sábado, 23 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Calamidade no saneamento perdura no Brasil

O Globo

Ao enfraquecer legislação, governo contribuiu para manter população em condição insalubre por mais tempo

É desolador o quadro traçado no último ranking sobre o saneamento nas cem maiores cidades brasileiras do Instituto Trata Brasil. No ritmo verificado pelo estudo — alta de 55,8% para 56% na coleta de esgoto e de 51,2% para 52,2% no tratamento —, a universalização levará décadas, com consequências nefastas para a população e para o meio ambiente. Diariamente, o equivalente a mais de 5,2 mil piscinas olímpicas de eflúvios sem tratamento é despejado na natureza. Das 20 cidades com pior classificação, 11 estão nesse grupo há dez anos.

Os 20 municípios mais bem colocados estão espalhados pelo Brasil. Maringá (PR) está em primeiro lugar. São Paulo, em sétimo, é a capital na melhor situação. Uberlândia, em quinto, é a melhor cidade em Minas Gerais, e Niterói, em sexto, no Rio. Em comum, essas cidades investiram e investem altos valores per capita em saneamento. Não existe outra alternativa para a insalubridade.

Carlos Góes - O fim do milagre chinês?

O Globo

Talvez você tenha lido alguma notícia sobre a crise migratória na fronteira dos Estados Unidos com o México. Mas eu duvido que o leitor consiga adivinhar a nacionalidade que teve mais crescimento no número de detenções migratórias: os chineses.

Ao fim de 2023, o número de imigrantes chineses detidos na fronteira era quase 600% maior do que no mesmo período do ano anterior. Mas como há um crescimento percentual tão forte no número de pessoas que estão saindo de um país que está a 11 mil quilômetros para imigrar por terra? Eu, que moro nesta fronteira, também me fiz essa pergunta.

Pablo Ortellado - Hipocrisia americana

O Globo

A esperança é que o Senado pare e reflita sobre os vários impactos da proibição do aplicativo nos Estados Unidos

Na semana passada, a Câmara dos Estados Unidos aprovou com folgada maioria um projeto de lei que obriga a empresa chinesa ByteDance a vender o TikTok ou a sair do mercado americano. O projeto ainda precisa da aprovação do Senado, mas a votação muito expressiva na Câmara, com raro apoio bipartidário, mostrou que a proposta tem boas chances de prosperar. Biden sinalizou que, uma vez aprovado o projeto, não o vetará. Se implementada, a medida consolidará uma perigosa dinâmica de balcanização do mercado de tecnologia, seguindo divisões geopolíticas.

O banimento do TikTok foi proposto por um deputado republicano sob a alegação de que a difusão de um aplicativo controlado por uma nação adversária dos Estados Unidos trazia riscos à segurança nacional. No debate, dois tipos de argumento se destacaram. O primeiro é que a ByteDance, por ser chinesa, responderia em última instância ao Partido Comunista da China e poderia, a qualquer momento, transferir dados de cidadãos americanos ao governo chinês. Além disso, alegou-se que o TikTok poderia alterar o algoritmo de apresentação dos vídeos na plataforma, manipulando o debate político nos Estados Unidos.

Eduardo Affonso - Um cálculo estrutural

O Globo

Bolsonaro seria fruto de uma engrenagem perversa, análoga àquela que gera machistas estruturais, racistas estruturais

Já não há mais qualquer dúvida (se é que algum dia houve) de que Jair Bolsonaro tenha tramado, costurado, alinhavado e arrematado um golpe — não consumado por motivos de incompetência (sem trocadilho) generalizada. Diante dos depoimentos prestados à Polícia Federal por ex-colaboradores e das provas encontradas em gavetas e celulares, não lhe será possível recorrer à tradição milenar de negar até o fim, contra todas as evidências. Nem reabilitar a tática que se popularizou há alguns anos e alegar que o golpe não era seu, mas de um amigo.

Carlos Alberto Sardenberg - Aniversários, de vida e de morte

O Globo

Judiciário não apenas abateu a operação de Curitiba, mas afastou do cenário todo o sistema de combate à corrupção

A Lava-Jato estaria completando dez anos se não tivesse sido abatida pelo Judiciário, incluindo, principalmente, o Supremo Tribunal Federal. Não apenas abateu a operação de Curitiba, mas afastou do cenário todo o sistema de combate à corrupção.

Formou-se uma ampla aliança de políticos dos velhos métodos, da direita à esquerda, com empresários, todos apanhados em corrupção, para interromper a Lava-Jato e, mais, eliminar seus efeitos. Condenações à prisão, multas, devolução de dinheiro, acordos de leniência, tudo isso vem sendo anulado. Ninguém foi absolvido. Simplesmente os processos foram anulados, com base no cipoal de formalidades da Justiça. Provas, mesmo evidentes, foram declaradas imprestáveis.

Esse pessoal, portanto, comemora uma morte.

Mas há quem lamente. São aqueles — entre os quais me incluo — que observam nesse retrocesso a volta da velha política e do capitalismo dos amigos. Nesse regime, prosperam não as empresas mais produtivas, mas as que pagam as maiores propinas.

Bolívar Lamounier* - Ainda a reforma política

O Estado de S. Paulo

Sem Plano Marshall, com imprestáveis partidos e nenhuma liderança comparável à de De Gaulle ou Mário Soares, entre nós o semipresidencialismo resultaria numa sesquipedal anarquia

Não expressarei desânimo, porque não é de meu feitio, mas cautelas e advertências sempre se fazem necessárias. Uma breve vista d’olhos sobre o atual cenário brasileiro permite discernir ao menos cinco riscos e entraves a meu juízo incontrovertíveis:

1) a chance de retomarmos o crescimento econômico com rapidez e em bases sustentáveis é muito menor que a acelerada subida do nível de conflitos na sociedade, perceptível, desde logo, pelo aumento da criminalidade e por aberrações como o recorde do feminicídio atingido em 2023;

2) incapaz de enxergar um palmo adiante do nariz, o Brasil não percebe que poderá despencar num buraco profundo dentro de 15 ou 20 anos; refiro-me, aqui, à “armadilha do baixo crescimento”;

3) para superar a mencionada armadilha, não basta aumentar o investimento e, além do mais, não conseguiremos fazê-lo na escala necessária;

4) isso posto, além de aumentar o investimento e a produtividade do trabalho, teremos de fazer, gostando ou não, reformas enérgicas na máquina do Estado, fortalecer o setor privado e aumentar, sem vacilação, o nível de abertura da economia ao exterior (comprar mais e vender mais);

5) além das reformas acima referidas, de caráter estrutural, teremos de reformar o sistema político, embora saibamos que a Constituição de 1988 bloqueou quase tudo o que poderíamos imaginar a esse respeito.

Oscar Vilhena Vieira* - Pessoa jurídica não tem cor

Folha de S. Paulo

STF contribui para reduzir a detecção de violações nas relações de trabalho

Em 1905, a Suprema Corte norte-americana declarou inconstitucional lei do estado de Nova York que estabelecia limites à jornada de trabalho nas panificadoras. Para a maioria dos juízes, a legislação consistia numa interferência inaceitável no "direito de livre contratação entre empregadores e empregados". Não caberia ao estado, mesmo sob o fundamento de proteger o bem-estar dos trabalhadores, interferir na autonomia da vontade dos contratantes. Coube ao grande juiz Oliver W. Holmes, pai do realismo jurídico, apontar que seus colegas estavam transformando suas opiniões sobre a economia em direito.

Alvaro Costa e Silva - PL passa com louvor na prova do golpe

Folha de S. Paulo

Chefe do partido milionário, Valdemar acusa deputados e Bolsonaro

Baseado nas informações de que a estrutura do PL foi utilizada para manter Bolsonaro no poder após a eleição de Lula, o Ministério Público de Contas junto ao TCU pediu a inclusão do partido como réu numa ação civil que solicita que os envolvidos em atos golpistas sejam condenados a pagar R$ 100 milhões. Para a maioria dos mortais, é uma fortuna. Para o grupo chefiado por Valdemar Costa Neto –que só de fundo para as eleições municipais tem à disposição R$ 863 milhões–, é troco.

O que se deduz das investigações da Polícia Federal é que o PL se qualifica como um dos eixos do golpe civil-militar que deu com os burros n’água. Um plano que, apesar da febre negacionista que hoje acomete seus articuladores e defensores, poderia sim ter se desfechado, com consequências previsíveis, uma das quais o fechamento do Congresso.

Dora Kramer - Questão de estilo

Folha de S. Paulo

Nísia e Lewandowski não se encaixam nos perfis ideais aos cargos que ocupam

Na turbulência que assola o Ministério da Saúde, o presidente da República acerta em dois pontos: na resistência em ceder às pressões para abrir a pasta ao balcão de negócios e nas cobranças que faz por melhoria no desempenho.

Luiz Inácio da Silva deu respaldo a Nísia Trindade contra o apetite de governistas e oposicionistas que pretendem derrubar a ministra para tomar posse da poderosa estrutura. Isso não a exime de fazer frente à cobrança de Lula.

Hélio Schwartsman - O presidente e os puxa-sacos

Folha de S. Paulo

Em 2022, antes da posse, Lula pediu para ser criticado, afirmando que não precisava de tapinhas nas costas

Lula criticou a imprensa, que qualificou ironicamente como "gloriosa" e "democrática". Para o presidente, os meios de comunicação não divulgam adequadamente as realizações de seu governo. Ele pediu então a seus ministros que o façam.

A declaração contrasta com uma outra, de dezembro de 2022, dada entre a eleição e a posse. Ali, falando a simpatizantes, ele pediu para ser criticado: "Eu sei que vocês vão continuar nos ajudando e cobrando. Isso é importante. Não deixem de cobrar. Porque se vocês não cobram, a gente pensa que está acertando.E muitas vezes a gente está errando e continua errando porque as pessoas não reclamam. Vou dizer em alto e bom som. Nós não precisamos de puxa-sacos. Um governo não precisa de tapinhas nas costas".

Demétrio Magnoli - O STF diante do golpe de verdade

Folha de S. Paulo

Julgamentos dos líderes do golpe dirão quem somos como nação

Sabemos, hoje, que o golpe de verdade seria assestado em dezembro de 2022, não no 8 de janeiro de 2023. A trama foi virtualmente desvendada, por meio de provas documentais e testemunhais. O que o STF fará com os golpistas?

Compara-se, geralmente, o 8 de janeiro de Brasília com o 6 de janeiro de 2021 de Washington, o dia da invasão do Capitólio pelas hordas de Trump. As semelhanças saltam à vista de todos: um presidente autoritário contestando sua derrota eleitoral, a invasão dos edifícios-símbolos do poder democrático por uma turba de vândalos. Contudo, há uma diferença crucial entre os dois eventos: no 6 de janeiro deles, Trump ainda ocupava a Casa Branca; no nosso 8 de janeiro, a presidência já havia sido transferida a Lula.

Luiz Gonzaga Belluzzo*- Economias e insatisfações crescem

CartaCapital

Em sua configuração atual, o capitalismo escancara a incapacidade de entregar o que promete aos cidadãos

As pesquisas de opinião apontam insatisfação dos cidadãos americanos e brasileiros com suas vidas, a despeito do bom desempenho de suas economias. Desempenho revelado pelo crescimento do PIB, criação de empregos, aumento no valor médio das remunerações insuflado pela expansão da massa de rendimentos.

Em artigo na Folha de S.Paulo, Paul Krugman não esconde sua perplexidade diante do desgosto dos cidadãos americanos com as realizações exibidas nos dados que festejam as proezas da economia de Joe Biden.

Há que indagar as razões que promovem esse descompasso entre as cifras positivas da economia e as percepções negativas de contingentes significativos das sociedades.

Um vídeo distribuído pelo WhatsApp apresenta declarações de cidadãos americanos, políticos conservadores, senhoras e senhoritas idem. Começamos com Donald Trump:

Marcus Pestana* - Qualidade de vida no ambiente urbano

Insisto aqui na importância estratégica para o país das escolhas que faremos nas próximas eleições.

Para além das políticas públicas estruturantes, há um trabalho rotineiro, repetitivo, pontual, a que se deu o nome recentemente de zeladoria. Nos meus tempos de vereador e secretário municipal não chamávamos assim. Mas é verdade, uma das facetas – não a única – do prefeito municipal é ser um zelador, um sindico do condomínio chamado cidade.  Cuidar da limpeza pública, ter uma eficiente operação tapa-buracos, limpar os bueiros, manter bem parques e jardins são tarefas obrigatórias e primárias de todo gestor municipal. 

Orlando Thomé Cordeiro* - Propaganda eleitoral em rádio e TV ainda é relevante?

Correio Braziliense (22.3.2024)

Também não faltam pesquisas com dados que ajudam nessa reflexão. Para tanto, destaco a seguir aspectos de duas, cujos resultados foram divulgados em 2023

Há alguns anos, analistas têm procurado entender as novas bases da comunicação em tempos de redes sociais. Também não faltam pesquisas com dados que ajudam nessa reflexão. Para tanto, destaco a seguir aspectos de duas, cujos resultados foram divulgados em 2023.

A primeira em julho, da empresa YouGov, referência internacional em pesquisas de mercado on-line, que apresentou um estudo com avaliação sobre o perfil de consumo de notícias pela população brasileira. O resultado mostra que 64,2% acessam a TV, enquanto 55,4% escolhem as redes sociais. Já o rádio é a fonte para 30% dos respondentes.

Cristovam Buarque* - O golpe da democracia

Correio Braziliense (20.3.2024)

O artigo do Luiz Carlos Azedo deste domingo nos provoca a refletir sobre a farsa de certos gestos políticos que tentam repetir fatos históricos. A tentativa de golpe no final do governo Bolsonaro é um exemplo claro desta interpretação como farsa: ficará como opera bufa, mas por muito pouco ela não teve sucesso, e o simples fato de ter sido tentada, demonstra a fragilidade da democracia. Porque, depois de 40 anos, o regime democrático ainda não tomou as medidas necessárias para vacinar as FFAA contra o vírus golpista que a contamina desde o início da República.

Poesia | Aniversário, de Fernando Pessoa

 

Música | Fundo de Quintal, Luiz Carlos da Vila - Doce refúgio

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