domingo, 20 de março de 2022

Luiz Sérgio Henriques*: Putin e o Ocidente

O Estado de S. Paulo.

A singela afirmação segundo a qual a democracia é o regime em que se vencem e se perdem eleições é desmentida de modo desabrido

Desde há algumas semanas, tornamo-nos comentadores geopolíticos de nascença, encarnando uma figura parecida com outras delineadas humoristicamente por um poeta maior há quase cem anos. Tomando carona na bela Canção do Exílio, Murilo Mendes falava dos tipos excêntricos da distante terra nativa, enxergando – lá, do seu exílio surreal – nossos poetas como pretos em torres de ametista, os sargentos como pintores cubistas, os filósofos como polacos traficantes de bugigangas. Pois agora poderia acrescentar que há uma pequena multidão de doutores em geopolítica, capazes de dissertar horas a fio sobre blocos, esferas de influência e alianças militares.

Nunca se terá falado tanto de Otan, da sua marcha para o leste, encurralando a Rússia e provocando a única reação possível, a de devastar a Ucrânia. A lógica que assim se expressa é sempre a dos Estados-nação, sem fazer caso do que querem e, principalmente, sofrem as populações. Para Putin, um autocrata de manual, a Ucrânia nem sequer existe, dividindo com a Rússia, desde o princípio dos tempos, um só e mesmo “espaço espiritual”. E seu programa de ação brota do reiterado lamento decorrente do “maior desastre geopolítico” – a palavra inevitável... – do século passado, a saber, a dissolução da União Soviética.

Alberto Aggio*: Brasil e Chile: uma história comparada de golpes, autoritarismo e democracia

Horizontes Democráticos

Antes de iniciar gostaria de esclarecer os enfoques que norteiam essa exposição. O primeiro é a análise comparativa, entendida como um artifício que em nenhum sentido deve ser visto como arbitrário, tanto mais em se tratando da América Latina, esse construto simbólico sempre ressignificado conforme variáveis ideológicas, acadêmicas ou políticas.

O que se busca é iluminar um objeto de estudo frente a outro, estabelecer analogias, semelhanças e diferenças entre duas realidades históricas. Pela comparação é possível observar realidades dinâmicas e verificar como elas variam. O artificio da comparação contribui para uma melhor interpretação das sociedades latino-americanas, de suas contradições, seus paradoxos, seus impasses e seus limites.

O segundo enfoque é o potencial interpretativo da história política. É preciso reconhecer que a história política acabou se fixando, nos últimos tempos, como parte da história cultural, que passa a ser vista como o território totalizante da produção historiográfica. Estuda-se mais as relações e práticas de poder, entendidas como “fenômenos”, do que as complexas dinâmicas e vicissitudes da política, que dão expressão aos atores em suas contradições, orientando ou reorientando os processos históricos.

Exemplificando, o conceito de cultura política foi, muitas vezes, tomado como manifestação cultural e menos como expressão da dinâmica política no campo das ideias e do pensamento. Neste caso, a cultura política ao invés de ser uma dimensão articuladora do político, como sugere Pierre Rosanvallon (2010), passou a ser abordada pela descrição dos seus componentes, dispensando-se a necessária interpretação dos processos e mecanismos de reorganização dos embates da disputa política. Nesse caso, faz-se uma história política abdicando dos problemas históricos que ela engendra; em síntese, “uma historiografia sem problema histórico” (VACCA, 2009, 120).

Merval Pereira: Ainda os ciclos eleitorais

O Globo

Em sete eleições federais realizadas desde a volta da democracia, de 1982 a 2014, captadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a pobreza cai em todos os anos eleitorais e sobe em todos os anos pós-eleitorais, com exceção de 2007. A queda média de pobreza em ano eleitoral foi 12,82% e o aumento no ano pós eleitoral foi de 14,92%. Essa é uma das conclusões de estudos levados a cabo pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas do Rio, especialista em distribuição de renda. Neri foi presidente do IPEA e ministro de Assuntos Estratégicos do governo Dilma.

Ele diz que se retirarmos o ano de 1986 da amostra, que corresponde ao ano do Plano Cruzado, onde o ciclo eleitoral foi mais marcado, a queda de pobreza foi de 8,34% em ano eleitoral seguido de aumento médio de 8,2% em anos subsequentes. A literatura sobre ciclos eleitorais, como tratamos na quinta-feira, descreve o comportamento de políticos que embelezam seus sucessos em anos de eleição, de forma a influenciar os resultados do pleito, e no ano seguinte apresentam ajustes na economia, gerando o resultado oposto.

Bernardo Mello Franco: Um golpe no eleitor

O Globo

O deputado Arthur Lira criou um grupo de trabalho para estudar a adoção do semipresidencialismo. O cambalacho foi publicado no Diário Oficial de quinta-feira. Se sair do papel, representará um golpe na Constituição e na soberania popular.

A proposta de mudar o sistema de governo já foi rejeitada em dois plebiscitos. Mesmo assim, o chefão da Câmara nomeou dez deputados para ressuscitá-la entre quatro paredes. Os parlamentares contarão com o apoio de um conselho de jurisconsultos. Nele estará o ex-presidente Michel Temer, que conhece os atalhos para assumir o poder sem votos.

Cristovam Buarque*: 2022 não é 2006

Blog do Noblat / Metrópoles

Espero que os candidatos de 2022 se unam a Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno

Em 2006, a candidatura de Heloisa Helena e a minha forçaram o então Presidente Lula a ir ao segundo turno contra Geraldo Alckmin. Prestamos um serviço à democracia: forçar o debate entre as visões do PT e do PSDB. Ainda mais necessário, porque Lula havia se negado a participar dos debates no primeiro turno. As visões eram parecidas no que se refere à democracia, aos direitos humanos, ao crescimento da economia, à posição do Brasil no mundo, à necessidade de programas sociais e de distribuição de renda. Nenhum dos dois era militante ecologista, mas nenhum defendia depredar a Amazônia, nem ocupar terras indígenas. Ajudamos a fazer um segundo turno que enriqueceu, não ameaçou a democracia.

Qualquer que fosse o vencedor, a democracia continuava, o equilíbrio fiscal seria mantido, os povos indígenas e as florestas protegidos, o Brasil sairia engrandecido. A diferença entre eles era tão pequena, que três eleições depois tudo indica que estarão juntos na mesma chapa, um vice do outro.

Eliane Cantanhêde: Fogo e sombras

O Estado de S. Paulo.

Depois do aparelhamento do PT, os gabinetes paralelos de Bolsonaro. Quem pega em 2023?

É gabinete do ódio para fake news a favor do presidente e contra seus críticos e adversários, gabinete das sombras para escantear o Ministério da Saúde e massificar a cloroquina, gabinete secreto para fatiar o Orçamento sem dizer quem, onde e para quê... Agora, o Estadão descobre mais um: o gabinete oculto (ou do culto) no Ministério da Educação.

Como dois pastores que não têm qualquer vínculo com a administração pública viajam em jatinhos da FAB, participam de 22 reuniões do ministério e se oferecem para “ajudar” os prefeitos? A reportagem dos repórteres Breno Pires, Felipe Frazão e Julia Affonso revela as entranhas do governo.

O presidente Jair Bolsonaro nem fez reunião ministerial real com pandemia, guerra, enchentes, crise na economia e fome. A que entrou para a história é a do ministro da Educação querendo prender os ministros do STF; a de Direitos Humanos, os governadores; o do Meio Ambiente sugerindo “passar a boiada” na Amazônia e reservas indígenas.

Bruno Boghossian: O faroeste das redes

Folha de S. Paulo

Episódio provocou evolução mínima do ambiente das redes: de terra de ninguém para faroeste

Em menos de um ano, o Telegram descumpriu seis decisões do Supremo e ignorou quatro tentativas de contato do TSE. Depois que o ministro Alexandre de Moraes resolveu bloquear o aplicativo, o criador do serviço disse que as mensagens haviam sido enviadas para um email errado e prometeu se adequar para atender às ordens da Justiça.

A suspensão do Telegram foi um tiro de advertência do STF para o período eleitoral. A reação da empresa e a oferta de um canal para futuras demandas mostram que o disparo funcionou. Mas as nuances do caso sugerem que o ambiente dessa rede deve passar por uma evolução mínima: saem do status de terra de ninguém para a condição de faroeste.

O Telegram mandou o primeiro sinal de que pode obedecer determinações da Justiça brasileira. Apesar da defesa de uma liberdade de expressão quase irrestrita, o aplicativo já cedeu a pressões do governo alemão e bloqueou mais de 60 grupos negacionistas. Por aqui, ainda não se sabe qual será o tamanho da boa vontade da empresa.

Luiz Carlos Azedo: Guerra da Ucrânia é o parto da nova ordem mundial

Correio Braziliense / Estado de Minas

A forma como o eixo da guerra da Rússia contra a Ucrânia se internalizou e deslocou-se do aspecto militar para o político e econômico-financeiro é uma advertência à China

Até a invasão da Ucrânia pela Rússia, a geopolítica mundial ainda era uma herança da Conferência de Yalta, na Crimeia, às margens do Mar Negro, de 4 a 11 de fevereiro de 1945, na qual o presidente americano Franklin Roosevelt, o premiê britânico Winston Churchill e o líder soviético Joseph Stálin decidiram o destino da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. A guerra acabou em 9 de maio, quando as tropas alemãs foram vencidas, em Berlim, pela extinta União Soviética. E quando o Japão se rendeu aos Estados Unidos, após os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto, respectivamente.

Stalin desejava reerguer a economia da URSS e o reconhecimento da sua influência na Europa Oriental. Além disso, queria dividir a Alemanha. Churchill concordava com a partilha do território alemão e pretendia resgatar a influência do Império Britânico no mundo. Roosevelt visava a criação das Nações Unidas (ONU) e pressionava a União Soviética a entrar em guerra com o Japão. A pedido de Stálin, as fronteiras da Polônia seriam movidas, ampliando as terras da União Soviética. Os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) também passariam ao controle comunista.

Janio de Freitas: Irresponsáveis são os responsáveis

Folha de S. Paulo

Recusar máscara é decorrência da idiotia congênita ou patológica

Ao menos duas novas variantes do vírus da Covid-19 foram captadas nestes dias em que numerosos governadores e prefeitos dispensam o uso da máscara contra contaminação.

Foram também os dias recordistas de contaminados na Alemanha e na Coreia do Sul, com volta no aumento das mortes. Os dias, ainda, em que os Estados Unidos, com vacinação insuficiente, recaíram nos temores de nova onda, com as variantes recentes.

A Fiocruz e os mais autorizados no tema da pandemia discordam da liberação feita pelos políticos/administradores. Em vão. Os cientistas críticos, há tão pouco consagrados como a própria ciência contra os cloroquínicos, foram relegados também a lugares secundários no noticiário.

Mas não se vislumbra nem um traço de racionalidade e senso de responsabilidade nas dispensas de cuidados, por um governante atrás do outro.

Elio Gaspari: O Incor voltou ao paraíso

O Globo / Folha de S. Paulo

São os hospitais públicos e as faculdades de medicina que garantem a saúde nacional

Passaram-se 80 anos entre 1942, quando o garoto Disnei Zanolini chegou ao cirurgião Euriclides de Jesus Zerbini com um estilhaço numa parede do coração, até a quinta-feira da semana passada, quando foi operado o coração de uma menina de 1 ano e 2 meses de Embu das Artes, no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi a 95ª cirurgia em uma criança, num total de 845, só neste ano. Ali, a medicina pública brasileira escreve uma de suas melhores e mais ilustrativas histórias.

Numa época em que a pandemia mostrou as virtudes do Sistema Único de Saúde (SUS) e a desordem das cabeças coroadas de Brasília, o Incor comprova: são os hospitais públicos e as faculdades de medicina que garantem a saúde nacional. Quebrada essa aliança, o sistema desanda. Assim desandou a medicina do Rio de Janeiro a partir dos anos 70.

Míriam Leitão: Putin jogou fora obra de 20 anos

O Globo

A Rússia fez um longo dever de casa na área econômica durante 20 anos. Tudo isso se desfez em semanas. O economista dinamarquês Jacob Funk Kirkegaard, pesquisador sênior do Petterson Institute, dos EUA, disse à coluna que a Rússia já perdeu a guerra econômica. “Isso que está acontecendo é um desastre. Eu vi estimativas boas do FMI projetando queda de 20% no PIB. O que é o mesmo que um colapso econômico”. Foram anos em que o governo reduziu a dívida, saneou os bancos, equilibrou as contas públicas, diminuiu a inflação, elevou o PIB e melhorou a qualidade de vida da população. A aventura militar de Putin pôs tudo a perder em poucos dias.

Kirkegaard, de Bruxelas, analisou, em entrevista exclusiva ao colunista Alvaro Gribel, o impacto na economia russa, e em outras economias, da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ela trará desequilíbrios para todos, mas principalmente para o país governado por Putin.

Dorrit Harazim: O amanhã

O Globo

Até 25 dias atrás, excetuando os diretamente interessados, brasileiros podiam confundir Carcóvia, na Ucrânia, com Cracóvia, na Polônia — ambas majestosas segundas maiores cidades de seus países. Não mais. Também foi preciso desempoeirar às pressas nosso mapa-múndi escolar e aprender, com esta primeira guerra “live” da humanidade, a chamar Carcóvia de Kharkiv, versão anglicizada do nome original da cidade. Tudo em vão. Quando a guerra acabar não haverá mais a Kharkiv/Carcóvia de antes. Restarão apenas pirâmides de escombros e uma abissal dor coletiva, misturada a um oceano de luto individual. Serão inúmeros os horrores e as memórias a reparar por toda a nação invadida. Da eviscerada Mariupol, no sul do país, à europeia Lviv, no oeste, ficarão as marcas da desumanidade. A Ucrânia inteira, ou o que dela restar, precisará juntar seus cacos como sociedade.

Celso Lafer*: A agressão russa e a guerra na Ucrânia

O Estado de S. Paulo.

A ação de Putin rompe inequivocamente com o padrão do aceitável. Inseriu a insegurança do imprevisível na dinâmica mundial

No mundo contemporâneo, unificado pelas interações planetárias, a guerra não se circunscreve ao âmbito dos Estados entre os quais ela se abre. Diz respeito a toda a comunidade internacional, pois a paz é indivisível. A comoção, estragos e misérias da guerra têm repercussão global.

A guerra na Ucrânia é uma guerra de escolha de Putin, e não de necessidade, como foi a da Grã-Bretanha ao reagir à agressão armada da Alemanha nazista. Contrapõe-se frontalmente à Carta da ONU, concebida e criada para evitar a repetição dos flagelos da Segunda Guerra Mundial.

A Carta consagrou como um dos princípios básicos do Direito Internacional o respeito à soberania territorial dos Estados, grandes ou pequenos, que na sua pluralidade e heterogeneidade compõem o sistema internacional. Identificou neste princípio um ingrediente-chave da convivência equilibradora entre as nações, favorecedora de suas relações amistosas e da ação construtiva da diplomacia.

A função do Direito Internacional e o seu papel na diplomacia são informar o padrão de conduta aceitável dos Estados e inserir componentes de previsibilidade na vida internacional. A ação de Putin, ao desencadear a guerra na Ucrânia para atender a seus autocentrados fins políticos, objetiva a fulminar a sua independência política e integridade territorial. Rompe inequivocamente com o padrão do aceitável. Inseriu a insegurança do imprevisível na dinâmica mundial. Magnificou a tensão, os riscos e as incertezas com a generalizada repercussão, que alcança todas as instâncias das relações internacionais. Afronta a opinião pública mundial com uma ação bélica caracterizada pela desproporção de forças que vem massacrando os ucranianos, devastando o país, transgredindo o direito humanitário e levando a uma massa de refugiados.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Censura a filme expõe uso do Estado pelo bolsonarismo

O Globo

Foi totalmente descabida, absurda e inaceitável, além de flagrantemente inconstitucional, a decisão do Ministério da Justiça de censurar o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, baseado em livro homônimo do comediante Danilo Gentili, que atua e assina também o roteiro da obra. Na terça-feira, o governo determinou que as plataformas de streaming suspendessem a exibição da comédia de 2017, na época liberada pelo ministério para maiores de 14 anos. A alegação para o arbítrio é uma cena em que dois meninos são assediados por um adulto, vista por bolsonaristas como apologia da pedofilia. Na quarta-feira, o ministério alterou a classificação para 18 anos.

Tão grave quanto a censura, inaceitável num Estado democrático em que ela é vedada pela Constituição, é usar a estrutura estatal para impor a ideologia bolsonarista com objetivos político-eleitorais. Bastou o esperneio conservador nas redes sociais para que, num arroubo autoritário, o Ministério da Justiça mobilizasse o aparelho do Estado para alimentar a guerra cultural do bolsonarismo.

O método é conhecido. No ano passado, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, protestou contra o filme “Lindinhas”, da Netflix, premiado no Festival de Sundance, nos EUA. Para ela, a obra também incentivava a pedofilia, espécie de fantasma que a mente bolsonarista parece enxergar por toda parte. O filme critica a sexualização precoce de meninas. Aproveitando a deixa de Damares, a organização religiosa Templo Planeta do Senhor tentou censurá-lo na Justiça, felizmente sem sucesso.

Poesia | Vinícius de Moraes - O Haver

 

Música | Maria Rita: Águas de março (Tom Jobim)