quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Hélio Schwartsman - Ponto para a democracia

- Folha de S. Paulo

Chile transformou Constituição com forte vício de origem em experiência real de democracia

Símbolos importam. E os chilenos foram claros quanto a isso ao determinar, por uma margem de quase 80%, que a atual Carta, herança da ditadura de Pinochet, seja substituída por uma nova, a ser elaborada por uma convenção constitucional exclusiva. Ponto para a democracia.

No mundo da vida prática, porém, o Chile, apesar da origem espúria da Carta, já era uma democracia sólida, com alguns ciclos de alternância de poder entre esquerda e direita. Os aspectos mais autoritários da Constituição foram extirpados por uma série de emendas aprovadas ao longo dos anos, notadamente em 1989 e 2005. Não teria sido impossível persistir nesse caminho.

Aliás, num cálculo puramente numérico, será mais difícil aprovar a nova Carta do que emendar a velha. Pelas regras em vigor, algumas matérias constitucionais exigem maioria de 3/5 dos parlamentares para ser modificadas, e outras, as mais sensíveis, de 2/3.

Merval Pereira - A banalização do ilegal

- O Globo

O Brasil está perigosamente normalizando atividades ilegais, e o caso do encontro que o presidente Bolsonaro teve com advogadas de seu filho Flávio para receber uma denúncia contra a Receita Federal é apenas a mais recente revelação, e não a menos grave.

O presidente participou de uma reunião, em 25 de agosto, no seu gabinete do Palácio do Planalto, com as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, que apresentaram um dossiê sobre “irregularidades das informações constantes de Relatórios de Investigação Fiscal” sobre o senador.

Para agravar a situação, participaram da reunião o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o mesmo que Bolsonaro e seus filhos queriam ver à frente da Polícia Federal.

A nova tentativa de anular as investigações sobre o esquema de desvio de dinheiro público, conhecido como “rachadinha”, em seu gabinete quando era deputado estadual foi feita fora da agenda, e só foi revelada porque a revista “Época” a descobriu.

Por essa nova versão, um grupo de fiscais da Receita Federal usou de meios ilegais para fornecer informações sobre as contas do hoje senador Flávio Bolsonaro aos órgãos de fiscalização como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) — o que, se confirmado, feriria de morte as acusações contra ele.

A explicação para tamanha irregularidade é que o assunto envolve integrante da família presidencial, o que merece análise dos órgãos de segurança, especialmente o GSI, que cuida da segurança pessoal do presidente e sua família. Tal justificativa é de uma banalidade tão grande que, revelado o encontro, o GSI divulgou uma nota afirmando que “à luz do que nos foi apresentado, o que poderia parecer um assunto de segurança institucional configurou-se como um tema, tratado no âmbito da Corregedoria da Receita Federal, de cunho interno daquele órgão e já judicializado”. A nota do GSI concluiu: “Diante disso, o GSI não realizou qualquer ação decorrente. Entendeu que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema”. Como se bastasse uma explicação burocrática para tamanha irregularidade.

Vera Magalhães - Por W.O.

- O Estado de S.Paulo

Alerta de Maia sobre prerrogativa de decidir a respeito de vacina pode ser tardio

Rodrigo Maia tem razão, em tese, quando diz que deveriam ser o Executivo e o Legislativo a definir uma política de vacinação contra o SARS-Cov-2, o maldito do novo coronavírus, em vez de passarem de novo pelo carão de ter o Judiciário fazendo seu trabalho. Digo em tese porque, de novo, pode ser tarde demais.

O chamado ativismo judicial é uma dessas pragas da política brasileira, um traço cultural que vai se agravando e tomando todas as áreas da vida nacional, da saúde à educação, dos tributos aos direitos trabalhistas, passando pelo meio ambiente, pelos costumes, por tudo.

Decorre do fato de que, graças ao cipoal de leis, muitas delas confusas e conflitantes com outras, e da velocidade com que a própria Constituição, jovem para os padrões de textos dessa natureza, vai sendo (r)emendada, o cidadão se sente quase obrigado a bater às portas dos tribunais para esclarecer controvérsias, demandar direitos ou tentar postergar obrigações.

E, na ausência dos seus vizinhos de Praça dos Três Poderes, muitas vezes os integrantes do Judiciário acabam avançando o sinal na hora de decidir, legislando em cima das leis ou das lacunas das mesmas.

Rosângela Bittar - O discípulo amado

- O Estado de S.Paulo

No conflito Salles x Ramos, os nomes não importam. São as alas por trás deles que operam

Vamos invocar logo a Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, no detalhe do discípulo amado: ao enterrar a cabeça no peito do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) criou, finalmente, um símbolo apropriado a este governo.

A uma semana das eleições presidenciais americanas e a duas das eleições municipais, no 9.º mês de mortes e medo da pandemia, ainda fumegando a Amazônia e o Pantanal, o Brasil se consagra na mediocridade, destemor e escárnio daquela cena trágica fotografada como cômica.

Num momento como este, foi o que sobrou. Desfecho de uma disputa de poder em que o presidente, mais uma vez, encerrou a conversa incômoda com afago ao time que lhe dá a cabeça ao cafuné. O grupo que Salles representa, ao qual, uma vez escolhido, serve seu corpo por encomenda à condução do conflito.

Este é um dos três núcleos que gravitam em torno do presidente e disputam a condição de serem o seu domicílio. Completam o círculo os militares e os políticos.

O mais recente conflito entre eles colocou, de um lado, o ministro Salles e, de outro, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Os nomes não importam, são os grupos por trás deles que operam. Tem explicação racional? Não. O que vai acontecer na sequência? Nada. Apenas aguarda-se o próximo episódio. É a dinâmica do governo Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo - O cobertor curto

- Correio Braziliense

Indefinição em relação às reformas e impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento aumentam a insegurança Dos investidores na nossa economia

O Ministério da Economia anunciou que não pretende pagar o 13º. Bolsa Família neste ano, ao contrário do que aconteceu em 2019, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, talvez o primeiro sinal de que não se sente confortável com o programa social criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, carro-chefe da sua reeleição, em 2006. O cobertor está muito curto e a prorrogação do auxílio emergencial até dezembro, que virou a principal ação social de enfrentamento da pandemia de Covid-19, já está deixando o governo de língua de fora.

O Bolsa Família é um auxílio para as famílias de baixa renda, que beneficia àquelas consideradas (1) extremamente pobres: com renda mensal de até R$ 89 por pessoa; e (2) pobres: com renda mensal de até R$ 178 por pessoa, mas que incluam gestantes ou crianças e adolescentes de até 18 anos. No valor de R$ 89 mensais, pode ter parcelas adicionais de R$ 41 para crianças, adolescentes e gestantes; e R$ 48 para adolescentes de 16 ou de 17 anos. O valor total não pode ultrapassar R$ 372 por família, mas a média está em R$ 190, portanto, bem, abaixo dos R$ 300 do auxílio emergencial previsto para este último trimestre do ano.

Se pudesse, Bolsonaro trocaria o Bolsa-Família pelo Renda Brasil (ou outro nome que o governo resolva dar), já a partir de janeiro, mas não tem recursos em caixa para garantir o benefício sem romper a Lei do Teto de Gastos. Entre idas e vindas, o presidente da República acabou cedendo às preocupações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tenta conter os gastos do governo para evitar um descontrole total da economia. O cenário para o próximo ano é preocupante. O governo está tendo dificuldades para financiar a dívida pública, que deve chegar a 100% do PIB até o final do ano. Em setembro, a dívida aumentou 2,6% e chegou a R$ 4,5 trilhão.

Ricardo Noblat - Quando o presidente abusa dos seus poderes em socorro dos filhos

- Blog do Noblat | Veja

O país, anestesiado, considera tudo normal

Se nada havia de anormal, por que a presidência da República tentou esconder o encontro de Jair Bolsonaro com duas advogadas de defesa do seu filho Flávio, o Zero Um, denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por lavagem de dinheiro, apropriação de parte dos salários de funcionários do seu gabinete à época em que era deputado estadual, e organização criminosa?

O encontro ocorreu há pouco mais de dois meses no gabinete de trabalho de Bolsonaro que fica no terceiro andar do Palácio do Planalto. Dele participaram também o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência, órgão encarregado de espionar adversários do governo.

Discutiu-se como salvar Flávio dos problemas que enfrenta na Justiça, e como o aparelho estatal de segurança poderia ajudar na tarefa. As advogadas apresentaram um dossiê onde estão listadas supostas irregularidades cometidas por um grupo de funcionários da Receita Federal no fornecimento de informações sobre as contas bancárias de Flávio a órgãos oficiais de fiscalização.

Bruno Boghossian – Um autocrata com maioria

- Folha de S. Paulo

Presidente não destravou pauta ultraconservadora, mas quer expandir aliança com centrão

Meses antes de entregar cargos para os partidos do centrão, Jair Bolsonaro divulgou um texto que dizia que o Brasil era “ingovernável” fora do que chamou de “conchavos”. Naquela época, o Congresso servia de obstáculo aos planos do presidente: o Planalto sofria derrotas em série, enquanto os itens de estimação de sua pauta ficavam empacados.

Depois de se ver ameaçado no posto, Bolsonaro recorreu aos tais conchavos para sobreviver no poder. Até agora, a nova aliança não foi suficiente para destravar sua plataforma ultraconservadora, mas o presidente trabalha para expandir essa base.

Como seria um governo Bolsonaro com maioria ampla no Congresso? Com uma coalizão de tamanho razoável, o presidente já poderia liberar as armas de fogo para qualquer cidadão, aprovar sua proposta de taxar o seguro-desemprego e acabar com o uso obrigatório de cadeirinhas para crianças nos carros.

Ruy Castro* - Marcha, soldado

- Folha de S. Paulo

Ao reduzir generais a recrutas, o cabeça de papel desconta as humilhações que sofreu no quartel

Se os militares fossem tão argutos como se julgam, já teriam percebido que Freud explica. Jair Bolsonaro está tendo a oportunidade de descontar as humilhações que sofreu em sua medíocre carreira no Exército e se vingar dos oficiais que um dia bramiram na sua cara por alguma corneta que tocou errado ou cavalo que deixou de lavar. Na condição de presidente da República, donde chefe supremo das Forças Armadas, é a sua vez de bramir contra militares de alta patente, vários na ativa.

A própria militarização que está promovendo no governo —quase 7.000 milicos infiltrados em entranhas influentes da administração— serve a esse fim. Com ela, Bolsonaro mostra que pode ser generoso, dando-lhes confortáveis sinecuras, nomeando-os para funções incompatíveis e concedendo-lhes benefícios que nega aos servidores civis, mas que também pode tirar-lhes tudo isso quando quiser. E, para provar, dedica-se a devolver o dedo na cara apontando-o para os generais “de sua confiança”.

Carlos Pereira* - O centro deixará de ser órfão?

- O Estado de S.Paulo

É no mercado eleitoral nutrido de frustrações e decepções tanto com Bolsonaro como com o petismo que terá o potencial de emergir um candidato de centro em 2022

A polarização entre o PT e Bolsonaro deixou os eleitores ideologicamente de centro órfãos de alternativas nas eleições de 2018. Esses dois extremos se retroalimentaram, não deixando espaço para o fortalecimento de candidaturas competitivas como alternativa a esses dois polos extremados.

Mesmo ainda muito distante das eleições, já é possível identificar alguns sinais de que a polarização PT vs. Bolsonaro tende a se enfraquecer.

Por um lado, já existem claras evidências de que uma parcela não trivial de eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018, especialmente para evitar a vitória do PT, não estaria mais disposta a reeleger o Presidente. Esses eleitores de perfil pragmático, especialmente residentes no Sudeste, com alta escolaridade e renda se frustraram fortemente com o governo Bolsonaro diante da má gerência da pandemia da COVID-19.

Fernando Exman - O DEM, o Centrão e as leis da física

- Valor Econômico

Partidos apontam tentativa de ação hegemônica

Um cáustico e experiente observador da política nacional passou a responder, quando tem sua análise demandada, que no Brasil o fundo do poço vem sendo revogado quase que diariamente. Deve-se reconhecer que a Constituição e o bom senso passaram a ser testados à exaustão. Regimentos e tradições são desprezados com frequência, a depender dos interesses em jogo. Mas, pelo menos algumas leis universais ainda são rigorosamente observadas em território nacional, mesmo durante intensas disputas partidárias e diante de tantas incertezas sobre o Orçamento do ano que vem.

A lei da oferta e da procura é um exemplo. Para inquietação da equipe econômica, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro insistem em abordá-lo nas ruas pedindo o tabelamento de preços de insumos essenciais. É a comprovação de que nem só de liberais foi feita a vitória de 2018.

O custo dos alimentos não tende a diminuir no curtíssimo prazo e se tornou mais um fator a preocupar quem ainda não recebeu uma resposta objetiva sobre como ficarão as ações sociais do governo a partir de janeiro. Mesmo assim, Bolsonaro segue resistindo às pressões.

Irrevogável, a lei da gravidade também persevera, embora alguns ministros insistam em desafiá-la. E há ainda outro princípio fundamental a pautar a dinâmica política, aquele segundo o qual dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.

Zuenir Ventura - Onde anda a autoestima?

- O Globo

Não houve reação da ala militar, e sim de paisanos

Quando o vice Hamilton Mourão surgiu esta semana para botar panos quentes, como costuma fazer, as hostilidades haviam cessado, deixando a impressão de que, afinal de contas, era muito fácil xingar um general-ministro de “Maria Fofoca” e ficar por isso mesmo. O próprio Ricardo Salles contou: “Apresentei minhas desculpas pelo excesso, e colocamos um ponto final”. Por sua vez, Luiz Eduardo Ramos, o ofendido, também minimizou o incidente, alegando que “quando um não quer, dois não brigam”.

Um passeio na garupa da moto do presidente ajudou a selar a reconciliação. Isso fez baixar sobre o general uma disposição à paz tão grande que só faltou dizer ao agressor: “Meu nome é Ramos, mas pode me chamar de Maria Fofoca”. Ao contrário do que se esperava, não houve reação da ala militar, e sim de paisanos como Davi Acolumbre e Rodrigo Maia, presidentes do Senado e da Câmara. O primeiro não quis entrar no mérito da questão, se é que teve algum, mas admitiu que a atitude de Salles “apequenou o governo”. O presidente da Câmara foi mais direto: “Não satisfeito em destruir o meio ambiente do Brasil, Salles agora resolveu destruir o próprio governo”.

Elio Gaspari - O quadrado do Supremo

- O Globo | Folha de S. Paulo

Brasil não precisa que o STF entre numa guerra da vacina

Com quase 158 mil mortos, depois de três ministros da Saúde, da cloroquina, da gripezinha e de outras tolices do curandeirismo político, o Brasil não precisa que o Supremo Tribunal Federal entre numa guerra da vacina. Países andam para trás. Passado mais de um século da Revolta da Vacina, o Brasil regrediu. Em 1904 o presidente Rodrigues Alves foi um campeão do progresso, inflexível na manutenção da ordem. Ao seu lado estava o médico Oswaldo Cruz, enfrentando políticos, jornalistas e militares, mais interessados num golpe de Estado que na saúde pública.

O presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer da pandemia um instrumento de sua propaganda. Salvo poucos parlamentares excêntricos, alguns dos quais partiram para outra melhor, o Congresso manteve-se longe dos debates pueris. Pelo andar da carruagem, Bolsonaro está chamando o Supremo Tribunal Federal para a rinha: “Entendo que isso [não] é uma questão de Justiça, é uma questão de saúde acima de tudo. Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina. Isso não existe. Nós queremos é buscar a solução para o caso”.

Bernardo Mello Franco - O exilado do Laranjeiras

- O Globo

Mergulhado numa crise econômica e sanitária, o Rio de Janeiro completa hoje dois meses sem governador. Em 28 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça afastou Wilson Witzel. Eleito com discurso moralista, ele foi acusado de desviar verbas da Saúde na pandemia.

O ex-juiz não tem do que reclamar. Enquanto ex-comparsas mofam em Bangu, ele desfruta um doce exílio no Palácio Laranjeiras. Divide o ócio com a mulher, três filhos e o gato Elvis, que se estica livremente sobre o mobiliário Luís XV.

Embora tenha sido alijado do poder, o governador continua a usufruir suas mordomias. Um garçom fica de prontidão para manter seu copo cheio. Ele alterna os goles de uísque com baforadas de charuto cubano.

No início de outubro, uma ação popular pediu que o Churchill de chanchada fosse removido do palácio. O juiz Marcello Leite, da 9ª Vara de Fazenda Pública, decidiu que ainda não era hora de despejá-lo. Até que o impeachment seja sacramentado, ele poderá permanecer na residência oficial.

Nilson Teixeira* - Eleição americana traz riscos para o Brasil

- Valor Econômico

Resultado pode alterar bastante políticas públicas dos EUA e ter ampla repercussão global

O resultado das eleições americanas embute diversos riscos para a economia global, incluindo a do Brasil, por conta de possíveis alterações em várias políticas do governo americano. Até agora, 65 milhões de americanos - dos cerca de 150 milhões que tendem a votar até a próxima terça-feira - já anteciparam suas decisões, seja por cédulas encaminhadas pelo correio seja de forma presencial nos locais de votação já abertos.

A maioria das pesquisas eleitorais e dos sites de apostas atribuía, no início da semana, probabilidade superior a 80% de vitória do ex-vice-presidente Joe Biden, candidato do Partido Democrata (PD), frente ao presidente Donald Trump, representante do Partido Republicano (PR). O resultado final das eleições e a data da sua confirmação são incertos por diversas razões, tais como: intenções de voto para os candidatos dos dois partidos estão muito próximas em vários Estados; não obrigatoriedade do voto; complexo sistema eleitoral, no qual o partido vitorioso em cada um dos 50 Estados indica todos os seus representantes no colégio eleitoral; e diferentes regras para submissão, recebimento e contagem da votação pelo correio.

Incerteza ainda maior está associada às eleições parlamentares. Pesquisas sugerem mais de 70% de probabilidade de o PD ter maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Todavia, enquanto a manutenção do controle democrata na primeira casa é altamente provável, a previsão do resultado na segunda é mais difícil. No início da semana, o site FiveThirtyEight indicava que 80% das suas simulações para a composição do Senado - com 100 cadeiras - concentravam-se no intervalo entre 48 e 55 senadores para o PD.

Vinicius Torres Freire – As dívidas do verão de 2021

- Folha de S. Paulo

Calote em bancos está na mínima histórica, mas refresco pode acabar no Natal

É um mistério o que vai ser da economia e da política brasileiras se e quando o auxílio emergencial e outras ajudas acabarem, no final do ano. Uma das dúvidas é o que o vai acontecer com a inadimplência, atrasos no pagamento e calotes de empréstimos bancários.

A inadimplência jamais esteve em nível tão baixo desde março de 2011, o registro comparável mais antigo. O motivo não é difícil de entender, mas a situação ainda assim é impressionante, de modo positivo, dado o tamanho da calamidade neste 2020.

Dados do Banco Central, dos bancos e da Febraban indicam que o aumento do prazo de carência e outras renegociações aliviaram pelo menos temporariamente o serviço das dívidas, em particular para famílias de menor renda e empresas pequenas. Facilidades de empréstimos bancados ou regulados pelo governo também ajudaram, além do fato das taxas de juros mais baixas. O auxílio emergencial e o auxílio-salário seguraram a renda das famílias. Tudo isso em tese começa a vencer em dezembro.

Míriam Leitão - Banco Central e o alerta fiscal

- O Globo

O Banco Central decide hoje a taxa de juros em um cenário bem diferente da última reunião. Não há aposta em novo corte da Selic. A discussão no mercado financeiro é quando a taxa voltará a subir com a piora do quadro fiscal. A inflação acelerou. O setor de gás passará por uma onda de reajustes em patamar de 25% em muitos estados, como Bahia, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Os juros futuros subiram porque há enorme dúvida sobre o financiamento da dívida pública.

Hoje a decisão está dada. A Selic será mantida em 2%. Ano que vem ela aumenta, dizem os bancos. Há poucos meses, o Banco Central passou a adotar uma comunicação com detalhamento mais claro sobre os seus próximos passos, o que eles chamam de forward guidance. O objetivo é evitar surpresas na condução da política monetária. Mas se for para seguir direito essa estratégia precisa dizer com todas as letras que as condições de financiamento da dívida pioraram, e as expectativas de inflação subiram. Terá o BC autonomia para dar um recado duro ao governo sobre a gravidade do momento? Não basta colocar na agenda do Congresso o projeto de independência do BC. Autonomia se mostra na prática. Adianta pouco falar mais uma vez que o cenário é “desafiador”. O FMI diz que o Brasil é o país emergente com pior desempenho fiscal nesta pandemia.

Monica De Bolle* - Sequelas, sequelas, sequelas

- O Estado de S.Paulo

Como vamos ajudar as pessoas que foram impactadas de forma desigual pelo vírus?

Dez meses após os primeiros registros da doença hoje conhecida como covid-19, a grande preocupação de cientistas e de gestores de saúde pública mundo afora são os chamados “long-haulers”, ou aqueles que ainda sofrem sintomas ou apresentam sequelas meses depois de terem se “recuperado” do vírus. Artigos sobre as sequelas publicados nos principais periódicos científicos do mundo abundam, relatos clínicos também. A chamada “segunda onda” na Europa tem provocado grande alarme entre as autoridades de vários países devido aos efeitos de um duplo impacto sobre o sistema de saúde: o número de novos infectados que podem a vir a precisar de hospitalização somado ao número de pessoas que desenvolvem sequelas e acabam retornando aos hospitais. 

Aqui nos Estados Unidos não é diferente, ainda que Trump siga negando a gravidade da doença, mesmo depois de ter sido hospitalizado e de ter recebido tratamentos de ponta que não estão disponíveis para o restante da população. O Brasil continua fechando os olhos para o óbvio, com mais de 160 mil óbitos e muitas pessoas hospitalizadas em razão das sequelas.

Roberto DaMatta* - A metafísica da cueca

-  O Estado de S.Paulo / O Globo

Cuecas não foram feitas para guardar coisa alguma, mas para ocultar e proteger o hemisfério do nosso corpo concebido como o mais complicado

 “Estamos em tempos de cuecas”, diz Fuldêncio Silva, meu velho companheiro do Bar do Soares, aqui de Niterói, levantando um trago de cachaça de olho zombeteiro no meu uísque. 

– Aliás – continua ele, sério como um ministro prestes a ser desmoralizado pelo frenético presidente absolutista –, a cueca é uma veste metafísica. Ela faz parte das indumentárias da intimidade, essas roupas que, mesmo fabricadas com os mais caros tecidos, são ocultas e desnudam. Está em oposição ao conjunto das vestes reais ou talares.

É triste constatar que muitos dos nossos dirigentes estão de cueca. Cuecas não foram feitas para guardar coisa alguma, mas para ocultar e proteger o hemisfério do nosso corpo concebido como o mais complicado. Calcinhas despertam luxúria, cuecas encarnam a vulgaridade masculina. Elas cobrem o equador moral – os genitais e a intrigante bunda que, perdoe-me o trocadilho, abunda com sua igualmente potente metafísica o nosso imaginário ou filosofia. No Brasil, existem filósofos da bunda, bem como, muitos bundões...

– Uma filosofia de bunda ou da bunda? – perguntei, provocador.

– Os dois lados competem sem saber que são interdependentes. Pois o que é um intenso simbolismo senão uma metafísica? Algo que a educação reprime, mas que a política realizada com feroz egoísmo, invejável desatino e admirável ambiguidade é rotina no Brasil?

E a cueca – prosseguiu Fuldêncio – tem afinidade com personagens curiosos e obviamente anormais: os “políticos” que, salvo um ou outro, ofendem a política e caracterizam esse extraordinário momento, no qual as cuecas retornam à cena, ativando identidades corporativas senatoriais, já que o ridículo de um senador com dinheiro na cueca afeta a corporação da qual ele faz parte, salvando ou desmoralizando a categoria. Lembro – avançou o expositor – que a cueca esteve na esquerda petista e hoje integra o bolsonarismo. 

José Nêumanne* - E ninguém vai processar aloprados de Bolsonaro?

- O Estado de S.Paulo

Presidente leva a Abin e GSI proposta de arapongagem contra fiscais da Receita, e aí?

Na pandemia de covid-19, enquanto convencia néscios de que a obrigatoriedade de vacina fere direitos individuais, o presidente da República reuniu chefões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) fora da agenda. O encontro constou da agenda do serviçal Augusto Heleno, que nunca se destacou pelo uso da inteligência. Em 25 de agosto, Jair Bolsonaro levou à presença deste e do delegado Alexandre Ramagem as advogadas do primogênito, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, para denunciarem eventual crime de fiscais da Receita Federal na ação contra a ilícita prática de peculato quando Flávio Bolsonaro dava expediente na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

O aval dado pelo chefe do governo à teoria conspiratória do atual defensor do filho “zero um”, Rodrigo Roca, conhecido pelo patrocínio de causas de acusados de tortura na ditadura militar e substituto de Frederick Wassef, em cujo falso escritório de advocacia escondeu o subtenente PM-RJ Fabrício Queiroz, vassalo do filho, foi revelado sexta-feira 23 de outubro. E tem sido tratado como corriqueiro. Mas é grave. Muito grave. Não só por configurar nova tentativa de contornar, como num drible da vaca, a natureza técnica, fria e impessoal do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que originou o inquérito no Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre extorsão de parte dos vencimentos de servidores da Alerj praticada pelo ex-assessor. Mas, sobretudo, para esclarecer que papai Bolsonaro não estava brincando quando disse que não deixaria seus parentes e amigos serem prejudicados (no jargão sujo de hábito) em reunião ministerial, tornada pública. Esta motivou a saída do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e a seu respeito corre ação sem futuro no Supremo Tribunal Federal (STF).

O que a mídia pensa - Opiniões / Editoriais

Segunda onda de Covid na Europa é alerta ao Brasil – Opinião | O Globo

Países do continente tiveram de retomar medidas duras de restrição devido a recordes de casos

No início do ano, quando a Covid-19 se alastrava de forma dramática pela Europa, o Brasil era um espectador do que estava por vir — poderia ter tirado vantagem disso, mas não tirou. À medida que os meses foram avançando, o número de infectados e mortos nos países europeus decaiu, enquanto no Brasil a curva da doença entrou em escalada. Agora, os papéis novamente se invertem.

Depois de controlar a doença, a Europa vive uma segunda onda de Covid-19. Países do continente registraram recordes de casos diários desde o início da pandemia — embora a mortalidade seja menor. Na tentativa de frear esse novo avanço do vírus, tiveram de retomar medidas duras de restrição, como toques de recolher na Itália, Espanha e França. No Brasil, ao contrário, as curvas estão em queda ou estáveis em quase todos os estados. De modo geral, os números dos últimos dias são os menores desde o início de maio.

Porém, no Amazonas, a situação volta a preocupar. Na contramão de quase todo o país, o estado vem registrando aumento no número de casos. Na capital, Manaus, uma das cidades mais severamente atingidas, as UTIs já estão lotadas novamente, lembrando a situação de meses atrás. Não há indícios de que a letalidade seja tão alta quanto a da primeira onda, tanto pelo aprendizado no tratamento da doença quanto pela proteção aos grupos mais vulneráveis. Mas as autoridades precisam estudar o que acontece por lá. É fundamental saber os motivos da inflexão.

Música | Margareth Menezes - Cordeiro De Nanã / Deixa A Gira Gira / Atabaque Chora

 

Poesia | Manuel Bandeira - Meu Quintana

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.