domingo, 24 de dezembro de 2017

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

De acordo com as pesquisas, estaríamos hoje entre Lula e Bolsonaro. Qual é sua avaliação?

Eu acho que esse quadro é hoje. Ainda estamos longe do quadro real que vai se colocar nas eleições. Hoje isso reflete um pouco a desilusão da população. Por que Lula? Se pode entender porque as pessoas podem se lembrar dos bons momentos do governo Lula e vão esquecer os maus momentos e a responsabilidade grande que ele teve na aceleração da desarticulação do sistema partidário. Por que Bolsonaro? Porque as pessoas querem ordem. O crime está muito grande, desordem e tal, então tem esse apelo. Eu não creio que esse seja o quadro que vai se configurar nas eleições. É preciso se organizar um setor que seja democrático, popular, não de elite, progressista, que entenda qual é o papel do mundo e como o Brasil pode se engajar nisso. Para mudar o quadro, tem que ir pelo exemplo. Os políticos precisam voltar a tocar no coração dos brasileiros.”

Lula é nocivo para a democracia brasileira, do tipo que vai sacramentar o rouba mas faz, como fizeram Maluf e Ademar de Barros no passado?

O Ademar de Barros e o Maluf são de outro momento. Roubavam para enriquecimento pessoal. O que aconteceu agora no Brasil foi muito mais grave. O Lula, como líder do PT, presidente da República, foi responsável pelo aconteceu. O mensalão e o petrolão inauguraram uma fase nova no Brasil. Tomar dinheiro público, passar pelo setor privado conivente com isso, e depois passar para o partido para sustentar o poder. Não foi desvio de conduta pessoal. Foi institucional. Corrompeu todo o sistema político.

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Fernando Henrique Cardoso, é sociólogo foi presidente da República. Entrevista: IstoÉ - Edição 21.12.2017 - nº 2506

Murillo de Aragão*: O futuro dos acordos de leniência

- O Estado de S.Paulo

É imperioso que se estabeleçam limites à competência e atuação dos órgãos da União

Existe uma grave instabilidade jurídica e institucional quanto aos acordos de leniência que estão sendo firmados no âmbito da Operação Lava Jato. Grosso modo, o que acontece é que tais acordos, estabelecidos entre empresas e o Ministério Público Federal (MPF), terminam não valendo para os demais organismos da administração pública. A consequência disso é a instabilidade jurídica, já que dois aspectos decorrentes dessa situação enfraquecem os próprios acordos.

O primeiro aspecto é a necessidade de a empresa ter de negociar múltiplos acordos de leniência, numa via-crúcis sem fim que impede o recomeço de sua vida empresarial. Hoje existem situações esdrúxulas, como a da empresa que, já tendo feito acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), está sendo acionada pela União, que deseja receber quantia maior do que a já paga pelo acordo original. Pagar duas vezes pelo mesmo crime? Não faz sentido. Acordos de leniência deveriam ser one stop shop. Desde que firmados, deveriam valer erga omnes.

O segundo aspecto é que provas apresentadas nesses acordos estão sendo utilizadas contra as próprias empresas por outros órgãos. Ora, o que for revelado no escopo de um acordo deveria ficar isolado de penalizações adicionais em outros órgãos ou instâncias. Mas a Advocacia-Geral da União (AGU) está acionando empresas que já firmaram acordos com base nos mesmos fatos que propiciaram tais acordos. Como assim?! Qualquer estudante de Direito sabe que um mesmo crime não pode ser objeto de diferentes acordos, caso estes se refiram à mesma realidade infracional e sejam tratados tanto pelo aspecto de responsabilização civil quanto penal.

Merval Pereira: O fator Bolsonaro

- O Globo

Na análise da maioria dos políticos e dos comentaristas, em que me incluo, a provável saída da disputa presidencial do ex-presidente Lula em decorrência da Lei da Ficha Limpa, devido à condenação em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), vai afetar diretamente a candidatura do deputado Jair Bolsonaro, que se mantém há meses em segundo lugar nas pesquisas eleitorais.

Isso porque o apelo de Bolsonaro junto ao eleitorado seria muito mais o de anti-Lula, a radicalização de um incentivando a do outro, polarizando a disputa entre os extremos, Lula pela esquerda, Bolsonaro pela direita. Além de reviver uma divisão para muitos superada na teoria política, a de direita e esquerda, as pesquisas demonstram ser anacrônica não apenas na teoria, mas na realidade, quando se analisa o eleitorado de um e outro.

A começar pelo fato de que uma parte dos eleitores de Lula se diz hoje disposta a ir para Bolsonaro, e viceversa. Nas simulações em que Lula não aparece, 6% dos seus apoiadores afirmam que escolheriam o deputado federal Jair Bolsonaro. No sentido oposto, a mudança é ainda maior: até 13% dos eleitores que votariam no parlamentar responderam que poderiam apoiar o petista. É o voto Bolsolula, ou Lulanaro.

Mas o perfil dos eleitores é diverso. A distribuição regional do eleitorado de Bolsonaro mostra que ele não é um fenômeno restrito ao Sudeste. Com exceção do Nordeste, onde Lula domina e ele tem apenas 10%, o deputado tem um patamar de 15% a 17% nas outras quatro regiões.

Vinicius Torres Freire: O que passa pela cabeça de Lula 2018

- Folha de S. Paulo

Lula está com ideias. Começam a aparecer na conversa do ex-presidente uns fragmentos de programa de governo, rascunhos de planos de economistas, parece. Os cacos dos projetos ficaram mais evidentes na entrevista coletiva da semana passada.

O que merece atenção?

Lula promete reforma tributária progressista, a que seu governo não fez. Isto é, cobrar mais impostos de ricos, tributar grandes heranças e aplicações financeiras.

Lula acha que a crescente dívida do governo não é empecilho a endividamento extra (governos de países ricos têm dívidas maiores do que o nosso, argumenta): "Se eu elaborar uma política econômica e estou sem dinheiro para fazer investimento, tenho capacidade de me endividar...".

Porém básico: as taxas de juros cobradas de governos ricos são zero ou menos do que isso desde 2008. No Brasil, ainda estão em nível que nos levará à falência. Com mais dívida, subiriam ainda mais.

Lula acha que pode recorrer a outros meios de financiar o investimento público: "...posso utilizar o compulsório, usar parte do dinheiro das reservas ["poupança em dólar", guardada no BC para evitar ou resolver crise de financiamento externo]".

Vera Magalhães: Qual garantismo?

- O Estado de S.Paulo

O que mudou? Apeada Dilma, iniciou-se um movimento de acomodação no establishment

Quando foi marcado o julgamento dos 37 réus do mensalão, em 2012, passados sete anos do início das investigações do escândalo, a máxima entre advogados dos estrelados acusados era a de que o Supremo Tribunal Federal era uma Corte garantista, razão pela qual sairiam todos absolvidos.

Espécie de decano da banca, o ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos percorreu redações de veículos de imprensa alardeando esta tese, que também foi usada para acalmar os que estavam com a cabeça a prêmio.

No primeiro dia de julgamento, engalanado numa toga nova, feita sob medida, em muito mais elegante que aquela jogada de qualquer jeito nas costas alquebradas pelo então relator Joaquim Barbosa, Thomaz Bastos subiu à tribuna sob silêncio reverente dos colegas-pupilos para defender a tese com a qual esperava liquidar a fatura e voltar à sua rotina de vinhos e exercícios físicos: o processo deveria ser desmembrado.

Tomou uma surra que lhe tirou parte da pompa e, a partir dali, foram só derrotas para os advogados. Mas o Supremo não era garantista?

Míriam Leitão: Poder ilimitado

- O Globo

O fim de ano foi cheio de provas de que um dos problemas a corrigir na democracia brasileira é a vitaliciedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, eles praticamente governam o Brasil e têm poder demais por tempo prolongado demais. Gilmar Mendes, para ficar no mais polêmico, tem teoricamente mais 13 anos, a menos que ele decida encurtar sua presença na Corte, antes dos 75 anos.

A vitaliciedade é uma prerrogativa dos juízes da Suprema Corte em inúmeros países, mas em democracias mais consolidadas há contenções naturais aos seus poderes. No Brasil, mais do que corte institucional, o STF é também tribunal criminal da elite política. Aqui, juízes idiossincráticos tomam decisões autocráticas e controversas, se enfrentam no plenário como se estivessem em um ringue, e são chamados a arbitrar sobre questões do cotidiano.

O ministro Alexandre de Moraes nasceu no dia da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Completará 75 anos em 2043. Foi indicado pelo presidente Temer para um mandato de 26 anos, ou seja, terá poder pelos próximos seis mandatos presidenciais. Dias Toffoli já é ministro há oito anos e tem mais 25 anos pela frente para exercer seu mandato. O decano Celso de Mello foi escolhido pelo ex-presidente José Sarney e tem sido ministro por todo o período da democracia.

Carlos Melo*: A hora e a vez da política

- O Estado de S.Paulo

Na realidade dura e crua, a economia poderá fazer pouco pela política em 2018

A suposta supremacia da economia sobre a política povoou o senso comum durante muito tempo. A frase de James Carville, assessor de Bill Clinton, ainda ressoa: “é a economia, estúpido” fez escola na percepção da prevalência dos tais fatores de bem-estar econômico sobre o rondó sem fim, que é a discussão política – seus interesses dispersos, idiossincrasias e princípios mais ou menos abstratos.

No Brasil, esse sentimento foi reforçado por interpretações um tanto mecânicas dos planos Cruzado e Real. O primeiro, em 1986, ajudou o PMDB a eleger 22 governadores dentre 23 possíveis; o segundo fez Fernando Henrique Cardoso presidente da República, eleito ainda no primeiro turno de 1994.

Igualmente, o boom de commodities – que reelegeu Lula, em 2006, e operou o prodígio de eleger Dilma Rousseff duas vezes (2010 e 2014) presidente do Brasil – alimenta esse raciocínio. Além da presente crise econômica que contribuiu, decisivamente, para o afastamento da ex-presidente e a derrocada do PT nas eleições municipais de 2016.

Ora, é evidente que o momento econômico influencia o contexto social e político em qualquer país; é claro que pode definir eleições. Mas, como tudo na vida, nada é tão simples assim. Fenômenos econômicos como os descritos acima foram, antes, dependentes da política; são frutos de boas ou más escolhas políticas, e não o contrário. Logo, não há autonomia da economia sobre a política; há, na verdade, correlação e dependência mútuas.

Fernando Gabeira: Natal nos trópicos

- O Globo

Encontrei neste Natal, em Gramado, algo que não via há muitos anos: uma campanha para que as pessoas se abracem. Vi isto na Suécia, no fim da década de 1970. Achávamos estranho porque a campanha sueca estimulava as pessoas a se tocarem. Latinos, aparentemente, não tinham esse problema de fechamento e timidez. Ao contrário, tocávamos em excesso e, às vezes, isto aborrecia os escandinavos.

Um quarto de século depois, reencontro a campanha pelo abraço e me pergunto o que houve conosco nos trópicos. Foi o crescimento econômico, ou a revolução digital? Felizmente as pessoas se abraçaram e se confraternizaram na praça de Gramado, sob uma espuma que simulava neve e molhava minhas lentes.

Ultimamente, as multidões andam zangadas no Brasil, a julgar pelo que fizeram no Maracanã. O espírito de Natal, pelo menos neste período, deve ser mais forte que o espírito de porco. Independentemente de análises mais profundas, é algo de bom que a cristandade nos dá, anualmente.

O papa Francisco é um importante interlocutor e talvez fosse bom mencionar o que disse ao receber o Prêmio Europeu Carlos Magno:

“Há uma palavra que nós nunca deveríamos cansar de repetir. É esta: diálogo. Somos chamados a construir uma cultura de diálogo por todos os meios possíveis e assim reconstruir o tecido da sociedade.” Em outro trecho, Francisco diz: “A paz será durável na medida em que armarmos nossos filhos com a arma do diálogo, que os ensinarmos a travar a boa luta do encontro e da negociação.”

No Brasil isso é necessário também, mas muito difícil. É preciso estar com um olho no espírito de Natal e nas peças que os poderosos nos pregam, precisamente, nesta época. Em dezembro de 1968, decretou-se o AI-5, uma forte inflexão do autoritarismo. Fomos protestar na rua, mas o A5 foi engolido pelo espírito de Natal e dissolveu-se docemente como um panetone na boca.

A segunda turma do Supremo aproveitou, especialmente Gilmar Mendes, de nossa distração natalina e deu mais alguns golpes na Lava-Jato, soltando gente, arquivando processos e proibindo a condução coercitiva.

Como aplicar aqui a arte do diálogo, conforme ensina o Papa Francisco? Há um certo orgulho jurídico em contrariar a opinião pública, uma certeza aristocrática de que eles sabem, e apenas eles, o caminho correto para tratar a corrupção no Brasil. Não há diálogo entre o sentimento social e um grupo de juízes que resolveu bloquear um avanço na luta contra a corrupção, reconhecido por quase todos nos últimos anos. Se as multidões forem às ruas, correm o risco de apenas confirmar o orgulho de votar contra elas, a certeza de que a verdade solitária pertence aos juízes togados.

Murillo de Aragão*: Sobre incertezas e sangue-frio

- O Estado de S.Paulo

O novo ano já está em curso, precipitado pela pré-campanha à Presidência

Existem anos que não terminam conforme o calendário gregoriano. Outros começam mais cedo, já plenos de ansiedade e incertezas. O novo ano já está em curso, precipitado pela pré-campanha eleitoral à Presidência da República. E com uma agenda repleta de acontecimentos. Se a campanha será curta – apenas 45 dias –, a atual pré-campanha será a mais longa da história política recente do Brasil.

No campo político, pululam candidatos a candidatos, o que é mais do que esperado. Tanto de esquerda quanto de centro, e isso resulta de três fenômenos: a divisão das esquerdas, a indefinição do centro e a busca pela renovação. Muitos lembram que a campanha de 2018 poderá ser semelhante à de 1989, quando houve 22 candidatos, entre os quais 11 eram políticos de expressão.

Na esquerda, Lula (PT) já tem a companhia da deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB) e, eventualmente, a do ativista Guilherme Boulos (MTST), além do inoxidável ex-ministro Ciro Gomes (PDT). No centro e na centro-direita, aparecem alguns nomes. Na centro-esquerda estão Marina Silva e Álvaro Dias. Na esfera governista, quem diria, há muitos candidatos a candidatos: o economista Paulo Rabello de Castro (PSC), atual presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o ministro Henrique Meirelles (PSD), o governador Geraldo Alckmin (PSDB), o deputado Rodrigo Maia (DEM), o prefeito João Dória (PSDB) e, quem sabe, o presidente Michel Temer (PMDB).

O mercado teme a divisão do centro em candidaturas diversas e prefere que todos se unam em torno de Geraldo Alckmin ou Dória. Não deseja que se repita o ocorrido na última eleição municipal do Rio de Janeiro, quando o centro, dividido em três candidaturas, ficou fora do segundo turno. Ainda assim, aqui e ali, discretamente, surgem suspiros em favor de Henrique Meirelles e de Michel Temer. A economia poderá viabilizá-los? Talvez sim. Talvez não. A melhora no setor pode ajudar o centro político a se unir.

Samuel Pessôa: Ordem dos fatores estava certa

- Folha de S. Paulo

Nelson Barbosa, em sua coluna de sexta-feira (22) neste espaço, argumentou que a equipe econômica de Temer errou ao priorizar primeiro a PEC do Teto dos Gastos e em segundo lugar a reforma da Previdência.

Se a reforma da Previdência era tão importante, por que motivo a equipe econômica priorizou a PEC que estabelece um teto ao crescimento do gasto público?

Segundo Nelson, houve oportunismo do governo de Michel Temer -deixou a tarefa mais difícil para outros governos- ou, talvez, tenha sido somente um erro de cálculo dos "fiscalistas de planilha do Ministério da Fazenda".

Nelson está errado e parece não ter entendido a lógica de nossa economia política, isto é, como as políticas públicas são criadas e implantadas no contexto da disputa entre grupos com diferentes interesses numa sociedade democrática. Para ele, se a maior pressão sobre o Orçamento é a Previdência, vamos primeiro reformar a Previdência. Essa é, a meu ver, a resposta "de planilha". Infelizmente não é a resposta correta dada nossa economia política.

A reforma da Previdência ficou perto de ser aprovada em meados do ano, segundo experientes analistas políticos. Não houve falta de capital político para aprová-la. O que ocorreu foi que, quando a aprovação da reforma se materializou, a Procuradoria-Geral da República produziu de forma acelerada denúncia contra Temer.

É evidente que a intenção de Rodrigo Janot foi abortar a tramitação da reforma previdenciária. E o motivo é claro. A reforma, diferentemente do que se alardeia, não é somente do INSS. Ela mexe muito com o serviço público federal. E, após seis meses da aprovação, com o serviço público dos Estados e dos municípios.

José Márcio Camargo*: Muitos avanços. Mas está faltando um

- O Estado de S. Paulo

É fundamental a aprovação de uma reforma no sistema de Previdência Social

Após dois anos de profunda crise (2015 e 2016), a partir do primeiro trimestre de 2017 a economia brasileira começou a dar sinais de recuperação. Inicialmente concentrada na agropecuária, a partir do segundo trimestre do ano a recuperação se espalhou para outros setores da economia.

A liberação dos recursos inativos do FGTS e a forte queda da inflação geraram crescimento da renda real das famílias e fizeram do consumo o motor da retomada da atividade. A partir do terceiro trimestre os investimentos começaram a dar sinais de vida, com crescimento positivo, após 13 trimestres de queda.

Diante desse cenário, duas questões se colocam: qual a intensidade da retomada e quanto do crescimento e da queda da inflação se devem a fatores cíclicos, que se esgotarão no curto prazo, e quanto decorre de fatores estruturais que podem ter aumentado a taxa de crescimento do produto potencial e reduzido a inflação estruturalmente.

Desde agosto de 2016, o País passa por um importante conjunto de reformas que deverá mudar o comportamento da economia brasileira no curto, médio e longo prazos.

José Luis Oreiro*: Agenda Brasil 2018

- O Estado de S. Paulo

Os problemas estruturais têm de ser tratados com seriedade na campanha eleitoral

Ao que tudo indica a economia brasileira deverá fechar o ano com um crescimento próximo de 1%, resultante dos efeitos combinados da liberação dos depósitos inativos do FGTS, da redução forte, ainda que tardia, da taxa de juros e do elevado crescimento das exportações, tanto de produtos básicos como de manufaturados, em razão da aceleração do crescimento da economia mundial. Considerando a queda acumulada de quase 9% do PIB real no período 2014-2016 trata-se de uma recuperação anêmica, ainda que bem-vinda.

Mesmo que a economia brasileira consiga engatar uma trajetória de crescimento a partir de 2018, existem razões para acreditar que será um crescimento medíocre, incapaz de colocar o País numa trajetória de “alcançamento” com respeito aos países desenvolvidos. Isso porque a economia brasileira possui uma série de problemas estruturais que limitam seu potencial de crescimento de longo prazo. Na sequência irei fazer uma lista dos principais problemas estruturais que limitam nosso potencial de crescimento.

A teoria econômica indica que o crescimento potencial de uma economia no longo prazo é igual à soma entre a taxa de crescimento da força de trabalho e a taxa de crescimento da produtividade. A taxa de crescimento da força de trabalho depende da taxa de crescimento da população e do crescimento da taxa de participação, ou seja, do aumento da razão entre a força de trabalho e a população. Em razão da queda tendencial da taxa de fecundidade (filhos por mulher) derivada do processo acelerado de urbanização da economia brasileira nos últimos 50 anos, a taxa de crescimento da população vem se reduzindo progressivamente, situando-se hoje em torno de 0,8% ao ano. Na década passada, a força de trabalho cresceu a um ritmo superior ao crescimento da população devido ao aumento da taxa de participação, induzida pela expansão do nível de emprego.

Embora a recessão de 2014 a 2016 tenha aumentado a taxa de desemprego, não podemos mais contar com um aumento significativo da taxa de participação nos próximos 15 anos, dado que a mesma já se encontra num patamar elevado. Dessa forma, o crescimento da força de trabalho deve contribuir com, no máximo, 1 ponto porcentual para o crescimento do PIB nos próximos anos.

Zeina Latif*: Encontro marcado em 2019

- O Estado de S. Paulo

É possível que nunca na história econômica do Brasil o curto prazo tenha tido tanta importância para definir o destino do País como agora.

O Brasil passa, possivelmente, por sua mais grave crise fiscal, que vai se agravar com o envelhecimento da população e suas consequências sobre as despesas previdenciárias. A demografia também reduzirá o potencial de crescimento do País, o que exige reformas para impulsionar os ganhos de produtividade, praticamente estagnados desde a década de 1980. Não há espaço para um governo medíocre em 2019.

Os investidores têm dado o benefício da dúvida ao governo e poderão fazer o mesmo com os candidatos à presidência, pois há o reconhecimento de que a reforma da Previdência está na agenda política do País, devendo ser aprovada pelo próximo presidente. Está cada vez mais claro que se trata de política de Estado e não de governo.

O problema é se a reforma não for ambiciosa o suficiente. O alicerce da atual estabilidade macroeconômica está na confiança de que o País conseguirá estabilizar sua dívida pública como proporção do PIB. Se a confiança se for, as consequências poderão ser sérias a ponto de afetar a capacidade do próximo presidente de governar.

Luiz Carlos Azedo: A festa dos perus

O grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros

Um velho ditado da política diz que não se convida os perus para a festa de Natal. É mais ou menos o que se tentou fazer na reforma política, por meio das redes sociais e dos movimentos políticos emergentes, com os grandes partidos brasileiros, sem sucesso. O que aconteceu no Congresso, pressionado pela crise ética, com centenas de políticos enrolados na Operação Lava-Jato, não foi um se salve quem puder, como muitos esperavam. O que houve foi uma verdadeira contrarreforma política, com a ajuda imprevidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao proibir as doações de pessoas jurídicas sem que se modificasse antes o sistema eleitoral, com a adoção do voto distrital, simples ou misto.

Como naquele velho samba do Cláudio Camunguelo, Meu Gurufim — “eu vou fingir que morri, pra ver quem vai chorar por mim” —, as raposas do PMDB, PT, PSDB e DEM, principalmente, lideraram as modificações nas regras do jogo para beneficiar os grandes partidos e seus caciques. O surgimento de agremiações a partir dos movimentos de renovação política existentes nas redes sociais se tornou inviável, pois o sistema partidário foi congelado. Não há possibilidade do surgimento de um Emmanuel Macron, o novo presidente francês, à margem dos partidos já existentes. Mesmo entre eles, o grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros.

Brasil é país sob observação: Editorial/O Globo

Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, as preocupações mundiais com o meio ambiente aumentaram. Adversário assumido de políticas de contenção de emissões de carbono, o novo presidente logo se colocou contra o Acordo de Paris e, num gesto mais do que marcante, nomeou para a agência de proteção ambiental, EPA, em inglês, o secretário de Justiça do estado de Oklahoma, Scott Pruitt, ligado às indústrias do carvão e petróleo, autor de medidas judiciais contra atos do governo Obama de mitigação da emissão de gases. Nada mais parecido com a velha imagem da raposa que monta guarda no galinheiro.

Neste momento de incertezas sobre ações multilaterais para se atingir a meta de conter a elevação da temperatura média, até 2100, a no máximo dois graus centígrados sobre o nível verificado na era préindustrial, em fins do século XVII, o Brasil colhe vitórias neste campo, mas também semeia temores.

A meta corre perigo com Trump em Washington — embora haja reações importantes de empresas e estados americanos em favor do Acordo de Paris, no qual foi estabelecido este objetivo, em dezembro de 2015.

Cada um por si: Editorial/Folha de S. Paulo

Nas últimas horas antes do recesso de fim de ano, a atividade frenética dos ministros do Supremo Tribunal Federal expôs as divisões que marcam a composição atual da corte e mostrou como o comportamento de seus 11 integrantes se tornou imprevisível.

Na segunda-feira (18), o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu os efeitos de uma medida provisória que cancelara aumentos salariais concedidos a diversas categorias de servidores -uma decisão que poderá custar aos cofres públicos R$ 6,6 bilhões no próximo ano, se não for revertida.

No dia seguinte, Gilmar Mendes restringiu a realização de conduções coercitivas, expediente que tem sido adotado por policiais e procuradores para surpreender pessoas investigadas, submetendo-as a interrogatório antes que tenham tempo de saber o motivo.

Horas depois, Luís Roberto Barroso devolveu à primeira instância um inquérito em que o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) é investigado por irregularidades ocorridas na época em que era vereador em Natal.

Voluntarismo no Supremo: Editorial/O Estado de S. Paulo

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, tem pressa. Considera que o Brasil está apodrecendo em razão da corrupção e se julga no dever de salvar o País, a qualquer custo, tanto naquilo que está a seu alcance, em seu trabalho no STF, como naquilo que não é de sua alçada, como mostra sua já conhecida disposição de legislar. Para esse fim, parece considerar desnecessário respeitar os ritos processuais, os regimentos e estatutos e, no limite, a própria Constituição. Infelizmente, Barroso não está sozinho – ele é apenas o porta-voz informal de alguns ministros do Supremo empenhados em reinventar a Constituição em nome da luta contra a corrupção e da purificação da política.

Na mais recente manifestação desse vezo, o ministro Barroso decidiu enviar para a primeira instância da Justiça Federal do Rio Grande do Norte um inquérito instaurado contra um deputado federal, o tucano Rogério Marinho (RN). Como parlamentar, Marinho teria direito a foro privilegiado – ou seja, seu processo deveria ter continuado no Supremo. Mas o ministro Barroso entendeu que não é mais o caso, porque o STF já formou, em suas palavras, “maioria expressiva” em favor do entendimento de que os parlamentares só têm direito ao foro privilegiado se o crime do qual são acusados tiver sido cometido durante o exercício do mandato e esteja relacionado ao cargo que ocupam. Como o deputado Marinho é acusado de crimes contra a administração pública ocorridos entre 2005 e 2006, período em que presidia a Câmara dos Vereadores de Natal, então, conforme a interpretação do ministro Barroso, não cabe invocar o foro privilegiado.

Nichos realçam contrastes de eleitores de Lula e Bolsonaro

MAURO PAULINO
DIRETOR GERAL DO DATAFOLHA
ALESSANDRO JANONI
DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

Se você conseguisse reunir o Brasil na sua rua e abordasse jovens brancos, do sexo masculino, com pelo menos o ensino médio, teria grande probabilidade de encontrar um eleitor de Jair Bolsonaro (56% para o primeiro turno e 66% para o segundo).

No entanto, se sua atenção fosse direcionada a mulheres, com mais de 44 anos, não brancas, e com o nível fundamental de escolaridade, a possibilidade de alcançar uma lulista seria bem maior (54% para o primeiro turno e 73% para o segundo).

Já se você mora no Nordeste, desconsiderando sexo e idade e mantendo apenas o filtro de baixa escolaridade, suas chances de encontrar um eleitor do ex-presidente vão a 68% logo no primeiro turno.

Esses são os principais resultados de uma análise estatística multivariada feita pelo Datafolha sobre a base de dados da última pesquisa nacional de intenção de voto, com o objetivo de identificar nichos da população brasileira em que são observados altas concentrações de eleitores dos dois principais pré-candidatos à Presidência até o momento.

VARIÁVEIS
Foram contempladas no modelo todas as variáveis socioeconômicas e demográficas do levantamento.

Apesar de pouco peso quantitativo desses subconjuntos na composição total do eleitorado, algumas de suas características e valores apontam para importante potencial de influência no processo de formação do voto.

O grupo de garotos brancos escolarizados corresponde a apenas 4% da população, mas todos têm conta em redes sociais e 81% fazem uso delas para acompanhar política e notícias sobre as eleições.

As senhoras não brancas de baixa escolaridade –7% do total– são, na maior parte dos casos, donas de casa e aposentadas (49%) que administram baixos orçamentos familiares. Também possuem maior conversão religiosa do que o restante dos eleitores (96%).

O desempenho de Bolsonaro é majoritário no grupo correspondente até a idade de 24 anos. Se todas as outras variáveis –de escolaridade, gênero e cor da pele– fossem mantidas e a idade passasse, por exemplo, para até 33, a intenção de voto no deputado federal (PSC-RJ) candidato cairia para 44%.

No caso de Lula, quando se exclui a região do país do modelo, outras combinações são calculadas e passam a ser determinantes, como escolaridade, idade, cor da pele e gênero.

A renda familiar mensal, por guardar alta correlação com essas varáveis, deixa de ser discriminante em ambos os casos.

Entre os garotos brancos, a maioria mora no Sudeste e tem renda familiar acima da média da população. A taxa dos que dizem não ter partido de preferência e dos que rejeitam Lula também é mais alta do que a observada no total do país.

Painel/Folha de S. Paulo: Para Dilma, forças conservadoras querem impedir Lula de concorrer porque não têm candidato viável

Em nome dele “2018 será marcado pela luta entre as forças que querem recolocar o povo no centro da política e aquelas que teimam em entregar o país e destruir o legado de justiça social iniciado em 2003. Não conseguirão.” A sentença é da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Em campanha pela candidatura de seu padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva, ela diz que o próximo ano será decisivo, e que “as forças conservadoras” querem tirá-lo da disputa porque “estão sem candidato viável”.

Guerrilha virtual Dilma será a responsável por divulgar nas redes sociais livro de juristas com críticas à sentença de Sergio Moro que condenou seu antecessor. A petista afirma que usam “artimanhas jurídicas” contra Lula, “perseguindo-o de maneira implacável”. “Ainda assim, é ele quem lidera a corrida.”

Marmelada Sobre o julgamento do aliado no TRF-4, decisivo para a estratégia eleitoral do PT e de seus rivais, Dilma diz que “eventual condenação vai se transformar em monstruosa injustiça”.

Ato final Para a ex-presidente, “uma disputa eleitoral sem Lula só evidencia o quadro de golpe contra a democracia”, que teria sido inaugurado com seu impeachment.

Para poucos No primeiro fim de ano sem a mulher, Marisa Letícia, Lula deve descansar uns dias com a família no sítio Los Fubangos, em São Bernardo do Campo.

Sinal amarelo Os gestos mais explícitos de Henrique Meirelles (Fazenda) como pré-candidato ao Planalto preocupam o mercado. Investidores dizem que a movimentação pode pôr em risco a reforma da Previdência.

Munição A avaliação é que partidos favoráveis às mudanças, mas sem projeto eleitoral próprio, podem travar a discussão para não dar palanque a Meirelles.
Para a foto Aliados de Jair Bolsonaro sugerem que comece a pensar na possibilidade de uma mulher como vice da sua chapa presidencial.

Quem vai Colaboradores do governador Geraldo Alckmin (SP) estudam toda semana pesquisas que avaliam as chances dos dois principais pré-candidatos do PSDB à sua sucessão: o senador José Serra e o prefeito João Doria.

Dianteira Quem acompanha a evolução dos dados diz que Doria segue aparecendo à frente de Serra. O nome do secretário de Habitação de Alckmin, Rodrigo Garcia, tem sido ventilado para o cargo de vice numa chapa liderada pelo prefeito. Seria um jeito de amarrar o DEM ao projeto presidencial do tucanato.

W.O. Serra tem manifestado dúvida genuína a quem pergunta sobre seus planos para o futuro. Ele não deixa de acalentar o sonho de disputar mais uma vez o Planalto, mas, embora apareça um pouco atrás de Doria nas pesquisas, acha que teria sucesso na disputa estadual, por falta de adversários competitivos.

Aos números O PDT vai encomendar uma pesquisa qualitativa para avaliar em qual cenário Gabriel Chalita, ex-secretário de Alckmin, teria mais chances em 2018.

Com quem será? A sigla precisa definir se lançará Chalita para o Senado ou o governo. Se for a primeira opção, apoiaria o vice-governador Márcio França (PSB) para o Palácio dos Bandeirantes.

Acerte os ponteiros Ficou para o ano que vem a decisão do TSE sobre mudanças no horário das eleições. O ministro Gilmar Mendes propôs que a votação siga o horário de Brasília. Luiz Fux, que assume a presidência da corte em 2018, pediu vista.

Com o galo Se a sugestão de Mendes for aceita, as eleições teriam que começar às 6h no Acre —que tem fuso horário com três horas a menos do que a capital federal. A mudança permitiria que a apuração tivesse início na mesma hora em todo o país.

Coluna do Estadão: Governo turbina ação de primeira-dama em 2018

Em um esforço para consolidar marcas na área social e tentar alavancar a popularidade do presidente Michel Temer, o Planalto vai turbinar o programa Criança Feliz. O orçamento da iniciativa, que tem a primeira-dama Marcela Temer como embaixadora, vai dobrar de R$ 300 milhões para R$ 600 milhões, podendo chegar a R$ 900 milhões numa expectativa mais otimista. Em pleno ano eleitoral, Marcela intensificará a agenda pública com viagens para acompanhar a implantação do Criança Feliz, que atende cerca de 180 mil pessoas.

» Bora ler. Em janeiro, Marcela participa de solenidade em que será formalizada parceria do governo com o Itaú Social, para a distribuição de 10 milhões de livros.

» Ô de casa. Voltado para a primeira infância, o Criança Feliz promove visitas domiciliares para apoiar gestantes e cuidar de crianças em situação de vulnerabilidade.

» Você decide. A indefinição no PSDB sobre quem será o candidato do partido ao governo paulista gera um fato curioso. Um peemedebista explica: quem conversa sobre o tema em Brasília sai certo de que será José Serra. Se a prosa for em SP, não há dúvidas de que será João Doria.

» Apostas. Os defensores da candidatura de Paulo Skaf (PMDB) ao governo de São Paulo torcem pela escolha de Serra. Acham que, se Doria for a opção, as chances do presidente da Fiesp diminuem.

» Lá na frente. Seguro de que estará no 2.º turno, o presidenciável Jair Bolsonaro tem dito a empresários que, se não quiserem votar nele na primeira fase da disputa, que o façam na segunda para “combater a esquerda e salvar o Brasil”.

» Dê as ordens. Bolsonaro desistiu de criticar eventual parceria entre a Embraer e a Boeing após consultar o economista Paulo Guedes, que escalou para ser seu ministro da Fazenda.

» Disciplinado. Como prova de que não fará loucuras na economia se eleito, Bolsonaro mostrou a um empresário o WhatsApp que trocou com Guedes com o tema sobre o qual foi orientado a não se manifestar.

» Queda livre. Preso na última semana, Paulo Maluf viu o capital político desmoronar nas últimas três eleições. De um patamar de 740 mil votos em 2006, caiu para 497 mil (2010) e chegou a 250 mil (2014). O PP estima que, em 2018, não passaria dos 100 mil.

» Herança? A avaliação interna de setores do partido é de que os votos de Maluf vão se pulverizar, sem transferência automática para outros candidatos.

» La garantía soy yo. Com um crescimento de 4,8% este ano, o Paraguai está podendo. Decidiu bancar a construção de duas pontes na fronteira com o Brasil em Porto Murtinho (MS).

» Para o Pacífico. Os paraguaios estão animados com convênios assinados com os governos de MT e MS, para que carregamentos de soja passem pela hidrovia Paraná-Paraguai. Essa rota promete ter frete mais barato. O transporte por rio é mais em conta.

Minha volta do exílio, em 24.12.1978,Jornal do Brasil,


Carlos Drummond de Andrade: Organiza o Natal

Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.

Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre.

Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.

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Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.

Bachianas Brasileiras No. 5 • Villa-Lobos • Gothenburg Symphony Orchestra