segunda-feira, 29 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Previdência volta a ameaçar o Tesouro

Folha de S. Paulo

Com envelhecimento e mudanças no trabalho, será preciso de novo consertar distorções do sistema para conter o déficit

Apenas cinco anos após a mais recente reforma da Previdência, a perspectiva é de dificuldades crescentes para o financiamento das aposentadorias e pensões, a principal despesa do Orçamento federal.

As alterações de 2019 poupariam cerca de R$ 1 trilhão em uma década e permitiriam estabilizar o gasto do INSS em torno de 8,2% do PIB em 2040 —acima dos 7,92% estimados para este ano, mas quase quatro pontos percentuais a menos do que seria gasto sem a reforma.

Ressalte-se que a estimativa para 2040 subiu a 8,45% do PIB no projeto de lei orçamentária de 2025. No entanto fatores como o envelhecimento da população e decisões do governo e do Congresso indicam que o quadro será bem mais desafiador do que o indicado por essas projeções.

Fernando Gabeira - ‘Dias perfeitos’ e o trabalho modesto

O Globo

Desde quando li sobre o filme de Wim Wenders, supus que tinha algo a ver com minha experiência pessoal

Este artigo é um pequeno contrabando. Não costumo escrever sobre filmes, embora veja sempre um antes de dormir. Na maioria, são tão inexpressivos que me esqueço deles no dia seguinte.

Pensei em escrever sobre “Zona de interesse”, destacando a maneira como trata o nazismo. O turbilhão de notícias me fez esquecer. Agora é diferente. Desde quando li sobre o filme de Wim Wenders “Dias perfeitos”, supus que tinha algo a ver com minha experiência pessoal.

O filme conta a história de um lavador de privadas em Tóquio que vive momentos felizes em seu cotidiano. Já trabalhei em limpeza na Suécia e, apesar do trabalho repetitivo e da crônica dor do exílio, também vivi bons momentos. Essas reflexões valem para países como Suécia e Japão, onde há algum reconhecimento por esse tipo de trabalho e salários dignos.

Preto Zezé - A favela na agenda global!

O Globo

Conferências que seguem até setembro de 2024 têm como objetivo central colocar a favela no mapa do G20

Cada vez mais, milhões de pessoas se deslocam para os grandes centros urbanos, fazendo das cidades uma grande arena de disputas e desafios mundiais. Sem planejamento, esses milhões de pessoas se acotovelam para conseguir viver mais perto da infraestrutura dos centros, das áreas comerciais e dos territórios economicamente mais ativos e, numa corrida desenfreada, se amontoam gerando grandes exércitos de excluídos de possibilidades de existência digna e de meios básicos de sobrevivência, já que viver com qualidade é condição apenas para quem pode pagar para permanecer nessas áreas.

Os desafios têm várias camadas que recortam essa nova configuração e, nesse sentido, a adoção pelo IBGE da nomenclatura e definição de “favelas e comunidades urbanas” ajuda a desinvisibilizar as populações e territórios sobrantes do paraíso da inclusão.

Demétrio Magnoli - Nas relações dos EUA com Israel, é o rabo que abana o cachorro

O Globo

A falsa noção de que Israel é um instrumento geopolítico das estratégias de Washington no Oriente Médio faz parte do manual de dogmas da esquerda. Joe Biden cometeu o maior erro de sua longa carreira ao acreditar nela, imaginando que exerceria influência decisiva sobre a condução da guerra em Gaza.

“Quem, porra, ele pensa que é? Quem, aqui, é a porra da superpotência?”, rosnou Bill Clinton para seus assessores em 1996, depois de suportar uma preleção de Netanyahu. Nas relações dos Estados Unidos com Israel, é o rabo que abana o cachorro.

Israel opera segundo seus próprios interesses — ou, dito de outro modo, segundo o que seus governos definem como o interesse nacional. Da expedição militar a Suez, em 1956, à expansão dos assentamentos, a partir de 1977, o Estado judeu adquiriu o hábito de contrariar seu maior aliado. Uma das raras exceções relevantes foi a concessão de Golda Meir a Henry Kissinger, poupando o sitiado 3º Exército egípcio na guerra de 1973. A primeira-ministra pagou o preço da providencial ajuda militar americana na fase crítica do conflito — e abriu caminho para os acordos de paz com o Egito.

Carlos Pereira* Menos fragmentação, mais fidelidade

O Estado de S. Paulo

Sistema partidário ficou mais funcional não apenas na arena eleitoral, mas também na arena legislativa

Não existem mais dúvidas de que os objetivos pretendidos de redução do número de partidos e da fragmentação partidária foram alcançados com as reformas no sistema eleitoral de 2017, notadamente o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais para deputados.

O cientista político Jairo Nicolau demonstra, por exemplo, que, nas eleições de 2022, houve redução significativa do número de partidos que apresentaram candidatos e dos que elegeram representantes para o Legislativo em todos os Estados da Federação. Ele destaca que as legendas que não atingiram o patamar mínimo de votos acabaram ficando de fora do Legislativo, fazendo com que a representação ficasse mais concentrada em um número menor de partidos, diminuindo, assim, a fragmentação partidária em todos os Estados.

Bruno Carazza - O Orçamento entre o Direito e a Política

Valor Econômico

Suspensão de desoneração tem fundamento técnico e jurídico, mas esbarra na Política

O noticiário nos últimos anos faz parecer que todas as divergências entre Executivo, Legislativo e Judiciário são simplesmente uma briga por poder. Na maioria das vezes, é disso mesmo que se trata. Mas nem sempre.

A desoneração da folha de pagamentos é um programa temporário criado em agosto de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff, com duração prevista até dezembro de 2012. Desde então vem sendo continuamente prorrogado, a despeito de seu alto custo fiscal e de resultados econômicos duvidosos.

Nesse período, Joaquim Levy (ministro da Fazenda de Dilma 2), Henrique Meirelles (Michel Temer), Paulo Guedes (Bolsonaro) e Fernando Haddad (Lula 3) tentaram acabar com o benefício. Em vão.

Sergio Lamucci - Cenário externo mais adverso reduz espaço para erros fiscais

Valor Econômico

Com incertezas em relação às contas públicas, o resultado será um equilíbrio com uma Selic mais alta e crescimento mais fraco

Com um terço do ano já transcorrido, o cenário para a economia brasileira mudou bastante em relação ao que se vislumbrava no fim de 2023. Se o desempenho da atividade econômica foi marcado por surpresas positivas, levando as projeções para o crescimento do PIB para a casa de 2%, o ambiente externo piorou e as incertezas em relação às contas públicas se ampliaram.

A perspectiva de que haverá apenas um corte dos juros americanos e os golpes na credibilidade do novo arcabouço fiscal causaram uma mudança importante no câmbio e na taxa de juros de longo prazo, descontada a inflação - o dólar é negociado acima de R$ 5,10 e a taxa dos títulos do Tesouro atrelados ao IPCA se aproxima de 6,2%.

Camila Rocha - Maioria defende todos os direitos para trabalhadores por aplicativos

Folha de S. Paulo

Até o momento, porém, apenas as empresas do setor estão satisfeitas com projeto sobre o assunto

A garantia de direitos para trabalhadores por aplicativos é amplamente defendida pela população brasileira. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), em parceria com o Ipec, 60% das mais de 2.000 pessoas entrevistadas apontam que as plataformas devem garantir todos os direitos trabalhistas aos trabalhadores por aplicativo.

São apenas 5% aqueles que acreditam que as plataformas não possuem nenhuma responsabilidade em relação aos trabalhadores.

A lista de direitos defendida pela grande maioria da população compreende: saber os critérios utilizados pelos aplicativos para definir os serviços que cada trabalhador vai realizar (88%); seguro saúde (87%); aposentadoria (83%), liberdade para se sindicalizar (80%); autonomia para definir jornada de trabalho diária (79%); liberdade para recusar trabalho (77%); 13º salário (76%); limitação da jornada de trabalho (75%); descanso remunerado (72%); fornecimento dos equipamentos necessários para o desempenho do trabalho —carro, moto, capacete e mochila etc. (72%); férias remuneradas (71%) e carteira assinada (71%).

Lucio Rennó, Isaac Jordão Sassi* - Maior rejeição a vetos presidenciais reflete novo jogo entre Poderes

Folha de S. Paulo

Pesquisa inédita mostra que Congresso tem derrubado os vetos presidenciais com mais frequência na última década, um dos reflexos de mudanças institucionais que alteraram profundamente as relações entre os Poderes no Brasil, com maior protagonismo do Legislativo e encolhimento do Executivo

As relações entre o Executivo e o Legislativo no Brasil são hoje completamente distintas do que já foram. Um conjunto de instrumentos de poder usado pelo Executivo na gestão de sua base de apoio no Congresso foi alterado profundamente. Assim, a relação entre os Poderes acabou afetada, em prejuízo do presidente da República e benefício do Congresso Nacional.

O Legislativo é hoje mais poderoso do que era e tem mais controle sobre sua própria agenda do que já teve em qualquer outro momento do atual período democrático, pós-Constituição de 1988. No passado, era possível falar em um Poder Executivo que "tratorava" o Congresso, tangenciando o Legislativo.

A preponderância legislativa do Executivo se dava pela força excepcional das medidas provisórias, pela extensa discricionariedade no contingenciamento orçamentário e pela alocação de ministérios. Como reduziram-se os poderes do presidente, resultado de mudanças feitas pelo Congresso, tudo mudou.

Não há proposição legislativa de origem do Executivo, incluindo medidas provisórias, que saia do Congresso incólume. Enquanto as proposições de autoria do Legislativo transformadas em lei crescem enormemente, as originadas no Executivo encolhem.

O emendamento das proposições legislativas por parlamentares é extenso. Apenas temas de interesse dos congressistas, com baixo controle do Executivo, são aprovados. O conteúdo final das propostas já não está mais no controle do Executivo. Sabe-se como entram na pauta do Congresso, mas não como saem.

Nesse contexto, o Executivo atua muito mais como um "gatekeeper", alguém que evita que certos temas sejam tratados, do que um "agenda setter", alguém que propõem os temas. A imprevisibilidade do processo decisório na Câmara aumentou significativamente, como decorrência do encolhimento do poder do presidente.

Marcus André Melo - O Supremo e as relações Executivo-Legislativo

Folha de S. Paulo

'Se o presidente é fraco, o Congresso toma o freio nos dentes?'

Lula acusou Bolsonaro de ser um "bobo da corte que não manda em ninguém e nem controla o Orçamento". Agora a acusação atinge ele próprio. E não só vem de inimigos. Isto é paradoxal à luz da experiência histórica. O Poder Executivo entre nós já foi rotulado por Ernest Hambloch, de "His Majesty, the president of Brazil" (1936), em livro que leva este título. Que ainda rematou que o Congresso brasileiro é "destituído de poderes vis-à-vis o Executivo" e o Supremo é "invariavelmente flácido, dependendo demasiado do Executivo que o nomeia".

Após a adoção da representação proporcional, Hermes Lima (1954) chamou a atenção que o Executivo só se torna hegemônico se controlar a base congressual: "Se o presidente é dotado de forte personalidade e seu partido conta com maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu caráter unipessoal, impõe de forma avassaladora sua vontade. Se o presidente é fraco, o Congresso toma o freio nos dentes".

João Gabriel de Lima - Museu interativo relembra cotidiano opressivo do salazarismo

Folha de S. Paulo

Inaugurado neste sábado (27), local ressignifica prédio que foi a maior prisão política do regime antes da Revolução dos Cravos

O fado "Abandono", interpretado por Amália Rodrigues, a maior cantora do gênero, começa com os seguintes versos: "Por teu livre pensamento/ Foram-te longe encerrar/ Tão longe que meu lamento/ Não te consegue alcançar". E termina: "Levaram-te a meio da noite/ A treva tudo cobria/ Foi de noite, foi de noite/ E nunca mais se fez dia."

Letra e música ecoaram na voz da cantora Sofia Lisboa durante a inauguração, neste sábado (27), do Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche, cidade litorânea portuguesa. O museu funciona no lugar onde se situava a maior prisão política da ditadura salazarista. Hoje abriga uma coleção de memórias da resistência ao autoritarismo. Composto em 1960, "Abandono" se tornou hino dessa resistência —recebendo o apelido de "Fado do Peniche".

Nos festejos dos 50 anos da Revolução dos Cravos, os portugueses não se limitam a celebrar a democracia. Livros, peças e museus se dedicam também a lembrar como era difícil viver sob uma ditadura. A ideia é preservar a memória não apenas de atos de heroísmo, mas também do cotidiano opressivo enfrentado pelos cidadãos no dia a dia.

Poesia | O Constante Diálogo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Marisa Monte - Rosa (Pixinguinha e Otávio de Souza)