• Promotores alegam incitação à violência e risco à ordem pública
• Defesa condena ‘ espetáculo’ e argumentos frágeis
• PSDB critica falta de fundamentos e vê medida extrema
Está nas mãos da juíza Maria Priscilla Ernandes, da 4 ª Vara Criminal de São Paulo, decisão sobre o destino do ex-presidente Lula. Em ato inédito na história recente do Brasil, o Ministério Público do estado pediu a prisão preventiva de um ex-presidente. Ao justificar o pedido, os promotores sustentaram que Lula poderia “movimentar sua rede violenta de apoio, para evitar que processo- crime que se inicia tenha seu curso natural”. A defesa do petista afirmou que o MP tenta “amordaçar um líder político”. A atitude da Promotoria gerou críticas até mesmo da oposição, que não viu fundamentos no pedido, e recomendou prudência. Lula, denunciado anteontem pelos crimes de ocultação de patrimônio e falsidade ideológica, no caso do tríplex em Guarujá, no litoral paulista, recebeu ontem mesmo convite da presidente Dilma para ocupar a Casa Civil, o que lhe garantiria foro privilegiado. Ele teria, no entanto, rejeitado a oferta.
Lula na encruzilhada
• MP pede prisão de petista, que recusa oferta de Dilma para ser ministro, o que lhe daria foro privilegiado
Tiago Dantas, Simone Iglesias, Dimitrius Dantas * - O Globo
- SÃO PAULO e BRASÍLIA- Em decisão inédita na História recente do país, o Ministério Público de São Paulo pediu a prisão preventiva de um ex- presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado anteontem como suspeito dos crimes de ocultação de patrimônio e falsidade ideológica, no caso do tríplex no Guarujá, no litoral paulista. Para blindar Lula e lhe dar foro privilegiado, a presidente Dilma Rousseff ofereceu ontem ao seu antecessor o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, como informou o blog de Lauro Jardim.
Por esse arranjo, o titular da Casa Civil, Jaques Wagner, iria para o Ministério da Justiça. Lula, porém, recusou a oferta. A própria Dilma foi alertada sobre o risco da manobra: ao tornar Lula ministro, o que retiraria o seu processo da 4 ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda ( SP) para o Supremo Tribunal Federal ( STF), ela poderia ser acusada de obstruir a Justiça, o que daria novo argumento para os que defendem seu impeachment.
Os líderes petistas que estavam reunidos ontem com Lula, em São Paulo, também incentivaram o ex-presidente a aceitar o convite de Dilma, assim que a notícia sobre a prisão preventiva chegou à reunião. Mas, após os ânimos serenarem, avaliou- se também que ele não deveria aceitar, pois não poderia fugir da polícia.
— Isso seria jogar a biografia dele no lixo — comentou um interlocutor do Planalto.
Ao justificar o pedido de prisão, os promotores alegaram que Lula poderia “movimentar sua rede violenta de apoio, para evitar que o processo crime que se inicia tenha seu curso natural”. Disseram que há uma “probabilidade evidente de ameaças a vítimas e testemunhas”. O MP também pediu a quebra do sigilo fiscal de Lula entre 2012 e 2015.
Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse que a fundamentação da denúncia revela uma “banalização do instituto da prisão preventiva” e busca “amordaçar um líder político, impedir a manifestação do seu pensamento e até mesmo o exercício de seus direitos”.
Justiça ainda não se pronunciou
A Justiça de São Paulo ainda não se pronunciou sobre o pedido de prisão preventiva, nem sobre a denúncia feita contra Lula.
A denúncia, em seu início, cita um trecho de “Assim falou Zaratustra”, do filósofo alemão Nietzche, destacando que essa seria a premissa que norteia o pedido de prisão preventiva: “Nunca houve um Super- homem. Tenho visto a nu todos os homens, o maior e o menor. Parecem-se ainda demais uns com os outros: até o maior era demasiado humano.”
O pedido de prisão de Lula e outras seis pessoas não aparece no texto da denúncia divulgado ontem pelo Ministério Público à imprensa. Mas o site Jota publicou a denúncia na íntegra com os pedidos. O MP disse que não comentaria o assunto.
Os promotores dizem ser “amplamente provadas manobras violentas” de Lula e de seus apoiadores, “com defesa pública e apoio até mesmo da presidente da República”. Os promotores citam o pronunciamento inflamado feito pelo ex- presidente na última sexta- feira e um vídeo publicado na internet, postado inicialmente pela deputada Jandira Feghali ( PCdoB- RJ), em que o petista é flagrado dizendo a Dilma: “Eles que enfiem no cu todo este processo”. “Jamais poderia o denunciado se sentir incomodado com a necessidade de observância de ordens judiciais”, diz a denúncia do Ministério Público.
Além de Lula, também tiveram prisão preventiva pedida o ex- tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, ambos também investigados e presos pela Operação Lava- Jato, e outras quatro pessoas.
O MP diz que Lula pode se valer de pessoas que ocupam cargos públicos para defendê- lo. Cita o pronunciamento em que Dilma comenta a delação do senador Delcídio Amaral e a investigação contra Lula. Para reforçar o pedido de prisão, os promotores lembram a visita que Dilma fez a Lula “valendo- se de meios públicos, e não privados, de transporte”, nas palavras dos promotores. Segundo os promotores, as condutas de Lula “certamente deixariam Marx e Hegel envergonhados”. Os promotores confundiram Hegel com Engels.
A prisão preventiva de Lula faz parte da denúncia oferecida contra ele, a ex- primeira- dama Marisa Letícia, e o filho do casal, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, no caso do tríplex. Outras 13 pessoas foram denunciadas no mesmo caso, entre dirigentes da Bancoop e da OAS.
São duas as acusações contra Lula: que ele não declarou ser dono do tríplex, entendido como ocultação de patrimônio, uma modalidade de lavagem de dinheiro; e que ele informou à Receita ser dono de outro apartamento no condomínio, o que seria falsidade ideológica. (* Estagiário, sob supervisão de Mariana Timóteo).
O que dizem os promotores
ORDEM PÚBLICA: “Do alto de sua condição de ex- autoridade máxima do país, o denunciado Luiz Inácio Lula da Silva jamais poderia inflamar a população a se voltar contra investigações criminais a cargo do Ministério Público, da Polícia, tampouco contra decisões do Poder Judiciário. E foi isso que o denunciado fez, valendo- se de toda sua ‘ força político-partidária’, ao convocar entrevista coletiva após ser conduzido coercitivamente para ser ouvido em etapa da Operação Lava- Jato”.
MANOBRAS: “Valendo- se de sua rede político-partidária, o denunciado sempre buscou manobras para evitar que a investigação criminal do Ministério Público avançasse. Foi assim que se valeu do apoio de seus parceiros políticos, como o nobre deputado federal Luiz Paulo Teixeira Ferreira, que inicialmente formulou pedido na Corregedoria Geral do Ministério Público contra um dos subscritores desta investigação, com o evidente propósito de impedir que esta prosseguisse – sem êxito. Posteriormente (...) obteve (...) medida liminar administrativa no Conselho Nacional do Ministério Público de suspensão da investigação criminal”.
ATAQUE ÀS INSTITUIÇÕES: “Revelou conduta que fragiliza o sistema de Justiça e põe em xeque o estado democrático de direito. (...) Ao expor em sua entrevista coletiva evidente intenção de ataque, igualmente refletida nas palavras de baixo calão nada respeitosas gravadas em um video público, sua ira contra as instituições do sistema de Justiça leva todo e qualquer cidadão a se sentir no mesmo e igual direito de fazê-lo”.
INSTRUÇÃO CRIMINAL: “O denunciado se vale de sua condição de ex-presidente da República para se colocar ‘ acima ou à margem da lei’. Assim é que deseja ‘ ser convidado’ para ser ouvido; deseja ‘ escolher’ quem poderá investigá-lo; decide se seus familiares poderão ou não sofrer investigações etc etc. Além disso, o denunciado se vale de sua força políticopartidária para movimentar grupos de pessoas que promovem tumultos e confusões generalizadas, com agressões a outras pessoas, com evidente cunho de tentar blindá- lo do alvo de investigações e de eventuais processos criminais, trazendo verdadeiro caos para o tão sofrido povo brasileiro. (...) Os motivos são suficientes a permitir a conclusão de que movimentará ele toda a sua ‘ rede’ violenta de apoio para evitar que o processo crime que se inicia com a presente denúncia não tenha seu curso natural”.
DILMA: “A presidente da República (...) se apresentou em rede nacional de TV para realizar pronunciamento em defesa do denunciado, na tarde da mesma data em que, pela manhã, o denunciado foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal. (...) Causou mais surpresa, de forma nova e igualmente lamentável, saber pela imprensa que no dia 5 de março de 2016 a mesma presidente da República embarcou para o município em que o denunciado reside para prestar apoio a ele, valendo- se de meios públicos, e não privados, de transporte (...) Daí por que patente a hipótese de necessidade de prisão preventiva do denunciado por conveniência da instrução criminal, pois amplamente provadas suas manobras violentas e de seus apoiadores, com defesa pública e apoio até mesmo da presidente da República, medidas que somente têm por objetivo blindar o denunciado, erigindo- o a patamar de cidadão ‘ acima da lei’, algo inaceitável no estado democrático de direito”.
EVASÃO DO PAÍS. “Necessário que seja segregado cautelarmente, pois sabidamente possui poder de ex-presidente da República, o que torna sua possibilidade de evasão extremamente simples”.