segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Opinião do dia: Daniel Coelho*

Não podemos nos ausentar da responsabilidade do Bolsonaro estar no governo. Participamos do todo o processo democrático e o país ainda assim elegeu alguém que defende a ditadura. Isso quer dizer que nós cometemos um erro.

Como a gente perdeu a narrativa com coisas que eram tão claras? Direitos humanos e meio ambiente são temas que deixaram de ser discutidos cinco anos atrás e nós nos perdemos.

*Daniel Coelho, deputado federal (PE), líder da bancada do partido Cidadania, no Seminário Desafios da Democracia – Um programa político para o século XXl (Fundação Astrojildo Pereira), São Paulo, 24/8/2019.,

Carlos Pereira: Interferência política

- O Estado de S.Paulo

Mecanismos de controle fortes garantem a resiliência das instituições democráticas

Todos os governos, a despeito da sua coloração política ou ideológica, enfrentam um dilema crucial entre independência e controle de agências e órgãos governamentais. Tentativas de interferência de políticos têm o efeito de reduzir a credibilidade e estabilidade do sistema democrático. Por outro lado, quando as instituições de controle são muito independentes, corre-se o risco de que a autonomia delegada seja usada para alcançar resultados que possam prejudicar a sobrevivência dos próprios políticos.

Esse dilema é particularmente relevante quando há alternância de poder com a chegada de uma nova elite política com preferências diferentes do antecessor. É natural que um novo governo democraticamente eleito busque mudanças no perfil de política pública e regulatória. Boa governança, entretanto, exige que essas mudanças sejam implementadas por meios previamente acordados e institucionalizados, tais como a nomeação de novos diretores para as agências no tempo legalmente predeterminado. Quando esses procedimentos são adotados, o estado de direito não é violado.

Marcus André Melo: A fogueira perfeita

- Folha de S. Paulo

Estratégia de quanto mais quente melhor 'backfired'!

A popularidade de Bolsonaro arde em uma fogueira perfeita: a combustão vem da combinação da consternação com a crise ambiental com o descontentamento gerado com medidas de contenção da Lava Jato na coalizão que o levou ao poder. Sua estratégia hipermobilizadora —de quanto mais quente melhor—“backfired”.

Mas e a popularidade importa? Muito menos do que em regime parlamentarista no qual o chefe do Executivo não tem mandato fixo. Mas sim, um presidente tóxico gera custos. Torna caro não só apoiar o presidente mas sobretudo defendê-lo. O impacto é avassalador sobre a opinião pública: quase 9 em cada 10 entrevistados pelo Ibope afirmam que proteger a Amazônia é essencial.

A crise engendra amplo arco de alianças tácitas e inéditas entre setores ambientalistas e o agronegócio, que é alimentada pelo acordo Mercosul-UE. A internacionalização do conflito amplia o leque de apoios, mas abre espaço para discurso nacionalista que tem eficácia política provada. Independente da base factual da guerra de narrativas, o saldo líquido é negativo para Bolsonaro.

Leandro Colon: A força de Moro

-´Folha de S. Paulo

Ex-juiz pode não ser um superministro de fato, mas parte das ruas o trata assim

Será que Sergio Moro se arrependeu de ter abandonado a magistratura para ser ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro?

Publicamente, ele não vai admitir que tenha errado ao largar a Lava Jato para sentar em uma cadeira na Esplanada. Mas parece não haver dúvidas de que, oito meses depois, o Moro de Curitiba era muito mais forte do que o Moro de Brasília.

O superjuiz que botou figurões da política na cadeia sonhava em ser um superministro de Bolsonaro. Até agora, só acumulou reveses no ministério e passou a ter a lealdade e a capacidade de gestão questionados pela equipe que comanda.

Integrantes da Polícia Federal não vão se esquecer tão cedo da omissão pública do ministro no episódio em que Bolsonaro tripudiou da permanência de Mauricio Valeixo na diretoria-geral da PF. Moro silenciou.

Celso Rocha de Barros*: Rumo ao G7 a 1

- Folha de S. Paulo

Na crise das queimadas na Amazônia, ficamos sozinhos e passamos vergonha

A crise da Amazônia é o maior desastre da história diplomática brasileira das últimas décadas. Isso, filho, pede para o Olavo escolher o chanceler, vai dar certo.

O presidente da França, Emmanuel Macron, propôs o fim do acordo da União Europeia com o Mercosul. A Finlândia propôs um boicote à carne brasileira. O novo primeiro-ministro conservador do Reino Unido, Boris Johnson, e a alemã Angela Merkel devem garantir a sobrevivência do acordo, mas vão exigir providências brasileiras. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, postou que defende o acordo, mas advertiu que sua “ratificação harmoniosa” será difícil se o governo brasileiro permitir a destruição da Amazônia.

E mesmo Donald Trump, quando ofereceu ajuda ao Brasil, contrariou o discurso oficial bolsonarista de que a crise era “fake news”.

Ficamos sozinhos, passamos vergonha.

Gaudêncio Torquato*: Riscos e tensões no horizonte

- Folha de S. Paulo

Governo não tem vértice, e sinal amarelo pisca forte

Quando os governantes se deixam levar pelas circunstâncias, perdem a noção do conjunto e acabam trocando o essencial pelo superficial. E quando o ator principal, por sua extravagância e desprovido de bom senso, continua a frequentar o palanque, a identidade do governo perde o eixo e deixa a sociedade perplexa sobre o rumo do país.

Esta percepção sobre o governo Bolsonaro se alastra. Nos quase oito meses da administração, tensões se expandem em função das posições do presidente, entre as quais se destacam: alinhamento automático com os EUA; ameaça da União Europeia de desfazer o acordo com o Brasil em virtude da questão ambiental, com foco no desmatamento da Amazônia e a exploração de minérios na região; a ameaça de perda de parcela do mercado argentino, com a eventual vitória do kirchnerismoem outubro; substituição da tradicional diplomacia brasileira por uma política ancorada na extrema-direita; extensão do apartheid social, sob o cultivo da base bolsonarista e tiros nos adversários; e esgarçamento da base governista, insatisfeita com o estilo bolsonarista.

O governo não tem um vértice. Bolsonaro pode até desfraldar a bandeira brasileira e cantar “Pátria Amada”, mas seu governo será um fracasso sem as reformas acalentadas pela sociedade, como a tributária/fiscal, a administrativa e até a dos padrões da política.

Bruno Carazza*: Em bom português

- Valor Econômico

Agenda anticorrupção está ameaçada

Na semana passada eu assisti a uma palestra da professora Lera Boroditsky, da Universidade da Califórnia em San Diego, a respeito de como a linguagem afeta o modo como diferentes povos pensam e se organizam. Combinando linguística, neurociência e psicologia com antropologia, a pesquisadora relaciona a estrutura de idiomas e o senso particular de justiça, o desenvolvimento matemático e até mesmo a igualdade entre os gêneros em determinadas culturas.

No experimento que mais chamou minha atenção, Boroditsky e seus colegas encontraram evidências de como tendemos a atribuir culpa e a propor penas maiores para pessoas envolvidas em acidentes caso a mesma história nos seja relatada destacando o agente ("durante um jantar com amigos, a Sra. Smith deixou cair seu guardanapo sobre a vela, iniciando o incêndio) em vez do paciente ("durante um jantar com amigos, o guardanapo da Sra. Smith caiu sobre a vela, iniciando o incêndio").

Esse caso fez minha mente viajar a respeito de valores culturais, linguagem e corrupção no Brasil. Afinal, sempre me incomodou o modo como descrevemos condutas ilícitas, abusando da voz passiva ("os valores foram desviados"), da despersonificação ("o esquema de corrupção envolve R$ 100 milhões") e do condicional ("as empresas teriam fraudado a licitação"). Além disso, nos faltam palavras para lidar com o cumprimento de deveres, e por isso importamos sem tradução "enforcement", "compliance" e "accountability". Seriam essas características do nosso idioma uma evidência de nossa leniência atávica para com o mau uso dos recursos públicos?

Alex Ribeiro: A volta do emprestador de última instância

- Valor Econômico

BC reassumirá papel clássico de assistência de liquidez aos bancos

O Banco Central não divulgou as suas estimativas, mas as mudanças em curso no sistema de assistência financeira de liquidez aos bancos terão impactos significativos na liberação de depósitos compulsórios e no crescimento do mercado de títulos privados.

Os bancos centrais foram criados originalmente para operarem como emprestadores de última instância, mas no Brasil esse papel não é plenamente exercido. Hoje, quando há apertos de liquidez, as linhas de redesconto do Banco Central não são acionadas. Esse papel é exercido basicamente pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e, nas crises sistêmicas, pela liberação de depósitos compulsórios.

Na crise financeira mundial de 2008 o BC injetou no sistema o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em compulsórios, que em valores de hoje equivalem a R$ 220 bilhões. Para ser eficaz, qualquer sistema de assistência financeira de liquidez deve ter, no mínimo, esse tamanho.

Ele será formado por várias partes. O BC não vai abrir mão das exigências de depósitos compulsórios, mas há muita gordura para queimar. Em julho, os recolhimentos somavam R$ 429 bilhões. Países emergentes, em geral, operam com metade do nosso nível.

Cida Damasco: No meio das chamas

- O Estado de S.Paulo

Acordo com UE pode até seguir, mas País será visto com desconfiança

Parecia até que o fechamento do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, anunciado há dois meses na reunião do G-20, marcaria a entrada em cena de um Bolsonaro começando a se ajeitar no figurino de chefe de um País inserido no mundo globalizado.

Depois da troca de farpas sobre política ambiental com o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, Bolsonaro acabou assumindo os compromissos exigidos pelo Acordo do Clima, incluindo combate ao desmatamento. E, daí por diante, foi só comemoração. Segundo o governo alardeou na ocasião, o tratado traria um aumento de quase US$ 100 bilhões nas exportações do Brasil para o bloco e de até US$ 125 bilhões no PIB, no prazo de 15 anos.

Mas a festa durou pouco. A crise internacional deflagrada pela explosão de queimadas na Amazônia, que fez até o dia virar noite em São Paulo, ameaçou isolar o governo Bolsonaro e provocar forte impacto sobre a economia do País. Aos primeiros sinais desse avanço, Bolsonaro atirou contra tudo e todos: o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), as ONGs, os governadores da região e os líderes dos países europeus. A resposta foi imediata, com protestos espalhados dentro e fora do País, corte de verbas dos fundos ambientais, advertência de sanções às exportações brasileiras e principalmente de não ratificação do acordo

Fernando Gabeira: Crepúsculos precoces

- O Globo

Quem gritará ‘meia-volta, volver’ para Bolsonaro vai ser uma grande parte da Humanidade

De uma certa forma, tento falar disso há muito tempo: Bolsonaro não tinha noção das forças que enfrenta quando está em jogo o futuro da Amazônia. É algo que acontecia também com seu ministro Onyx Lorenzoni. Ele disse que não iria ver as queimadas na Amazônia porque há coisa mais importante para fazer.

Como assim? Pareciam ignorar até mesmo a repercussão internacional dessas queimadas. Grande parte do planeta preocupada com o tema; Onyx subestimava. Por muito menos, nas queimadas de Roraima, ministros se deslocaram para lá. Ver o que estava sendo feito, o que era preciso fazer.

Isso numa semana intensa, em que o crepúsculo precoce em São Paulo intrigou a população. Era resultado de queimadas, possivelmente da região de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Mas, de uma certa maneira, realçaram a preocupação com queimadas.

O secretário-geral da ONU se diz preocupado. Macron também se diz preocupado, embora use uma foto antiga e repita o mito da Amazônia pulmão do mundo.

Bolsonaro não inventou as queimadas. Existe uma estação anual do fogo. Mas sabotou muitas formas de combatê-la. Inicialmente, anunciou sua oposição às multas do Ibama, proibiu que fossem destruídos equipamentos clandestinos na mata, questionou os dados do Inpe, demitiu o diretor, rompeu com o Fundo Amazônia, hostilizou a Alemanha e a Noruega. Que, por sinal, financiam a prevenção às queimadas.

Demétrio Magnoli: Isolamento esplêndido

- O Globo

Bárbaros que nos governam são governados por suas próprias redes (anti) sociais

Irrelevância ou ridículo — eis a questão. O Brasil de Jair Bolsonaro oscila entre esses polos, como fruto de políticas externa e ambiental que, aos olhos do mundo, nos rebaixam à condição de república bananeira.

Dias atrás, Nicolás Maduro anunciou que mantém negociações diretas com os EUA. Donald Trump confirmou a informação: “Estamos conversando em nível muito alto”. Ernesto Araújo, nosso chanceler de fachada, e Eduardo Bolsonaro, chanceler de fato, nada disseram — e, piedosamente, nada lhes foi perguntado. Vão longe os tempos em que a dupla dinâmica definiu como prioridade nacional externa a remoção do ditador chavista por meio de uma ação militar americana deflagrada a partir de território brasileiro.

Onde está o Ernesto? O figurante sumiu, transferindo a condução de nossas relações com a Argentina ao Bolsonaro pai. E o 00 inovou radicalmente, rompendo as relações diplomáticas com um governo que ainda nem existe. No ato inicial, proclamou que o provável triunfo eleitoral de Alberto Fernández e Cristina Kirchner converterá o Rio Grande do Sul em “uma nova Roraima”. No seguinte, qualificou os líderes da favorita chapa de oposição como “bandidos comunistas”. Qual é a diferença substancial entre as retóricas de Bolsonaro e de Maduro?

Os bárbaros que nos governam são governados por suas próprias redes (anti) sociais. Adianta dizer-lhes que, ao contrário da Venezuela, existem eleições livres na Argentina? Que a vontade popular merece algum respeito? Ou, ainda, que Fernández, o candidato presidencial, um peronista moderado, é antigo desafeto de Kirchner, a candidata a vice? Ou, finalmente, que a Argentina é nossa circunstância geográfica e geopolítica, o vizinho incontornável na estação de trânsito da bacia platina, como constatamos já nos idos do Império?

Cacá Diegues: Queimadas à direita

- O Globo

Brasil se vê massacrado por outros países e decepção começa por saber que nem ao menos somos o pulmão do mundo

Nossos corações pegam fogo com as queimadas na Amazônia. Não é só que o incêndio da floresta nos faz temer pelo futuro físico do Brasil e do mundo, como é natural que aconteça. Mas a fumaça, que nos faz anoitecer tão cedo, talvez nos torne incapazes de reconhecer o desmantelamento provável da nação que tentamos elaborar, ao longo da história recente.

Um dos orgulhos conceituais que nos sobrevalorizavam, um orgulho que nos ajudava a dar-nos uma importância vaidosa que talvez não merecêssemos, era justamente essa Amazônia agora em chamas, o “pulmão do mundo”. Pois era aquele pedaço do planeta que gerava ar e energia para o resto do mundo. Agora, o Brasil se vê massacrado por esse resto do mundo e nossa decepção começa por saber que, afinal de contas, nem ao menos somos mesmo o pulmão do mundo.

Sempre fomos objeto de uma narração hipócrita, começando pela colonização suspeita de desterrados da metrópole que implantaram, num espaço sem lei, o mais cruel regime autoritário de submissão dos povos originais e de escravização de povos trazidos de longe. Foi assim que criamos a civilização da preguiça e da crueldade contra quem tentasse perturbá-la. O Brasil se formou política, social, cultural e eticamente a partir dela, com um rigor de quatro séculos que não poderia desaparecer com uma simples canetada de Isabel.

Ricardo Noblat: Mais uma chance para Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

Se perder pode virar um pária

Se o cuidado com a preservação do meio ambiente fizesse parte de suas preocupações, o presidente Jair Bolsonaro não correria o risco de vir a ser tratado pelo mundo como um pária. A reação internacional às imagens da Amazônia em chamas deu-lhe mais uma oportunidade, talvez a última, de recuperar-se. Faça bom proveito.

A pressão sobre ele não cessará apenas com o deslocamento de tropas militares para apagar o fogo, o envio de agentes federais para investigar a origem criminosa das queimadas, nem porque à custa de muito esforço e sofrimento pessoal ele sentiu-se obrigado nas últimas 72 horas a baixar o tom de suas declarações incendiárias.

É verdade que não resistiu a ofender o presidente Emmanuel Macron, reproduzindo nas redes sociais o comentário sexista de um dos seus seguidores a respeito da primeira-dama da França. Coisa de gente vil e perversa, endossada pelo presidente da República do Brasil. Mas Bolsonaro não seria o que é se não tivesse agido assim.

Macron anunciou que os países mais poderosos do mundo estão dispostos a criar um fundo para a proteção da Amazônia. A ideia será detalhada quando ele for a Nova Iorque, em setembro, para a abertura da Assembleia Geral da ONU. Bolsonaro, que estará por lá, será uma das atrações do encontro, para o bem ou para o mal.

Não escapará de manifestações indignadas dos ativistas ambientais, e não poderia ser diferente, como não será. Mas terá a chance de ouro de mostrar se quiser que está longe de ser o político brucutu e o governante desvairado como começa a ser a ser pintado em toda parte por culpa exclusiva dele mesmo, e em prejuízo da imagem do Brasil.

Lágrimas pelo Zero Três

Para Temer, povo pode relativizar democracia

"Chamei o Congresso para governar comigo e deu resultado. As reformas foram fruto desta conjugação"

"Se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados"

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Em seu escritório no bairro paulistano do Itaim, o ex-presidente Michel Temer ainda mantém uma rotina de contatos políticos com ex-ministros e articulações internas do MDB, sigla que presidiu por 15 anos e que está representada no primeiro escalão com o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Na última semana, recebeu a visita da senadora Ana Amélia (PP-RS) e do ex-ministro Antonio Imbassahy (PSDB-BA).

No dia em que recebeu o Valor para esta entrevista exclusiva, pediu à secretária que ligasse ao ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Temer contesta em detalhes os argumentos jurídicos que embasaram sua prisão preventiva, em março, e cobra retratação dos procuradores.

O ex-presidente critica excessos de órgãos subordinados aos Três Poderes e prega abertamente a mudança de regime do presidencialismo para o semipresidencialismo, a partir do final do mandato de Jair Bolsonaro, em 2022. Somente um novo regime, em sua visão, poderá evitar "traumas institucionais" como os provocados por impeachment, dos quais ele diz ter sido vítima.

O ex-presidente afirmou que Bolsonaro, na área econômica, pegou uma "estrada asfaltada" e continua políticas iniciadas em seu governo. Ele nega que o atual presidente tenha pendor autoritário, mas pontua que o eleitorado relativiza este fator: "O povo quer é resultado. Lamento dizer: se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados". Segundo o presidente, há um ambiente de "violação institucional" no país.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como foi, na condição de ex-presidente da República, ter sido preso? Qual foi a sensação?

Michel Temer: No plano pessoal, extremamente desagradável. No plano jurídico, foi marcado pelo absurdo. Neste caso não havia sequer processo formado. Já pedi aos senhores procuradores, que fizeram um alarde extraordinário com a prisão, que tenham a dignidade funcional - não digo nem pessoal - de dizer que se equivocaram [nos argumentos de pedido de prisão preventiva]. Não fizeram isso. Vejo como um gesto equivocado juridicamente, punitivista e com objetivo de fazer alarde. É prejudicial evidentemente para mim, no âmbito moral, mas prejudicial para as instituições brasileiras. O que mais temos no Brasil é a violação de natureza institucional.

Valor: O que quer dizer exatamente com violação institucional?

Temer: Quebra da ordem constitucional. Pode parecer pretensioso, mas eu recomendaria que as pessoas, especialmente os que ocupam as mais variadas funções públicas, que leiam a Constituição. Tem que se manter a harmonia entre os Poderes não porque queiramos, mas porque nós somos autoridades constituídas. A única autoridade existente no país chama-se povo. Quando a Constituição diz que "todo poder emana do povo" não é regra de palanque, é regra jurídica. Quando a soberania nacional se manifesta, criando o Estado, como em 5 de outubro de 1988, ela disse: olha, vou criar vocês três. Ajam com independência administrativa, mas harmonia. Ou seja, toda vez em que há uma desarmonia o que há é uma inconstitucionalidade. Em vez de haver um único poder no Estado, como no absolutismo - "L'état est moi", dizia Luiz XIV -, há três órgãos para se exercer o Poder. A partir deles é que há os órgãos inferiores. E esses órgãos inferiores não podem estar em busca de poder. Eles têm que acompanhar o que a estrutura do poder constitucional estabelece, por meio do Legislativo, Executivo e Judiciário. Neste sentido que digo que há equívocos institucionais muito acentuados. Meu dever agora, como de muitos, é tentar compor institucionalmente o país. Mais do que nunca o Brasil precisa de um grande pacto político.

Valor: Que tipo de pacto?

Temer: Político-institucional, entre os Poderes. Um grande concerto nacional para a pacificação do país. Um diálogo do presidente, com os Poderes do Estado, com governadores, com todos presidente de partido. Para não ficar esse permanente embate, sempre essa disputa. Surgiu a ideia, mesmo no plano jurídico, de saber quem é que vai ganhar. E não é isso. Você tem que promover Justiça. E Justiça significa certa harmonia.

O que pensa a mídia | Editoriais

Irresponsabilidade fiscal: Editorial | O Estado de S. Paulo

Na quinta-feira passada, formou-se maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar inconstitucional a permissão de diminuir a carga horária com a proporcional redução de salários de funcionários públicos, tal como previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal como forma de enfrentar situações de grave desequilíbrio das contas públicas. Uma vez que a Carta Magna não prevê expressamente essa possibilidade, a maioria dos ministros entendeu que, por força do princípio da irredutibilidade dos vencimentos, uma lei não pode criá-la.

O estranho nessa história é que não se pode nem mesmo dizer que a posição majoritária entre os ministros do STF protege a Constituição. Ao contrário, ela dificulta que sejam respeitados os limites previstos na Carta Magna. “A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”, diz o art. 169 da Constituição. Como limite máximo para o gasto com pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal determinou o porcentual de 60% da Receita Corrente Líquida.

Preocupada em assegurar que esse limite seja de fato respeitado, a Constituição previu medidas drásticas para a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. Havendo risco de ultrapassar tal limite, o ente federativo deverá – trata-se de uma ordem constitucional, e não mera possibilidade – reduzir as despesas com cargos em comissão e funções de confiança em pelo menos 20% e exonerar servidores não estáveis.

Se essas medidas não forem suficientes, “o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal”. Tudo isso é texto constitucional, incorporado à Carta Magna por meio da Emenda Constitucional (EC) 19/1998.

Aprovada após a EC 19/1998, a Lei de Responsabilidade Fiscal previu uma medida mais branda que a exoneração de servidores. “É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária”, estabeleceu a Lei Complementar 101/2000.

Poesia || Fernando Pessoa: Tenho tanto sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Música || Teresa Cristina - Portela