Distribuidora em 2009. O argumento para a saída divulgado na época foi sua candidatura à presidência do PT. Ele foi escolhido para presidir sigla a partir de 2010.

Collor
Cerveró, no depoimento, também atribuiu a Lula decisão de ter "concedido influência sobre a BR Distribuidora" ao senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL). Poder semelhante teria sido dado ao alagoano pela presidente Dilma Rousseff, conforme o delator alegou ter ouvido do senador.

Segundo Cerveró, por volta de setembro de 2013 ele foi chamado a Brasília para uma reunião com Collor na Casa da Dinda, residência do senador. Na ocasião, o senador disse ter falado com Dilma, "a qual teria dito que estavam à disposição de Fernando Collor a presidência e todas as diretorias da BR Distribuidora".

Cerveró foi mantido no cargo de diretor financeiro. Para ele, isso ocorreu para que "não atrapalhasse os negócios conduzidos" por Collor na estatal.

Outro lado
O Instituto Lula informou nesta segunda que não iria se manifestar sobre as declarações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

"Não comentamos vazamentos ilegais, seletivos e parciais de supostas alegações que alimentam a um mercado de delações sem provas em troca de benefícios penais", afirmou o instituto.

O Palácio do Planalto também não quis comentar. A Folha não conseguiu localizar os advogados nem a assessoria do senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL).

Em depoimento à Polícia Federal, o pecuarista José Carlos Bumlai afirmou que pegou emprestado R$ 12 milhões do Banco Schahin em 2004 para repassar ao caixa dois do PT. Bumlai relatou aos policiais que metade desse valor foi destinado ao PT de Santo André, onde o partido teria sido chantageado por um empresário, Ronan Maria Pinto, que teria pedido R$ 6 milhões para não contar o que sabia sobre o caixa dois do diretório local e a relação desses recursos com o assassinato do prefeito Celso Daniel, ocorrida em 2002.

Os outros R$ 6 milhões foram enviados ao PT de Campinas para quitar dívidas de campanha, segundo a confissão de Bumlai.

O PT não se manifestou nesta segunda. Após as declarações de Bumlai, o PT refutou que tenha recebido recursos ilegais do pecuarista e disse que "todas as doações recebidas pelo PT aconteceram estritamente dentro da legalidade e foram posteriormente declaradas à Justiça".

Ex-diretor da Petrobras, delator cita propina de US$ 100 mi a governo FHC

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou à PGR (Procuradoria-Geral da República), durante a negociação de sua delação premiada assinada em novembro, que a aquisição do conglomerado de energia argentino PeCom (Pérez Companc) pela Petrobras envolveu propina de US$ 100 milhões ao governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

O documento com a informação de Cerveró faz parte do material apreendido no gabinete do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso há quase dois meses sob acusação de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato –na época, Delcídio era filiado ao PSDB. A informação foi revelada na edição desta segunda (11) do jornal "Valor Econômico".

Segundo Cerveró, ele soube do fato por meio dos diretores da PeCom e de Oscar Vicente, que presidia a empresa quando ela foi adquirida pela estatal brasileira, em 2002. "A venda da Perez Companq envolveu uma propina ao governo FHC de US$ 100 milhões, conforme informações dos diretores da Perez Companc e de Oscar Vicente, principal operador do [ex-presidente da Argentina Carlos] Menem e durante os primeiros anos de nossa gestão", diz o anexo 25 da delação do ex-diretor.

Ele afirma ainda que cada diretor da empresa argentina recebeu US$ 1 milhão como "prêmio pela venda da empresa", e Vicente foi recompensado com o montante de US$ 6 milhões.

No entanto, Cerveró não aponta no documento os nomes dos integrantes do governo FHC que teriam se beneficiado da propina. Em 2002, a Petrobras, que era presidida por Francisco Gros, comprou a PeCom, considerada na época uma das maiores empresas de petróleo da América Latina, por US$ 1,027 bilhão. Após a aquisição, a estatal brasileira e a companhia argentina formaram juntas a PESA (Petrobras Energia SA).

No documento, o delator também diz que a compra da PeCom aconteceu no início da gestão do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, "que fez muita pressão para que a Petrobras vendesse a Transener", empresa de transmissão de energia controlada pela PeCom. Kirchner assumiu a Presidência em 2003 sucedendo Eduardo Duhalde.

"Em várias reuniões que mantive com Julio de Vito [ministro de Energia e Infraestrutura], ele insistiu nesse aspecto, já que era estratégico para o controle da linha", diz Cerveró no anexo.

Em 2006, a Petrobras vendeu a controladora responsável pela Transener por US$ 54 milhões para o fundo americano Eton Park Capital Management. Segundo o ex-diretor da área internacional, a operação seguiu as instruções de Kirchner ao fechar "o negócio com a empresa americana para a venda da Transener, aprovada por Julio de Vito".

Cerveró diz porém que o "amigo da Electroingenería", outra empresa da área de produção de energia, "forçou a barra" e o negócio com os americanos foi desfeito pelo ministro argentino. "Julio de Vido me convocou pessoalmente ao seu gabinete e determinou que só poderíamos vender para a Electroingenería, empresa amiga."

O ex-executivo relatou também um almoço que teve como intermediários o ex-ministro do governo Carlos Menem, Roberto Dromi, e o lobista brasileiro que atuava no âmbito da Petrobras Jorge Luz, hoje um dos focos da Lava Jato, com representantes da Electroingenería. No encontro se acertou o interesse da companhia na aquisição da Transener que se concretizou.

Cerveró destacou que a maior parte da propina permaneceu na Argentina e que ele e o lobista Fernando Soares, conhecido como Baiano, que também firmou acordo de delação receberam R$ 300 mil cada. Baiano deu declarações no mesmo sentido na colaboração que firmou com a PGR (Procuradoria Geral da República).

Outro lado
Em nota o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu Francisco Gros, presidente da Petrobras na época da aquisição da PeCom e do pagamento do suposto suborno.

"O presidente da Petrobrás era Francisco Gros, de reputação ilibada e sem qualquer ligação politico partidária", declarou o ex-presidente.

Sobre as alegações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró sobre suposta propina de US$ 100 milhões durante o governo FHC, o tucano disse que são "afirmações vagas" e "sem especificar pessoas envolvidas, servem apenas para confundir e não trazem elementos que permitam verificação".

Invocando sigilo do caso, a advogada de Cerveró, Alessi Brandão, não quis se manifestar. Os ex-ministros argentinos Julio de Vito e Roberto Dromi e os representantes da Pérez Companc não foram localizados.

Cerveró diz que Renan Calheiros reclamou da falta de propina

Rubens Valente, Aguirre Talento e Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Pela primeira vez, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi acusado de ter tratado pessoalmente, sem intermediários, de suposto repasse de propina proveniente da Petrobras.

Segundo afirmou em delação premiada o ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, em 2012 Renan "reclamou da falta de repasse de propina" por parte do delator.

Em depoimento prestado em 7 de dezembro, Cerveró relatou duas reuniões com a participação do peemedebista nas quais o tema da propina foi discutido.

Numa delas, em 2009, segundo Cerveró, estavam presentes, além do senador alagoano, o então presidente da BR Distribuidora, José Lima de Andrade Neto, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e um "representante" do senador Fernando Collor (PTB-AL), o ex-ministro Pedro Paulo Leoni Ramos.

De acordo com Cerveró, no encontro, ocorrido no hotel Copacabana Palace, no Rio, o presidente da BR teria afirmado que a compra de álcool, o aluguel de caminhões para transportar combustível e a construção de bases de distribuição de combustíveis "seriam os negócios que poderiam render propina mais substancial na BR Distribuidora".

Segundo Cerveró, na ocasião, Andrade Neto "se disponibilizou a ajudar os políticos interessados".

O segundo encontro com Renan, conforme o ex-diretor da Petrobras, ocorreu no ano de 2012, quando o senador o teria chamado, em seu gabinete, para reclamar da falta de repasses de propina.

De acordo com o diálogo citado por Cerveró, o então diretor teria dito a Renan que não estava arrecadando propina na BR Distribuidora. Ao saber disso, "Renan Calheiros disse que a partir de então deixava de prestar apoio político" a Cerveró –que, contudo, na época permaneceu no cargo de diretor financeiro e de serviços da BR.

Renan já é investigado em seis inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) sob a suspeita de recebimento de propina de negócios relacionados à Petrobras.

Em dezembro passado, a Folha revelou que o ex-diretor da Petrobras disse, em um dos termos de sua delação premiada, que pagou US$ 6 milhões em propina a Renan e ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

Delcídio recebeu outros US$ 2 milhões, conforme o delator.

'Acerto geral'
De acordo com Cerveró, políticos e diretores da BR Distribuidora fizeram uma reunião no Rio de Janeiro em 2010, após as eleições, para um "acerto geral" da propina que seria distribuída a partir dos contratos da subsidiária da Petrobras.

Cerveró contou que a reunião foi convocada pelo senador Delcídio, o então deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) e Pedro Paulo Leoni Ramos. Também teriam participado os diretores da BR Andurte de Barros Duarte Filho, José Zonis e Luiz Cláudio Caseira Sanches, além de Cerveró.

O ex-diretor disse que o encontro ocorreu no hotel Leme Palace. Ao final, "ficou acertado" que Duarte Filho, "por meio da Diretoria de Mercado Consumidor, arrecadaria propina destinada à bancada do PT na Câmara dos Deputados".

De acordo com Cerveró, o dinheiro seria destinado "especialmente aos deputados federais Cândido Vaccarezza, Vander Loubet [MS], José Mentor [SP], André Vargas [PR] e Jilmar Tatto [SP]".

Segundo o ex-diretor da Petrobras, esses pagamentos ocorriam "sem atuação de operadores".

Zonis e Sanches, sempre segundo o delator, arrecadariam propina em favor de Collor, por meio de Leoni Ramos.

A atribuição de Cerveró na diretoria financeira e de serviços da BR, segundo o delator, seria arrecadar propina para Delcídio e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), além de atender "solicitações" de Collor e do petista Vaccarezza.

O delator contou ainda que ocorreram "reuniões periódicas, mensais ou bimestrais", de 2010 a 2013, com Leoni Ramos, Zonis e Delcídio no hotel Copacabana Palace, também no Rio, "para tratar de recebimento e repasse de propinas na BR Distribuidora".

Outro lado
O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) informou, por sua assessoria de imprensa, que "nega as imputações e esclarece que já prestou as informações requeridas". O peemedebista nega ainda ter participado das reuniões citadas por Cerveró.

Em depoimento prestado anteriormente à Polícia Federal, Renan negou ter apadrinhado a indicação de Cerveró à diretoria Internacional da Petrobras e afirmou não ter proximidade com ele.

Renan declarou à PF que esteve "duas ou três vezes" com Cerveró para tratar de assuntos "institucionais".

Anteriormente, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) disse que não recebeu "nenhum centavo" e que nunca conversou com Cerveró. Disse que o ex-diretor estava "desesperado e estimulado pelos investigadores para fazer a delação para incluir o maior número de políticos".

O deputado José Mentor (PT-SP) disse que não teve ciência dessa reunião, que não conhecia Cerveró e não sabia de propina da BR destinada à bancada do PT. O atual secretário de Transportes da Prefeitura de São Paulo Jilmar Tatto (PT) disse que não soube do encontro, não conheceu Cerveró e não recebeu recursos da Petrobras.

As assessorias ou advogados do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), do ex-deputado André Vargas e do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos não comentaram.

Os ex-diretores e o ex-presidente da BR Distribuidora não foram localizados para comentar. Antes, José Zonis disse que não foi indicado por Collor e negou fazer parte do esquema de desvio de recursos.

O ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) informou, por telefone, que estava em viagem e não havia se posicionado até o fechamento desta edição. O deputado federal Vander Loubet (PT-MS) informou que não iria fazer comentários porque não teve acesso aos documentos.

A Folha não localizou a defesa do senador Fernando Collor (PTB-AL), que tem negado o recebimento de propina.