sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – Fernando Gabeira

Se o PT pusesse fogo em Brasília e alguém protestasse, a resposta viria rápida: onde você estava quando Nero incendiou Roma? Por que não protestou? Hipocrisia.

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Fernando Gabeira, jornalista, em seu artigo “Os saqueadores da lógica. O Estado de S. Paulo, 27 de fevereiro de 2015.

Corte definitivo do Orçamento será o maior em 15 anos

- O Estado de S. Paulo

O governo conta com a aprovação do Orçamento de 2015 na próxima semana no Congresso Nacional. O contingenciamento de despesas, preparado há quase três meses pela equipe econômica, está praticamente pronto e deve sair "imediatamente após a aprovação da Lei Orçamentária", disse uma fonte do governo.

O corte está sendo preparado para sair em meados de março. O governo, porém, ganhou fôlego em sua missão de ajuste fiscal com o decreto de programação orçamentária anunciado ontem pelo secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, que reduzirá os gastos da máquina até que o Orçamento ser aprovado.

Sobre o Orçamento, o governo vai aplicar um contingenciamento de despesas que deve oscilar entre R$ 65 bilhões e R$ 80 bilhões. Se confirmado, será o maior corte de gastos dos últimos 15 anos. O tamanho do contingenciamento em gestação tem assustado os ministros.

Um do auxiliares mais próximos da presidente disse que o corte será "de chorar". Nos últimos dias, a equipe econômica e a própria presidente tem ouvido reclamações de diversas áreas. Em vários ministérios o medo é que aquilo que sobrar do Orçamento mal dará para pagar contas, quanto mais fazer qualquer tipo de investimento.

Algumas propostas iniciais dos novos ministros devem sair desidratadas. É o caso, por exemplo, do Plano Nacional de Exportações, que está sendo trabalhado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Sem recursos, o governo não vai poder atender aos pedidos de desonerações e financiamento, feitos pela indústria, e pode até mesmo cancelar ou diminuir alguns dos poucos que sobrevivem, como o Reintegra. / J.V. e L.P.

Governo suspende o 'Minha Casa Melhor' para conter gastos

• Programa foi criado em 2013 para oferecer taxas de juros mais vantajosas na compra de móveis e eletrodomésticos; R$ 3 bilhões foram desembolsados até o fim do ano passado

Ricardo Della Coletta e Murilo Rodrigues Alves - O Estado de S. Paulo

Diante do cenário de restrição fiscal, o governo decidiu suspender o programa Minha Casa Melhor, linha de crédito especial para que os beneficiários do Minha Casa, Minha Vida possam adquirir móveis, eletrodomésticos e eletrônicos a taxas de juros subsidiadas.

Para operar o programa, a Caixa Econômica Federal recebeu do governo uma capitalização de R$ 8 bilhões em junho de 2013. Do valor total, porém, R$ 3 bilhões foram direcionados para os financiamentos do programa - o restante foi usado em outra operação. O Broadcast apurou que esses R$ 3 bilhões foram desembolsados no total de financiamentos que foram concedidos pela Caixa até o fim do ano passado, 18 meses após o lançamento do programa. Não restou ao governo outra alternativa a não ser interromper a distribuição de novos cartões porque não há mais recursos para arcar com o custo financeiro dos juros mais baixos.

"Novas contratações do Minha Casa Melhor estão sendo discutidas no âmbito da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida", informou a Caixa, em nota. "Os cartões referentes a contratos já realizados continuam operando normalmente", completou a instituição financeira. Procurado, o Tesouro Nacional informou que somente o banco estatal comentaria o assunto.

Pelo canal oficial de comunicação entre a Caixa e os beneficiários do programa, a atendente afirmou que o Minha Casa Melhor está suspenso desde o dia 20 deste mês. "A Caixa está reavaliando o programa antes de realizar novas contratações no Brasil inteiro", afirmou.

No lançamento do programa, o governo divulgou que a expectativa era de que 3,7 milhões de famílias fossem beneficiadas, em um total de R$ 18,7 bilhões. O Minha Casa Melhor oferece crédito a juros mais baixos que os praticados no mercado para as famílias atendidas pelo programa Minha Casa Minha Vida comprarem 14 tipos de eletrodomésticos e móveis. Os juros são de 5% ao ano contra 16,5% que o mercado cobra para financiar outros tipos de bens que não automóveis.

Impacto no varejo. O presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), Honório Pinheiro, lamentou o "congelamento" do programa e o impacto da decisão para o setor varejista. "O Brasil está diante do desafio de fazer funcionar esse novo modelo econômico imposto pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda)", afirmou. A CNDL, que representa 1,2 milhão de lojistas, estima que o programa injetou R$ 1,4 bilhão no ano passado.

As 920 famílias de Feira de Santana (BA), que receberam da presidente Dilma na quarta-feira, 25, as chaves dos imóveis, não puderam pegar o cartão para comprar os móveis. A Superintendência Regional da Caixa na Bahia confirmou à reportagem que os cartões não foram distribuídos por determinação do banco.

Ao entregar os imóveis do conjunto Solar da Princesa III e IV, no bairro de Gabriela, Dilma assegurou a continuidade do programa de habitação popular. Segundo ela, a terceira fase será lançada em maio, com a meta de contratar mais 3 milhões de moradia. Depois de dizer que faz ajustes fiscais "como uma mãe, uma dona de casa faz na casa ela", a presidente garantiu que o governo não paralisaria programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. A cerimônia foi cuidadosamente planejada para ser a primeira parada em um roteiro de viagens que a petista planeja fazer para recuperar sua popularidade.

Boca a boca. Os novos moradores foram surpreendidos pela notícia de que o Minha Casa Melhor havia sido suspenso. A notícia se espalhou no boca a boca e criou um clima de decepção geral, já que muitos contavam com a linha de crédito para mobiliar suas novas unidades. "Eu fui surpreendida porque não tenho os móveis, estava contando (com o Minha Casa Melhor). Preciso comprar praticamente quase tudo. Tenho um fogão de duas bocas, uma geladeira usada com problema na borracha, que eu queria trocar e um colchão que durmo com o meu filho", disse Eliane Costa Santos, que tem 24 anos. Vendedora ambulante e com renda de um salário mínimo, ela vai se mudar com um filho para a nova moradia. "Eu não tenho os móveis da minha casa e não tenho condições de comprar. Em tempo de festa, a gente ganha. Fora de época não tem muito boa vendagem".

No dia seguinte à cerimônia, quando muitos moradores foram aos residenciais para tratar da instalação de água e luz, outra contemplada ouvida peloBroadcast alegou que não houve qualquer justificativa para a interrupção. "(Me disseram) que estava suspenso desde o dia 20 (de fevereiro), por tempo indeterminado", afirmou Cidiléia Santos Silva, que tem 29 anos e é mãe de um filho. "A única coisa que eu tenho, graças a Deus ainda, é uma cama, o guarda-roupa do meu filho, um fogão, um bujão e minhas roupas", queixou-se. "(O Minha Casa Melhor) ia ser importante para eu poder comparar um sofá, poder arrumar o quarto do meu filho, para poder comprar um fogão melhor e armário de cozinha. Mobiliar minha casa toda".

Com duas filhas, Aline Ribeiro, de 32 anos, contou que um funcionário do banco estatal lhe disse que o Minha Casa Melhor estava suspenso e que não havia previsão de retorno. "É uma coisa que, se não retornar, vai fazer falta para muita gente que precisa. Muita gente que não tem nada e precisa do cartão", afirmou. "Não tenho cama, minha filha não tem (cama) e não tenho guarda-roupa. Se chegar, vai vir em boa hora".

Ajuste pode cortar 22% do Orçamento até fim do ano

Governo acena com corte de R$ 65,5 bi

• Decreto intensifica ajuste fiscal, enquanto executiva do PT pressiona por mudanças

Martha Beck, Cristiane Jungblut e Fernanda Krakovics – O Globo

Pátria contingenciadora

BRASÍLIA - Em meio às intensas negociações com partidos da base aliada para a aprovação das medidas de ajuste fiscal, o governo deu mais mais um passo para reduzir suas despesas este ano: editou um decreto que limita os gastos de custeio e investimento dos ministérios em R$ 75,155 bilhões até abril. Se projetada até o fim do ano, a medida representa um corte de 22,5% no Orçamento de 2015, ainda não aprovado. Dos gastos previstos até abril, R$ 59,980 bilhões são para despesas de custeio e R$ 15,175 bilhões, para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O valor total fixado para essas despesas na proposta Orçamentária de 2015 é de R$ 291 bilhões. Assim, pelos cálculos de técnicos da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, se o decreto relativo ao primeiro quadrimestre for aplicado durante todo o ano, os gastos autorizados chegarão a R$ 225,5 bilhões. Na prática, o governo está fazendo um contingenciamento de R$ 65,5 bilhões. Esse número é quase o total da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) prevista para 2015, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

Enquanto a tesoura do governo cortava mais despesas e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, em visita ao Congresso, afirmava que o ajuste "não tem nenhum excesso", a Executiva Nacional do PT demonstrava que a aprovação das medidas do governo permanece um desafio. Em nota, a instância máxima do partido defendeu o "aperfeiçoamento" das medidas provisórias e a manutenção do reajuste da tabela do Imposto de Renda em 6,5%, vetado pela presidente Dilma Rousseff.

Como o Orçamento de 2015 ainda não foi aprovado pelo Congresso, a equipe econômica decidiu, com o decreto de ontem , dar um parâmetro para os gastos dos órgãos públicos e sinalizar que está comprometida com o ajuste fiscal. Em nota, o Ministério da Fazenda afirmou que a proposta "preserva a execução de atividades prioritárias" e também sinaliza o efetivo comprometimento do ajuste fiscal. O secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, lembrou que a medida abrange os gastos discricionários (incluindo investimentos), mas não os obrigatórios. E destacou que a ideia do decreto é mostrar que, num momento de aperto, é preciso ajustar o ritmo dos gastos à entrada de receitas:

- Queremos dar previsibilidade aos pagamentos. É programar fluxo de caixa de acordo com a disponibilidade financeira. Ao dar previsibilidade ao caminho das contas públicas, você prepara as bases para um crescimento maior da economia.

Barbosa se reúne com Renan e Cunha
No Congresso, o ministro Nelson Barbosa reagiu às pressões dos parlamentares e do próprio PT para que as medidas provisórias, que restringem direitos trabalhistas e previdenciários, sejam mudadas. Ele ressaltou que as ações definidas pelo governo estão "bem distribuídas" e ressaltou que o decreto suspendendo R$ 32,6 bilhões de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), revelado pelo GLOBO ontem, faz parte da estratégia fiscal do governo.

- A gente acha que o que a gente mandou não tem nenhum excesso. O que a gente mandou está na medida certa, na medida necessária para corrigir as distorções. Obviamente que as pessoas fazem as sugestões, e a gente está aqui para defender as nossas propostas - disse Barbosa, ao deixar o gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ).

Barbosa se reuniu ainda com o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ministro foi ao Congresso para pedir apoio às MPs do ajuste fiscal e disse que os parlamentares entendem a necessidade das medidas e que tem sido "bom o apoio". Na saída do encontro, o ministro admitiu que o ajuste fiscal pode causar "recessão no curto prazo", mas que o objetivo futuro é a retomada do crescimento econômico.

- Essas MPs são parte de uma estratégia, de um ajuste fiscal gradual e bem distribuído, necessário neste momento e que pode ter um impacto recessivo na economia no curto prazo, mas que tem um impacto expansionista, porque viabiliza a recuperação do crescimento.

Enquanto o ministro defendia as medidas no Congresso, a Executiva Nacional do PT aprovava resolução política com críticas às decisões da equipe econômica. O partido reclama que o governo quer fazer o ajuste fiscal somente em cima dos trabalhadores - já que elas alteram regras de benefícios como o seguro-desemprego, auxílio-doença, abono salarial e pensão por morte - sem onerar as camadas mais ricas da sociedade. Parlamentares da legenda apresentaram emendas propondo alterações na essência das duas medidas provisórias, pois temem comprar uma briga com o movimento sindical, no momento em que a avaliação do governo Dilma despencou e em que setores da oposição defendem o impeachment da presidente.

Em jantar anteontem com senadores do PT, o ex-presidente Lula defendeu o ajuste fiscal. Apesar de não discutir o mérito das medidas, tentou convencer os senadores da necessidade de aprovar o ajuste. Porém, ele reclamou da comunicação de governo. Segundo participantes do encontro, Lula disse que falta explicar ao país por que as medidas são necessárias.

- Qual o país queremos entregar ao sucessor da Dilma? É isso que está faltando explicar por parte do governo e do PT - disse Lula.

Tesoura afiada até no lema do governo

• Apesar do slogan "Pátria Educadora", cunhado por Dilma no segundo mandato, MEC é alvo de um contingenciamento que pode chegar a r$ 5,6 bilhões

Martha Beck, Renata Mariz, Eduardo Vanini, Lauro Neto, Odilon Rios e Tiago Dantas - O Globo

Ajuste na pátria educadora

BRASÍLIA, RIO, SÃO PAULO e MACEIÓ - No país que ostenta o slogan "Pátria Educadora", apresentado pela presidente Dilma Rousseff no discurso de posse como lema do segundo mandato, o Ministério da Fazenda determinou um contingenciamento que pode chegar a R$ 5,6 bilhões no orçamento anual do Ministério da Educação (MEC). Calculado pela assessoria da Comissão de Orçamento da Câmara, o valor representa o montante que não poderá ser desembolsado pelo MEC, que hoje recebeu autorização para gastar até abril R$ 10,7 bilhões. O orçamento total previsto do MEC para 2015 é de R$ 37,8 bilhões, incluindo investimento e custeio.

Mesmo sem o contigenciamento, as universidades federais foram afetadas. Segundo estimativa da entidade que reúne as instituições federais, a Andifes, cerca de 30% dos recursos de custeio (como material de consumo e manutenção) que o MEC repassa mensalmente às instituições têm sido retidos. O bloqueio foi estabelecido em decreto de janeiro, o qual prevê que as parcelas transferidas devem ser no valor de 1/18 do total previsto para o ano, e não 1/12, o usual, até que Congresso aprove o Orçamento de 2015.

A redução das verbas já afeta o dia a dia dessas instituições, com suspensão de pagamento a terceirizados, cancelamentos de participação em congressos e paralisação de obras. Na Universidade de Brasília (UnB), o arrocho paralisou uma obra no campus de Planaltina. Em janeiro e fevereiro, instituição deixou de receber R$ 8 milhões para custeio.

- A gente não consegue ficar só com 1/18. Até agora, conseguimos administrar, mas daqui a pouco teremos problemas - diz César Tibúrcio Silva, decano de Planejamento e Orçamento da UnB.

Entre as universidades federais do Rio, o clima é de insegurança. A pró-reitora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Nídia Najerowicz, em Seropédica, afirma que a instituição já gasta apenas com o que é "essencial ao funcionamento cotidiano":

- Limitamos os gastos ao indispensável, como luz, água, telefone e pagamento de terceirizadas. Se precisarmos empenhar uma obra, por mais necessária que seja, não temos como fazer.

Em Maceió, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) foi informada de que receberá um terço de seus repasses regulares. A medida afeta o Hospital Universitário, que, semana passada, com a interdição da Maternidade Santa Mônica (única a atender gestantes e bebês de alto risco), registrou superlotação na UTI neonatal.

- A situação é difícil. Estamos adotando medidas de contenção com energia elétrica para poder garantir o funcionamento da universidade - disse o reitor da Ufal, Eurico Lôbo.

Reitores pressionam o MEC para que a Educação seja poupada da economia fixada pelo governo. Em nota aos reitores das universidades federais, o presidente da Andifes, Targino de Araújo Filho, cobra a "coerência do discurso das autoridades em que a educação brasileira é posta como prioridade". O MEC informou que "dialoga permanentemente com as universidades" e que faz um levantamento, com cada universidade, para verificar repasses não executados do ano anterior que possam ser liberados. Para 2015, estão previstos R$ 9,5 bilhões para as instituições federais do ensino superior, de acordo com a pasta. O valor executado, em 2014, foi de R$ 8,6 bilhões.

O governo também deixou de pagar R$ 150 milhões para editoras que venderam livros didáticos ao MEC em 2014. A dívida representa cerca de 10% da verba destinada ao Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) deste ano. O investimento total do programa é de R$ 1,3 bilhão, que deveria ter sido liquidado até janeiro. O MEC diz que saldará a dívida "o mais rápido possível".

Iniciação científica também sofre cortess
O MEC ainda cortou 64,6% (7.109) das 11 mil bolsas previstas para a edição deste ano do programa Jovens Talentos para Ciência - um corte de R$ 34,1 milhões. O resultado das candidaturas homologadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi divulgado ontem. O programa se destina a estudantes de graduação e visa a incentivar a iniciação científica.

Segundo o governo, foram aprovados "estudantes que alcançaram nota igual ou superior a 60 no processo seletivo". O edital do ano passado incluía a regra sobre a nota mínima, mas o deste ano, não. A Capes alega que o número de vagas preenchidas está de acordo com o edital, que fala na concessão de até 11 mil vagas, e não no preenchimento de todas. Porém, não explicou por que usou um critério de corte não previsto no edital deste ano.

Dilma faz novo arrocho para equilibrar contas

• Para ajudar a cumprir meta de economia, decreto limita despesas não obrigatórias de todas as pastas a R$ 75,2 bi

• Equipe econômica deve aumentar alíquotas de empresas beneficiadas pela desoneração da folha de pagamentos

Natuza Nery, Gustavo Patu, Sofia Fernandes

PAC entra no corte; tributos vão subir

BRASÍLIA - O governo Dilma Rousseff decidiu intensificar o aperto nas contas do Tesouro Nacional, com novo aumento da carga tributária e corte adicional de gastos.

Nesta quinta (26), decreto fixou limites para os gastos dos ministérios com custeio e investimentos no primeiro quadrimestre, incluindo os do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), programa normalmente poupado dos cortes.

O próximo passo, a ser adotado a partir desta sexta (27), será uma revisão, por meio de medida provisória, da desoneração das folhas de pagamento, promovida no primeiro mandato de Dilma em benefício de empresas de 56 setores da economia.

A ofensiva acontece em meio a um crescente ceticismo do mercado em relação às metas fixadas para a poupança do governo neste ano, alimentado pelo efeito negativo da crise econômica na receita tributária.

Divulgados nos últimos dias, os primeiros resultados do ministro Joaquim Levy (Fazenda) foram negativos: em valores corrigidos pela inflação, a arrecadação teve queda de 5,4%, e o saldo do Tesouro Nacional em janeiro caiu de R$ 14 bilhões, em 2014, para R$ 10,4 bilhões.

Para conter a sangria das receitas, ministros e técnicos do Executivo finalizam uma proposta para elevar a alíquota da contribuição previdenciária patronal cobrada das empresas beneficiadas pela política de alívio tributário.

Segundo a Folha apurou no setor privado, a tendência é que haja uma alta linear de alíquotas.

Uma das alternativas seria promover um aumento de um ponto percentual para todos os setores contemplados --na desoneração, uma taxação sobre o faturamento de 1% ou 2%, dependendo do caso, substituiu as alíquotas de 20% incidentes sobre a folha de salários. O governo estuda ainda retirar alguns setores do programa.

Principal iniciativa da administração petista para incentivar o emprego, a redução da contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) significa uma perda de receita estimada em R$ 22,4 bilhões neste ano.

Um pacote de alta de outros tributos já havia sido anunciado em janeiro, com impacto calculado em R$ 20 bilhões até dezembro.

Despesas
Do lado das despesas, o governo ampliou a limitação que já havia imposto aos desembolsos mensais com o custeio, estabelecendo um teto até abril que também inclui os investimentos.

De acordo com o decreto publicado no "Diário Oficial", os gastos não obrigatórios de todas as pastas e do PAC estão limitados a R$ 75,2 bilhões, um patamar semelhante ao do ano de 2013.

Em 2014, a conta do período ficou na casa dos R$ 85 bilhões, mas a comparação deve ser feita com cuidado, porque a lista das despesas consideradas não obrigatórias varia de ano para ano.

O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, também deixou claro que o governo recorrerá ao adiamento de despesas para fechar as contas do ano: "Estamos reprogramando todas as despesas discricionárias, incluindo PAC, à luz da situação atual".

O governo promete uma poupança de R$ 66,3 bilhões para o abatimento da dívida pública neste ano (R$ 55,3 bilhões no Tesouro e o restante nos Estados e municípios). Em 2014, houve deficit conjunto de R$ 32,5 bilhões.

Enxurrada de números ruins

• Mercado de trabalho, inflação, juro, indústria e contas públicas mostram economia em marcha a ré

Cássia Almeida – O Globo

País em descompasso

O primeiro mês do ano trouxe uma enxurrada de indicadores econômicos que terminou por esfriar qualquer ânimo de recuperação da economia num horizonte próximo. A alta na taxa de desemprego, inédita desde 2009, ano da crise global, mostrou que a resistência que o mercado de trabalho ainda exibia desmontou, diante da incapacidade de o país gerar postos de trabalho. A taxa, ainda baixa, de 5,3%, é bem superior aos 4,8% de um ano antes. E devemos ter a primeira queda no emprego formal desde 1999.

Nessa esteira, a arrecadação de impostos federais caiu. Até houve poupança para pagar os juros da dívida pública, mas no menor patamar em seis anos. O ajuste nas contas públicas, que fecharam 2014 com um rombo de 6,7% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto dos bens e serviços produzidos no país), vai tirar ainda mais lenha da fogueira da atividade econômica.

- Os indicadores estão de fato mostrando queda de maneira relativamente forte, sinalizando um primeiro trimestre bastante ruim, negativo em PIB, com dois trimestres consecutivos de queda (espera-se redução do PIB no fim do ano passado, que será divulgado pelo IBGE no fim de março) - afirmou Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Os analistas estão de acordo que haverá recessão este ano, só divergem no tamanho do tombo. Pode ser de 0,5% para cima. E o racionamento de energia, mesmo que não aconteça, já minou os planos de investimentos dos agentes econômicos.

- Tem um componente comum, seja no consumidor, na indústria, na construção, que é o colapso na confiança. Estamos vivendo um ciclo econômico frágil, acentuado pela baixíssima confiança. Um sentimento de pé no freio generalizado no consumo e no investimento na economia real - diz Alexandre Maia, sócio da Kyros Investimentos.

O ciclo de expansão recente vivido pelo Brasil ficou para trás, lembra Maia. A alta dos preços das Commodities e o avanço forte do crédito não se repetirão: famílias estão endividadas e os bancos, mais cautelosos. O mercado imobiliário é outro que não terá o desempenho de anos anteriores:

- Herança do desarranjo da política econômica do governo anterior - diz Maia.

Agravantes não faltam no cenário. A Petrobras é um deles. A redução nos investimentos da estatal pode chegar a 30% - a companhia responde sozinha por cerca de 12,5% de todo o investimento do país - deve começar a pesar mais a partir de agora, com o cancelamento de encomendas. Assim, o setor de bens de capital da indústria, concentrado em máquinas e equipamentos, vai sofrer ainda mais este ano. Fechou 2014 com queda de 9,6% e pelos primeiros dados da indústria de 2015 continuará a se retrair. A utilização da capacidade instalada do setor caiu de 70% em janeiro do ano passado para 67% agora, o menor em cinco anos, informou ontem a Confederação Nacional da Indústria.

Como consequência, deve haver corte nas vagas com carteira assinada. Se isso acontecer, será o primeiro saldo negativo no emprego formal desde 1999, quando houve crise cambial, afirma o professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda.

Alento no setor externo
O dólar mais valorizado, apesar de aumentar os preços por aqui, pode ajudar o Brasil a ter um saldo comercial positivo e evitar a queda mais forte do PIB. O déficit entre exportações e importações foi um pouco menor nesse início de ano, ainda que influenciado também pela baixa atividade econômica. Sem crescer, importa-se menos principalmente para a produção da indústria. E assim, o saldo nos ajuda. O dólar mais caro também torna o produto brasileiro mais competitivo. Nosso custo é em real desvalorizado e vendemos com dólar mais alto. Em um ano, a moeda americana subiu 22,7%. Mas nada que surta efeito agora, diz Lacerda.

- O que está acontecendo de positivo é que o ajuste cambial deve melhorar um pouquinho a competitividade das exportações. Mas isso não ocorre a curto prazo.

Enquanto isso, o Brasil está convivendo com um déficit nas transações com o resto do mundo de US$ 90 bilhões, ou 4,1% do PIB:

- Um déficit pesado, mas que deve melhorar com a desvalorização cambial - afirma Levy.

E não para por aí. A inflação está em alta. Em janeiro de 2014, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulava alta de 5,59% em 12 meses. Mês passado subiu para 7,14%. Com isso, o governo sobe os juros para conter o crédito e o consumo. A taxa média foi de 35,9% ao ano para 39,4%.

E temos que torcer para que as agências de classificação de risco deem um voto de confiança ao país e não cortem o grau de investimento, mesmo diante do esperado aumento da dívida pública em relação ao PIB. A alta deve resultar da arrecadação menor de impostos e juros mais altos.

Serviço de inteligência detecta ameaça contra procurador-geral

• Rodrigo Janot foi informado sobre a ameaça numa reunião sigilosa com o ministro da Justiça; em coletiva, Cardozo não confirma nem nega informação

Jailton de Carvalho / Evandro Éboli – O Globo

BRASÍLIA - O serviço de inteligência descobriu indícios de uma trama contra o procurador-geral da Republica, Rodrigo Janot, e outras autoridades de âmbito federal. Janot foi informado sobre a ameaça numa reunião sigilosa com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na noite da quarta-feira.

Em entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira, Cardozo disse que não confirmaria nem negaria a informação sobre a ameaça à segurança do procurador. Segundo ele, um ministro da Justiça não pode falar publicamente sobre o assunto, pois estaria colocando em risco o suposto ameaçado.

— Se houver risco, caso tenha, não será comentado — disse Cardozo. Segundo ele, nem ministro, nem diretor da Polícia Federal podem falar abertamente sobre isso: — Se alguém está em situação de risco, seja quem for e houve análise de risco, nem confirmarei nem negarei por razões óbvias de segurança. Quem o fizer (revelar esse tipo de informação) será chamado de incapacitado.

O ministro teria orientado o procurador-geral a reforçar a segurança pessoal. As ameaças estariam vinculadas às investigações da Operação Lava Jato. Outras autoridades federais também estariam sob ameaça, e também deverão ter esquema especial de segurança.

Uma equipe da Procuradoria-Geral da República está prestes a concluir a análise do material que dará base aos pedidos de abertura de inquérito que Janot fará ao Supremo Tribunal Federal contra políticos suspeitos de envolvimento com fraudes em contratos de empreiteiras com a Petrobras.

A reunião entre o ministro da Justiça e o procurador-geral não constou da agenda de nenhum dos dois. Cardozo disse que o encontro não foi registrado “porque não estava previsto” para a data específica. Segundo ele, Janot o havia convidado para discutir um projeto de lei que cria um órgão para facilitar o combate à corrupção, com a participação do Executivo. Quando achou uma brecha na agenda, foi de encontro ao procurador. A Procuradoria-Geral da República também confirma que foi discutiudo o projeto de lei.

— Isso (projeto que ajuda a combater a corrupção) se encaixa exatamente com a orientação da presidente Dilma Rousseff — disse ele.

Cardozo também negou que a lista de políticos que serão denunciados pelo procurador fosse assunto do encontro.

— Evidentemente que não. Óbvio que não — disse ele, ressaltando que o assunto é sigiloso.

Cardozo diz que compareceria à CPI
O ministro afirmou que se convidado ou convocado para comparecer à CPI da Petrobras — instalada nesta quinta-feira — para explicar sua reunião com advogados de empreiteiras citadas na operação Lava-Jato, irá ao Congresso Nacional sem problemas.

— Não tenho o menor problema em comparecer ao Congresso. É uma honra ser convidado ou convocado e sempre fui. Estarei lá se chamado. Tenho um apreço profundo pelo Parlamento. Cumprirei meu papel expondo o que já expus. E quando for acionado pela Comissão de Ética da Presidência da República prestarei os questionamentos. Foi absolutamente legal o que foi feito (a reunião com os advogados). Tive o apoio da OAB ontem (quarta-feira), e de todos os presidentes das seccionais das ordens, que entenderam ser legal, correto e devido que o ministro da Justiça receba os advogados.

Ao ser questionado se, por conta das investigações do escândalo da Petrobras, esteja ocorrendo um clima de acirramento, a ponto de existir ameaças ao procurador-geral da República, o ministro disse que o Brasil é um país com instituições fortes e que tem mecanismos para agir nesses casos.

— Fora disso, há muito tempo superamos o período do arbítrio, da ditadura, do golpismo. Mas alguns parecem gostar de tramar situações antidemocráticas.

Questionado se fazia referência aos defensores do impeachment da presidente Dilma Rousseff, respondeu:

— Me refiro àqueles que não querem respeitar a democracia e o resultado de eleições legítimas.

Cardozo alertou Janot sobre ameaças à sua segurança

• Ministro da Justiça avisou sobre investigações da inteligência do órgão que apontam que procurador-geral da República pode estar sob risco

Talita Fernandes e Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dos motivos que levaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a encontrar na noite desta quarta-feira, 25, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi uma alerta sobre a segurança do procurador. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, a inteligência do Ministério da Justiça detectou que a segurança de Janot vem sendo ameaçada. Medidas adicionais de segurança foram tomadas já na manhã desta quinta-feira e também foi recomendado ao procurador que ele deixe de fazer viagens em voos comerciais para reforçar sua integridade física.

O encontro foi confirmado nesta manhã por Cardozo, que, contudo, negou ter tratado sobre os desdobramentos da Operação Lava Jato com o procurador e não mencionou as questões relacionadas à segurança do procurador. Oficialmente, o Ministério da Justiça e a Procuradoria-Geral da República não confirmam esta como a razão do encontro. É de praxe que assuntos ligados à segurança não sejam divulgados. O Estado apurou que o ministro relatou recentemente que ele próprio tem sofrido perseguições.

Segundo ele, foi discutida a criação de uma vice-procuradoria de combate à corrupção. O governo federal prepara um pacote com medidas legislativas e administrativas para endurecer a luta contra desvios públicos. Cardozo tem se encontrado com frequência com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, para tratar do assunto. Fontes ouvidas pelo Estado dizem que o assunto ainda está em fase embrionária e que foi apenas uma temática "acessória" do encontro entre Janot e Cardozo.

O encontro não constou das agendas oficiais de nenhuma das autoridades. Ao fim de um evento com secretários de Segurança Pública do País na manhã desta quinta, Cardozo disse que a reunião já havia sido marcada há algum tempo para tratar de "medidas legislativas de combate à corrupção", uma das promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff. "Eu estou preparando um conjunto de medidas por determinação da presidente da República acerca do enfrentamento da corrupção e uma delas, que já tinha sido objeto de uma conversa anterior com o doutor Rodrigo Janot, ao menos sinalizada, diz respeito a uma atividade comum entre o Executivo e o Ministério Público Federal", declarou o ministro.

A reunião entre Cardozo e Janot acontece menos de um mês após o ministro ter recebido advogados da construtora Odebrecht, citada no escândalo que envolve a Petrobras. Além disso, a expectativa é de que Janot envie nos próximos dias ao Supremo Tribunal Federal a lista de parlamentares que serão investigados na Operação Lava Jato. No início da semana, a previsão era de que os pedidos de abertura de inquérito ou oferta de denúncia chegassem até sexta-feira; agora, o governo começa a trabalhar com o prazo de segunda ou terça-feira, embora Janot viesse falando que pretendia concluir o trabalho da Procuradoria até o fim de fevereiro.

Janot se reúne com governo às vésperas de apresentar lista de políticos suspeitos

• Ministro da Justiça e vice-presidente têm encontros com procurador-geral da República, que deve apresentar denúncias e pedidos de abertura de inquéritos ao STF no início da semana que vem; todos negam que tenham tratado da Operação Lava Jato

Talita Fernandes, Andreza Matais e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Às vésperas de divulgar a lista de políticos implicados na Operação Lava Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, começou uma intensa rodada de conversas reservadas com alguns nomes da cúpula do governo. Na manhã desta quinta-feira, 26, Janot esteve no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente Michel Temer (PMDB). O procurador também recebeu em seu gabinete, por volta das 20h de quarta, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Segundo as assessorias das três autoridades, em nenhum dos encontros tocaram no assunto Lava Jato - hoje, a maior preocupação do mundo político.

Com Cardozo, o tema teria sido a garantia de sua própria segurança - o ministro teria ido avisá-lo sobre ameaças detectadas pelo setor de inteligência do governo. A Polícia Federal, porém, não tem nenhum relatório a respeito do tema. Com o vice-presidente, a discussão teria sido sobre orçamento da Procuradoria-Geral da República. Janot, no entanto, já havia tratado do assunto com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, na sexta passada.

Na versão oficial, Janot procurou Temer para pedir ajuda na liberação de dinheiro previsto no Orçamento para reajustar salários de servidores do Ministério Público, em greve desde o início do mês. Temer relatou a interlocutores que, ao receber Janot em sua casa, “morreu de curiosidade, mas não teve coragem de perguntar nada sobre Lava Jato”. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), dois dos principais dirigentes do PMDB, foram mencionados por delatores da Lava Jato. Os dois negam envolvimento com o esquema.
Cunha se reuniu com Temer após a reunião com o procurador. O deputado nega que o vice-presidente tenha relatado a ele o encontro com Janot.

Segurança. Segundo fontes da Procuradoria-Geral, no encontro realizado na noite de quarta, Cardozo foi ao gabinete de Janot para alertar que o departamento de Inteligência do Ministério da Justiça detectou que a segurança do procurador pode estar ameaçada. Ele sugeriu, por exemplo, que o chefe do Ministério Público deixe de voar em avião de carreira e reforce o efetivo de guarda-costas.
Entretanto, o único órgão de inteligência ligado ao Ministério da Justiça é a Polícia Federal, mas não foi elaborado nenhum relatório sobre ameaças à segurança de Janot - procedimento de praxe nesses casos. Tampouco o procurador solicitou, até a noite desta quinta, reforço à Polícia Federal.

A versão de Cardozo é diferente. Em entrevista coletiva, ao ser perguntado sobre sua reunião com o procurador, o ministro afirmou que foi pessoalmente até a Procuradoria-Geral discutir a criação de uma vice-procuradoria de combate à corrupção. O ministro disse ainda que a reunião já havia sido marcada há algum tempo para tratar de “medidas legislativas de combate à corrupção”.

“Estou preparando um conjunto de medidas por determinação da presidente da República acerca do enfrentamento da corrupção”, disse Cardozo.

O ministro da Justiça já responde à Comissão de Ética da Presidência da República sobre encontros que manteve com advogados de empreiteiras investigadas na Lava Jato. Assim como ocorreu com a reunião com Janot, o encontro com os advogados não foi divulgado na agenda oficial de Cardozo.

Parlamentares. Nos bastidores, a estimativa é de que pelo menos 40 parlamentares tenham sido citados nos depoimentos do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. Em dezembro, o Estado revelou uma lista com 28 nomes de parlamentares, governador e ex-ministros que foram citados por Costa. Entre eles estão deputados e senadores do PMDB, PP, PR e PT.

O governo e os órgãos do Judiciário trabalham com a chegada da lista entre terça e quarta-feira. No Supremo Tribunal Federal, as duas delações deram origem a 42 procedimentos, número que não coincide necessariamente com o número de parlamentares investigados, mas sim com os fatos que estão sendo apurados.

Além dos investigados na Corte, Janot vai enviar pedidos de abertura de inquérito, arquivamento ou oferta de denúncia para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde já estão procedimentos em que os governadores Tião Vianna (PT-AC) e Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ) são citados.

O ex-ministro Mário Negromonte também aparece entre os nomes citados que têm foro no STJ por ocupar cargo no Tribunal de Contas da Bahia. Há uma expectativa de que o relator do caso nesse tribunal, o ministro Luís Felipe Salomão, retire o sigilo das peças em todos os pontos em que isso não comprometa as investigações.

Decano do STF: 'omissão' de Dilma prejudica tribunal

• Celso de Mello critica presidente por não indicar ministro para a Corte, após empate que adiou julgamento

Carolina Brígido – O Globo

BRASÍLIA - Os sete meses de demora da presidente Dilma Rousseff para indicar o 11º integrante do Supremo Tribunal Federal (STF) provocaram ontem revolta entre os ministros da Corte. Na sessão plenária, um empate impediu que o tribunal concluísse o julgamento de um processo. Celso de Mello, o mais antigo do tribunal, protestou contra a presidente.

- Essa omissão, que já está se tornando irrazoável e até mesmo abusiva por parte da senhora presidente da República na indicação de um juiz para o Supremo Tribunal Federal, já está interferindo no resultado dos julgamentos. De novo, adia-se um julgamento. Nós estamos realmente experimentando essas dificuldades que vão se avolumando. É lamentável que isso esteja ocorrendo - disse o decano.

Marco Aurélio endossa
Marco Aurélio Mello, o segundo mais antigo, disse que o atraso na indicação é "nefasto", porque tem prejudicado as atividades do tribunal.

- Como é nefasto atrasar-se a indicação daquele que deve ocupar a 11ª cadeira no Supremo - reclamou Marco Aurélio.

O julgamento em questão era de uma ação que questiona a validade de uma lei de Minas Gerais que regulamenta a venda casada de títulos de capitalização. Quando o placar fechou em quatro votos a quatro, deu-se o impasse.

Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes não estavam presentes. Ainda que se aguarde os votos deles, há o risco de permanecer o empate, por conta do número par de integrantes da Corte.

Ultimamente, o Supremo tem tido dificuldade para realizar julgamentos, devido à falta de quórum. É necessária a presença de ao menos oito ministros para começar a discutir um processo sobre a constitucionalidade de uma lei. Com apenas dez ministros, se faltam três, o quórum já fica prejudicado. A assiduidade não tem sido um ponto forte de vários ministros, prejudicando até mesmo o início das sessões.

O desfalque na composição do tribunal tem sido motivo para adiar julgamentos importantes. Uma das causas que aguardam a nomeação do novo ministro é o das perdas sofridas pelos correntistas em planos econômicos nas décadas de 1980 e 1990. O presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, não vai pautar o assunto sem o novato, ainda com identidade desconhecida. Isso porque três ministros já se declararam impedidos de participar do julgamento. Portanto, não haveria quórum mínimo.

Vaga aberta desde julho
Outro assunto pendente é o direito a foro especial para agentes políticos em ações por improbidade administrativa. Nesse caso, não há problema de quórum, mas Lewandowski considera prudente só colocar o tema em julgamento com as cadeiras todas ocupadas, diante da polêmica.

A vaga do 11º ministro do Supremo está aberta desde que a aposentadoria de Joaquim Barbosa foi publicada em 31 de julho de 2014. Há um mês, Marco Aurélio reclamou ao GLOBO da demora da escolha.

- É incompreensível que uma cadeira no Supremo Tribunal Federal permaneça tanto tempo sem indicação. É o menosprezo constitucional. Se servir a carapuça em alguém, que entre - provocou.

PMDB e PT querem mais do governo para apoiar ajustes

• Até o ex-presidente Lula entrou no circuito, ontem, em encontro na casa do presidente do Senado com senadores peemedebistas. Nelson Barbosa somou esforços visitando Calheiros e Eduardo Cunha

Edla Lula – Brasil Econômico

O governo terá que apresentar um pacote mais robusto ao que vem sendo chamado de ajuste fiscal se quiser que o Congresso aprove as ações de economia já encaminhadas nas Medidas Provisórias 664 e 665, que mexem em regras trabalhistas e previdenciárias. A exigência é feita até mesmo pelos maiores partidos da base — PMDB e o próprio PT, da presidenta Dilma Rousseff. A urgência pela aprovação das medidas, que sinalizariam às agências de classificação de risco o esforço para a redução de gastos, coincide com o momento delicado na relação entre os dois principais partidos apoiadores do governo. Por isso, até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou no circuito, ontem, em encontro com senadores peemedebistas insatisfeitos com o tratamento dado pela presidenta.

Em café da manhã na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, Lula teve que repetir o gesto sinalizado antes pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e reconhecer que cabe ao vice-presidente da República Michel Temer espaço maior nas discussões da coordenação política. Depois de ouvir de Lula que "o PMDB precisa ter um papel de maior protagonismo" no governo, com Temer atuando de maneira semelhante ao vice José Alencar em sua gestão, Renan fez críticas às propostas de Dilma. Além de impopulares, as medidas são consideradas tímidas para o tamanho da necessidade de recomposição das contas públicas. "O ajuste é insuficiente. É pífio. Nós precisamos de um ajuste mais amplo, que corte no setor público e faça revisão de contratos", comentou o presidente do Senado, que defende a redução de cargos comissionados e até extinção de ministérios.

Renan voltou a falar da necessidade de um pacote com "começo, meio e fim, para que todos saibam que o ajuste não ficará apenas naquelas medidas contidas nas MPs, que transferem uma parte do problema para as parcelas mais pobres da população". O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), está entre os que defendem outras propostas para aumentar a arrecadação do governo, entre as quais, a taxação das grandes fortunas. O líder cobra do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que apresente um "plano estratégico para avançar na economia". Para convencer o Parlamento de que o ajuste vai além das MPs, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, esteve ontem, em momentos distintos, com os presidentes do Senado e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

"Não tem uma medida só. Nós temos adotado um conjunto de medidas que começaram no ano passado e continuaram com a revisão da meta fiscal. Depois disso, atuamos sobre os programas do BNDES", afirmou Barbosa, ao sair da rápida reunião com Renan. Ele citou ainda o corte em 33%dos gastos discricionários dos ministérios no início do ano, até que seja aprovado o Orçamento Geral da União. Barbosa afirmou ainda que o governo elevou apenas impostos que têm caráter regulatório e não criou novos. Citou ainda o decreto 8.407 que bloqueia e poderá até cancelar despesas inscritas nos restos a pagar, cujos projetos ainda não tenham sido executados. Segundo o ministro, as iniciativas expressam o compromisso do governo em cumprir da meta de superávit primário de 1,2%do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano.

"A meta foi estabelecida com essa preocupação de fazer uma elevação gradual do resultado primário e todas essas medidas têm sido bem distribuídas, algumas mais sobre empresas, outras sobre o aperfeiçoamento em programas sociais. Mas a maior parte delas em gastos discricionários da União", garante Barbosa. Sobre as MPs, o ministro voltou a dizer que o Executivo vai defender a manutenção do texto. As visitas que fez às duas casas tiveram o objetivo de esclarecer dúvidas sobre o teor das medidas. "A gente acha que o que mandou não tem nenhum excesso. Está na medida certa e necessária para corrigir as distorções e promover um aperfeiçoamento das políticas sociais, além de ajudar neste momento que nós temos também uma necessidade fiscal maior", acrescenta.

Lula pede apoio do PMDB para recuperar imagem do governo

• Ex-presidente encontra senadores aliados e do PT, ouve queixas contra Dilma, mas defende união para melhorar o cenário

Ricardo Brito, João Domingos e Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem uma ação rápida do governo Dilma Rousseff, com a ajuda do PMDB, para estancar a queda da popularidade. Em café da manhã promovido pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o petista se mostrou preocupado com a batalha negativa contra o governo, afirmou que ajudará Dilma a melhorar a relação com os aliados, em especial o PMDB, e a debelar a crise econômica.

Segundo participantes da conversa, Lula fez um diagnóstico de que o governo não tem conseguido reagir à altura dos desafios. O ex-presidente falou da importância do PMDB desde seu governo e disse que era preciso mudar a correlação de forças na coalizão governista, com maior participação do partido. Na opinião de Lula, a população vive um momento de desencanto com o governo e isso precisa ser resolvido logo - para tanto, o apoio dos aliados seria fundamental.

Os peemedebistas reclamaram de falta de protagonismo na coalizão governista. Eles criticaram o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) por tirar satisfação com Michel Temer após o vice, que também é presidente do PMDB, dizer que não poderia controlar a rebelião do partido estando fora do núcleo duro do governo. Lula defendeu a inclusão de Temer no restrito grupo e citou a participação de seu vice, José Alencar, nas decisões de sua gestão.

Queixume. O encontro de Lula com os peemedebistas teve participação de petistas como o senador Delcídio Amaral (MS), que na noite anterior estava em jantar do ex-presidente com a bancada do partido no Senado. Nos dois eventos, Lula ouviu queixas em relação ao governo - mais intensas por parte do PMDB que do PT, segundo Delcídio.

No jantar, na casa do senador Jorge Vianna (PT-AC), Lula criticou a estratégia de comunicação do governo sobre o ajuste fiscal. Para ele, faltou explicar à população qual o objetivo do "sacrifício" com as mudanças em benefícios trabalhistas e previdenciários. Os senadores petistas indicaram que nem todos estão dispostos a perder apoio em suas bases sociais para votar a favor das propostas de Dilma.

Lula também ouviu queixas sobre o estilo centralizador da sucessora e sobre a articulação política do Planalto. "Ali, só quem entende de política é o (ministro da Defesa) Jaques Wagner", disse o ex-presidente, segundo um participante do jantar. Lula animou a plateia ao lembrar que pode ser candidato em 2018. Dos 12 senadores petistas, só não estavam presentes Ângela Portela (RR), doente, e Marta Suplicy (SP), de saída do partido.

Câmara abre CPI sob protestos

- Zero Hora (RS)

Com reclamações de PSOL e PPS contra a participação de deputados que tiveram suas campanhas bancadas por empreiteiras investigadas no escândalo da Petrobras, a CPI que vai investigar irregularidades na estatal foi instalada ontem na Câmara.

Na primeira reunião, Hugo Motta (PMDB-PB) foi confirmado presidente. Ivan Valente (PSOL-SP) chegou a apresentar candidatura avulsa, mas acabou derrotado. O peemedebista venceu por 22 votos contra quatro.

A relatoria, considerada o principal cargo do colegiado porque dita o ritmo das investigações e confecciona o relatório final, foi entregue a Luiz Sérgio (PT-RJ). Integrantes de PT, PP e PMDB são apontados na Lava-Jato como beneficiários de esquema de desvio de recursos e pagamento de propina na estatal.

Aos 25 anos e em seu segundo mandato, Motta garantiu "imparcialidade" para os trabalhos, embora 60% de sua campanha tenha sido bancada por empreiteiras investigadas na Lava-Jato. O discurso foi reforçado pelo petista.

– Minha postura como relator não me cabe nem proteger nem perseguir ninguém. Tem de agir de maneira firme. Não posso nem pré-condenar nem pré-absolver ninguém – disse Luiz Sérgio.

Ivan Valente apresentou pedido de afastamento dos parlamentares que receberam doações das empresas. A proposta recebeu o apoio do líder do PPS, Rubens Bueno (PR), mas foi rejeitada.

Ao menos 12 dos 27 integrantes da CPI receberam R$ 3 milhões em transferências da Braskem, Engevix, Queiroz Galvão, Odebrecht, UTC, OAS, Andrade Gutierrez, Carioca Engenharia e Toyo Setal. As doações foram registradas legalmente na Justiça Eleitoral, e não há notícia de que estejam sob suspeita ou investigação, mas o PSOL argumentou que a participação desses parlamentares fere as regras da Casa.

O papel do chefe do MPF

O cargo

-O procurador-geral da República é o chefe do Ministério Público da União, que engloba o MPF e outras instituições.

-O MPF é composto, nos Estados, pelas Procuradorias da República (1º grau) e pelas Procuradorias Regionais da Repúbica (2º grau).

-O procurador-geral deve ser ouvido nas ações de competência do STF. Pode promover ações penais para denunciar autoridades como deputados federais e senadores.

O ocupante
-Indicado por Dilma, Rodrigo Janot assumiu o cargo em 2013. Ele era o preferido da categoria.
-Natural de Belo Horizonte, Janot tem 58 anos e é bacharel e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Entrou na carreira de procurador em 1984.

-Em 2003, após passar por várias funções, se tornou subprocurador¬geral, último degrau da carreira. Foi secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça em 1994.

Como funciona a investigação 

O que é 
-Uma comissão parlamentar de inquérito é um colegiado composto de 27 deputados titulares criado para investigar um fato de relevante interesse público.

Objetivo
-Investigar suspeitas de corrupção na Petrobras durante as gestões de Lula e Dilma. O PT quer incluir o período relativo ao governo FHC, uma vez que, em delação premiada, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco disse que havia pagamento de propina na estatal desde 1997.

Prazo
-120 dias para concluir seus trabalhos. O período pode ser estendido por mais 60, por decisão do plenário da Casa.

Competências
-Tem poderes de autoridades judiciais, como determinar diligências, requisitar documentos, quebrar sigilos e tomar depoimentos.

Presidente
-Hugo Motta (PMDB-PB), indicado por Eduardo Cunha e pela bancada peemedebista, a maior da Casa.

Relator
-Luiz Sérgio (PT-RJ), indicado pela bancada petista, a segunda maior.

Focos
-Serão apuradas suspeitas relacionadas à criação de subsidiárias e sociedades de propósito específico pela Petrobras com o fim de praticar atos ilícitos, irregularidades na operação da Sete Brasil e na venda de ativos da Petrobras na África e superfaturamento e gestão temerária na construção de refinarias, navios de transporte, navios-plataforma e navios-sonda.

Na Câmara, apuração de CPI da Petrobrás começa com discussão sobre doações

• PSOL tenta excluir da comissão membros apoiados na campanha por empresas alvo da Lava Jato, mas proposta é rechaçada

Daiene Cardoso e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A Câmara instalou nesta quinta-feira, 26, a CPI da Petrobrás com uma intensa defesa das doações de campanha recebidas por deputados que vão atuar na comissão de empresas investigadas pela Operação Lava Jato, investigação da Polícia Federal que apura irregularidades na estatal.

O debate começou após o PSOL apresentar pedido de substituição dos integrantes da CPI que receberam doações de empresas que são alvo da Lava Jato. Empreiteiras como OAS, Camargo Corrêa, Sanko, Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, UTC e Toyo Setal contribuíram com as campanhas de mais da metade dos 27 deputados da comissão, inclusive para o presidente, Hugo Motta (PMDB-PB), e para o relator, Luiz Sérgio (PT-RJ).

“Não há como negar que o fato de ter recebido financiamento de determinada pessoa jurídica para sua campanha eleitoral e consequente conquista do mandato eletivo é causa de impedimento para que o parlamentar delibere qualquer matéria que trate diretamente sobre tal empresa”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), ao defender a troca dos membros da CPI nessa situação.

Parlamentares de outros partidos se posicionaram contra o requerimento de Valente, e o pedido foi indeferido. “O fato de uma doação não significa que o parlamentar está aqui para cumprir missão”, afirmou André Moura (PSC-SE). “Ter recebido recursos legais não me coloca na condição de advogado delas”, afirmou Luiz Sérgio. “Acho que o objetivo de Valente é encerrar a CPI hoje”, disse Silvio Costa (PSC-PE).

O líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), repudiou o que considerou tentativa de “criminalizar o que não é crime”. “Todos os partidos receberam doações, talvez com exceção do PSOL. Dentro da lei não é fora da lei”, disse Júlio Delgado (PSB-MG).

Valente contestou os colegas e disse que reapresentará o pedido ao plenário da Câmara e, após a divulgação da lista de investigados e indiciados da Procuradoria-Geral da República, pedirá ao Supremo Tribunal Federal que impeça eventuais citados de integrarem a CPI.

Táticas. Na segunda-feira, os membros da comissão começam a apresentar requerimentos. O PT vai pedir que a CPI amplie as investigações ao governo Fernando Henrique Cardoso. O PSDB tem como prioridade requerer a criação de três sub-relatorias, a fim de descentralizar a função de Luiz Sérgio. Fora isso, os tucanos querem convocar o ex-ministro José Dirceu e os ex-presidentes da Petrobrás Graça Foster e José Sergio Gabrielli.

Instalada na Câmara, CPI já tem primeira polêmica

• Nove dos 27 membros ganharam doação de empreiteiras

Chico de Gois – O Globo

BRASÍLIA - A Câmara instalou ontem a CPI da Petrobras para investigar irregularidades no período entre 2005 e 2015 - governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff -, mas o PT mantém a intenção de estender o período de averiguação para a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na próxima semana, o partido deve apresentar um requerimento com esse objetivo.

O primeiro dia da comissão foi marcado por polêmica. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) levantou uma questão de ordem para, valendo-se do regimento interno da Câmara, questionar o fato de os partidos nomearem parlamentares que receberam recursos de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato. Para Valente, isso colocaria sob suspeita os trabalhos da CPI.

Um terço dos deputados indicados para integrar a CPI recebeu recursos de empreiteiras investigadas. Levantamento do GLOBO demonstra que 9 dos 27 indicados - o bloco do PMDB ainda tem de nomear outros três parlamentares - foram beneficiados por doações das empreiteiras. Os recursos foram para deputados tanto da base governista quanto da oposição.

O relator da CPI, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), foi quem mais recebeu. Foram R$ 962 mil de Queiroz Galvão, OAS, Toyo Setal e UTC. O presidente da comissão, Hugo Motta (PMDB-PB), recebeu R$ 240 mil da Andrade Gutierrez e R$ 200 mil da Odebrecht, de forma indireta - via diretórios estadual e nacional. A questão de ordem de Valente, no entanto, foi rejeitada.

O relator da CPI, Luiz Sérgio (PT-RJ), defendeu a extensão da investigação para os mandatos tucanos. Para ele, o fato de o ex-gerente Pedro Barusco ter dito, em delação premiada, que recebeu propina de construtoras nos anos 1990, na gestão FH, justifica a inclusão da administração tucana no foco.

- A dinâmica do dia a dia da CPI é que vai ditar isso. Agora, ocorreram declarações, como a do Barusco, que afirma que muito antes do governo Lula ele já cometia esses delitos. Como ele está no foco das investigações, seria bom que ele pudesse, como delator, explicar como se deu isso anteriormente ao governo atual - declarou.

Luiz Sérgio, como outros petistas, disse que o problema na Petrobras tem que ser visto sob a ótica do cartel internacional:

- Espero que possamos aprofundar esse debate. Não há nada mais cartelizado no mundo do que o petróleo. Nenhuma agência de risco conseguiu prever a queda do preço do barril.

Mujica teme golpe militar na Venezuela

• Nações Unidas condenam violência e Maduro rebate críticas internacionais

- O Globo

CARACAS e MONTEVIDÉU - Enquanto cresce a preocupação da comunidade internacional com o aumento da violência na Venezuela , graças à crise econômica e de abastecimento no país, o presidente uruguaio, José Mujica — que deixa o cargo neste domingo — mostrou-se ontem temeroso sobre uma possível tentativa de golpe de militares de esquerda. Segundo Mujic a, "há maneiras muito inteligentes de desestabilizar um governo ". —O problema é que podemos nos ver fr ente a um golpe de Estado de militares de esquerda, e com isso a defesa democrática vai para o caralho . (...) Há uma parte da oposição querendo que o governo abdique agora . Naturalmente, nenhum governo renuncia porque a oposição deseja, e isso está causando tensões — disse, em entrevista ao jornal local "El País".

— Não quero dizer que seja isso que acontece na Venezuela . Mas que existe uma crise de desabastecimento e inconformidade do povo , disso não tenho dúvidas . Mujica fez ainda distinções sobre a oposição no país: segundo ele, há os setores que se alinham com Henrique Capriles , que perdeu as eleições presidenciais para Nicolás Maduro, em 2013, e buscam uma saída institucional; e "aqueles que querem um golpe de Estado". — Capriles me parece ter uma posição muito mais cuidadosa em não gerar violência. A morte de Kluiver Roa, durante manifestação no estado de Táchira, na última terça-feira, despertou temores do aprofundamento da crise no país. Ontem, o secretário-geral da ONU , Ban Kimoon, afirmou estar preocupado com a violência . Seu porta- voz, Stephane Dujarric, disse que Ban "se preocupa com a perda de vidas no país ", mas apoia a tentativa da União das Nações Sul Americanas em "aju dar a Venezuela a garantir os direitos humanos de todos ".

Bala de borracha matou jovem
A Anistia Internacional também emitiu um comunicado alertando para uma intensificação da crise política. A organização teme que a violência se intensifique "se as autoridades não enviarem uma mensagem clara de que o uso da força não será tolerado". "O uso excessivo da for ça durante os protestos, as detenções do prefeito de Caracas, de um juiz e de um advogado, e os casos de ao menos quatro estudantes encontrados mortos em circunstâncias desconhecidas levam a pensar que a situação está se deteriorando rapidamente", diz, em comunicado. Maduro, por sua vez, rebateu as críticas de organizações e governos internacionais

—Deputados do Parlamento Europeu, que não conhecem a Venezuela, totalmente desinformados, que odeiam a América Latina, vêm meter seus narizes nos nossos assuntos internos. Ninguém deveria se meter nos assuntos venezuelanos. Temos uma democracia plena, à prova de tudo. Digo à direita internacional e espero que a mensagem chegue bem clara : ocupem-se dos assuntos de seus países. A perícia do Ministério Público mostrou que Roa foi morto pelo impacto de uma bala de borracha. 

Segundo o defensor público Tarek William Saab , esse tipo de armamento não deve ser usado em manifestações públicas, "tampouco no rosto , porque o resultado é fatal". A morte levou os manifestantes de volta às ruas, exigindo a revogação da norma que permite o uso de arma letal em protestos, aprovada mês passado pelo governo de Maduro.

A tropa obedece – Editorial / O Estado de S. Paulo

Após o ex-presidente Lula ter posto lenha na fogueira, pedindo que a companheirada não fugisse do embate com a oposição - mesmo que fosse preciso recorrer à briga -, a tropa petista obedeceu. O presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) no Rio de Janeiro, e atual prefeito de Maricá (RJ), Washington Quaquá, postou em sua página no Facebook um texto que exprime bem a autoridade de que o comandante Lula ainda goza perante a sua militância.

Em sua página na rede social, Quaquá escreveu: "Contra o fascismo a porrada! Não podemos engolir esses fascistas burguesinhos de merda! Tá na hora da militância e dos petistas responderam (sic) esses fdps que dão propina ao guarda, roubam e fazem caixa dois em suas empresas, sonegam impostos dão uma de falsos moralistas e querem achincalhar um partido e uma militância que melhorou (sic) a vida de milhões de Brasileiros. Vamos pagar com a mesma moeda: agrediu, devolvemos dando porrada!".

A mensagem não podia ser mais clara. Tudo o que o PT tem feito no poder - e que a cada dia vai ficando mais evidente, seja pelos efeitos daninhos na economia, seja pela dissolução da moral e dos bons costumes, de que as investigações da Polícia Federal em torno da Operação Lava Jato são apenas um exemplo -, tudo isso estaria justificado pelo argumento de que o "partido (...) melhorou a vida de milhões de brasileiros". E, dentro dessa estranha ética - que aos companheiros tudo desculpa, independentemente das suas ações e suas omissões -, se a atuação do PT no poder está assim justificada, quem se opõe a esse modo de cuidar da coisa pública é visto como "fascista" e "falso moralista".

Questionado sobre o teor violento da sua mensagem, Quaquá não titubeou: "Sou sociólogo e professor. Nasci na favela. Falo a linguagem do povo. Não estamos defendendo que o PT saia dando socos e porradas sem motivo, mas, se derem o primeiro soco, devemos responder com dois".

É lamentável que Quaquá atribua sua intemperança verbal ao fato de ter nascido numa favela. Muita gente lá nasceu e vive, sempre se comportando com honradez e civilidade. O presidente do PT do Rio revela assim um tremendo preconceito contra os moradores das comunidades carentes, que não adotam a violência como solução para os desafios da vida.

Para Quaquá, o motivo para a briga já existe - a ordem do chefe Lula mandando a tropa sair às ruas.

E a ida da militância às ruas já tem data: o próximo dia 13. Algumas centrais sindicais e movimentos sociais pretendem promover naquele dia 13 um ato na Avenida Paulista, com réplicas por todo o País.

Segundo o agitador-mor João Pedro Stédile, a pauta já está definida. Para o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), "temos que voltar às ruas no dia 13 de março para dizer que a Petrobrás é nossa e ninguém tasca". Stédile esquece, no entanto, que a Petrobrás não é "deles". A Petrobrás é do povo brasileiro, de todos os brasileiros. E agora, mais do que nunca, é hora de devolver a Petrobrás à sociedade brasileira, acabando com o seu uso político, extinguindo o aparelhamento petista e pondo fim à corrupção que encheu os bolsos de alguns, causando pesados prejuízos a muitos. Mas isso não parece tirar o sono de Stédile.

É evidente que o País vive momentos difíceis e atravessa uma séria crise política, econômica, social e também moral. Crise esta que é parte da herança maldita que o PT gerou ao longo dos seus anos no poder federal. Como também é evidente, essa crise não se resolverá pelo conflito ou pela violência, como irresponsavelmente propôs Lula aos seus comparsas no Rio de Janeiro, durante o ato em "defesa" da Petrobrás.

A lógica do conflito, que é sempre excludente, expõe uma visão distorcida da política e da vida social. Instigar o conflito social, como vem fazendo Lula e sendo cegamente obedecido por sua tropa, não acaba com a corrupção, não melhora o emprego, não torna o Estado mais eficiente, não contribui com a educação pública. É tática irresponsável de quem almeja governar sem o controle de instituições democráticas e sem o dever de prestar contas à Nação.

“Os bolivarianos daqui” - Instituto Teotônio Vilela

Se é preocupante a escalada autoritária que vem acontecendo na Venezuela, não é menos temerário o que as forças de apoio ao governo do PT ensaiam fazer aqui no Brasil. Os bolivarianos daqui estão prontos para deflagrar guerras. A truculência é a arma preferida de quem perdeu a razão.

A estridência do petismo e de seus satélites ditos “sociais” aumenta à medida que explode a dimensão da roubalheira e do desgoverno. Sobe de tom na mesma proporção em que o governo reeleito revela-se um engodo absoluto. E vai às raias da loucura quando percebe que a sociedade brasileira cada vez mais rejeita o modo PT de governar.

Mas o fator com maior capacidade de incendiar a ira dos carbonários petistas são as ameaças a seu líder-mor, Lula. Bastou surgir e crescer o temor de que as investigações sobre a roubalheira na Petrobras poderiam chegar até as barbas do ex-presidente que a turma se assanhou para valer. Agora querem briga a qualquer custo.

Não chega a ser nenhuma novidade a beligerância de agrupamentos como o “exército do Stédile”, a CUT ou a FUP, sempre prontos a deflagrar confrontos com quem consideram adversários do projeto de poder que integram. Afinal, o que lhes interessa é manter azeitados os canais que irrigam sua contabilidade e financiam sua existência.

Grave mesmo é quando um ex-presidente da República resolve fazer as vezes de chefe deste tipo de falanges. Este é o papel a que Luiz Inácio Lula da Silva tem se prestado desde que abandonou a reclusão em que se manteve durante meses, enquanto a crise consumia Dilma Rousseff. Por que será? O que tanto ele teme para vociferar desta maneira?

Contra a triste realidade que se revela a cada dia, envolvendo não apenas a estatal de petróleo, mas também o imenso aparato corrupto instalado pelos petistas no seio do Estado, não se ouve argumentos. Só a tática do desespero.

Sobre a destruição da Petrobras, nenhuma manifestação razoavelmente equilibrada. Tão somente manifestos de “intelectuais” (haja aspas) faixa branca sempre dispostos a defender o indefensável. Será que padecem da “falta de conhecimento” sobre a situação da empresa que a presidente Dilma Rousseff atribui às agências de crédito que rebaixaram a companhia?

Agora já se cogita até a venda das sagradas reservas do pré-sal, aquelas mesmas que o PT acusava a oposição de querer “entregar” para estrangeiros e capitalistas insaciáveis. Já se fala também em novo socorro do governo à empresa, com farto recurso público. O que os bolivarianos daqui têm a dizer a respeito?

Quando o mau exemplo vem de cima, os partidários da truculência se sentem autorizados a partir para a “porrada”, como defende gente do primeiro escalão do PT. Mas o Brasil que não concorda com isso, e que é o Brasil da maioria, responderá à baixaria lutando por mais cidadania, mais democracia, mais decência, paz e mais respeito ao país. Aos bolivarianos daqui restará a Venezuela como consolo, ou como destino.

Merval Pereira - Por um triz

- O Globo

O que era dito meio às escondidas nas reuniões da equipe econômica com os coordenadores políticos do governo, agora está escancarado nas reuniões com as diversas bancadas da suposta base aliada: se não aprovarem o pacote fiscal, fica mais próxima a perda do grau de investimento do Brasil.

A imagem do país no exterior já derreteu faz tempo, e a surrealista capa da revista inglesa "The Economist", com uma passista de escola de samba se debatendo num lodaçal, é o mais recente exemplo disso, depois de artigos os mais críticos possível da revista "Time", do "Financial Times", e por aí vai.

Não há mais quem acredite nas intenções do governo petista, e a credibilidade do país está suspensa por um fio tênue nas mãos do ministro da Fazenda Joaquim Levy. A grande pergunta dos investidores estrangeiros é até quando Levy aguentará a falta de apoio político do principal partido da base, o PT?

Se por um lado ele se tornou "indispensável", por outro a presidente Dilma se recusa a dar-lhe um aval público, mesmo porque ela não tem ascendência sobre a base petista. Essa seria uma tarefa de Lula, mas mesmo ele, fora da Presidência e claramente desgastado com a sua criatura, pode muito, mas não pode tudo.

Se Levy saísse antes de completar o serviço, por impossibilidades políticas, seria uma tragédia para o governo. Mas mesmo assim ele não tem cacife político para impor sua visão, e joga com a possibilidade cada vez mais real de o país perder o grau de investimento para tirar do PT compromissos com a austeridade fiscal.

Quem assumiu sua tese foi o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que explicitou os perigos que espreitam o país caso não se dê uma demonstração de boa vontade com as regras do equilíbrio fiscal. Mas a posição do PMDB depende de que o PT também abrace o projeto do governo. Cunha não pretende assumir sozinho esse ônus, impopular como qualquer pacote de austeridade, os gregos que o digam.

Mas, logo em seguida, Cunha regrediu aos tempos em que os gastos eram incontroláveis, aumentando a remuneração dos senhores deputados, e até mesmo pagando passagens aéreas para os cônjuges, o que soa como escárnio não apenas para a opinião pública, mas para os credores internacionais.

O Brasil está na situação de uma empresa que precisa renegociar suas dívidas, e seus proprietários têm que dar demonstrações de austeridade que garantam a seriedade com que encaram a situação difícil. A nova equipe econômica conseguiu economizar R$ 10,4 bilhões em janeiro, que é o pior resultado para o primeiro mês do ano desde 2009, mas é um feito e tanto se pensarmos que fechamos em dezembro o ano de 2014 com um déficit primário de R$ 17,2 bilhões.

Mas o resultado, ainda insuficiente, foi alcançado à custa de um corte de mais de 30% de investimentos. A austeridade tem que ser de gastos, principalmente, mas também de comportamento. Um governo que recebe o rebaixamento do grau de investimento da sua principal empresa, a Petrobras, e, em vez de assumir sua parte da culpa, limita-se a dizer que a agência de risco tomou a decisão por não ter conhecimento de como a empresa funciona, definitivamente não pode ser levado a sério.

Um governo que lida com as acusações de corrupção contra si tentando constranger investigadores, juízes e membros do Ministério Público e organiza no Congresso uma manobra para que a CPI da Petrobras não dê em nada mais uma vez quer uma solução à sua moda, e não se preocupa com os investidores, nacionais ou estrangeiros.

Um governo que quer que a Petrobras recupere sua credibilidade, mas ao mesmo tempo escolhe um presidente dentre os seus quadros mais confiáveis não do ponto de vista técnico, mas político, e também determina qual deve ser o nível de prejuízo a aparecer no balanço atrasado da companhia, não quer ser levado a sério.

Fernando Gabeira - Os saqueadores da lógica

- O Estado de S. Paulo

Se o PT pusesse fogo em Brasília e alguém protestasse, a resposta viria rápida: onde você estava quando Nero incendiou Roma? Por que não protestou? Hipocrisia.

Com toda a paciência do mundo, você escreve que ainda não era nascido, e pode até defender uma ou outra tese sobre a importância histórica de Roma, manifestar simpatia pelos cristãos tornados bodes expiatórios. Mas é inútil.

Você está fazendo, exatamente, o que o governo espera. Ele joga migalhas de nonsense no ar para que todos se distraiam tentando catá-las e integrá-las num campo inteligível.

Vi muitas pessoas rindo da frase de Dilma que definiu a causa do escândalo da Petrobrás: a omissão do PSDB nos anos 1990. Nem o riso nem a indignação parecem ter a mínima importância para o governo.

Depois de trucidar os valores do movimento democrático que os elegeu, os detentores do poder avançaram sobre a língua e arrematam mandando a lógica elementar para o espaço. A tática se estende para o próprio campo de apoio. Protestar contra o dinheiro de Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, no carnaval carioca é hipocrisia: afinal, as escolas de samba sempre foram financiadas pela contravenção.

O intelectual da Guiné Juan Tomás Ávila Laurel escreveu uma carta aos cariocas dizendo que Obiang gastou no ensino médio e superior de seu país, em dez anos, menos o que investiu na apologia da Beija-Flor. E conclui alertando os cariocas para a demência que foi o desfile do carnaval de 2015.

O próprio Ávila afirma que não há números confiáveis na execução do orçamento da Guiné Equatorial. Obiang não deixa espaço para esse tipo de comparação. Tanto ele como Dilma, cada qual na sua esfera, constroem uma versão blindada às análises, comparações numéricas e ao próprio bom senso.

O mundo é um espaço de alegorias, truques e efeitos especiais. Nicolás Maduro e Cristina Kirchner também constroem um universo próprio, impermeável. Se for questionado sobre uma determinada estratégia, Maduro poderá dizer: um passarinho me contou. Cristina se afoga em 140 batidas do Twitter: um dia fala uma coisa, outro dia se desmente.

Numa intensidade menor do que na Guiné Equatorial, em nossa América as cabeças estão caindo. Um promotor morre, misteriosamente em Buenos Aires, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, só e indefeso, é arrastado por um pelotão da polícia política bolivariana.

Claro, é preciso denunciar, protestar, como fazem agora os argentinos e os venezuelanos. Mas a tarefa de escrever artigos, de argumentar racionalmente, parece-me, no Brasil de hoje, tão antiga como o ensino do latim ou o canto orfeônico.

Alguma evidência, no entanto, pode e deve sair da narrativa dos próprios bandoleiros. Quase tudo o que sabemos, apesar do excelente trabalho da Polícia Federal, veio das delações premiadas.
Alguns dos autores da trama estão dentro da cadeia. Não escrevem artigos, apenas mandam bilhetes indicando que podem falar o que sabem.

Ao mesmo tempo que rompe com a lógica elementar, o governo prepara sua defesa, organiza suas linhas e busca no fundo do colete um novo juiz do Supremo para aliviar sua carga punitiva. O relator Teori Zavascki, na prática, foi bastante compreensivo, liberando Renato Duque, o único que tinha vínculo direto com o PT.

Todas essas manobras e contramanobras ficarão marcadas na história moderna do Brasil. Essa talvez seja a razão principal para continuar escrevendo.

Dilmas, Obiangs, Maduros e Kirchners podem delirar no seu mundo fantástico. Mas vai chegar para eles o dia do vamos ver, do acabou a brincadeira, a Quarta-Feira de Cinzas do delírio autoritário.

Nesse dia as pessoas, creio, terão alguma complacência conosco que passamos todo esse tempo dizendo que dois e dois são quatro. Constrangidos com a obviedade do nosso discurso, seguimos o nosso caminho lembrando que a opressão da Guiné Equatorial é a história escondida no Sambódromo, que o esquema de corrupção na Petrobrás se tornou sistemático e vertical no governo petista.

Dilma voltou mais magra e diz que seu segredo foi fechar a boca. Talvez fosse melhor levar a tática para o campo político. Melhor do que dizer bobagens, cometer atos falhos.

O último foi confessar que nunca deixou de esconder seus projetos para ampliar o Imposto de Renda. Na Dinamarca (COP 15), foi um pouco mais longe, afirmando que o meio ambiente é um grande obstáculo ao desenvolvimento.

O País oficial parece enlouquecer calmamente. É um pouco redundante lembrar todas as roubalheiras do governo. Além de terem roubado também o espaço usual de argumentação, você tem de criticar politicamente alguém que não é político, lembrar o papel de estadista a uma simples marionete de um partido e de um esquema de marketing.

O governo decidiu fugir para a frente. Olho em torno e vejo muitas pessoas que o apoiam assim mesmo. Chegam a admitir a roubalheira, mas preferem um governo de esquerda. A direita, argumentam, é roubalheira, mas com retrocesso social. Alguns dos que pensam assim são intelectuais. Nem vou discutir a tese, apenas registrar sua grande dose de conformismo e resignação.

Essa resignação vai tornando o País estranho e inquietante, muito diferente dos sonhos de redemocratização. O rei do carnaval carioca é um ditador da Guiné e temos de achar natural porque os bicheiros financiam algumas escolas de samba.
A tática de definir como hipocrisia uma expectativa sincera sobre as possibilidades do Brasil é uma forma de queimar esperanças. Algo como uma introjeção do preconceito colonial que nos condena a um papel secundário.

Não compartilho a euforia de Darcy Ribeiro com uma exuberante civilização tropical. Entre ela e o atual colapso dos valores que o PT nos propõe, certamente, existe um caminho a percorrer.

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Fernando Gabeira é jornalista