terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

Quando vista comparativamente no cenário do subcontinente, a formação do nosso Estado e da sua política é a mais robusta confirmação do gênio político dos próceres que estabeleceram seus fundamentos. O caudilhismo, tão presente na política dos nossos vizinhos, não encontrou aqui lugar propício e, sobretudo, realizamos a obra-prima da unidade territorial, ao contrário da balcanização dos países hispano-americanos. Soubemos ainda preservar as instituições políticas comprometidas com os ideais civilizatórios declarados pela nossa primeira Constituição, sob inspiração do estadista José Bonifácio.

Com essas credenciais fomos reconhecidos como capazes de mediação nos conflitos regionais, com ênfase nas negociações políticas em favor de soluções pacíficas. A presença afirmativa do Brasil, garante de equilíbrio no subcontinente, não deve e não pode se comprometer por políticas de ocasião que transfiram sua soberania a potências externas a nós, sejam quais forem, em suas disputas geopolíticas e econômicas. Para ficar com palavras da moda, o Brasil acima de tudo.


*Sociólogo, PUC-Rio, ‘O Brasil acima de tudo’, O Estado de S. Paulo, 3/2/2019.

Nelson Paes Leme*: A velha ‘esquerda’ e a nova ‘direita’

- O Globo

Como ser contra ou a favor de algo (o comunismo) que a História Universal já enterrou de vez desde o século passado?

Pela primeira vez, em muitos anos, está exposta uma polarização entre conceitos científico-políticos ultrapassados na história mas que no Brasil de hoje têm grande atualidade. Aliás, a mídia e até alguns setores da academia têm insistido nesse falso dilema: o confronto entre “esquerda” e “direita” mundo afora. O capitalismo globalizado de blocos econômicos e as perplexidades ambientais decisivas de sobrevivência da espécie e da biosfera não comportam mais esse tipo de dicotomia jurássica e já tornaram esses conceitos totalmente ultrapassados e sem qualquer sentido científico. Principalmente com o fim da Guerra Fria no apagar das luzes do século passado e a entrada da China no ranking dos players mais agressivos da nova economia globalizada de mercado. Portanto, falar em venezuelização ou cubanização do Brasil é totalmente descabido.

O Brasil esteve dividido intrinsecamente nesse segundo turno eleitoral, mas por motivos completamente diversos: um Estado gigantesco, continental, tributária e federativamente inadministrável, que tem resultado numa péssima distribuição de renda e serviços essenciais à população e na rapinagem que tomou conta desse verdadeiro butim gigante, saqueado permanentemente por uma classe política, constituída, em sua imensa maioria, de vorazes marginais despreparados e despudorados, sem qualquer compromisso ideológico, ainda que com doutrinas e lutas de séculos passados, salvo, naturalmente, as exceções de praxe. Esse é o verdadeiro problema brasileiro. 

Nada tem a ver com “esquerda” e “direita”. O que houve foi a saturação com o modelo de democracia que viemos praticando desde a edição da Constituição congressual de 1988. Ledo e perigoso equívoco de quem desavisadamente envereda por essas sendas dúbias de “esquerda” e “direita”. Muitos “progressistas” votaram no candidato soi-disant de “direita”. Basta verificar como seu índice de rejeição despencou na reta final.

Quem venceu estas eleições plebiscitárias, especialmente para o Executivo central do país, não foi a “direita” ou a “esquerda”, mas o voto de protesto de uma população exausta de tanta ignomínia na política. O voto revoltado. O voto indignado a exigir mudanças estruturais profundas. O candidato vencedor representa predominantemente esse voto, em que pese o decisivo apoio dos “anticomunistas”. 

Marco Aurélio Nogueira: De manobra em manobra, Renan foi à lona

- O Estado de S. Paulo, 03/02/2019

O mais importante de tudo não foi a eleição de Davi Alcolumbre. Foi a qualidade do processo.

Importa pouco constatar que o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), venceu a disputa com Renan Calheiros graças a uma série de golpes, pequenos truques antirregimentais e grandes apoios externos que derrubaram a aparente invencibilidade do adversário, exibida até as vésperas da eleição.

Manobras são comuns em política, mesmo em ambientes com poucos eleitores. Fazem parte do manual de políticos onde quer que seja. Por vezes são manobras sórdidas e sujas, por outras se limitam ao uso inteligente e malicioso de recursos disponíveis, seja em termos retóricos, seja valendo-se da força política propriamente dita, apoios inesperados ou arduamente conquistados. Dividir as hostes adversárias é tão importante quanto unir os próprios apoiadores. Converter inimigos de meu inimigo em amigos ajuda demais, e pode mesmo ser decisivo.

Renan perdeu porque muitas forças de ergueram contra ele. Mostrou uma fadiga de material que não parecia flagrante no meio da semana passada, quando se vangloriava de ter recebido telefonema de Bolsonaro que, na sua visão, sinalizava um apoio antecipado. O desgaste apareceu dentro do MDB, quando Simone Tebet conseguiu 5 votos contra 7 e quase conseguiu sair candidata do partido. E ficou flagrante quando o plenário do Senado decidiu que a eleição do presidente seria por voto aberto, contrariando o regimento interno da casa. Quando Toffoli, na madrugada de sábado, decidiu que o voto secreto deveria ser seguido, já era tarde demais, Renan estava na lona. Articulações palacianas (Onix Lorenzoni) somaram-se à fragilidade dos apoiadores de Renan e ao prazer de vários senadores, meio de oposição, meio governistas, de ver o outrora poderoso político alagoano pedindo água, secundado por uma senadora Katia Abreu que não se envergonhou de fazer um verdadeiro barraco no Senado.

De nada adiantou. O MDB permaneceu dividido, Alcolumbre ganhou aos poucos força magnética, cresceu a ideia de seria bom “renovar” a liderança da Casa. Ao final da tumultuada sessão, Renan jogou a toalha e Alcolumbre conseguiu os votos necessários para presidir a Casa, abraçado a Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Major Olímpio (PSL-SP), Álvaro Dias (Podemos-PR) Simone Tebet (MDN-MT), Reguffe (DF-sem partido), Coronel Ângelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC). Novos equilíbrios acabaram por prevalecer.

Bernardo Mello Franco: Por qué no te callas, Vélez?

- O Globo

O ministro da Educação perdeu outra chance de ficar calado. Descreveu os brasileiros, que pagam seu salário, como bárbaros e ladrões

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, perdeu mais uma chance de ficar calado. Em entrevista à revista “Veja”, ele chamou os brasileiros de “canibais” e descreveu os contribuintes que pagam o seu salário como ladrões.

“O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisa dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, ele acha que pode sair de casa e carregar tudo”, disse.

Vélez nasceu na Colômbia e fala português com sotaque. Ao tratar os brasileiros como bárbaros, insultou o país que lhe ofereceu passaporte e cidadania.

O professor também deu aula de desinformação. Atacou Cazuza, morto em 1990, por algo que ele nunca disse. A frase “Liberdade é passar a mão na bunda do guarda”, que Vélez atribuiu ao cantor, foi popularizada pelos humoristas do Casseta & Planeta.

O ministro ainda atacou a cineasta Carla Camurati por não ter retratado dom João VI como “um grande herói” em “Carlota Joaquina”. O filme é uma comédia, não um documentário. Reuniu um elenco estrelado e impulsionou a retomada do cinema brasileiro, que Vélez também parece desprezar.

Mais adiante, ele defendeu a volta das aulas de moral e cívica, impostas pela ditadura militar. A patriotada não vai tirar o Brasil da lanterna dos rankings internacionais de educação. Quem estuda o assunto sabe que os alunos precisam de reforço em disciplinas mais importantes, como matemática e ciências.

O besteirol de Vélez não se limita aos chavões reacionários. Em outra entrevista recente, ele disse ao “Valor Econômico” que as universidades “devem ficar reservadas para uma elite intelectual”.

De acordo com o IBGE, os brasileiros com ensino superior ganham 2,5 vezes mais do que os que têm apenas o ensino médio. A taxa de desemprego entre os diplomados é a metade da média nacional. Além de excludente, a tese do ministro é antieconômica.

Em 2007, o rei Juan Carlos silenciou Hugo Chávez com uma pergunta famosa: “Por qué no te callas?”. Vélez é fã da monarquia. Agora que virou ministro, deveria se aconselhar com o ex-soberano espanhol.

Eliane Cantanhêde: O governo começou!

- O Estado de S.Paulo

Com minuta da Previdência e pacote de Moro, governo sai do papel e Congresso se move

O governo começou de fato nesta segunda-feira, 4, com a abertura oficial do Ano Legislativo, o anúncio do pacote antiviolência e anticorrupção e a divulgação pelo Estado da minuta da reforma da Previdência. Foi o melhor e mais produtivo dia da Presidência de Jair Bolsonaro desde a posse.

Na mensagem presidencial lida no plenário da Câmara, ele lançou a “guerra ao crime organizado”, o que soa como música aos ouvidos da população, estarrecida e amedrontada com a violência. Resta saber se a guerra contra a corrupção será tão musical para senadores e deputados, que terão de votar as medidas do ministro Sérgio Moro.

Estrategicamente, Moro detalhou seu pacote primeiro para governadores e falou várias vezes nos “anseios da sociedade”. Tanto um empurrão de governadores quanto a pressão popular costumam ser tiro e queda para a aprovação de projetos no Congresso.

O pacote de Moro contém medidas que podem até não agradar aos eleitos, mas certamente agradam aos eleitores. Exemplo: a ratificação da prisão de condenados em segunda instância, em sintonia com o entendimento do Supremo. O pacote prevê até um desestímulo a recursos, inclusive ao próprio STF, ao formalizar que a presunção de inocência não é suficiente para evitar, ou suspender, a prisão nesse caso.

Também pode assustar os congressistas, mas recebe aplausos da sociedade, o endurecimento das regras: o confisco de bens que ultrapassem valores obtidos com rendimentos comprovadamente lícitos; regime fechado desde o início da pena por corrupção e peculato; presídio de segurança máxima para condenados por organização criminosa que forem pegos com armas.

Eloísa Machado de Almeida*: Pacote de Moro contra crime esbarra em decisões do STF

- Folha de S. Paulo

Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, em relação ao Judiciário podem ser intransponíveis

A proposta de alteração legislativa apresentada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, prevê uma série de mudanças no Código Penal, no Código de Processo Penal e em mais de uma dezena de outras leis penais.

Cogita-se que, em breve, tal proposta será enviada ao Congresso Nacional, onde deverá ser debatida na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, podendo sofrer significativas alterações.

Além do óbvio desafio de mobilizar uma base governamental, a aprovação da proposta de Moro pode encontrar uma dificuldade a mais no Congresso Nacional, já que parte das medidas já foi objeto de debate pelo Legislativo.

Ou são contrárias a legislações aprovadas recentemente pelos parlamentares, como as regras sobre colaboração premiada e sobre organizações criminosas, ou procuram requentar propostas que foram desprezadas, como a criminalização do caixa dois e alteração das regras de prescrição, que constavam das medidas contra corrupção encabeçadas pelo Ministério Público.

Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, no âmbito do Judiciário podem ser intransponíveis: apesar de se apresentarem como novidade, grande parte das medidas propostas pelo ministro Moro se relaciona com temas já debatidos e considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Por exemplo, a vedação da progressão de regime prisional foi julgada contrária à garantia constitucional de individualização da pena, no célebre caso sobre a lei de crimes hediondos.

Da mesma forma, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória (ou de medidas cautelares) foi considerada inconstitucional por violar a presunção de inocência e o devido processo legal, quando o STF julgou as penas impostas pelo Estatuto do Desarmamento.

Ricardo Noblat: Bolsonaro larga ministro de mão

- Blog do Noblat | Veja

Que cuide da própria sorte

Bem que Sérgio Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, tentou aliviar a situação do seu colega de governo Marcelo Álvaro, do Turismo, mais um servidor do capitão metido em rolo.

O antes implacável juiz, combatente número 1 da corrupção, limitou-se a comentar quando provocado por jornalistas:

– Particularmente não sei se esta matéria é totalmente consistente. Se surgir a necessidade de apuração, será apurado.

Mas, para o presidente por enquanto entregue a cuidados médicos, Marcelo Álvaro que se vire para provar sua inocência. Do contrário, tchau e benção. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.

Bolsonaro só promoveu Marcelo Álvaro a ministro porque ele estava no lugar certo e na hora certa. Ele o acompanhou na fatídica viagem a Juiz de Fora, em setembro passado. E foi um dos que o carregaram sangrando para o hospital depois da facada.

Marcelo Álvaro é suspeito de ter patrocinado um esquema de candidaturas laranjas em Minas Gerais que desviaram dinheiro público de campanha para empresas ligadas ao seu gabinete de deputado federal. Jura ser inocente.

Saúde não rima com pressa

Os perigos do poder

Aconteceu o que médicos craques no assunto haviam previsto sob a condição de não serem identificados para não arranjar confusão.

Não fez bem ao capitão a pressa em reassumir a presidência da República ainda no leito de hospital onde se recupera de cirurgia.

Luiz Carlos Azedo: Jogo começa sem Bolsonaro

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“Bolsonaro afina o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas”

O ano legislativo começou com o governo pautando o Congresso em dois temas essenciais para o sucesso de Jair Bolsonaro como presidente da República: a reforma da Previdência e a política anticrime organizado. No primeiro caso, houve vazamento de uma proposta de aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, que foi desmentida e desagradou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que ainda não fechou a proposta oficial do governo com o próprio Bolsonaro; no segundo, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou as propostas de endurecimento das penas e do regime carcerário, além da criminalização do caixa dois eleitoral e de combate a corrupção, aparentemente já sincronizadas com o presidente da República, que declarou guerra ao crime organizado na sua mensagem ao Congresso.

Nenhuma das duas reformas (a previdenciária e a penal) terão andamento fácil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiantou que pretende submetê-las a amplo debate na Casa. A eleição de Maia, no primeiro turno, com 334 votos dos 513 deputados, foi relativamente tranquila, na sexta-feira passada, mas sinaliza também uma liderança compartilhada com setores do governo e da oposição. Com toda certeza, deixará as propostas decantarem nas comissões especiais antes de levar a plenário para votação. Maia é um defensor da reforma da Previdência, que considera vital para o país, mas não vai submeter a proposta à votação sem uma maioria consolidada; sabe que uma derrota na largada pode custar a própria reforma. Também é a favor do endurecimento das penas, mas não será algoz de seus colegas no caso do caixa dois eleitoral, pois a Câmara ainda é uma casa de alguns condenados à forca. O mais provável é que o preço da nova lei seja uma anistia ao caixa dois, do tipo “quem comeu, comeu; agora não come mais”.

A situação no Senado, nesse aspecto, é um pouco mais confusa, embora a vitória surpreendente de Davi Alcolumbre (DEM-AP), também no primeiro turno, deva ser computada como um gol de placa do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que jogou todo o seu prestígio e arriscou o próprio cargo para derrotar o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (MDB-AL), com uma maioria bem apertada: 42 votos de 81 senadores. O novo presidente do Senado também foi eleito com votos da oposição: PSDB, Rede, PDT, PSB e PPS. Ou seja, para aprovar as reformas, quando chegarem ao plenário, precisará negociar um acordo amplo, inclusive com o MDB e o PT, os grandes derrotados na disputa pelo controle da Mesa do Senado.

Joel Pinheiro da Fonseca: Ser novo não é ser bom

- Folha de S. Paulo

O ideal de anjos de pureza moral e ideológica é falso e contraproducente

Onyx Lorenzoni conseguiu uma grande vitória e se fortaleceu na cadeira ao emplacar Davi Alcolumbre na presidência do Senado. Renan Calheiros, ao mesmo tempo, se revelou muito mais frágil do que parecia, e as grosserias publicadas por ele contra a jornalista Dora Kramer só reforçam a alegria que é vê-lo longe dessa posição tão importante.

Renan perdeu, portanto o novo venceu? Não tão rápido. Alcolumbre, amigo pessoal de Onyx (e empregador de sua esposa no gabinete), votou contra cassar Aécio e tem investigações contra si correndo no STF.

Com Onyx tendo já admitido caixa dois no passado, Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente) condenado por improbidade administrativa, Marcelo Álvaro Antônio (ministro do Turismo) com sérias suspeitas de ter montado um esquema de candidatas laranjas e, por fim, Flávio e o próprio Jair Bolsonaro enrolados com um ex-assessor que tem vínculos preocupantes com milícia carioca, fica difícil ver no governo alguma grande revolução ética.

Seus defensores podem até argumentar que o que foi descoberto até agora é muito menor que a corrupção do PT, mas o fato é que o novo governo não corresponde ao ideal de incorruptibilidade e luta implacável contra todo e qualquer desvio.

Hélio Schwartsman: Divertido, mas...

- Folha de S. Paulo

Senadores agiram como colegiais destemperados

Foi animada a votação para a presidência do Senado. Confesso que me diverti, mas, se refletirmos mais detidamente, deveríamos ficar preocupados, porque praticamente todos os atores, ainda que em graus variados, se comportaram mal.

O novo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, violou a pudicícia parlamentar ao presidir uma sessão na qual tinha interesses como candidato e atropelou o regimento, tentando impor a votação aberta contra disposição expressa do texto. Pisou na bola antes mesmo de começar a gestão, um recorde.

A turma de Renan Calheiros, que durante algum tempo até teve a razão a seu lado, perdeu-a quando a senadora Kátia Abreu roubou a pasta deAlcolumbre. Nem comento os xingamentos e as quase agressões.

O presidente do STF, Dias Toffoli, não fez nada fragorosamente errado, mas perdeu uma bela oportunidade de exercer a autocontenção que tanto tem faltado à corte. O Supremo, afinal, é o guardião da Constituição, quiçá das leis, mas não dos regimentos. Embora a violação fosse patente, estávamos diante de uma questão de economia interna do Senado, da qual o STF deveria ter se mantido prudentemente afastado em nome da independência dos Poderes.

Ranier Bragon: Jovens Renans

- Folha de S. Paulo

Se o que vimos no Senado é 'o novo', estamos mesmo mal das pernas

Quarenta anos de carreira política, quatro mandatos de presidente do Senado, escândalos pra dar, vender e financiar, se há alguém com a cara da “velha política”, esse é José Renan Vasconcelos Calheiros.

Pergunto-me, porém: o que representa esse grupo difuso e histriônico que barrou o quinto mandato do alagoano e instalou no lugar o obscuro Davi Alcolumbre (DEM-AP)?

Se isso é o que chamam de a nova política e se eles irão se portar como nessas inesquecíveis sessões de eleição do novo presidente do Senado, estamos mesmo mal das pernas.

A “nova política” começou a sexta (1) tentando aplicar um golpe digno de Renans, Jaders e Sarneys: pregou Davi na cadeira de presidente e sacou da cartola a defesa do voto aberto. A eleição para a chefia das casas legislativas é secreta, sempre foi, e por razões sólidas: entre elas, a de reduzir o poder dos governos de cabrestear o voto dos parlamentares.

Há, mesmo assim, argumentos razoáveis em prol do voto aberto. Mas, para isso, é preciso aprovar um projeto nesse sentido, tudo dentro de normas chatas, chatíssimas, mas essenciais no chamado Estado democrático de Direito. Passar por cima desse rito em nome do combate ao Renan, ao Godzilla, a quem quer que seja, é colocar um tijolinho a mais no castelo da republiqueta de banana que muitos querem construir.

Andrea Jubé: Um Davi e dois Golias

- Valor Econômico

Reforma da Previdência será outro gigante a enfrentar

Era 2005 e o senador Renan Calheiros candidatava-se pela primeira vez à presidência do Senado. Habilidoso, com dez anos de mandato na Casa, o emedebista desde então distribuía afagos e favores. Quando um eleitor em potencial reclamou do gabinete, apertado e distante do plenário, Renan ofereceu-lhe o seu - amplo e localizado na concorrida Ala Teotônio Vilela - e assegurou o voto.

Naquela mesma campanha, outro senador prometeu-lhe apoio desde que Renan lhe apresentasse um laudo comprovando a inviolabilidade do painel para se certificar do sigilo de seu voto.

Os senadores não haviam superado o trauma com a violação do painel na votação da cassação do senador Luiz Estevão, em uma articulação conjunta do então presidente do Senado, o todo-poderoso Antonio Carlos Magalhães, e o líder do governo, José Roberto Arruda. Veio a público o voto da senadora Heloísa Helena, contrário à cassação, num contrassenso ao que ela pregava publicamente.

Esse episódio atesta, 19 anos depois, como o sigilo do voto interfere na história da República. Se tivesse prevalecido no sábado, o desfecho poderia ter sido outro, com Davi Alcolumbre vencido, e Renan reconduzido ao quinto mandato de presidente da Casa.

Ao antever o fracasso, Renan invocou a previsível metáfora bíblica: "Eu retiro a postulação porque entendo que o Davi [Alcolumbre] não é o Davi [rei dos judeus]; Davi sou eu, ele é o Golias, atropela o Congresso, o próximo passo é o Supremo Tribunal Federal, sem o carro e sem o sargento". Ele se referiu ao apoio do governo Bolsonaro ao seu adversário.

Pablo Ortellado: Reformar ou perecer

- Folha de S. Paulo

É preciso reconhecer e corrigir os problemas reais da imprensa, das universidades e das artes

As instituições de reprodução de valores estão sob ataque. O jornalismo, a ciência e as artes viraram campos de batalha das guerras culturais. Conservadores —e às vezes também progressistas— têm explorado deficiências estruturais dessas instituições para destruí-las. Mas sua defesa só vai ser efetiva se os problemas apontados forem enfrentados.

A crítica antielitista persuade porque parte de um diagnóstico certeiro.

A imprensa não tem separado com resolução a reportagem das posições editoriais dos veículos, nem sempre tem tido o cuidado de publicar apenas o que foi apurado com rigor e não tem perseguido com o devido empenho o equilíbrio na apresentação dos fatos.

As universidades, por sua vez, não têm se esforçado em traduzir e difundir suas descobertas para um público mais amplo, rompendo com o hermetismo do jargão tecnicista, também não têm garantido a pluralidade de correntes em muitas disciplinas e muitas vezes têm se mostrado refém do poder econômico e político dos financiadores de pesquisa.

As artes, por fim, estão cada vez mais concentradas em dinâmicas endógenas, com circuitos de apresentações e exibições formados apenas por praticantes, ex-praticantes e aspirantes, que se apoiam no financiamento público e na autonomia da linguagem para não fazer qualquer esforço para se comunicar com o público não iniciado.

Míriam Leitão: O jeito errado de fazer a reforma

- O Globo

Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)

A pior forma de se tentar aprovar uma reforma da Previdência é provocando vazamentos que dão força aos grupos contrários à própria reforma. No governo Temer, houve total coordenação entre a Casa Civil, o Ministério da Fazenda e o presidente da República. A PEC 287 só veio a público quando já era um texto formatado e pronto para ser negociado com o Congresso, ponto a ponto.

Ontem, o que se via entre os especialistas era um sentimento de confusão e perplexidade. Ninguém sabia exatamente o que dizer, que conta fazer, porque não se sabia o que de fato era verdade e o que ainda passaria pelo filtro do presidente Jair Bolsonaro.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, avisou que ele era contra a mesma idade mínima para homens e mulheres. Já o secretário Rogério Marinho afirmou que há várias propostas sobre a mesa. A única coisa que parece certa na suposta PEC divulgada ontem é que ela dificilmente pegará carona no texto do governo Temer.

Como alertou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um projeto começando do zero terá que passar por todas as comissões antes de ir a plenário.

Hora do ônus
A suspensão da operação na mina de Brucutu derrubou a ação da Vale. O ônus do desastre em Brumadinho não será pequeno. Os investidores passam a considerar uma reação mais firme dos órgãos públicos em relação à empresa. O procurador da República José Adércio Leite Sampaio achou prudente a decisão da Justiça e deixou aberta a possibilidade de novos pedidos para paralisar outras operações da companhia. As instituições têm atuado em parceria, diz. Os próximos dias prometem volatilidade, com os passos da Justiça ditando os humores dos investidores. Esta semana é feriado na China, o mercado que determina a cotação do minério. É provável que o preço suba com o fechamento da mina de Brucutu, responsável por quase 8% da produção da Vale. A alta da commodity diminuiria a pressão sobre as ações da empresa. Mas o fato é que os primeiros desdobramentos já são diferentes do que aconteceu após o desastre de Mariana. O ambiente negativo para a Vale está longe de ter se dissipado.

José Casado: Lucros e bônus envenenados

- O Globo

Acionistas e executivos têm um histórico de governança cataclísmica

Desde que trocou a vida nômade em tendas no gélido deserto canadense pelo escritório aquecido na York Street, em Toronto, o britânico Jonathon Paul Rollinson, 56 anos, passa o tempo imaginando formas mais baratas de aumentar a extração de ouro em três continentes.

No Brasil cortou custos, aumentou produção (25%) e lucros. Ano passado, o chefe da Kinross embolsou R$ 29 milhões em salário e bônus.

A mina de ouro brasileira está dentro de Paracatu (MG), oito mil quilômetros ao sul de Toronto. Ali, dinamitam-se rochas. O ouro é extraído a céu aberto. Por cada grama, libera-se em média 2,8 quilos de arsênio. É um ambiente tóxico, onde vivem 80 mil pessoas, com prevalência de múltiplas doenças. A Kinross represa 60 mil toneladas de puro veneno a 500 metros dos bairros mais pobres.

O medo avança na esteira da lama química, política e corporativa que já devastou Mariana e Brumadinho. Empresas como Vale, BHP Billiton, Norsk Hydro, CSN, Anglo American, Aterpa, Ashanti e outras 360 precisam se reinventar com urgência.

Ana Carla Abrão*: Imaturidade fiscal

- O Estado de S.Paulo

Não há dúvidas de que precisamos rever nosso pacto federativo

Maturidade reflete condição ou estado de desenvolvimento. Em questões fiscais, significa eficiência do gasto público e da geração de receita, equilíbrio das contas públicas e, acima de tudo, capacidade de atender às demandas da população.

Gestão fiscal madura deve dar conta de controlar despesas e garantir eficiência na arrecadação de impostos. Mas deve também assegurar que haja planejamento, monitoramento e busca contínua de uma melhor alocação dos recursos públicos que, afinal, são sim finitos. Maturidade fiscal é cuidar para que conceitos fundamentais de gestão pública sejam observados, visando resultados concretos para a sociedade.

Pois é justo isso que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) procura medir com uma iniciativa inédita de avaliação do desempenho fiscal dos Estados brasileiros. Por meio da MD-Gefis - Metodologia para Avaliação da Maturidade e Desempenho da Gestão Fiscal, o BID, com o apoio do Ministério da Fazenda e do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), apresenta um diagnóstico de maturidade da gestão fiscal dos Estados brasileiros. Pontos fortes e fracos de cada ente são destacados, abrindo espaço para uma ampla agenda de melhoria nas diversas dimensões que compõem uma gestão fiscal eficiente e voltada ao interesse da sociedade.

Sergio Lamucci: O papel do investimento para acelerar a retomada

- Valor Econômico

Mercado de trabalho fraco prejudica o consumo das famílias

A fraqueza recente da atividade econômica preocupa, contrastando com o comportamento positivo dos ativos brasileiros, em especial na bolsa de valores e no mercado de juros. Embora a recuperação cíclica siga em curso, o ritmo não é nada animador, como ficou evidente nos resultados decepcionantes do mercado de trabalho e da produção industrial divulgados na semana passada.

Para que a retomada capenga enfim ganhe tração, será decisiva a aprovação neste ano de uma reforma da Previdência que não seja suave demais. É a principal medida para reduzir as incertezas sobre a situação das contas públicas - ainda que não a única -, um ponto fundamental para dar mais segurança para os empresários aumentarem investimentos e para o Banco Central (BC) promover eventuais cortes adicionais dos juros.

Do ponto de vista da demanda, resta apenas o investimento para fazer a economia avançar com mais força, segundo o economista Marcelo Gazzano, da A.C. Pastore & Associados. "Uma aceleração na recuperação somente poderá ocorrer na parte final do ano, impulsionada pelo eventual aumento na formação bruta de capital fixo [FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação] decorrente da remoção de riscos permitida pela aprovação de uma reforma da Previdência robusta, que torne mais claro o quadro de consolidação fiscal", aponta relatório da consultoria do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. A valorização expressiva da bolsa e a queda dos juros futuros ocorridas nos últimos meses "indicam a expectativa de sucesso do governo" na aprovação das medidas necessárias para o ajuste das contas públicas, o que "removeria incertezas que são uma das causas da baixa taxa de investimentos em capital fixo", segundo a A.C. Pastore.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: Histórias da concorrência capitalista

- Valor Econômico

A tendência à centralização do controle e à concentração da produção não é um fenômeno recente

Em junho de 2018, os economistas Gustavo Grullon, Yelena Larkin e Roni Michaely publicaram o estudo "Are U.S. Industries Becoming More Concentrated?". Em percuciente e minuciosa investigação, os autores demonstram a natureza e consequências do processo de concentração empresarial nos mercados de bens e serviços. "Demonstramos que esse aumento na concentração tem implicações significativas para o desempenho das empresas: rentabilidade, ganhos com fusões e aquisições e retorno para os investidores... Nosso estudo revelou que a elevação das margens de lucro está mais relacionada com o poder de mercado do que com ganhos de eficiência".

Os autores reconhecem que foi ampliada e aprofundada sua compreensão a respeito de dois movimentos cruciais para a dinâmica atual do capitalismo: 1- a intensificação nos últimos anos das fusões e aquisições e 2- a valorização "anormal" das ações nas bolsas de valores e a explosão dos ganhos dos acionistas.

A análise da concorrência capitalista envolve a observação de uma estrutura em movimento. No movimento histórico das economias capitalistas, a reprodução das estruturas está associada à irreversibilidade e à emergência do novo. O tempo histórico reproduz as formas do sistema, mas se rebela contra as tentativas de aprisionamento nos jazigos da "rigidez cadavérica".

A tendência à concentração da produção e à centralização do controle não é um fenômeno recente. Entre as três últimas décadas do século XIX e a Primeira Guerra, a economia mundial foi abalada pelas transformações provocadas pela Segunda Revolução Industrial.

Fareed Zakaria: Em defesa das elites

The Washington Post / O Estado de S. Paulo

As elites se tornaram o alvo favorito tanto da direita quanto da esquerda.

Neste ano, o Fórum Econômico Mundial provocou uma inflamada onda de ataques às elites, que se tornaram o alvo favorito tanto da direita quanto da esquerda. De um lado, o presidente Trump e os comentaristas da Fox News fustigam o inatingível establishment que, segundo eles, conduz os destinos do mundo; de outro, os esquerdistas malham os milionários que, na frase de um autor esquerdista, “quebraram o mundo moderno”.

Costurando essas críticas gêmeas está uma sombria visão da vida contemporânea – tida como culpada pela estagnação da renda e responsável pela degradação ambiental. Mas essa avaliação é verdadeira?

Olhando-se pelo parâmetro mais importante, o da renda, na verdade estamos vivendo um progresso espantoso. Desde os anos 1990, mais de 1 bilhão de pessoas saíram da pobreza extrema. A faixa da população que ainda vive nessa condição caiu de 36% para 10%, a mais baixa da história. A desigualdade, de uma perspectiva global, declinou. E tudo isso ocorreu porque os países – da China à Índia e à Etiópia – adotaram mais políticas favoráveis ao mercado, com os países ocidentais abrindo-lhes acesso a mercados, aumentando a ajuda humanitária e perdoando dívidas.

De uma perspectiva global, os números são impactantes. Dos anos 1990 para cá, a mortalidade infantil caiu 58%, a subnutrição, 41%, e a morte de mães ao darem à luz, 43%. Alguns dirão que os números referem-se ao mundo em geral, não aos EUA. Essa sensação de “injustiça” é o que seguramente vem alimentando a primeira agenda do governo Trump e grande parte da raiva que a direita tem do sistema internacional (o mais assombroso é que a esquerda, cujas preocupações são voltadas para os mais pobres entre os pobres, tenha se tornado crítica de um processo que melhorou a vida de pelo menos 1 bilhão de pessoas das mais empobrecidas do mundo).

Longo aprendizado: Editorial | Folha de S. Paulo

Na eleição do Senado, quem perdeu não entendeu a mudança no ambiente da política; quem ganhou ignorou a necessidade de obedecer ao rito legal

Um oligarca incapaz de compreender a mudança na atmosfera política chocou-se com um grupo disposto a atropelar o devido processo legal para atingir os seus objetivos de poder. Assim foi a eleição para presidente do Senado Federal.

O sempiterno senador Renan Calheiros (MDB-AL), quando tricotou sua quinta candidatura à chefia da Casa, decerto entendeu que seria mais um passeio no bosque encantado dos conchavos de sempre, que fizeram das disputas anteriores meras coreografias de um roteiro previamente acertado.

Bastava adaptar-se à tonalidade do discurso do governo federal, deixar para trás a estampa de aliado do intervencionismo petista e inaugurar uma face reformista e liberal, raciocinou Renan.

Do antigo figurino, guardou o hábito de insinuar proteção a quem, como o senador investigado Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), poderá precisar disso. Também manteve indômito o instinto de ameaçar deixar a pão e água quem, como a senadora Simone Tebet (MDB-MS), desafiou o seu mando no partido.

Uma grande bagunça: Editorial | O Estado de S. Paulo

Pelo que se viu na sexta-feira e no sábado, a inédita renovação do Senado - das 54 cadeiras disputadas nas eleições do ano passado, 46 foram preenchidas por novos parlamentares - foi apenas uma troca de nomes. Os costumes permaneceram os mesmos, se não é que pioraram. O início da 56.ª Legislatura do Senado foi uma grande bagunça, com estudantadas de ensino médio, afrontas ao Regimento Interno do Senado e uma reiterada indiferença pelos bons modos. Ainda que o senador Renan Calheiros tenha sido derrotado - o que é uma excelente notícia -, a eleição para a presidência do Senado foi uma vitória das piores práticas políticas. A tão esperada “nova política” ainda não foi vista.

Após a posse dos senadores, quando juraram respeitar a Constituição e as leis do País, deveria ser feita a eleição da presidência da Casa. No entanto, não houve eleição na sexta-feira. A sessão, que durou mais de cinco horas, foi um show de agressões, insultos e arbitrariedades. O dia 1.º de fevereiro de 2019 ficará marcado como um momento vergonhoso da história do Senado.

Apesar de ser candidato, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) assumiu a presidência da sessão, numa afronta à neutralidade que deve existir na condução dos trabalhos eleitorais. Não cabe a um candidato presidir a sessão que pode ser a da sua própria eleição. Questionado a respeito desse estranho comportamento, o senador Alcolumbre simplesmente não se levantou da cadeira. Era a tática da força.

Frustração com 2018 amplia expectativas para este ano: Editorial | Valor Econômico

Acumulam-se os sinais de que a economia terminou 2018 mais fraca do que se esperava, intensificando as expectativas para este ano. A indicação mais recente vem da indústria, cuja produção cresceu em ritmo insuficiente para ampliar a oferta de trabalho formal e reduzir de modo significativo a desocupação. Se o emprego não melhora, o consumo segue tímido, insuficiente para alavancar a produção, mesmo porque o crédito ainda está contido. São facetas de um mesmo quadro, que se retroalimentam.

A produção industrial cresceu 1,1% no ano passado, um resultado inferior à expansão de 2,5% de 2017, que encerrou um período de três anos seguidos de retração e nem de longe recuperou as quedas desses anos, de 3% em 2014, de 8,3% em 2015 e de 6,4% em 2016. O ritmo forte que marcou os primeiros meses de 2018 perdeu ímpeto após a greve dos caminhoneiros em maio e, depois, com as incertezas eleitorais que tumultuaram o segundo semestre. Mais à frente, pesou o efeito da crise na Argentina, importante comprador de manufaturados brasileiros. A atividade industrial acabou fechando o ano 2,6% abaixo do nível de junho e 16,3% inferior ao pico registrado em março de 2011, em nível semelhante ao de março de 2009.

Há clima para avanço na reforma da Previdência: Editorial | O Globo

Eleições dos dirigentes de um Congresso renovado criaram uma oportunidade ímpar

É preciso que os presidentes da Câmara e do Senado se entendam o mais rapidamente possível com o governo sobre o encaminhamento da reforma da Previdência. Passados 35 dias da posse, sabe-se que o presidente Jair Bolsonaro levou o tema ao topo da agenda como “prioridade zero”, na sua definição. Porém, ainda não se sabe exatamente qual é o projeto governamental. Nem mesmo quando será enviado à Câmara, primeira escala no trâmite legislativo que ali exige aprovação em dois turnos e com 308 votos.

As eleições dos dirigentes de um Congresso renovado, no fim de semana, criaram uma oportunidade ímpar — e ela não deveria ser desprezada. É notória a receptividade, e até ansiedade, do Legislativo para iniciar esse debate.

Ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, destacou a aflição política com o baixo nível de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o desequilíbrio fiscal da União, estados e municípios. “A reforma deverá ser adequada ao crescimento da economia”, disse, “o texto deverá evitar que os sacrifícios exigidos sejam desproporcionais para a população.”

Literatura do jovem Karl Marx antecipa sua obra econômica

Reunidos no livro ‘Escritos ficcionais’, romance e peça do autor de ‘O capital’ apresentam ideias com ironia e erudição

Ruan de Sousa Gabriel | Segundo Caderno

SÃO PAULO - Em 1837, no aniversário de 60 anos de seu pai, o jovem Karl Marx não sucumbiu ao fetichismo da mercadoria e confeccionou ele próprio um presente para o velho Heinrich: um caderno recheado de suas audácias literárias. Havia um punhado de poemas (incluindo versinhos galantes que ele, então com 19 anos, escrevera para sua futura esposa, Jenny von Westphalen), uma tradução de Ovídio, o primeiro ato de uma peça intitulada “Oulanem” e fragmentos de um romance satírico chamado “Escorpião e Félix”.

Esse caderno só foi descoberto na década de 1920, quando o Instituto Marx-Engels-Lenin, de Moscou, organizava as obras completas dos autores do “Manifesto comunista”. “Escorpião e Félix” e “Oulanem”, que Marx nunca chegou a publicar, compõem o volume “Escritos ficcionais”, lançado pela Boitempo no fim do ano passado.

“Escorpião e Félix” tem capítulos curtose um enredo difícil de apreender — é um romance fragmentado, mas não se sabe se os capítulos faltantes se perderam ou se nem sequer foram escritos. A trama se desenrola aos solavancos e envolve personagens como o alfaiate Merten, seu filho Escorpião, o oficial Félix, a cozinheira casadoura Margarida e o cão Bonifácio — Merten acreditava que o cão era o próprio São Bonifácio, padroeiro dos alemães.

O romance é encharcado de ironia e pródigo em referências bíblicas, literárias e piadas filosóficas — Hegel, que tamanha ascendência teve sobre Marx, é chamado de “anão”. Marx tentou imitar o estilo digressivo e mordaz do irlandês Laurence Sterne (1713-1768), autor de “A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy”, uma das influências de outro galhofeiro, Machado de Assis.

“Oulanem” reúne todos os elementos de uma tragédia romântica: um viajante, uma cidadezinha italiana, um vilão infame (que ofende o mocinho com xingamentos como “moleque” e “bastardo”), a paixão fulminante e irrealizável de um jovem casal e a sugestão de um pacto com o demônio. “Oulanem” é um anagrama de “Emanuel”, um dos nomes bíblicos do messias hebreu, o que rendeu à peça acusações de satanismo. A peça é escrita toda em versos, que são rimados no diálogo dos amantes.

INFLUÊNCIA DE HEGEL
Apesar da ironia, das referências eruditas e das rimas, a ficção de juventude de Marx não é tão reverenciada quanto seus escritos filosóficos.

—São textos sem grande valor literário, mas apresentam sintomas de um procedimento intelectual que Marx vai explicitara o longo de sua obra —diz Carlos Eduardo Berriel, professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL-Unicamp). — Uma das características da literatura é alcançara totalidade a partir da vida cotidiana. A primeira frase de “O capital”, em que Marx diz que a sociedade capitalista aparece como um grande acúmulo de mercadorias, é um sintoma da formação literária dele. Ele não diz o que a sociedade capitalista é, mas como ela aparece ao homem comum.

Algumas características desses primeiros exercícios literários aparecem —e são refinados — na obra filosófica e econômica de Marx, como o gosto pela ironia e pelos trocadilhos, as referências eruditas e o talento para a criação de imagens e metáforas, encontradas, por exemplo, na discussão sobre o caráter “fantasmagórico” da mercadoria desenvolvida no “Capital”.

Em outra carta enviada ao pai, em novembro de 1837, Marx afirmou perceber, em seus exercícios ficcionais, a influência da filosofia e conta de seu crescente interesse por Hegel. Marx acabou deixando a ficção de lado e se engajou em um diálogo com a obra de Hegel que durou avida toda.

— Muitos veem aí uma ruptura, mas eu me filio ao outro time, que enxerga uma continuidade entre a produção literária e a filosófica — afirma o historiador Angelo Segrillo, autor de “Karl Marx: uma biografia dialética”. — Marx não jogou nada fora, mas passou a um outro tipo de atuação intelectual. Isso foi muito comum na carreira dele. Ele passou da literatura à discussão filosófica sobre alienação e depois à economia, sempre em busca da melhor forma de atuação.

Expedito Baracho: E eu drumo (Capiba)

Cecília Meirelles: Cantar

Cantar de beira de rio:
Agua que bate na pedra,
pedra que não dá resposta.

Noite que vem por acaso,
trazendo nos lábios negros
o sonho de que se gosta.

Pensando no caminho
pensando o rosto da flor
que pode vir, mas não vem

Passam luas - muito longe,
estrelas - muito impossíveis,
nuvens sem nada, também.

Cantar de beira de rio:
o mundo coube nos olhos,
todo cheio, mas vazio.

A água subiu pelo campo,
mas o campo era tão triste...
Ai!
Cantar de beira de rio.