domingo, 30 de agosto de 2015

Opinião do dia – Sérgio Moro

Às vezes, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas de crimes são os próprios criminosos. Uma das regras é que tudo o que o colaborador disser, precisa encontrar prova de colaboração. (...) É traição? É traição, mas é uma traição entre criminosos. Não se está traindo a Inconfidência Mineira, não se está traindo a Resistência Francesa.

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Sérgio Moro, juiz federal, que conduz a maior parte dos processos da Operação Lava-Jato, durante palestra na subseção Jabaquara da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na Zona Sul de São Paulo, 29 de agosto de 2015.

Em meio a críticas, Dilma recua de plano de recriar CPMF

• Mudança ocorre após notícia "vazar" e presidente ficar sem apoio para levar adiante a proposta

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

Pressionada por políticos, empresários e com o governo dividido, a presidente Dilma Rousseff desistiu do plano de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O governo não incluirá a CPMF na proposta orçamentária a ser enviada nesta segunda-feira ao Congresso e, se necessário, deixará explícito o déficit nas contas públicas.

O recuo ocorreu porque a notícia de volta da CPMF “vazou” e a presidente não teve apoio para levar adiante o processo, em meio à crise política. Um ministro disse ao Estado que houve muita insatisfação com a forma com que o assunto foi tratado porque, ao propor o retorno da CPMF, o foco fiscal não era o objetivo principal do Palácio do Planalto.

“Essa questão da CPMF era de financiamento da saúde, assim como estamos tratando o assunto da Previdência”, afirmou um auxiliar direto de Dilma. “Mas, agora, o momento não é apropriado para essa discussão”.

Sem a nova CPMF, a meta de superávit primário de 2016, de 0,7% do PIB, terá de ser reduzida novamente e é possível que haja corte de programas sociais. Para fechar o Orçamento do próximo ano, o governo tem de cobrir um rombo de aproximadamente R$ 80 bilhões. Pelos cálculos da equipe econômica, a cobrança do “imposto do cheque”, como ficou conhecida a CPMF, daria uma arrecadação líquida de R$ 68 bilhões para o governo federal, já descontando o repasse para Estados e municípios.
Mesmo assim, ministros diziam neste sábado, em conversas reservadas, que o foco da proposta não era orçamentário, mas sim “estrutural” porque o Sistema Único de Saúde (SUS) está à beira da falência.

Dilma se reuniu à tarde com os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil), no Palácio da Alvorada. À noite, todos se juntaram com o titular da Fazenda, Joaquim Levy, que estava no 7º Congresso Internacional de Mercados Financeiros e de Capitais, organizado pela BM&FBovespa, em Campos do Jordão (SP).

A ideia em estudo pelo governo era de ressuscitar a CPMF com uma alíquota de 0,38%, a mesma de 2007, quando o tributo, conhecido como “imposto do cheque” foi derrubado no Senado, ainda no governo Lula. A arrecadação seria repartida entre União, Estados e municípios.

Desde que a notícia sobre a volta da CPMF vazou, porém, Dilma começou a ser muito cobrada. A estratégia do governo era negociar a proposta no Congresso antes de enviar o projeto do Orçamento, mas o plano teve de ser abortado diante da forte reação negativa.

Sob ameaça de impeachment, com a popularidade no “volume morto”, recessão e “pibinho”, Dilma foi alertada pelo vice Michel Temer (PMDB) que um aumento de impostos, neste momento, não passaria nem pela Câmara nem pelo Senado. Além disso, Temer se recusou a ajudar na articulação política da proposta no Congresso.

Nos bastidores, o núcleo político do governo definia a operação como um “desastre”. “A presidente sempre resistiu em encaminhar essa proposta. Não seria uma boa medida, seria muito desgastante para o governo porque, além de tudo, sofreríamos outra derrota”, afirmou um ministro ao Estado.

No PT, porém, o retorno da CPMF contava com respaldo do ex-presidente Lula, do presidente do partido, Rui Falcão, e do ministro da Saúde, Arthur Chioro, entre outros. / Colaborou Lorenna Rodrigues

Três dias depois, Dilma desiste de recriar a CPMF

• Reação negativa motivou recuo; entre as medidas para equilibrar contas, governo cogita prever déficit primário

Dilma recua e abandona ideia de ressuscitar CPMF

• Presidente desiste de imposto após críticas de políticos aliados e empresários

• Governo agora corre contra o tempo para encontrar alternativa e fechar orçamento até esta segunda-feira

Valdo Cruz, Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff desistiu neste sábado (29) de propor a criação de um imposto sobre transações financeiras nos moldes da antiga CPMF, três dias depois de o governo apresentar a ideia como essencial para cobrir um rombo de R$ 80 bilhões no orçamento do próximo ano.

Assessores presidenciais disseram à Folha que a proposta era considerada boa, mas o governo não soube negociá-la com antecedência para garantir sua aprovação pelo Congresso ainda neste ano.

Foi determinante para o recuo da presidente a reunião que ela teve na noite de sexta-feira (28) com governadores do Nordeste. No encontro, ela sentiu que o clima era muito adverso para recriar o imposto do cheque e poderia agravar a atual crise política.

Antes disso, a proposta já havia sido criticada por empresários, que a consideraram inoportuna diante do aprofundamento da recessão econômica, pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e até pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), que avisou à presidente que não iria trabalhar pela aprovação do imposto.

Lançada no meio da semana sem anúncio oficial e sem consenso no próprio governo, a proposta sai de cena também sem uma manifestação do Palácio do Planalto.

O governo estuda agora alternativas para fechar sua proposta de orçamento para 2016, que precisa apresentar ao Congresso até esta segunda (31). Entre elas, buscar novos aumentos de receitas ou cortes de despesas, o que é considerado difícil na atual conjuntura, diante do recuo da arrecadação de impostos.

Outra ideia é reduzir a meta de superávit primário do próximo ano, fixada pelo governo em 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto), ou até mesmo enviar ao Congresso uma proposta de orçamento com previsão de déficit primário.

Ou seja, o governo deixaria explícito que não teria como economizar o suficiente para pagar os juros da dívida pública e seria obrigado a se endividar ainda mais para bancar suas despesas em 2016.

A decisão final sobre a proposta orçamentária estava prevista para uma reunião no sábado à noite da presidente com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), no Palácio da Alvorada.

À tarde, Dilma esteve com Mercadante e Barbosa. Nesta reunião, a avaliação foi que a reação à nova CPMF foi muito forte e inviabilizou sua aprovação neste ano a tempo de ser usada para financiar o Orçamento da União de 2016.

Levy não teve condições de participar desta primeira reunião, porque na mesma hora estava num seminário em Campos dos Jordão (SP). A presidente preferiu então deixar a decisão para a noite, aguardando a chegada do ministro da Fazenda a Brasília.

Para assessores da Fazenda, a apresentação de uma proposta de orçamento com déficit primário pode aumentar desconfianças dos investidores e provocar turbulências na economia brasileira.

Outros assessores presidenciais, porém, dizem que esta talvez seja a melhor saída, deixando claro para todos que o governo enfrenta dificuldades e pretende assumi-las de forma transparente.

Desarticulação
Num reflexo da desarticulação do governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até o ministro Joaquim Levy defenderam a recriação do imposto neste sábado, no momento em que o governo já discutia abandonar a ideia.

"A gente precisa chegar a um equilíbrio", disse Levy em Campos Jordão. "É uma escolha que precisamos fazer." Em São Bernardo do Campo, Lula afirmou que a CPMF, extinta durante seu governo, "não deveria ter sido tirada".

Oficialmente, o governo planeja dizer que não desistiu completamente da ideia, e que, numa discussão de médio e longo prazo, ela pode ser debatida como forma de financiar os gastos da saúde.

Colaboraram Daniela Lima, de São Paulo, e David Friedlander, enviado a Campos do Jordão (SP)

Governo desiste de CPMF agora

• Presidente decide, após reunião com ministros, debater com sociedade modelo de financiamento para Saúde

Martha Beck - O Globo

Diante da reação de Congresso e empresários, a presidente Dilma desistiu de propor a recriação da CPMF. Após reunir-se com ministros, ela decidiu discutir o financiamento da saúde com a sociedade. A presidente Dilma Rousseff desistiu de propor ao Congresso a recriação da CPMF neste momento. Após se reunir ontem com ministros, a presidente avaliou que é melhor discutir a questão do financiamento da Saúde com calma e promover um debate com toda a sociedade — nos moldes do que será feito com a Previdência Social. A recriação da CPMF era duramente criticada por parlamentares e empresários.

A recriação da CPMF, defendida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, poderia arrecadar até R$ 80 bilhões por ano, segundo estimativas do governo. O dinheiro seria usado para resolver problemas no Orçamento do governo para 2016.

Os ministros da chamada Junta Orçamentária (Fazenda, Planejamento e Casa Civil) estão debruçados desde ontem sobre a proposta de Orçamento que será entregue ao Congresso amanhã. Sem esses recursos, já existe até a possibilidade de que a proposta seja encaminhada prevendo um déficit nas contas públicas no ano que vem.

— A presidente avalia que esse deve ser um debate de médio e longo prazo. Não está mais em discussão o encaminhamento disso (CPMF) neste momento. O governo decidiu que vai encaminhar uma proposta para o financiamento da Saúde com mais calma — disse um integrante da equipe econômica.

Está marcada para hoje uma nova reunião da presidente com os ministros. Nela, será batido o martelo sobre o formato final do Orçamento. Dilma já havia indicado, em jantar com governadores do Nordeste na sexta-feira, ter dúvidas sobre a viabilidade da volta do imposto do cheque, e pediu sugestões de financiamento para a Saúde.

Técnicos do governo afirmam que o Orçamento de 2016 fica inviabilizado sem novo imposto, e o que será enviado ao Congresso será uma peça de ficção. Integrantes da equipe econômica afirmaram que o rombo estimado nas contas de 2016 é de R$ 130 bilhões. Para cobrir essa diferença, foram feitos cortes de R$ 50 bilhões nas despesas. Do lado das receitas, trabalhou-se com uma arrecadação de R$ 60 bilhões com a CPMF (depois de todos os repasses para estados e municípios). O restante da conta seria fechado com a venda de ativos e a reversão de outros incentivos tributários.

— Sem a CPMF, a conta não fecha — disse um integrante da equipe econômica.

Mesmo com as críticas até do vice-presidente Michel Temer à proposta, a equipe econômica insistia na recriação da CPMF. Pela manhã, antes da decisão da presidente, o ministro Joaquim Levy e o ex-presidente Lula haviam defendido o imposto para que se chegue a esse equilíbrio fiscal.

Levy defendeu proposta
Como exemplo, Levy citou a profunda crise econômica na Grécia, que por muito tempo resistiu a aumentar impostos, mas que teve de ceder e adotar um pacote não só de austeridade, mas também de elevação dos tributos.

— Temos que ver como enfrentar a realidade fiscal e ainda criar as bases para o crescimento. A gente tem que melhorar os serviços. A CPMF, por exemplo, se pudesse ser uma fonte estável para a Saúde por alguns anos, poderia ser algo bom. São alternativas que a gente tem que pensar — disse Levy.

Lula afirmou que a CPMF nunca deveria ter sido extinta. A declaração foi feita durante seminário realizado pela prefeitura de São Bernardo no Campo (SP) , que contou com a presença do ministro da Saúde, Arthur Chioro, e do ex-presidente Pepe Mujica, do Uruguai.

— Não sei se você pediu a volta do CPMF, mas a verdade é que a CPMF não devia ter sido tirada — disse Lula, orientando Chioro a conversar com os governadores e prefeitos que se queixaram da divisão do bolo dos recursos da CPMF.

Dilma esperava contar com apoio aberto dos governadores para o novo tributo, mas mesmo os principais governadores petistas evitaram defendê- lo abertamente. Ontem, pouco antes de desistir do novo tributo, ela recebeu no Palácio da Alvorada o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT). Governadores do Nordeste que participaram do jantar com Dilma na sexta-feira disseram que ela não fez uma defesa entusiasmada do assunto, mas estimulou o debate, ao perguntar quais alternativas os governadores sugeriam. Uns propuseram o aumento do seguro Dpvat, do trânsito; outros, do Imposto de Renda para as camadas mais altas.

O governador do Piauí, Wellington Dias (PT) , afirmou em nota que esse não é o melhor momento para recriar o imposto: “Considero o momento de retração econômica delicado para tratar da criação de novo imposto”. (Colaboraram Fernanda Krakovics, Catarina Alencastro, Tatiana Farah, Ana Paula Ribeiro e Júnia Gama)

Empresas-fantasmas movimentaram R$ 2,6 bi

• Dinheiro circulou por 55 escritórios de fachada dos 84 já identificados

• Pessoas que enfrentam dificuldades financeiras são atraídas para atuar como laranjas

Pelo menos 84 empresas de fachada, usadas para desviar dinheiro de contratos de obras públicas, foram identificadas na Operação Lava-Jato, revela CLEIDE CARVALHO. Destas, 55 movimentaram R$ 2,6 bilhões entre 2009 e o início deste mês. As demais seguem sendo investigadas, ainda sem identificação dos valores envolvidos. As empresas são registradas em endereços residenciais ou em “escritórios virtuais”, que servem apenas para receber correspondência. PÁGINA 3

O ‘laranjal’ da Lava-Jato

• De 84 empresas de fachada identificadas pela PF, 55  movimentaram R$ 2,6 bi

Cleide Carvalho - O Globo

SÃO PAULO - Depois de ver seu barraco condenado num deslizamento de terra no Jaçanã, na Zona Norte de São Paulo, em 2011, Andrea dos Anjos Bastião aceitou se tornar “sócia” da Rigidez, construtora de fachada que serviu para desviar R$ 48 milhões de obras públicas por meio de falsos contratos de prestação de serviços com as maiores empreiteiras do país. Pelo negócio, Andrea, que não foi localizada pelo GLOBO, virou laranja da empresa e recebeu cerca de R$ 1 mil por mês até o início de 2014. Com a deflagração da LavaJato, os depósitos cessaram. A casa de Andrea, hoje de alvenaria, com três pavimentos, interfone e grades altas, ficou inacabada.

Dentro da operação que investiga as fraudes na Petrobras, a Rigidez aparece como uma das 84 empresas de fachada ou “noteiras” — como são conhecidas as que apenas abastecem com notas fiscais o pagamento de propinas — que irrigaram partidos políticos, agentes públicos e intermediários de repasses no esquema de desvios de recursos. Dessas, 55 movimentaram R$ 2,6 bilhões entre 2009 e o início deste mês, segundo levantamento feito pelo GLOBO em ações judiciais ou inquéritos tornados públicos pela Justiça Federal do Paraná. As demais empresas seguem na condição de investigadas, sem identificação de valores movimentados. Não estão incluídos no levantamento os inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal, que estão sob sigilo e envolvem políticos no exercício de mandatos.

Para se ter uma ideia, esse valor seria suficiente para construir 65 mil casas do programa Minha Casa Minha Vida, a um custo médio de R$ 40 mil. Apenas as duas empreiteiras cujas cúpulas foram condenadas em primeira instância, OAS e Camargo Corrêa, pagaram R$ 91,5 milhões a quatro empresas de fachada — e elas não param de se multiplicar nas investigações da Polícia Federal.

O esquema que, segundo o Ministério Público Federal, irrigou três dos principais partidos políticos do país — PT, PMDB e PP — passa por homens apresentados como consultores de sucesso, falsas empresas de engenharia e escritórios de contabilidade habituados a recrutar pessoas em dificuldades financeiras, em geral pobres, para assumir a posição de “laranjas”. Em troca de ajuda, elas aceitam figurar como “sócias” em firmas de fachada, usadas para movimentar milhões de reais.

Ricos e pobres no mesmo golpe
Ao lado de empresários como Milton Pascowitch, dono da Jamp, que movimentou pelo menos R$ 45 milhões e fez depósitos para o ex-ministro José Dirceu, estão pessoas que não têm noção dos milhões negociados.

É o caso do aposentado Eufrânio Alves, morador do bairro Casa Verde, também na Zona Norte da capital paulista. Em 2012, com problemas de saúde e recém-recuperado de uma cirurgia no fêmur, Alves se viu envolvido no esquema da empreiteira Delta, na Operação Monte Carlo da Polícia Federal. Na época, a empresa dele havia sido flagrada por ter recebido R$ 950 mil.

O tempo passou, e o foco das investigações hoje é outro, mas Alves continua servindo de laranja, agora na Operação Lava-Jato. A RCI Software, sua empresa, reapareceu com movimentações acumuladas de R$ 16,8 milhões desde 2009.

O aposentado, que até hoje se diz surpreso com a irregularidade, afirma que apenas aceitou o pedido de um amigo para se tornar sócio da empresa. Alega não ter recebido um tostão.
— Nunca mais ele apareceu aqui em casa — reclama Alves.

O amigo em questão é Waldomiro de Oliveira, com diversas passagens pela polícia por estelionato, segundo relatório da Polícia Federal. Na Lava-Jato, foi condenado a 11 anos e seis meses de prisão por lavagem de dinheiro e participação em quadrilha, ao lado do doleiro Alberto Youssef.

— Se eu sonhasse que estava sendo feito algo ilícito, jamais teria feito. Com essa idade, não ia fazer uma coisa dessas — disse Oliveira ao depor à Justiça Federal do Paraná.

A rede de firmas de fachada não está restrita a laranjas. O negócio é tão rentável que muitos dos intermediários eram conhecidos como empresários de sucesso, como o operador Júlio Camargo, que criou três empresas — Auguri, Treviso e Piemonte — para repassar propina no esquema que envolve a área Internacional da Petrobras. Juntas, elas remeteram para o exterior mais de R$ 50 milhões. Camargo é hoje um dos delatores do esquema.

As empresas de fachada servem para dar ares de legalidade ao desvio de recursos públicos. Em geral, contratos, notas fiscais, depósitos e transferências bancárias são absolutamente legais, a não ser pelo fato de as empresas não terem sequer funcionários e não terem prestado serviço algum. A receita é a mesma para vários grupos criminosos investigados pela Polícia Federal. Numa única ação contra a doleira Nelma Kodama, que atuava no ABC paulista e foi condenada na Lava-Jato, foram identificadas cinco empresas desse tipo, que movimentaram R$ 18,126 milhões.

Adir Assad, operador que se tornou conhecido na investigação da empreiteira Delta, é suspeito de controlar pelo menos seis empresas de fachada, ainda alvos de investigações. Recentemente, a PF descobriu que essas empresas também receberam dinheiro de cinco pequenas centrais hidrelétricas localizadas no Mato Grosso.

Uma das locadoras usadas pelo grupo de Assad foi a JSM Engenharia e Terraplanagem. A sede dela é um casarão antigo, uma espécie de “escritório virtual” em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo. Na porta, uma placa da Lokal Assessoria anuncia venda e aluguel de imóveis. Na recepção, só uma mesinha velha com telefone. A recepcionista afirma que a JSM foi, sim, cliente, até 2013, e fornece o telefone do contador.

O responsável pelo escritório, que não quis ser identificado, afirma que atualmente o endereço serve a cerca de dez empresas. E se defende: não tem nada de ilegal nisso.

— Nenhum empresário precisa ficar esperando alguém aparecer. Ele pode trabalhar no Brasil todo — justifica.

No mesmo município ficava outra empresa do grupo, a SM Terraplanagem, que usou o endereço de uma casa alugada a uma técnica de enfermagem. Na conta da SM, que não tem uma máquina sequer para alugar, foram descobertos depósitos de cerca de R$ 199 milhões.

Janot arquiva ação eleitoral contra Dilma e critica ‘os derrotados’ na eleição

Janot arquiva ação eleitoral contra Dilma e alfineta oposição

• ‘Não interessa à sociedade que controvérsias sobre a eleição se perpetuem’

Renata Mariz - O Globo

BRASÍLIA O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que foi reconduzido esta semana ao cargo após ser indicado pela presidente Dilma, alfinetou a oposição em um parecer do dia 13 de agosto, ao arquivar um pedido de investigação sobre supostas irregularidades na prestação de contas da campanha de 2014 da presidente. No parecer, Janot diz: “Não interessa à sociedade que as controvérsias sobre a eleição se perpetuem: os eleitos devem poder usufruir das prerrogativas de seus cargos e do ônus que lhes sobrevêm; os derrotados devem conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito”.

As investigações tinham sido solicitadas em maio por Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral. No último dia 21, Gilmar voltou a pedir que a PGR e a Polícia Federal investiguem suposta prática de atos ilícitos na campanha de reeleição de Dilma.

O pedido feito em maio último por Gilmar baseava-se em notícias publicadas pela imprensa envolvendo a contratação da gráfica VTPB Serviços Gráficos e Mídia Exterior. Segundo as informações, a empresa, que recebeu R$ 16 milhões da campanha de Dilma, não tinha estrutura para imprimir o material declarado, funcionava em endereço diferente do informado e teria entregado toda a encomenda em só um local, em Porto Alegre.

Janot defendeu que, além do prazo para questionamentos desse tipo ter acabado, a prestação de contas da campanha de Dilma já foi aprovada. Dessa forma, segundo Janot, a suposta denúncia “não se mostra hábil a autorizar qualquer providência de natureza cível eleitoral”.

Mesma conclusão tem Janot ao discorrer sobre a prática de eventual crime eleitoral a partir das informações repassadas no pedido de Gilmar. “Os fatos narrados não trazem sequer indícios de que os serviços gráficos não tenham sido prestados, nem apontam majoração artificiosa de seus preços”.

Em outro trecho do parecer, Janot elogia o zelo de Gilmar Mendes ao encaminhar reportagens publicadas na imprensa para a Procuradoria, mas ressalta a “inconveniência de serem, Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral, protagonistas — exagerados — do espetáculo da democracia, para os quais a Constituição trouxe, como atores principais, os candidatos e os eleitores”.
No último dia 21, Gilmar pediu que a PGR e a PF investiguem a campanha de Dilma. O ministro usou informações da Lava-Jato para questionar o possível uso de dinheiro do esquema de corrupção da Petrobras na campanha. Como empresa de capital misto, a Petrobras é proibida de financiar campanhas eleitorais.

Gilmar foi o relator das contas de campanha de Dilma no TSE, em dezembro de 2014. Ele aprovou as contas com ressalvas, sendo seguido pelos demais ministros. No despacho em que pediu abertura de investigação à PGR e à PF, Mendes justificou o voto pela aprovação alegando que apenas em 2015 houve aprofundamento das investigações do suposto esquema de corrupção na Petrobras.

Semana passada, Gilmar pediu ao MP de São Paulo para investigar indícios de irregularidades no pagamento de R$ 1,6 milhão da campanha de 2014 de Dilma a uma empresa de fachada. A empresa está no nome de Ângela do Nascimento, doméstica que mora de aluguel na periferia de Sorocaba, interior de São Paulo. Ao GLOBO, Ângela disse que a patroa, Juliana Cecília Dini Morello, dona da Embalac Indústria e Comércio, recomendou que ela abrisse uma empresa para ganhar um rendimento extra durante as eleições.

A suspeita é que a empresa investigada foi criada para dividir os clientes com a Embalac, que também recebeu dinheiro de campanhas, e, dessa forma, pagar menos impostos.

Janot critica TSE e nega pedido de Gilmar Mendes

• Janot aponta 'inconveniência' ao rejeitar pedido de investigação da campanha de Dilma

Procurador critica ação da Justiça Eleitoral

• Janot aponta 'inconveniência' ao rejeitar pedido de investigação da campanha de Dilma

Márcio Falcão e Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em parecer pelo arquivamento de pedido do vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes, para investigar fornecedora da campanha de Dilma Rousseff, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criticou a "inconveniência" da Justiça e do Ministério Público Eleitoral se tornarem "protagonistas exagerados do espetáculo da democracia".

As críticas foram feitas na semana seguinte à indicação da presidente para sua recondução como procurador-geral e num momento em que a Justiça Eleitoral discute a abertura de ações que pedem a cassação dos mandatos de Dilma e seu vice, Michel Temer.

"É em homenagem à sua excelência [Gilmar Mendes], portanto, que aduzimos outro fundamento para o arquivamento: a inconveniência de serem, Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral, protagonistas –exagerados– do espetáculo da democracia, para os quais a Constituição Federal trouxe, como atores principais, os candidatos e os eleitores", escreveu Janot.

O procurador disse ter receio da judicialização exagerada e que é preciso levar em conta que a Constituição estabelece como atores principais da eleição "os candidatos e os eleitores". Janot defendeu que "os derrotados devem conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito".

Em sua decisão, datada de 13 de agosto, Janot negou pedido de Mendes para investigar irregularidades na VTPB Serviços Gráficos e Mídia Exterior Ltda., que fez material para a campanha de Dilma.

Para Janot, os fatos "não apresentam consistência suficiente para autorizar, com justa causa, a adoção das sempre gravosas providências investigativas criminais".

As contas da petista foram aprovadas com ressalvas, inclusive com o voto de Mendes, no fim do ano passado.

Relator da prestação de contas da campanha de Dilma, o ministro acionou, nas últimas semanas, a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal e o Ministério Público de São Paulo para apurar falhas na prestação de serviços e indícios de que recursos desviados da Petrobras abasteceram o caixa do PT.

Procurado pela Folha, Mendes afirmou que ainda não havia tomado conhecimento da decisão de Janot.

Coordenador jurídico da campanha de Dilma, Flávio Caetano defendeu o procurador. "A prestação de contas tem começo, meio e fim, e o final foi em dezembro, quando foi aprovada. Não houve recurso do PSDB", afirmou.

Procurador-geral aponta ‘inconveniência’ do TSE

• Janot recusa investigação que ministro do TSE Gilmar Mendes pediu sobre contas da campanha de Dilma

Ao arquivar ação contra Dilma, Janot aponta ‘inconveniência’ do TSE

• Procurador-geral da República recusa investigação que ministro Gilmar Mendes pediu sobre contas da campanha da presidente

Talita Fernandes e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em resposta ao pedido preliminar feito pelo ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para investigar as contas de campanha da presidente Dilma Rousseff, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontou a “inconveniência” de a Justiça e o Ministério Público Eleitoral se tornarem “protagonistas exagerados do espetáculo da democracia” e o receio de uma “judicialização extremada”. Para ele, os atores principais do processo democrático devem ser “candidatos e eleitores”.

As declarações constam em despacho do procurador-geral obtido pelo Estado no qual Rodrigo Janot decide arquivar uma notícia de fato (fase inicial da investigação) que pede a apuração de eventuais ilicitudes na contratação da empresa VTBP para a prestação de serviços da campanha petista.

“Não interessa à sociedade que as controvérsias sobre a eleição se perpetuem: os eleitos devem poder usufruir das prerrogativas de seus cargos e do ônus que lhes sobrevêm, os derrotados devem conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito”, escreveu Janot, falando sobre o papel da Justiça eleitoral na “pacificação social”.

No despacho, o procurador-geral da República entendeu que não era o caso de estender a investigação nem no âmbito eleitoral tampouco na esfera criminal. A decisão de arquivamento proferida por Janot é de 13 de agosto, dia em que Gilmar Mendes concedeu o primeiro de três despachos realizados nas últimas três semanas referentes à prestação de contas de Dilma, caso do qual é relator.

A manifestação de Janot pelo arquivamento, acompanhada da mensagem a Gilmar Mendes, acontece num momento em que o governo federal trabalha para evitar que se estabeleça definitivamente no TSE uma nova via para que a oposição possa impedir a presidente Dilma de concluir seu mandato.

Após a aprovação com ressalvas das contas de campanha da presidente, em dezembro do ano passado, o vice-presidente do TSE, Mendes, fez uma série de encaminhamentos a órgãos competentes por investigação dos trechos da prestação de contas considerados “com indícios de irregularidades”.

Entre os órgãos que receberam documentos estavam, além do Ministério Público, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU). Em julgamentos na corte eleitoral e em seus despachos, Gilmar Mendes tem levantado a suspeita de que a campanha de Dilma teria recebido recursos desviados da Petrobrás, principal alvo da Operação Lava Jato.

Acordão. Ao ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira, Janot teve de responder à oposição sobre um suposto acordo do qual ele faria parte para preservar a presidente Dilma Rousseff de investigações. Um dos questionamentos foi feito diretamente pelo presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG). Janot negou qualquer tipo de “acordão”.

No documento em que pede o arquivamento, o procurador-geral da República utiliza dois julgamentos realizados no TSE, ambos de relatoria de Gilmar Mendes, para dizer que a corte eleitoral tem um entendimento consolidado de que, após a diplomação do candidato eleito, não cabe questionamento das contas de campanha.

“Admitir a juntada de documentos em processo de prestação de conta, após o seu julgamento, seria permitir a ‘eterna’ instrução do feito, o que não é cabível”, diz um trecho do documento, citando o julgamento de uma ação, em 2014, que teve o ministro Gilmar Mendes como relator.

Ao entender que não há irregularidade a ser investigada sobre a prestação de serviços da gráfica à campanha, Janot aponta o receio de que haja uma “judicialização extremada” da Justiça Eleitoral e usa trechos de julgamentos relatados por Gilmar Mendes para sustentar a visão de que a Justiça Eleitoral precisa ser “minimalista”. A decisão foi assinada por Janot, embora assuntos eleitorais sejam despachados normalmente pelo vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão.

Durante a sabatina de Janot na CCJ do Senado na quarta-feira, o procurador-geral foi bastante questionado por senadores de oposição sobre a atuação de Aragão, com insinuações de que o responsável pela condução dos trâmites eleitorais seria um nome “governista”.
Ao fazer perguntas para Janot, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) criticou Aragão, a quem acusou de ter uma atuação “próxima aos interesses do PT”. Ele disse que o procurador atua com “dois pesos e duas medidas”

Em resposta, Janot defendeu o colega e afirmou que a atuação de Aragão tem índice de acerto de mais de 90%, que considera o total de sugestões do Ministério Público Eleitoral que foram acatadas pelo TSE.

O nome de Janot acabou sendo aprovado na sabatina e, na sequência, pelo plenário da Casa, o que garantiu sua recondução ao comando do Ministério Público por mais dois anos. A operação contou com apoio do PMDB do Senado.

Procurada ontem, a assessoria de Gilmar Mendes declarou que o ministro não iria se pronunciar sobre o assunto.

Lula discutia negócios da Odebrecht em Cuba, diz revista

• Correspondências diplomáticas mostram ex-presidente tratando de detalhes de empréstimos do BNDES com governo cubano

- Por O Globo

SÃO PAULO. Correspondências diplomáticas apontam que o ex-presidente Lula discutia detalhes de negócios da Odebrecht em Cuba com autoridades cubanas e brasileiras. Os documentos também apontam que Lula dizia aos diplomatas que trataria de temas de interesse da construtora e do governo cubano com a presidente Dilma Rousseff.

Os novos documentos foram divulgados neste sábado pela revista "Época". Nos últimos anos, Lula vem negando que tenha atuado como lobista da construtora brasileira, alegando que realizava apenas palestras a pedido da empresa.

Um dos telegramas divulgados pela “Época” relata conversas do ex-presidente, no ano passado, sobre as garantias que o governo cubano poderia oferecer em novo empréstimo do BNDES, no valor de US$ 290 milhões. Os recursos, ainda não liberados, seriam aplicados em obras de infraestrutura no entorno do porto de Mariel, construído graças a financiamento do BNDES no valor de US$ 682 milhões.

Em telegrama assinado pelo encarregado de negócios na embaixada brasileira, Marcelo Câmara, o diplomata relata que, "em conversa reservada com o pres. Lula", representantes da Odebrecht diziam temer veto do Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Config), órgão do BNDES responsável por aprovar empréstimos, ao novo empréstimo.

Para os técnicos, o governo brasileiro poderia exigir de Cuba contrapartida por meio de "garantias soberanas", como a oferta de medicamentos para o Brasil, repasse do Programa Mais Médicos, arrendamento de uma mina de níquel a uma empresa brasileira ou a venda da produção de nafta para a Odebrecht.

Os representantes da Odebrecht relatam a Lula que a opção de venda de nafta seria a mais "factível" a ser aceita pelo governo cubano. Segundo o telegrama, o ex-presidente respondeu ter tratado do tema com o presidente Raúl Castro, "com ênfase à opção pela venda de nafta". Disse também "que reportaria teor das conversações oportunamente" à presidente Dilma Rousseff.

Viagens pagas pela Odebrecht
Em julho, O GLOBO revelou que Lula, já fora do cargo, atuou em favor da Odebrecht em Cuba e Portugal. Em abril, mostrou que Lula viajava pela Odebrecht na companhia de Alexandrino Alencar, acusado pela PF e pelo MPF de pagar propina a agentes públicos. Ele seria preso dois meses depois, no âmbito da Operação Lava-Jato.

De acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, a Odebrecht foi a empresa que mais pagou pelos serviços do ex-presidente deste que ele deixou a presidência: foram R$ 2,8 milhões.

Entre 2009 e 2014, o BNDES liberou US$ 832 milhões para obras da Odebrecht em Cuba. Do total, US$ 682 foram destinados ao financiamento do Porto de Mariel e US$ 150 milhões para obras de modernização de aeroportos no país. O novo empréstimo, no valor de US$ 290 milhões, ainda está em análise pelo banco.

À revista “Época”, o ex-presidente não quis se manifestar sobre o conteúdo dos telegramas diplomáticos. Durante evento na manhã deste sábado, em São Bernardo do Campo, Lula não quis dar entrevista.

Em julho, ao ser perguntado pelo GLOBO se fazia lobby para a Odebrecht em viagens internacionais, Lula respondeu, por meio da assessoria do instituto que leva seu nome, que “não recebeu, não recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influências”. Ainda segundo o o ex-presidente, os pagamentos feitos pela Odebrecht a ele foram por “palestra para funcionários, empresários ou diretores”.

Documentos secretos mostram como Lula intermediou negócios da Odebrecht em Cuba

• A reportagem obteve arquivos sigilosos em que burocratas descrevem as condições camaradas dos empréstimos do BNDES à empreiteira

• Versão reduzida da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana.

Por: Thiago Bronzatto - Revista Época

Veja documentos no site da revista

No dia 31 de maio de 2011, meses após deixar o Palácio do Planalto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Cuba pela primeira vez como ex-presidente, ao lado de José Dirceu. O presidente Raúl Castro, autoridade máxima da ditadura cubana desde que seu irmão Fidel vergara-se à velhice, recebeu Lula efusivamente. O ex-presidente estava entre companheiros. Em seus dois mandatos, Lula, com ajuda de Dirceu, fizera de tudo para aproximar o Brasil de Cuba – um esforço diplomático e, sobretudo, comercial. Com dinheiro público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, o Brasil passara a investir centenas de milhões de dólares nas obras do Porto de Mariel, tocadas pela Odebrecht. Um mês antes da visita, Lula começara a receber dinheiro da empreiteira para dar palestras – e apenas palestras, segundo mantém até hoje.

Naquele dia, porém, Lula pousava em Havana não somente como ex-presidente. Pousava como lobista informal da Odebrecht. Pousava como o único homem que detinha aquilo que a empreiteira brasileira mais precisava naquele momento: acesso privilegiado tanto ao governo de sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff, quanto no governo dos irmãos Castro. Somente o uso desse acesso poderia assegurar os lucrativos negócios da Odebrecht em Cuba. Para que o dinheiro do BNDES continuasse irrigando as obras da empreiteira, era preciso mover as canetas certas no Brasil e em Cuba.

A visita de Lula aos irmãos Castro, naquele dia 31 de maio de 2011, é de conhecimento público. O que eles conversaram, não – e, se dependesse do governo de Dilma Rousseff, permaneceria em sigilo até 2029. Nas últimas semanas, contudo, ÉPOCA investigou os bastidores da atuação de Lula como lobista da Odebrecht em Havana, o país em que a empreiteira faturou US$ 898 milhões, o correspondente a 98% dos financiamentos do BNDES em Cuba. A reportagem obteve telegramas secretos do Itamaraty, cujos diplomatas acompanhavam boa parte das conversas reservadas do ex-presidente em Havana, e documentos confidenciais do governo brasileiro, em que burocratas descrevem as condições camaradas dos empréstimos do BNDES às obras da Odebrecht em Cuba. A papelada, e entrevistas reservadas com fontes envolvidas, confirma que, sim, Lula intermediou negócios para a Odebrecht em Cuba. E demonstra, em detalhes, como Lula fez isso: usava até o nome da presidente Dilma. Chegava a discutir, em reuniões com executivos da Odebrecht e Raúl Castro, minúcias dos projetos da empreiteira em Cuba, como os tipos de garantia que poderiam ser aceitas pelo BNDES para investir nas obras.

Parte expressiva dos documentos obtidos com exclusividade por ÉPOCA foi classificada como secreta pelo governo Dilma. Isso significa que só viriam a público em 15 anos. A maioria deles, porém, foi entregue ao Ministério Público Federal, em inquéritos em que se apuram irregularidades nos financiamentos do BNDES às obras em Mariel. Num outro inquérito, revelado por ÉPOCA em abril, Lula é investigado pelos procuradores pela suspeita de ter praticado o crime de tráfico de influência internacional (Artigos 332 e 337 do Código Penal), ao usar seu prestígio para unir BNDES, governos amigos na América Latina e na África e projetos de interesse da Odebrecht. Sempre que Lula se encontrava com um presidente amigo, a Odebrecht obtinha mais dinheiro do BNDES para obras contratadas pelo governo visitado pelo petista. O MPF investiga se a sincronia de pagamentos é coincidência – ou obra da influência de Lula. Na ocasião, por meio do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, o ex-presidente negou que suas viagens fossem lobby em favor da Odebrecht e que prestasse consultoria à empresa. Segundo Lula, suas palestras tinham como objetivo “cooperar para o desenvolvimento da África e apoiar a integração latino-americana”.

Outro lado
Procurado, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, afirma que, no período em que exerceu o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, “não atuou em favor de empresas, nem tampouco a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Diz o texto que várias empresas brasileiras participaram de consulta do governo uruguaio sobre o Porto de Rocha e o governo não atuou em favor de nenhuma das empresas. A Odebrecht afirma em nota que o ex-presidente não teve “qualquer influência” nas suas duas obras em Cuba, o Aeroporto de Havana e o Porto de Mariel. A empresa diz que as discussões sobre bioenergia com o governo cubano não avançaram, mas ainda estuda oportunidades nesse setor em Cuba, a partir da reformulação da Lei de Investimento Estrangeiro. A Odebrecht diz que a empresa na qual trabalha o ex-ministro Silas Rondeau foi uma das contratadas como parceira de estudos na área de energia.

Em nota, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto informou desconhecer o conteúdo dos documentos aos quais ÉPOCA teve acesso. Contudo, o Planalto destaca a importância estratégica do projeto de Porto de Mariel para as relações de Brasil e Cuba. “A possibilidade crescente de abertura econômica de Cuba e a recente reaproximação entre Cuba e Estados Unidos vão impulsionar ainda mais o potencial econômico de exportação para empresas brasileiras.” O BNDES afirma que a Odebrecht é a construtora brasileira com maior presença em Cuba, portanto faz sentido que a maior parcela das exportações para aquele país financiadas pelo banco seja realizada pela empresa. Diz ainda que mantém com a Odebrecht relacionamento rigorosamente igual a qualquer outra empresa. O BNDES nega que esteja financiando projetos envolvendo direta ou indiretamente a Odebrecht no setor de energia, bioenergia ou sucroalcooleiro em Cuba. Sobre entendimento para financiamento de um porto no Uruguai, como indicou o então ministro Pimentel, o BNDES disse que não há nenhuma tratativa referente ao projeto em curso no Banco. Procurado por ÉPOCA, o ex-presidente Lula não quis se manifestar.

Em depoimento à CPI do BNDES, o presidente do banco, Luciano Coutinho, disse que Lula jamais interferiu em qualquer projeto de financiamento. Os documentos obtidos por ÉPOCA mostram uma versão diferente. Caberá ao MPF e à PF apurar os fatos.

Sérgio Moro responde a Dilma e diz que delação é ‘traição entre criminosos’

• Juiz federal da Lava-Jato defendeu o instituto da colaboração premiada, desde que seja sustentada em provas independentes

Por O Globo

SÃO PAULO - O juiz federal Sérgio Moro, que conduz a maior parte dos processos da Operação Lava-Jato, respondeu na manhã deste sábado a crítica da presidente Dilma Rousseff sobre o instituto da delação premiada, ferramenta que vem permitindo à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal revelar crimes no âmbito da Petrobras e ministérios do governo federal.

Durante palestra na subseção Jabaquara da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na Zona Sul de São Paulo, Moro defendeu a colaboração premiada desde que sustentada em provas independentes e classificou-a como uma “traição entre criminosos”.

- Às vezes, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas de crimes são os próprios criminosos. Uma das regras é que tudo o que o colaborador disser, precisa encontrar prova de colaboração. (...) É traição? É traição, mas é uma traição entre criminosos. Não se está traindo a Inconfidência Mineira, não se está traindo a Resistência Francesa - disse o juiz no encontro com advogados.

Em junho, Dilma disse em entrevista que “não respeitava delator”, ao ser questionada sobre os depoimentos do dono da Construtora UTC, Ricardo Pessoa, que citou políticos da base aliada de seu governo como beneficiários de crimes de corrupção. Na ocasião, a presidente citou um personagem da Inconfidência Mineira para tentar explicar porque não respeitava delator.

- Tem um personagem que a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator, até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas. Então, não respeito nenhuma fala. Agora, acho que a Justiça, para ser bem precisa, tem que pegar tudo que ele disse e investigar, sem exceção - disse, na época.

Silvério dos Reis era um coronel e fazendeiro mineiro no século XVIII. Crítico dos altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa, integrou a Inconfidência Mineira, que planejava lutar pela independência do Brasil. No entanto, diante da possibilidade de ter suas dívidas perdoadas pela Coroa, ele delatou outros inconfidentes e o movimento foi reprimido.

Governo vê risco menor de Dilma sair do cargo

• Avaliação é que denúncia contra Cunha contribuiu para diminuir ímpeto da oposição

Erich Decat e Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

O Palácio do Planalto avalia que diminuiu nas últimas semanas o risco de um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff com base nas chamadas pedaladas fiscais, manobras contábeis usadas para melhorar as contas de 2014 que estão sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU).

Na avaliação dos próprios opositores, Dilma conseguiu ganhar algum fôlego nas duas últimas semanas com ações para barrar as movimentações pró-impeachment no Congresso.

Mas o fato principal considerado para a reversão do cenário foi a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, adversário do Planalto, por envolvimento no esquema de corrupção investigado na Operação Lava Jato. Antes de ser acusado formalmente pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Cunha vinha atuando para limpar a pauta na Casa e abrir caminho para discussões das contas do governo de 2014, previstas para serem julgadas no TCU.

Em paralelo, Dilma conseguiu se reaproximar do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Renan é o mentor da Agenda Brasil, pacote de projetos lançado após setores empresariais e financeiros sinalizarem ser contra um processo de impedimento da petista. Além disso, desde o início de agosto, a presidente vem intercalando viagens pelo Brasil, reuniões com lideranças partidárias e entrevistas à mídia no intuito de mostrar ter condições de sair das cordas.

Esses desdobramentos levaram a oposição a considerar o caminho do impeachment como o mais improvável. Tucanos ligados ao senador e presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG), têm concentrado as atenções nos quatro processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral que podem levar à impugnação dos mandatos de Dilma e do vice Michel Temer.

Neste sábado, em uma tentativa de demonstrar unidade, tanto Aécio quanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foram cautelosos em relação ao assunto e preferiram defender a continuidade das investigações. Ambos negaram existir divergências internas sobre a estratégia da sigla diante da crise política que desgasta Dilma.

“Vejo essa divergência apenas nos jornais. Não cabe ao PSDB prever cenários”, disse Aécio em evento do seu partido em Cuiabá, no Mato Grosso, onde também estava o governador paulista. 

“Qualquer desfecho para a crise tem que ser dentro do que prevê a Constituição. Há enorme convergência naquilo que nós pensamos: fortalecer as instituições e permitir que as investigações ocorram.”

Alckmin lembrou que apoiou o impeachment de Fernando Collor, mas também falou em respeito à Constituição. “Sempre defendi que nós devemos ser guardiões da Constituição. O impeachment é previsto na Constituição. É investigar, investigar e investigar.”

‘Playground’. A via TCU para eventual impedimento de Dilma também foi criticada pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Neste sábado, em palestra em Campos do Jordão, ele disse não acreditar no órgão como um “sério desencadeador de um processo de tal gravidade”. “O Tribunal de Contas é um playground de políticos fracassados”, afirmou Barbosa. 

“Uma coisa é eu dizer que sim, é viável juridicamente uma pedalada fiscal conduzir ao impeachment de um presidente da República regularmente eleito. Outra coisa é eu saber como realmente funcionam as instituições e acreditar nisso”, disse o ex-ministro do Supremo.

Segundo Barbosa, para prosseguir com um processo de impeachment, é preciso que as provas sejam “incontestáveis” e que envolvam diretamente o presidente da República. Para ele, esse movimento precisa ser muito bem pensado, já que representa um “abalo sísmico” para as instituições do País. / Colaboraram Fernanda Guimarães e Francisco Carlos de Assis

PMDB diz na TV que país precisa mudar

• Peças publicitárias estreladas pelo vice Michel Temer e outros líderes do partido vão ao ar a partir de terça-feira

• Peemedebistas citam Ulysses Guimarães em anúncios que reforçam distanciamento do governo Dilma Rousseff

Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Principal aliado da presidente Dilma Rousseff no Congresso, o PMDB fará mais uma demonstração de seu distanciamento do governo nesta semana, exibindo na televisão oito filmes publicitários em que as principais lideranças do partido dirão que o país precisa de mudanças.

"O Brasil é um só, e sempre vai ser maior e mais importante do que qualquer governo", diz em um dos anúncios o vice-presidente Michel Temer, que na semana passada se afastou da função de articulador político do governo com os partidos aliados.

"A nação quer mudar, a nação deve mudar, a nação vai mudar", diz em outro filme o ex-ministro Moreira Franco, um dos principais aliados de Temer na cúpula do PMDB, citando o deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), um dos fundadores do partido.

Os oito filmes, cada um com 30 segundos de duração, serão veiculados a partir da terça-feira (1), nos intervalos comerciais da programação das emissoras de TV, no espaço reservado pela legislação para a propaganda partidária.

Os anúncios irão ao ar num momento em que o PMDB emite sinais cada vez mais fortes de descontentamento com o governo e a maneira como Dilma lida com a crise política e econômica em que seu governo mergulhou.

Depois de se afastar das negociações de cargos e verbas com partidos aliados, Temer avisou Dilma na semana passada que considerava inviável seu plano de recriar a CPMF, o imposto sobre transações financeiras extinto em 2007.

Neste sábado (29), o governo decidiu abandonar a ideia da contribuição, após avaliar que a resistência apresentada por políticos aliados e empresários tornava sua aprovação pelo Congresso impossível.

As principais lideranças do PMDB aparecem nas peças publicitárias, incluindo os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ). Os dois são investigados por suspeita de participação no esquema de corrupção descoberto na Petrobras.

Em uma das propagandas, a deputada Simone Morgado (PA) cita dois "mandamentos" de Ulysses Guimarães que estão na "ordem do dia": "O primeiro é que, diante de uma crise, a melhor atitude a ser tomada é a do diálogo".

Moreira Franco completa a mensagem: "Hábil e conciliador, ele dizia: vamos sentar e conversar. No outro [mandamento], ele é claro e direto: a nação quer mudar, a nação deve mudar, a nação vai mudar". Ulysses usou a frase no discurso que fez na promulgação da Constituição de 1988.

'Grandeza'
Em outro peça publicitária, o vice-presidente reconhece que a situação do país é difícil. "O momento pede equilíbrio, pede grandeza", afirma Temer, usando a mesma palavra escolhida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) há duas semanas para sugerir a renúncia de Dilma como uma solução para a crise política. "A hora é de diálogo, de ouvir, de reunificar a sociedade", diz o vice-presidente.

Há três semanas, Temer surpreendeu os políticos ao dizer numa entrevista que o país precisa de "alguém" capaz de "reunificar a todos".

A frase foi interpretada por ministros petistas como uma tentativa do peemedebista de se credenciar para assumir a vaga da presidente no caso de seu afastamento, o que ele nega que fosse sua intenção.

Apaziguador
Responsável pelos anúncios, o publicitário Elsinho Mouco disse à Folha que o objetivo é mostrar que "o PMDB de Temer é fundamental para apaziguar os ânimos e ajudar na governabilidade".

Em sua aparição, Renan Calheiros repete Temer. "Governos passam, e o Brasil sempre vai ser maior do que qualquer governo", afirma.

Cunha, que rompeu com o governo em julho e foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, diz que seu "dever" como presidente da Câmara é "defender sua independência, cumprir rigorosamente a Constituição e, acima de tudo, priorizar o que é de interesse da sociedade".

Antes de cortar pastas, Planalto cobra PSD, PP e PR nos bastidores

• Apesar de integrarem a base aliada, legendas mantêm relação com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, desafeto do governo

Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo está de olho no comportamento de três partidos que, apesar de integrarem sua base aliada, mantêm íntima relação com o maior desafeto do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Se diante das câmeras o tom é de diplomacia em relação ao comportamento de PSD, PP e PR, nos bastidores a cobrança do governo é por uma definição sobre de qual lado estão. A escolha deve ser reforçada com a reforma administrativa posta em curso pelo governo, que colocou os ministérios controlados por essas siglas como alvos do reordenamento da base aliada.

Isso porque a fidelidade dessas legendas, que juntas têm 107 deputados, 13 senadores e quatro ministérios, caiu nos últimos quatro anos. Nenhum dos três partidos apresentou fidelidade ao governo superior a 90% na média das votações realizadas até agosto, segundo o Basômetro, ferramenta online do Estadão Dados que mede o governismo de partidos e parlamentares.

Na comparação com o primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff, o apoio desses partidos caiu. O PP, em 2011, apoiou o governo em 93% das indicações, índice que caiu para 53% neste ano. Já o PR, há quatro anos, apoiava o Planalto em 90% das votações. Neste ano, em 74%. O PSD ainda não existia na estreia de Dilma no Planalto, mas em 2015 sua taxa de apoio é de 65%.

No desenho inicial, cogita-se, por exemplo, extinguir a Secretaria da Micro e Pequena Empresa (PSD). O PR pode perder para o PMDB o comando do bilionário Ministério dos Transportes, que pode abrigar sob seu guarda-chuva as secretarias de Portos e Aviação Civil, ambas sob gestão peemedebista. Também não se descarta a integração de outro poderoso ministério, o da Integração Nacional, hoje comandando pelo PP, com o também forte Ministério das Cidades (PSD).

O governo contou com a maior parte das bancadas dos três partidos em votações importantes, como a das medidas provisórias do ajuste fiscal, mas levou uma rasteira no início do mês, quando as três legendas votaram praticamente fechadas a favor da proposta de emenda à Constituição que reajusta salários de várias carreiras, gerando impacto de R$ 2,45 bilhões aos cofres da União.

Dois dias antes da votação, após participar de jantar no Palácio da Alvorada com Dilma, os três líderes, Maurício Quintella (PR-AL), Eduardo da Fonte (PP-PE) e Rogério Rosso (PSD-DF) encontraram-se com Cunha em sua residência oficial para um convescote. Na avaliação de um deputado do PR, é “fundamental” que o partido tenha uma boa relação com Cunha. Dos três partidos, apenas o PP apoiou o peemedebista na disputa pela presidência da Câmara. “Somos base governista, mas o PR se dá o direito de ser crítico, com suas próprias bandeiras”, afirma Quintella. “Mas em política, tem um belo dia em que é preciso decidir para que lado pende”, diz um interlocutor do Planalto sob anonimato.

Governabilidade. Fonte não esconde a satisfação com a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a primeira vice-presidência da Câmara nas mãos do PP. Ele e Rosso dizem que a boa relação com Planalto e Câmara os credencia a fazer a ponte para garantir a governabilidade. “Trabalho numa conciliação entre as partes”, diz Rosso. “Buscamos uma pauta de consenso”, diz o líder do PP.

Já o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirma que sua única exigência é fidelidade. “Tudo mais, cada um tem liberdade para se reunir com quem quiser.”

Cúpula do PT sai em defesa da Agenda Brasil

• Direção do partido age para evitar ataques internos às propostas de Renan

Fernanda Krakovics - O Globo

BRASÍLIA - Apesar de não concordar com alguns pontos da Agenda Brasil, a cúpula do PT tenta conter ataques do partido ao conjunto de propostas defendido por Renan Calheiros (PMDBAL), investindo em uma política de bom relacionamento com o presidente do Senado. Ele é um dos autores do “pacote anticrise”, cuja apresentação foi o marco de sua reaproximação com o Planalto. Dirigentes petistas afirmam que, agora, o mais importante é tentar melhorar o ambiente político e mudar a pauta de discussões, que tem sido monopolizada pela crise econômica e de governabilidade.

Entre os pontos que contrariam o PT estão a ampliação da idade mínima para a aposentadoria, a flexibilização das regras para o licenciamento ambiental e a retomada da discussão sobre a regulamentação do trabalho terceirizado. Petistas afirmam que a agenda significa uma redução de direitos trabalhistas, da proteção social e do papel do Estado na economia.

Dirigentes do partido têm procurado petistas críticos ao pacote e pedido compreensão com o momento político difícil e a situação de fragilidade do governo. Nessas conversas, integrantes da direção do PT apostam que os pontos polêmicos nem devem ser votados, pelo menos a curto prazo.

— Vamos trabalhar pelo que nos une. Esses assuntos (polêmicos) não vão entrar agora. A agenda é tão extensa que, em dois anos, não a esgotaremos — disse o senador Jorge Viana (AC).

A direção do PT também evita turbulências para não prejudicar a votação dos pontos de interesse do governo: unificação do ICMS com convergência das alíquotas para o destino; regularização e repatriação de dinheiro não declarado de brasileiros no exterior; e reforma do PIS/Cofins, com a criação de uma alíquota única.

No PT, os críticos da Agenda Brasil a colocam no mesmo patamar da política econômica do ministro da Fazenda, Joaquim Levy — ou seja, veem suas propostas como um receituário estranho ao partido. É o caso do senador Lindbergh Farias (RJ), que prepara uma agenda alternativa com medidas para a retomada do crescimento econômico.

— Alguns setores tentam aproveitar a fragilidade do governo para impor uma agenda. De fato, houve um movimento importante quando Renan se separou do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e disse que o Senado vai ser uma Casa responsável. Mas isso não significa um compromisso nosso com pautas que prejudicam os direitos dos trabalhadores, que são contra nossa agenda histórica — argumenta Lindbergh.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), tenta contemporizar:

— Acho que o próprio Renan vai ter o bom senso de ver que vários pontos polêmicos precisam ser discutidos.

Governo: possível sabotagem na articulação política

• Dilma teria dito que indicações das bancadas para 2º escalão ‘não batiam’ com as que chegavam a ela

Júnia Gama - O Globo

BRASÍLIA - Nas últimas duas semanas, a presidente Dilma tomou para si a negociação das nomeações de indicados políticos para cargos no governo, com o objetivo de restaurar a base aliada. E, segundo relataram ao GLOBO políticos que negociam diretamente com o Planalto indicações para o segundo escalão, o governo detectou uma possível sabotagem nas negociações anteriores da articulação política, com trocas nos nomes de indicados pelas bancadas.

O alerta no Planalto surgiu de uma conjunção de fatores. Mesmo com sinal verde para que os articuladores atendessem as demandas, as indicações não saíam e as bancadas continuavam a se queixar. Deputados que estão negociando cargos afirmam que surgiram especulações de que o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil) estaria privilegiando seus aliados na articulação e, assim, contribuindo para que a base se mantivesse insatisfeita.

O ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) seria outro foco de dificuldade para a efetivação das nomeações. Segundo parlamentares da base, isso ocorreu porque Mercadante estaria em guerra interna contra Padilha pela manutenção de sua esfera de influência no governo. Peemedebistas apontam que Mercadante tentou “boicotar” ações atribuídas a Temer. E pressões de alas que disputam poder dentro do PT junto a Mercadante ajudaram a complicar o processo.

Um dos exemplos dessa troca de indicações ocorreu há cerca de 10 dias, quando Dilma convidou o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), para uma conversa no Planalto, em que pediu que o deputado apresentasse as demandas da bancada. Dilma teria dito que os pedidos “não batiam” com o que estava chegando a ela.

Na lista de “trocas” são citados exemplos como o do senador Otto Alencar (PSD-BA), que teve uma indicação sua substituída por outra do deputado José Rocha (PR-BA), e de uma indicação de deputados do PMDB para a Caixa Econômica, que teria sido trocada por outro nome ao chegar ao gabinete da articulação.

Dilma encarregou seu assessor especial Giles Azevedo para tratar diretamente as indicações. Ele já esteve com representantes do PMDB, do PP, do PTB e de alguns partidos menores. Os deputados esperam que as nomeações comecem a ser efetivadas.

— O Giles não é o novo articulador político. Ele é o olho da presidente, é a pessoa de sua mais extrema confiança, como se fosse ela lá. Dilma viu que a história não estava chegando a ela como realmente era e resolveu agir. Se as coisas não andarem com Giles, aí não tem como culpar mais ninguém — diz um parlamentar.

Padilha negou que ele ou Temer tenham atuado para impedir qualquer nomeação:

— Repudio, veementemente, as irresponsáveis insinuações de que Michel Temer e eu obstaculizamos nomeações, em razão de disputas com outros articuladores. Os trapalhões que criaram ou propagaram tal boato trabalham contra a estabilidade política do governo e zombam da inteligência dos parlamentares.

A reportagem não localizou Mercadante.

Alberto Aggio - O tempo curto e o tempo longo

- O Estado de S. Paulo

Essencial em toda análise qualificada da política, o tempo curto da conjuntura pode, em alguns casos, criar dificuldades para a elaboração de uma compreensão das relações de força que se estabelecem nas definições das grandes orientações de futuro. A análise da política depende da captura do sentido da ação e do movimento dos atores, mas também da capacidade de previsão dos vetores que neles estão supostos.

Assim, visto como um terreno em que se averigua passo a passo a conjuntura, a análise do tempo curto pode ser muito útil quando compreendida num quadro de relações de força de mais largo fôlego. Operação nada trivial, tanto para atores quanto para intérpretes, a conexão entre o tempo curto e o tempo longo configura-se como uma tarefa desafiadora, particularmente em períodos de crise aguda e de impasses temerários diante dos quais, especialmente para os primeiros, qualquer resolução ou decisão pode custar a vida ou a morte. Desprovido dessa conexão e trabalhado de maneira mais voluntarista do que analítica, o tempo curto pode cristalizar um conjunto de representações disformes do real, o que, em política, é frequentemente fatal.

A crise que vive o País, produzida pelo governo Dilma e que arrasta junto o PT, estimula e legitima a leitura do tempo curto. Contudo ainda é cedo para saber se dele poderá emergir a chave que abrirá as portas em direção ao futuro. Isso dependerá da sagacidade, da serenidade e também da intransigência dos atores diante das questões republicanas que a crise carrega. Em meio ao turbilhão que acopla à crise política uma crise econômica cujo prognóstico é o de ser a mais prolongada e profunda da era do real, estendendo-se pelo mandato da presidente, caso não haja impedimento, diferentes conexões com o tempo longo fazem emergir um conjunto de expectativas diversas, dentre elas a visão de que a crise pode desembocar não apenas no fim de um governo, mas na abertura de uma “era pós-PT”, como escreveu Zander Navarro neste espaço.

Em versões mais tenebrosas, diagnósticos mais acres se reportam ao fim de uma época iniciada quando da superação da ditadura. De acordo com essa leitura, chegamos, todos “exaustos”, à crise atual, que, por suas características - das quais a “trégua petista” e o lulismo são parte intrínseca -, só nos reserva à frente décadas de barbárie. Um diagnóstico de selo catastrofista, que se recusa a apontar qualquer saída política para a crise, nem mesmo a sempre mencionada e extemporânea proposta de uma Assembleia Constituinte, como se o País estivesse a demandar mudanças integrais, típicas de processos que substituem uma ordem política por outra, como se passou com a elaboração da Constituição de 1988.

Apesar de certos arroubos e de ênfases descabidas, a situação, de fato, não guarda pouca dramaticidade e é ocioso procurar saídas rápidas e aparentemente fáceis. No governo e até na oposição é difícil encontrar atores capazes de conectar o tempo da crise contingente com perspectivas efetivas de um futuro melhor, mesmo que isso seja projetado para um tempo longo. No geral, predominam retóricas unilaterais e imediatistas, sem nenhum viço, visando a defender de olhos fechados um dos lados. O que se comprova, por exemplo, quando a presidente exagera ao enfatizar a cada discurso a noção de “travessia” como um mantra dogmático que supostamente a possa purificar sempre que vocalizado. O mesmo acontece quando seus apoiadores convocam, em palácio, uma descida às ruas, de “armas na mão” e “entrincheirados”, para resistirem ao suposto e delirante “golpe urdido pela burguesia”.

Na crise agônica do governo Dilma, o movimento dos principais atores parece levar-nos diretamente a um passado reconfigurado por meio de uma sobreposição fantasmagórica de tempos, grupos e personagens. É assim que vemos ressurgirem atores e projetos que compuseram a cena brasileira na ditadura e na luta contra ela. O que gera uma sensação de repetição farsesca da História, agravada pela dificuldade de compreender que, de fato, há um esgotamento dos nexos políticos que sustentaram o processo de democratização e que o País deveria avançar no sentido de formular uma nova agenda de reformas ou mesmo um novo projeto para o seu futuro.

Mas não é isso que ocorre e o tempo longo sucumbe nas malhas do imediatismo e do autoengano. Como resultado, reaviva-se a centralidade do Legislativo, mas agora desprovido de uma vinculação produtiva com as ruas e sem nenhum vetor democratizador a orientá-lo, como se deu na época das Diretas-Já e no que se seguiu. Reapareceram os manifestos de empresários, artistas, intelectuais e juristas pedindo soluções para a crise, mas com notáveis discrepâncias entre eles. Volta à cena um petismo mimético de décadas atrás por meio de figurantes que descreem de seus próprios discursos ao pedirem que o atual governo negocie suas demandas e modere o ajuste fiscal, na vã expectativa de que Dilma e seus ministros os atenderão. 

Reatualiza-se, por fim, a expectativa num ator político que foi fundamental na resistência à ditadura e na construção democrática, o PMDB, mas que hoje não desempenha o mesmo papel democratizante do passado, por ter abandonado sua natureza “metafísica”, conforme identificado em seu tempo por Luiz Werneck Vianna, para assumir a “física” dos interesses fragmentados do grande empresariado nacional.

É provável que, alimentado pelas operações semanais da Lava Jato, o movimento pelo impeachment permaneça latente, embora contê-lo pareça ser o único objetivo do governo. Com o PMDB tornando-se enfim a “classe reinante”, Dilma poderá amainar a crise, mas imaginar que daí possa derivar um governo à Itamar Franco se configura uma aposta engenhosa. Olhando bem, dá a impressão de que se quer revirar a História pelo avesso, torturando os fatos.
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*Alberto Aggio é professor titular de História da Unesp

Merval Pereira - A pressão da sociedade

- O Globo

O juiz Sérgio Moro, que atua na Operação Lava-Jato, compara-a à Operação Mãos Limpas, o famoso combate na Itália contra a corrupção, ocorrido na década de 90. Considerado um dos maiores especialistas em combate à lavagem de dinheiro — e por isso atuou junto à ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão —, é um estudioso do caso italiano e publicou em 2004, na revista do Conselho de Justiça Federal, um artigo em que traça paralelos entre o Brasil daquela época e a Itália.

Um dos pontos mais importantes nos dois processos é a deslegitimação da classe política, que propiciou um ímpeto às investigações de corrupção, e os resultados desta fortaleceram o processo de deslegitimação. Consequentemente, as investigações judiciais dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando, inclusive, a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime organizado, analisa Moro.

As investigações na Itália minaram a autoridade dos chefes políticos — como Arnaldo Forlani e Bettino Craxi, líderes da Democracia Cristã (DC) e do Partido Socialista Italiano (PSI) — e os mais influentes centros de poder, cortando sua capacidade de punir os que quebravam o pacto do silêncio. Não faltaram tentativas do poder político de interromper as investigações, relembra Moro, e foi aí que o apoio da opinião pública foi fundamental.

Por exemplo, o governo do primeiro-ministro Giuliano Amato tentou, em março de 1993 e por decreto legislativo, descriminalizar a realização de doações ilegais para partidos políticos. A reação negativa da opinião pública, com greves escolares e passeatas estudantis, foi essencial para a rejeição da medida legislativa.

Da mesma forma, quando o Parlamento italiano, em abril de 93, recusou parcialmente autorização para que o ex-primeiro-ministro Bettino Craxi fosse processado criminalmente, houve intensa reação da opinião pública. Uma multidão reunida em frente à residência de Craxi arremessou moedas e pedras quando ele deixou sua casa para atender uma entrevista na televisão.

Em julho de 94, novo decreto legislativo do governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi aboliu a prisão prejulgamento para categorias específicas de crimes, inclusive para corrupção ativa e passiva. A equipe de procuradores da Operação Mani Pulite ameaçou renunciar coletivamente a seus cargos. Novamente, a reação popular, com vigílias perante as Cortes judiciais milanesas, foi essencial para a rejeição da medida.

É ingenuidade, diz Moro, pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações.

Agora mesmo uma tentativa de anular a delação premiada de Alberto Youssef, o que colocaria em risco toda a investigação, foi rejeitada por unanimidade pelo plenário do STF. Um Judiciário independente de pressões externas e internas é condição necessária para apoiar ações judiciais dessa espécie, ressalta Moro.

Mas a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial. Por isso os procuradores dão longas entrevistas coletivas para explicar cada passo da Lava-Jato, e, assim como os responsáveis pela Mani Pulite fizeram largo uso da imprensa, aqui também a divulgação das delações premiadas e informações extraoficiais servem para divulgar pontos importantes já atingidos pelas investigações.

Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e em outros jornais e revistas simpatizantes. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. Craxi, especialmente, não estava acostumado a ficar na posição humilhante de ter constantemente de responder a acusações e de ter a sua agenda política definida por outros. O mesmo acontece hoje com o ex-presidente Lula, obrigado a explicar a atuação pessoal em favor da Odebrecht, e as atividades do Instituto Lula.


Talvez a lição mais importante de todo o episódio, diz Moro, seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com a democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados. É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção.