terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Tudo isso é preocupante, mas não é o que mais me preocupa. Temo, especialmente, duas coisas: o havermos perdido o rumo da História e o fato de a liderança nacional não perceber que a crise que se avizinha não é corriqueira - a desconfiança não é só da economia, é do sistema político como um todo. Quando esses processos ocorrem, não vão para as manchetes de jornal. Ao entrar na madeira, o cupim é invisível; quando percebido, a madeira já apodreceu.

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*Sociólogo, foi presidente da República. Artigo, ‘Chegou a hora’, O Globo, 1 de fevereiro de 2015.

Cunha já estreia com desafios ao governo

Cunha marca território

• Planalto ensaia aproximação, mas deputado acelera reforma política que contraria PT

Maria Lima, Isabel Braga, Fernanda Krakovics, Simone Iglesias, Carolina Brígido – O Globo

BRASÍLIA - O governo Dilma Rousseff tentou ontem pacificar sua relação com o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas a tarefa poderá ser árdua. Em seu primeiro dia no cargo, Cunha reforçou a independência entre os poderes, definiu a relação com o Planalto como institucional, reiterou que votará prioritariamente o Orçamento Impositivo e anunciou que porá em votação uma proposta de reforma política que contraria o PT. Além de precisar aprovar no Congresso medidas do ajuste fiscal em curso, o Palácio do Planalto teme que Cunha coloque em votação projetos que aumentam gastos do governo.

- Amanhã (hoje), vou apresentar um requerimento para aprovar, diretamente no plenário, a admissibilidade da reforma política que o PT estava segurando na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Em seguida, vou criar a comissão especial para fazer a reforma andar imediatamente - disse Cunha ao GLOBO.

O PT trabalha contra essa proposta, principalmente porque é contra incluir na Constituição a possibilidade de doação de empresas privadas para campanhas eleitorais, na contramão do que está para ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo texto que deve ser posto em votação por Cunha, os partidos poderão optar por três tipos de financiamento de campanhas: público, privado ou misto.

A proposta também acaba com o voto obrigatório e com a reeleição para cargos executivos. E inova na forma da eleição de deputados, dividindo os estados em regiões para a disputa eleitoral. Os deputados fariam campanha nessas regiões, e não em todo o estado; o voto proporcional seria mantido. O texto ainda prevê o fim das coligações partidárias nas eleições para deputados e vereadores e cria a cláusula de barreira para que o partido possa ter acesso ao Fundo Partidário e a tempo de TV.

Cunha também está empenhado em concluir esta semana a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a executar recursos do Orçamento da União reservados por deputados e senadores para obras e programas por meio de emendas parlamentares.

Dilma telefonou para Cunha, ontem de manhã, para parabenizá-lo pela vitória. Ela fez o mesmo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas na noite anterior - e com a diferença de que o governo comemorou a vitória do senador.

- Relação não se define com palavras, se define no seu contexto cotidiano, a relação é institucional. A presidenta telefonou, cumprimentou. Naturalmente, vamos ter que conversar, isso é inevitável. Os poderes terão que ser independentes, pregamos que sejam harmônicos e a harmonia há que existir - disse Cunha.

Primeiro afago é feito por ministro da justiça
Como forma de tentar uma relação mínima com o novo presidente da Câmara, Dilma receberá Cunha nos próximos dias para uma conversa, em data ainda não marcada. No Palácio do Planalto, a avaliação é que Cunha não fará do seu mandato uma corrida pelo impeachment de Dilma - como defendem setores da oposição, na esteira do escândalo na Petrobras -, mas que dificultará a vida do governo, impondo uma agenda própria de votações, parte delas com impacto nas contas públicas.

O primeiro afago público ao novo presidente da Câmara partiu do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ainda pela manhã.

- Tenho absoluta convicção de que o presidente Eduardo Cunha investirá profundamente em uma boa relação com os poderes do Estado. A relação com o Executivo será harmoniosa, dentro daquilo que a própria Constituição prescreve - disse Cardozo, na abertura do ano para o Judiciário, em cerimônia realizada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Mais tarde, foi a vez do ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, responsável pela articulação política do governo, que criou arestas com partidos da base aliada ao cobrar apoio ao candidato do PT à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia, derrotado no domingo:

- O Eduardo Cunha não é um desafeto do governo. Quando tem um jogo de futebol, tem carrinho, tem puxão na camiseta, às vezes até uma canelada. Termina o jogo, os amigos sentam e tomam uma cervejinha.

Para reduzir danos, a postura do governo é de "bandeira branca" em relação a Cunha. Na visão do Planalto, a convivência pacífica com Cunha é vista como única alternativa, devido à dimensão que ele passou a ter. Cunha foi eleito com 267 votos em um colégio eleitoral de 513.

- Ele tem um tamanho que ninguém controla. Vamos usar alguma votação de uma medida provisória menos importante nas próximas semanas para ver o tamanho real da base do governo - disse um auxiliar de Dilma, já que três partidos aliados (PP, PRB e PTB) apoiaram Cunha, sem seguir a orientação do governo de apoiar o petista Arlindo Chinaglia (SP).

A avaliação do núcleo político do governo é a de que não adianta punir esses partidos com perda de ministérios ou de cargos, o que só agravaria a situação delicada que o Planalto deve enfrentar nas votações na Câmara.

Após derrota na Câmara, Planalto abre negociações para cargos de 2º escalão

• Um dia depois do revés político sofrido com a eleição de Eduardo Cunha, Dilma Rousseff inicia um processo de distensão com sua base aliada; a presidente telefonou para o peemedebista e tenta agora evitar uma pauta parlamentar contrária ao governo

Vera Rosa, João Domingos e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Vinte e quatro horas depois da significativa derrota política do governo na Câmara, a presidente Dilma Rousseff iniciou nesta segunda-feira, 2, o processo de distensão com sua base aliada no Congresso e prometeu abrir negociações para os cargos de segundo escalão. A ordem no Palácio do Planalto é amenizar o fracasso, recompor o relacionamento com os aliados, mudar os líderes do governo e do PT na Câmara e impedir a “caça às bruxas” dos traidores.

Dilma fez um gesto na direção do diálogo ao telefonar para o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na ligação, ela cumprimentou o antigo inimigo pela vitória, assim como fez com Renan Calheiros (PMDB-AL), reconduzido à presidência do Senado.

Cunha derrotou o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) no primeiro turno da eleição para o comando da Câmara, no domingo, expondo a fragilidade da articulação política do governo. As trapalhadas foram tantas que o PT ficou sem cadeiras na Mesa Diretora e sem as principais comissões da Casa, como Constituição e Justiça e Finanças e Controle.

A presidente se reuniu ontem e no domingo com ministros da coordenação do governo. O diagnóstico feito de forma reservada na cúpula do PT é que a disputa escancarou um “desastre” na articulação do governo. Mesmo assim, apesar da pressão da corrente Construindo um Novo Brasil (mais informações no texto ao lado), majoritária no partido, Dilma não substituirá o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas. “Quando tem um jogo de futebol, tem carrinho, tem puxão da camiseta, às vezes até uma canelada. Termina o jogo, os amigos sentam e tomam uma cervejinha”, disse Vargas.

“Agora precisamos pensar nos desafios de construir uma agenda e começar a votar. Temos o ajuste fiscal, necessário para a estabilidade econômica”, afirmou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que esteve ontem na Câmara para a abertura dos trabalhos legislativos.

Critérios. Mercadante e Cunha cochicharam diversas vezes, enquanto o primeiro secretário da Mesa Diretora, Beto Mansur (PRB-SP), lia a mensagem enviada por Dilma ao Congresso. “O segundo escalão começa a ser montado agora em fevereiro, sob a condução da presidente”, avisou o titular da Casa Civil ao final da sessão. “Nós já recebemos as solicitações dos partidos e não houve nenhum compromisso, até este momento, para respeitar as eleições no Congresso. Agora começam as negociações para definir o segundo escalão e combinar o critério técnico da competência com o critério político do apoio parlamentar no Congresso.”

Na lista dos cargos que faltam ser preenchidos estão diretorias da Eletrobrás, Sudene, Banco do Nordeste, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Furnas, Banco da Amazônia, Departamento Nacional de Obras contra as Secas e Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.

O governo quer negociar para evitar uma “pauta-bomba” de votação, com projetos contrários a seus interesses, como o Orçamento impositivo. Ontem, o vice-presidente Michel Temer chamou Cunha para um almoço, no Palácio do Jaburu.

O ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB), aliado de Cunha, pode ser nomeado para o Ministério do Turismo se não estiver na lista que o procurador-geral da República,Rodrigo Janot, deve enviar ainda este mês ao Supremo Tribunal Federal com os políticos suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás. O temor do Planalto, agora, é que Cunha não segure eventuais pedidos de impeachment de Dilma, e fique ao lado do PSDB, que trabalha para instaurar quatro CPIs.

O presidente da Câmara garantiu a Temer que não fará oposição ao governo. “Ele sabe que há uma missão institucional”, disse o vice-presidente. O peemedebista, porém, deixou uma dúvida no ar ao dizer que seguirá a pauta que os líderes aprovarem. “Seja ela agradável ou não ao Planalto.”

Entrevista - Eduardo Cunha

PMDB vai questionar na Justiça criação de partidos

• Novo presidente da Câmara dos Deputados diz que governo acreditou em 'papai noel' ao prever que poderia derrotá-lo

Andréia Sadi / Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia após ser eleito presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) bateu duro na articulação política do governo, chamando-a de "atrapalhada", e criticou o patrocínio do Planalto a novos partidos, como o novo PL que o ministro Gilberto Kassab (Cidades) pretende criar.

Em entrevista exclusiva à Folha, o deputado, de 56 anos, disse que o PMDB contestará as novas legendas.

"É absolutamente incoerente o governo defender a reforma política e estimular a criação de partidos fictícios."

Sobre a derrota imposta ao candidato do PT, Arlindo Chinaglia, afirmou: "Só o governo, através do seu articulador Pepe Vargas, acreditava em Papai Noel". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Onde o governo errou?

Eduardo Cunha - O governo errou em ter candidato. Quis fazer interferência. Eu fiquei sendo o candidato da Casa.

O senhor impôs uma grande derrota política à presidente.

Porque os articuladores políticos do governo, muito atrapalhados, simplesmente resolveram fazer uma política absurda dentro da Casa. Eles quiseram assumir a derrota. Vieram para cá na base da pressão e de tentar constranger deputados, partidos e ministros indicados. Vieram para uma luta perdida. Qualquer um que conhece essa Casa sabia que iam fracassar. Não tinham a mínima noção.

O senhor está falando do Miguel Rossetto, Aloizio Mercadante e Pepe Vargas?

Eu não sei quem foi o responsável. Eu recebo relatos de Pepe Vargas. Eu acho que Pepe verbalizou ameaças para ministros e parlamentares.

Mas houve isso? Quais casos?

Não vou citar, vários partidos. Todos da base que têm ministro no governo. Na hora que Pepe resolveu partir para esse tipo de confronto, ele se inviabilizou não só com o presidente da Casa mas tornou a relação dele muito difícil com os partidos da base que não o atenderam. E os que o atenderam o fizeram constrangidos.

O governo achava que Arlindo Chinaglia poderia vencer.

Só o governo, através do seu articulador Pepe Vargas, acreditava em Papai Noel. Como é que alguém que tem um cargo de relações institucionais busca quebrar a institucionalidade dessa forma?

Quanto custou a campanha?

Nem apurei.

Dizem que empresas, como a JBS, ajudaram.

Puxa, que bom. Vou até procurá-los para saber se é verdade.

Representantes da JBS não pediram votos para o senhor?

Isso é outra coisa. É uma opção política que eles possam ter feito. Outra coisa é financiamento.

Em momento algum a JBS procurou o senhor?

Tenho certeza de que se você fizer uma enquete com os 100 maiores empresários do país, certamente talvez 98 preferissem a minha eleição. Não preciso pedir, via na rua. Não quer dizer necessariamente que tenha tido poder econômico na minha eleição.

E a reforma política?

Nós temos de discutir. Já falei com o Michel [Temer, vice-presidente da República e presidente do PMDB] e ele vai contestar judicialmente a criação desses novos partidos que têm o objetivo claro de fraudar a legislação com vistas à futura fusão.

Fala do PL, que o ministro Gilberto Kassab articula?

Não dá para permitir cooptação de parlamentares de outros partidos. Isso seria um revés no governo, que vai se beneficiar da criação de um outro partido para diminuir sua dependência do PMDB, de criar uma base alternativa... É absolutamente incoerente o governo defender a reforma política e estimular a criação de partidos fictícios.

O procurador-geral da República divulgará os políticos envolvidos na Operação Lava Jato. O sr. teme estar na lista?

Defendi a CPMI para investigar todo mundo, até a mim. As situações que surgiram foram categoricamente desmentidas. Se por ventura existir qualquer coisa, vamos ver o que é. Estou absolutamente tranquilo. Não conheço nenhuma dessas pessoas que estão envolvidas.

Está preparado para assumir a Presidência da República?

Será simplesmente para cumprir o rito. Não vai ser para assumir o poder da presidente da República.

Dizem que o sr. é inimigo íntimo da Dilma...

Por que íntimo? [risos]

Dilma diz que ajuste fiscal não trará recessão

• Em mensagem ao Congresso, presidente garante que reequilíbrio fiscal será "gradual"

Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - Um dia após sofrer uma derrota acachapante na eleição para a presidência da Câmara, a presidente Dilma Rousseff afirmou, em mensagem enviada ao Congresso, na abertura dos trabalhos do Legislativo, que sua gestão não vai promover "recessão ou retrocesso na economia", apesar dos ajustes em curso, como aumento de impostos. Parte dessas medidas terá que ser chancelada pelo Congresso, como as novas regras do seguro-desemprego. Dilma fez uma defesa do ajuste fiscal adotado e admitiu um cenário pessimista no futuro próximo. Ela afirmou que em 2015 o Brasil ainda sofrerá os efeitos da crise econômica. Para ela, a meta é promover o reequilíbrio fiscal "gradual" e o crescimento econômico "o mais rápido possível".

- Não promoveremos recessão e retrocessos. Vamos promover o reequilíbrio fiscal de forma gradual. Ajustes fazem parte do dia a dia da política econômica, bem como do cotidiano de empresas e pessoas. Ajustes nunca são um fim em si mesmos. São medidas necessárias para atingir um objetivo de médio prazo, que, em nosso caso, permanece o mesmo: crescimento econômico com inclusão social - dizia o texto, lido pelo primeiro-secretário da Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP).

- Precisamos garantir a solidez nos nossos indicadores econômicos. E lidar com as incertezas e oscilações da economia internacional que ainda devem marcar 2015 - afirmou a presidente.

Oposição tenta criar cinco CPi"s
Dilma foi direta ao afirmar que a redução do superávit em 2015 para 1,2% do PIB é a forma encontrada para reagir ao cenário adverso.

- Atingimos um limite - admitiu.

A mensagem foi longa, repleta de defesas de suas ações e garantias de que o governo não mexeu em direitos sociais ou trabalhistas. Ao defender as duras medidas fiscais, ela disse que havia "excessos", citando a necessidade de novas regras para o pagamento de abono salarial, seguro-desemprego e auxílio-doença. Sem citar o escândalo da Petrobras, Dilma disse que o Brasil avança no combate à sua "histórica impunidade" e pediu a ajuda dos poderes Legislativo e Judiciário.

Líderes da oposição criticaram a ausência da presidente na reabertura da sessão legislativa num momento de crise e consideraram uma "inabilidade política" ela mandar em seu lugar o ministro chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante de "cara ruim". Ele ficou o tempo todo de semblante muito fechado e mudo na Mesa, ao lado do novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que sorria muito.

Os deputados compararam a reabertura da legislatura com o "Estado da União", quando o presidente dos EUA, em sessão solene, discursa fazendo uma prestação de contas de sua gestão e apresentando as propostas para o Legislativo. No momento da leitura em que o texto de Dilma elogiou conquistas da Petrobras, os oposicionistas não se contiveram, e começaram a protestar e a gritar: "petrolão, petrolão". Mansur chegou a interromper a leitura.

- A presidente Dilma explicitou sua insatisfação com o Congresso fazendo beicinho e dizendo: perdi, não vou! Na Inglaterra a rainha Elizabeth escolhe a sua mais vistosa coroa para ir ao Parlamento, num gesto de respeito - criticou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

A oposição decidiu ontem que tentará apresentar requerimentos para a criação de cinco Comissões de Inquérito. Os temas na mira investigativa do PSDB, DEM e PPS são a Petrobras, setor elétrico, empréstimos do BNDES, fundos de pensão e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). (Colaboraram Maria Lima, Isabel Braga e Chico de Gois)

Dilma destaca combate à corrupção e reforma política como prioridades

• Em discurso ao Congresso, presidente reafirmou promessas de campanha e disse que vai encaminhar ao Legislativo projetos para tornar mais rigoroso o combate aos ilícitos

Ricardo Della Coletta e Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em um ano em que o governo tenta debelar a crise ocasionada pelo escândalo de desvios na Petrobrás, a presidente Dilma Rousseff afirmou, em mensagem encaminhada ao Congresso Nacional nesta tarde, que o combate à corrupção e a reforma política serão dois temas prioritários em seu segundo mandato.

A mensagem foi lida pelo primeiro-secretário do Congresso, Beto Mansur (PRB-SP). Nela, Dilma disse que seu governo está combatendo “sem trégua a corrupção” pela “ação livre dos órgãos de controle”. “Ao contrário do que acontecia, hoje o Brasil avança no combate à impunidade”, disse Dilma.

Ela resgatou ainda uma promessa de campanha para combater malfeitos: um pacote com projetos que, disse, serão encaminhadas ao Legislativo ainda neste ano. Entre as propostas está transformar a instituição de um tipo de ação judicial que permita o confisco de bens de agentes públicos que não demonstrarem a origem de seus ganhos.

"Todas essas medidas têm o propósito de garantir processos e julgamentos mais rápidos e punições mais duras”, disse, ressaltando que um dos objetivos é evitar brechas que permitam que julgamentos “se arrastem”, mas preservando o amplo direito de defesa. “Será um forte golpe na impunidade”.

Ela também conclamou os parlamentares a aprovarem uma reforma política, um tema de responsabilidade do Legislativo e que virou recorrente depois das manifestações de rua de 2013. Segundo Dilma, o “pacote anticorrupção” trará “resultados apenas parciais” se uma reforma política não for realizada para enfrentar “insuficiências e distorções do nosso sistema de representação política”.

Segundo disse Dilma na mensagem, é preciso elaborar novas regras para a escolha dos representantes da população e estabelecer novas formas de financiamento das campanhas políticas. “Precisamos aprimorar os mecanismos de interlocução com a sociedade para reforçar a legitimidade das ações do Legislativo e do Executivo. É nossa tarefa democratizar o poder para que a sociedade se sinta cada vez mais representada”, afirmou.

A mensagem da petista foi encerrada com o lema “o povo brasileiro quer mais e merece mais”. “o povo não quer retrocessos. Esse é o recado das urnas e das ruas”.

Para tucanos, discurso de Dilma é 'deslocado' da realidade

• Oposição criticou mensagem da presidente ao Congresso na abertura do ano legislativo e comentou necessidade de investigar os desvios na Petrobrás

Erich Decat e Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Integrantes da cúpula do PSDB no Congresso consideraram a mensagem apresentada pela presidente Dilma Rousseff no plenário na tarde desta segunda-feira, 2, como "deslocada da realidade" e "alienada".

Em um ano em que o governo tenta debelar a crise ocasionada pelo escândalo de desvios na Petrobrás, a presidente considerou que o combate à corrupção e a reforma política serão dois temas prioritários em seu segundo mandato. O documento foi lido pelo primeiro-secretário do Congresso, Beto Mansur (PRB-SP), na sessão de abertura do ano Legislativo.

"Só deu para perceber que eles estão falando de outro País, não do nosso. Talvez um do hemisfério norte", ironizou o ex-governador de São Paulo e senador eleito, José Serra. O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), também criticou o conteúdo da mensagem, principalmente no trecho em que foi citada a Petrobrás. "É um acinte ao povo brasileiro na mensagem ter referencia à Petrobrás como um núcleo de eficiência e bons resultados. É um deslocamento da realidade que preocupa. Ao que parece este governo está completamente deslocado da realidade", afirmou o líder tucano.

Na retomada das atividades no Congresso, integrantes da oposição têm encampado a busca por assinaturas para recriar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar possíveis desvios ocorridos na Petrobrás. Na análise do senador José Serra, é preciso, entretanto, que a oposição não perca o foco criando CPIs de forma aleatória.

"Não tem como o Congresso não acompanhar o caso da Petrobrás. Isoladamente, é o principal tema hoje de investigação no País. O Congresso não poder ficar à margem. Têm muitas outras CPIs no ar, mas não adianta inflacionar as CPIs, o importante é fazer bem feito as que têm", afirmou.

O tucano também falou sobre a atuação da oposição no Congresso nesse início de atividades que ocorrem em meio às derrotas impostas por parte da base aliada ao Palácio do Planalto

"Os problemas de ordem política estão postos. A oposição tem que combinar a crítica, vigilância e mobilização. Tem que estimular a mobilização da população em torno das questões nacionais. A oposição tem que agitar, ao mesmo tempo tem que debater as grandes questões nacionais. O PT não tem, nem dentro nem fora do governo, ideias a respeito do País. Eles não sabem o que fazer. Não sabiam antes e agora muito menos. O que a gente vê é um governo alienado", ressaltou Serra.

Analistas, ao contrário de Dilma, não descartam recessão este ano

• Pesquisa do BC com mercado financeiro vê crescimento de apenas 0,03%

Gabriela Valente, Clarice Spitz – O Globo

BRASÍLIA e RIO - A presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que não haverá recessão e que o ajuste para o reequilíbrio fiscal será gradual. No entanto, analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Banco Central (BC) na pesquisa semanal Focus reduziram pela quinta vez consecutiva as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) para este ano, e há quem já preveja retração. No boletim Focus, as estimativas de expansão da economia passaram de 0,13% para apenas 0,03%. A previsão para 2016 também foi cortada: de 1,54% para 1,5%, a segunda redução seguida.

O Itaú é uma das instituições que esperam retração este ano. "Reduzimos nossa projeção do PIB para retração de 0,5% em 2015", informaram os economistas da equipe de Ilan Goldfajn, diretor de pesquisa econômica do Itaú. "Estimamos que um racionamento conjunto de água e energia elétrica teria um efeito adicional sobre o crescimento do PIB de -0,6 pontos percentuais".

Racionamento: queda de 1,5%
Apesar da mensagem otimista da presidente, economistas ouvidos pelo GLOBO veem com ceticismo o cenário para o crescimento econômico e as contas públicas neste ano. Para o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, será impossível evitar a recessão:

- O país vai passar por uma recessão que é consequência de uma política macroeconômica desastrosa e de uma política microeconômica desastrosa, em que o pior exemplo é a condução do setor da energia.

Ele cita entre os "desastres macroeconômicos" a deterioração do cenário fiscal, a redução drástica dos juros durante o primeiro mandato de Dilma e uma comunicação ao mercado, por parte do BC, que considera contraditória.

O professor da USP Fabio Kanczuk vê uma possibilidade grande de recessão, sobretudo, se for confirmado o racionamento de energia. Nesse caso, calcula, o PIB poderia recuar até 1,5% neste ano.

- Mesmo que (o crescimento) seja positivo, será um crescimento medíocre. Faz parte do discurso do governo criar um certo otimismo e dos economistas de mostrar por modelos que não será exatamente assim - afirma.

Focus vê inflação a 7,01%
Atingir a meta de superávit primário de 1,2% do PIB, como anunciado pelo ministro Joaquim Levy, também é considerado pouco provável. Para ambos, as medidas já anunciadas vão na direção correta, mas um esforço fiscal dessa magnitude se torna mais difícil diante do déficit primário de R$ 32,5 bilhões no ano passado, da rigidez orçamentária e das restrições políticas.

- Estamos subindo uma ladeira escorregadia, em que vai ser preciso fazer contingenciamentos, mais impostos e reversão de desonerações. Não é impossível, mas é muito difícil chegar a 1,2% - afirma Schwartsman.

Kanczuk discorda que esteja sendo implementado um ajuste gradual, como disse Dilma. Ele estima que o esforço fiscal fique em 0,7% neste ano.

Além de um cenário de estagnação, as estimativas de inflação para este ano do Focus ficaram, pela primeira vez, acima de 7%. analistas projetam que o IPCA, usado na meta de inflação do governo, fique em7,01%, contra 6,99% na semana anterior. Isso devido à alta esperada para os preços administrados - como energia elétrica e combustíveis -, cuja expectativa passou de 8,7% para 9%, a oitava revisão seguida para cima. Os analistas incorporaram a previsão, do próprio BC, de que a conta de luz ficará 27,5% mais cara este ano.

Em relação aos juros, o mercado continua a ver a taxa básica, a Selic, em 12,5% ao ano no fim do ano. Isso significa que os analistas esperam mais uma elevação de 0,25 ponto percentual - e, por enquanto, acreditam que o BC interromperá o ciclo de altas por aí. Para 2016, a expectativa é de um ligeiro alívio, com a Selic fechando o ano a 11,5%.

Governo planeja adiar pagamento de abono salarial

Governo quer diluir em 12 meses o pagamento do abono salarial

• Medida é parte do pacote de restrições a direitos trabalhistas para cobrir rombo nas contas públicas

• Hoje, benefício é creditado em quatro datas; com proposta, parte do gasto seria jogada para a frente

Leonardo Souza - Folha de S. Paulo

RIO - O governo tem mais um trunfo para aliviar os gastos públicos a partir deste ano.

O pacote de mudanças nos direitos trabalhistas inclui a diluição do pagamento do abono salarial de PIS em 12 meses. Hoje, o benefício é creditado na conta do trabalhador ou numa conta da Caixa em quatro datas, no segundo semestre de cada ano.

Com a medida, segundo a Folha apurou, o calendário de pagamentos seria alongado até junho do ano seguinte.

Tem direito ao abono o trabalhador que recebeu, em média, até dois salários mínimos mensais no ano anterior. Ele precisa estar cadastrado no PIS (Programa de Integração Social) ou no Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) há pelo menos cinco anos e ter mantido vínculo empregatício formal no ano anterior por pelo menos 30 dias. O benefício corresponde a um salário mínimo.

Essa nova regra não está incluída nas duas MPs (medidas provisórias) anunciadas pelo governo no fim de 2014, que visam a restringir a concessão de benefícios trabalhistas como o abono salarial, o seguro-desemprego, o seguro-defeso e as pensões por morte.

No caso específico do abono, a MP prevê que o pagamento passe a ser proporcional ao tempo de trabalho e que haja carência de seis meses de trabalho ininterruptos.

A proposta de diluição do pagamento do abono está incluída no cálculo de economia de R$ 18 bilhões com as alterações nas regras trabalhistas estimada pelo governo. A medida precisa ser aprovada no Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador).

Segundo a Folha apurou, a ideia inicial do governo era que a ampliação do prazo de pagamento do abono já passasse a valer em 2015. Assim, metade dos trabalhadores que receberiam o benefício até dezembro só poderia sacar os recursos no ano que vem. De acordo com os dados de 2013, 21 milhões de trabalhadores têm direito ao abono.

No ano passado, o governo estimou os gastos com o abono em 2015 em R$ 10,125 bilhões. Desse modo, se a medida passar a valer em 2015, R$ 5 bilhões seriam jogados para a frente no primeiro ano de vigência da regra.

Como as novas regras de concessão dos benefícios trabalhistas gerou grande oposição das centrais sindicais, a equipe econômica do governo entendeu que seria mais prudente aguardar mais um pouco o anúncio da medida.

Os técnicos avaliam se a proposta deveria prever a mudança já para este ano ou a partir de 2016. O Codefat é composto por integrantes do governo e dos trabalhadores, o que pode dificultar a aprovação da medida.

Datas
No ano passado, foram quatro datas de crédito do abono na conta do trabalhador: 5/7 (para os nascidos em julho/agosto/setembro), 14/8 (outubro/novembro/dezembro), 16/9 (janeiro/fevereiro/março) e 14/10 (em abril/maio/junho). Para aqueles sem conta na CEF, o benefício poderá ser sacado na CEF até o dia 30 de junho deste ano.

Para 2015, também são mais quatro datas, sempre no segundo semestre. Pela proposta desenhada pela equipe econômica, se aprovada, haveria ao menos mais quatro datas no primeiro semestre do ano subsequente.

Apoio no Congresso será condição para obter cargos, diz Mercadante

• Segundo ele, Dilma cuidará pessoalmente da divisão; grupo de Cunha já tem lista de desejos

• Após ser alvo de forte oposição do governo, chefe da Câmara recebe ligação da presidente e acenos de ministros

Ranier Bragon, Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia após sofrer uma derrota histórica, o Palácio do Planalto iniciou a tentativa de reaproximação com o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e admitiu abertamente que usará a distribuição de cargos para remontar sua base de apoio no Congresso.

O ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) afirmou após a solenidade de reabertura dos trabalhos do Congresso, nesta segunda-feira (2), que a presidente Dilma Rousseff vai comandar pessoalmente a divisão dos cargos do segundo escalão, postos logo abaixo de ministros ou de direção em estatais.

Os critérios para a nomeação, segundo ele, serão a competência técnica e o apoio que o partido do indicado dá ao governo no Legislativo.

"O segundo escalão começa a ser montado agora no mês de fevereiro, sob a condução da presidenta Dilma, ela que evidentemente vai decidir toda essa distribuição de cargos", disse Mercadante, que representou a petista na solenidade no Congresso.

"Recebemos as solicitações dos partidos. [...] A partir desse momento começam as negociações com os partidos para definir o segundo escalão e buscar combinar o critério técnico da competência com o critério político do apoio parlamentar no Congresso."

As indicações ficaram congeladas durante a disputa pelo comando da Câmara, mas nos bastidores o governo ofereceu parte dos postos a siglas aliadas em troca do voto em Arlindo Chinaglia (PT-SP).

A operação, entretanto, se mostrou um fracasso e a Câmara acabou elegendo Cunha, antigo desafeto do Planalto, em primeiro turno.

O peemedebista teve o apoio oficial e extraoficial, na votação secreta, de várias siglas governistas, como PP, PRB, PR, PSD e PDT.

Fortalecido, seu grupo já discute uma lista de postos que deseja ocupar. A avaliação é que o PMDB conseguiu barrar a ação do Planalto que buscava enfraquecer a legenda em prol de outros aliados, como o PSD do ministro Gilberto Kassab (Cidades).

A lista de desejos inclui diretorias do setor elétrico, especialmente Eletrobras e Furnas. Outra reivindicação será a manutenção do comando do Departamento Nacional de Obras Contras as Secas.

Peemedebistas esperam ainda uma revisão na situação do ex-presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Cotado para um ministério, ficou de fora após ser citado por investigados no esquema de desvios na Petrobras. Ele nega envolvimento.

Para mostrar disposição de entendimento, Mercadante e o ministro Pepe Vargas (Relações Institucionais), que atuaram fortemente a favor de Chinaglia, fizeram acenos a Cunha nesta segunda.

Eles adotaram o discurso de que o peemedebista nunca foi considerado desafeto.

"Num jogo de futebol tem carrinho, tem puxão na camisa e até canelada. Mas termina o jogo e os amigos tomam uma cervejinha. É mais ou menos isso", disse Vargas.

Mercadante lançou um afago a Cunha. "Não reconhecemos essa expressão [Cunha como "desafeto" do Planalto], ele é um parlamentar destacado, foi líder de sua bancada, soube negociar matérias importantes e todos os nossos projetos mais importantes foram aprovados", disse.

Dilma ligou para cumprimentar Cunha. "Foi uma conversa amistosa", resumiu ele.

Colaboraram Gabriela Guerreiro e Mariana Haubert

Discussão sobre segundo escalão começa depois da vitória de Cunha

Montagem do segundo escalão começa agora

• Mercadante afirma que está em jogo ‘apoio parlamentar no Congresso’

Cristiane Jungblut e Chico de Gois

BRASÍLIA - O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse ontem que o governo vai deflagrar agora a negociação dos cargos de segundo escalão. Ele admitiu que o governo estava esperando a eleição das Mesas da Câmara e do Senado para fazer as nomeações e disse que o preenchimento dos cargos levará em conta critérios técnicos, mas também o "apoio parlamentar no Congresso". Ontem, Mercadante adotou um tom ameno em relação ao novo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e não poupou elogios ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reeleito pela quarta vez.

Nos bastidores, o governo vinha tentando vincular o preenchimento dos cargos do segundo escalão ao apoio ao deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) à Presidência da Câmara. Mas a estratégia não deu certo. Agora, a ideia é negociar como forma de recompor a base.

- O segundo escalão começa a ser montado agora no mês de fevereiro, sob a condução da presidente Dilma. É ela que vai, obviamente, decidir toda essa distribuição de cargos. A partir de agora, inclusive para respeitar a eleição da Casa, começam as negociações com os partidos para definir o segundo escalão - disse Mercadante.

Perguntado se o clima era de "ressaca" diante da derrota na Câmara, Mercadante disse a hora era de muito trabalho. Segundo ele, a conversa com Eduardo Cunha foi rápida e tratou da independência e harmonia entre os Poderes. O ministros deixou clara, porém, a predileção do Planalto pela reeleição de Renan no Senado, que teria "um importante compromisso com a governabilidade". Ele venceu o senador Luiz Henrique (PMDB-SC). Mercadante ressaltou que, no caso do Senado, a base manteve "uma ampla unidade".

- Como disse o presidente Renan, essa eleição já aconteceu. Agora, precisamos pensar nos desafios do Brasil, construir uma agenda. A disputa parlamentar faz parte da democracia, inclusive dentro da base. No Senado, foi reeleito o senador Renan, que tem longa experiência parlamentar - disse Mercadante, lembrando a declaração de Renan de que a eleição da Mesa agora "era passado".

Jornalistas expulsos
Antes de ir ao plenário da Câmara para levar a mensagem do Executivo na sessão de abertura dos trabalhos legislativos, Mercadante se reuniu no cafezinho do Senado com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, o ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas, e o senador Edison Lobão (PMDB-MA). Quando viu a presença de jornalistas que têm acesso ao local, Mercadante pediu que os assessores esvaziassem o local.

PMDB avalia retaliação ao PSDB no Senado por votos em Luiz Henrique

• Sigla estuda a possibilidade de deixar tucanos sem nenhum cargo na Mesa Diretora da Casa

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

Brasília - O PMDB estuda a possibilidade de retaliar o PSDB e deixar o partido sem nenhum cargo na Mesa do Senado após os tucanos terem apoiado a candidatura de Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) à presidência da Casa. Com a reeleição de Renan Calheiros (PMDB-AL), o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, disse que o partido ainda iria conversar sobre o assunto e que tomaria uma decisão até terça-feira.

Pela regra da proporcionalidade que costuma ser seguida no Senado, os tucanos, que têm a terceira maior bancada da Casa com 11 senadores, teriam direito de ficar com a 1ª secretaria. "Como eles não respeitaram a regra da proporcionalidade, nós também não precisamos respeitar", disse Eunício, em referência ao fato de os tucanos não terem apoiado Renan, nome oficial indicado pela bancada do PMDB.

Os senadores do PSDB, no entanto, dizem não acreditar que haverá retaliação. "Não imagino o Renan excluindo a oposição da Mesa. Não seria um bom sinal em começo de mandato", disse Álvaro Dias (PR). Segundo ele, o nome indicado pelo partido deve ser o da senadora Lúcia Vânia (GO) ou do senador Paulo Bauer (SC).

Além da presidência, o PMDB, por ser a maior bancada da casa, tem o direito de indicar outros dois nomes. O partido já definiu que o senador Romero Jucá vai ser reconduzido para ocupar a 2º vice-presidência e ainda define o nome para suplência.

Já o PT, segunda maior bancada, deve indicar que Jorge Viana (PT) e Angela Portela (RR) continuem nos cargos que ocupavam, a primeira vice-presidência e a segunda secretaria, respectivamente.

PT bate boca depois da derrota

Após derrota na Câmara, petistas batem boca e Marta volta a atacar

• "Governo impôs a si próprio papel de perdedor antecipado", diz ex-ministra

Julianna Granjeia, Renato Onofre e Fernanda Krakovics – O Globo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Um dia após sofrer derrota acachapante na eleição para a presidência da Câmara, o PT lavou a roupa suja ontem nas redes sociais. Ao avaliar erros cometidos na condução do processo, o ex-deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP) e Fernando Ferro (PT-PE) deixaram claro o clima ruim no partido, pelo Twitter. "O PT fica fora da mesa (diretora da Câmara) e das principais comissões por incompetência da articulação política do governo e do próprio PT na Câmara", escreveu Vaccarezza.

Ferro não gostou e reagiu com ironia, explorando a proximidade entre Vaccarezza e o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Calma, Vaccarezza, pareces não esconder um certo contentamento?"

Vaccarezza, então, cobrou respeito do colega. "Calma, você me conhece, não me falte com o respeito. Não fica bem para a nossa história". E Ferro defendeu que esse debate seja feito na reunião do Diretório Nacional do partido, quinta-feira, em Belo Horizonte.

No Facebook, a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que já tinha feito críticas pesadas ao partido e ao governo Dilma, voltou a criticar o PT ontem, afirmando que a eleição de Cunha para a presidência da Câmara é prenúncio de crise entre o Planalto e o Congresso. Marta classificou a articulação política comandada pelo governo como um intervencionismo "indevido e atrapalhado".

"Sob a batuta do estreitamento e da falta de sensibilidade, o PT submeteu-se a uma derrota inusitada na eleição da mesa da Câmara. O intervencionismo do governo, indevido e atrapalhado, impôs a si próprio o papel de perdedor antecipado. Prenúncio de crise e dificuldades com o Congresso Nacional", escreveu Marta.

Na semana passada, em artigo publicado no jornal "Folha de S.Paulo", Marta fez duros ataques ao governo. Ela havia criticado a "falta de transparência" do governo, que teria levado a economia a uma "situação de descalabro", e ironizou a declaração de campanha da presidente de que não mexeria em direitos trabalhistas "nem que a vaca tussa".

Antes do artigo, ela disse, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", que ou "PT ou muda ou acaba". As declarações suscitaram especulações sobre uma possível saída da senadora do partido.

Já o ex-senador Eduardo Suplicy (PT), novo secretário de Direitos Humanos de São Paulo, recomendou que Cunha visite o Papa Francisco e ouça suas reflexões a respeito aos direitos humanos e da cidadania.

- Acredito que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deve estar atento às lições e palavras do Papa Francisco, que têm sido tão generosas e sábias. Quem sabe ele possa fazer uma visita ao Papal - afirmou Suplicy após sua posse na Prefeitura.

Haddad prega diálogo
O secretário também disse que as manifestações populares serão ainda mais importantes a partir de agora:

- Dada a composição bastante conservadora (da Câmara), é muito importante que haja sempre as manifestações em defesa aos direitos humanos.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disse que "boa vontade e diálogo" podem superar eventuais dificuldades com a eleição de Cunha:

- Do que conheço do Congresso, as questões são superáveis com boa vontade, diálogo. Tendo uma agenda de trabalho, as coisas se recompõem. Nunca tive maioria na Câmara Municipal e tenho aprovado meus projetos em função da agenda.

PT lava a roupa suja e grupo majoritário cobra mudanças

• Eleição de Eduardo Cunha na Câmara abre crise no PT

Ricardo Della Coletta e Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

A derrota na eleição para a presidência da Câmara abriu uma crise no PT. Irritados, deputados da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária no PT e da qual faz parte o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decidiram ontem pressionar o Palácio do Planalto pela reformulação na articulação política com o Congresso.

Após um dia de reuniões para "digerir" o triunfo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre Arlindo Chinaglia (PT-SP) em turno único e lavar a roupa suja da derrota, petistas da CNB pediram as cabeças do líder do governo na Câmara, Henrique Fontana, e do ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, ambos do PT gaúcho.

Mesmo ciente das complicações que terá com os dois anos da administração de Cunha à frente da Câmara, Dilma não trocará Pepe. Ele e o titular da Secretaria-Geral da Presidência, o também gaúcho Miguel Rossetto, são da corrente Democracia Socialista (DS), mais à esquerda no partido, e tidos no PT como escolhas da cota pessoal de Dilma. A dupla substituiu o grupo de Lula na chamada "cozinha" do Planalto.

Tudo indica, porém, que Fontana será substituído na liderança do governo pelo deputado José Guimarães (PT-CE), da CNB e defensor da "bandeira branca" com Cunha.

A primeira reunião da bancada da CNB foi realizada na sala da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, para tentar medir os prejuízos causados pela derrota. Ali os petistas não pouparam Fontana e avaliaram que a situação de isolamento do partido é "crítica". Do lado de fora foi possível ouvir um deputado, exaltado, dizer que o freio de arrumação no governo era uma questão de "sobrevivência do PT". A choradeira continuará na sexta-feira, na reunião do Diretório Nacional do PT que antecederá a festa de 35 anos do partido.

Recibos indicam propina a ex-diretor

Delator entrega à PF documentos que comprovam propina a Duque

• Notas fiscais apresentadas por dono da Setal somam r$ 40 milhões

Cleide Carvalho* e Renato Onofre – O Globo

CURITIBA e SÃO PAULO - O empresário Augusto de Mendonça Neto, dono da Setal Engenharia e um dos delatores do esquema de corrupção na Petrobras, entregou à Polícia Federal contratos e notas fiscais que, segundo ele, compravam o pagamento de propina ao ex-diretor de Serviços da estatal Renato Duque. Duque é apontado pela PF e pelos delatores Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa como o responsável pelo desvio de recursos para abastecer o PT. As notas fiscais entregues à polícia somam mais de R$ 40 milhões.

Segundo os documentos, o repasse de propina para Duque foi feito entre 2009 e 2012 por meio de pagamentos às empresas Power To Tem Engenharia, Legend Engenheiros Associados, Rock Star Marketing, SM Terraplanagem e Soterra Terraplanagem. Para justificar as transações, foram assinados pelo menos cinco contratos de prestação de serviço entre Mendonça e as empresas, todos com cláusulas de confidencialidade.

Todas estas empresas já eram conhecidas da PF. Em 2012, elas foram apontadas pelos investigadores como as empresas de fachadas utilizadas pelo empresário Fernando Cavendish, ex-dono da construtora Delta, para desviar recursos de obras públicas. Em 2012, durante a CPI que investigou o caso Delta, Cavendish delatou o esquema.

Mendonça Neto, que depôs ontem para o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, apresentou também comprovantes de pagamento de propina mediante doações oficiais no valor de R$ 4,2 milhões feitas diretamente ao PT entre 2008 e 2012. Segundo ele, os repasses foram feitos por orientação de Renato Duque, e através de suas empresas. A SOG Óleo e Gás depositou para o PT nacional R$ 3,160 milhões entre 2009 e 2012, e a PEM Engenharia depositou R$ 500 mil em 2010. Outros R$ 600 mil foram depositados na conta do diretório do PT na Bahia em duas remessas, em 2008 e 2010. Comprovantes de depósitos foram anexados ao processo.

O advogado Antonio Figueiredo Basto, que representa o doleiro Alberto Youssef, afirmou que, durante a audiência de ontem, o nome dos ex-diretores Renato Duque e Paulo Roberto foi citado diversas vezes pelos depoentes como recebedores de dinheiro para que o esquema de desvio continuasse a funcionar dentro da Petrobras. Segundo Basto, Mendonça Neto afirmou que Duque pediu que ele desse dinheiro ao PT a título de doação oficial para manter o contrato da empreiteira.

No depoimento de delação premiada, Mendonça Neto já havia afirmado que foi orientado a fazer depósitos legais nas contas do partido. Segundo o delator, o dinheiro tinha origem no desvio de recursos de obras da Petrobras. Mendonça Neto é dono de 17 empresas e usou várias para repassar o dinheiro de propina.

O empresário também apresentou extratos de contas de celular que indicam comunicação com pessoas ligadas a empreiteiras que participavam do cartel - Odebrecht e Skanska. Foram detalhadas ainda ligações feitas a executivos da Camargo Corrêa. Também já estão nas mãos da PF detalhes dos pagamentos efetuados ao grupo de Costa, que usava empresas de fachada como a empreiteira Rigidez e a MO Consultoria, usadas por Youssef. Prestaram depoimento em Curitiba o delegado da PF Márcio Adriano Anselmo, que participa da Operação Lava-Jato, e o consultor Júlio Gerin de Almeida Camargo. O conteúdo dos depoimentos não foi informado. (* Enviada especial a Curitiba)

Produção industrial cai 3,2% em 2014, pior queda desde 2009

• Resultado negativo foi influenciado principalmente pelos setores de veículos e de metalurgia, informa o IBGE

- O Estado de S. Paulo

A produção da indústria brasileira registrou queda de 3,2% em 2014, informou nesta terça-feira, 3, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este é o pior resultado desde 2009, quando a indústria recuou 7,1%.

Segundo o IBGE, o resultado negativo foi impactado principalmente pelo desempenho do setor de veículos, reboques e carrocerias, com queda de 16,8% no ano. O segmento de produtos de metal também teve declínio relevante, com retração de 9,8%, assim como metalurgia (queda de 7,4%).

Em dezembro, a produção industrial caiu 2,8% ante novembro de 2014, na série com ajuste sazonal. Foi o pior desempenho desde dezembro de 2013, quando também recuou 2,8%.

Marco Antonio Villa* - Dilma, a breve?

- O Globo

O governo Dilma acabou. É caso único na história republicana brasileira. Vitorioso nas urnas, duas semanas depois do pleito já dava sinais de exaustão. De um lado, a forma como obteve a vitória (usando da calúnia e da difamação) enfraqueceu a petista; de outro, o péssimo cenário econômico e as gravíssimas acusações de corrupção emparedaram o governo. Esperava-se que Dilma aproveitasse os louros da vitória para recompor a base política e organizasse um ministério sintonizado com o que tinha prometido na campanha eleitoral. Não foi o que aconteceu. Acabou se sujeitando ao fisiologismo descarado e montou um ministério medíocre, entre os piores já vistos em Pindorama.

A presidente imaginou (ingenuamente) que a vitória obtida nas urnas era mérito seu. Pobre Dilma. Especialmente no segundo turno, quem venceu foi Lula. Sem a participação direta do ex-presidente, ela teria sido derrotada. Vale sempre lembrar que, em vários comícios da campanha, a candidata foi "representada" por Lula. Mas ela entendeu que a vitória daria uma espécie de salvo-conduto para organizar a seu bel-prazer o Ministério e as articulações políticas com o Congresso Nacional. Ledo engano. Em um mês de governo, já gastou o crédito dado a qualquer presidente em início de mandato.

Isolada no Palácio do Planalto, a presidente perdeu a capacidade de iniciativa política. E pior: se cercou de auxiliares ruins, beirando o pusilânime. Nenhum governo sério pode ter na coordenação política Aloizio Mercadante. Na primeira presidência Dilma, ele ocupou três ministérios distintos e não deixou sequer uma simples marca administrativa. Foi um gestor de soma zero. Lula, espertamente, nunca o designou para nenhuma função executiva. Conhece profundamente as limitações do ex-senador e sabe o potencial desagregador do petista. Não satisfeita com a ruinosa escolha, Dilma nomeou para a coordenação política o inexpressivo e desconhecido Pepe Vargas. Não é a primeira vez que a presidente mete os pés pelas mãos ao formar sua equipe política. É inesquecível a dupla Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, mas naquele momento a conjuntura política e o cenário econômico eram distintos.

Assolada pelo petrolão - que pode colocar em risco o seu mandato -, Dilma passou um mês escondida dos brasileiros. Compareceu à posse - que era o mínimo que se poderia esperar dela -, discursou e sumiu. Reapareceu na ridícula reunião ministerial, discursou sobre um país imaginário, brigou com um funcionário e só. Poderia ter aproveitado o tempo para articular a sua base de sustentação no Congresso. Mas não. Delegou aos auxiliares a atribuição presidencial. Ela dá a impressão de que não gosta da sua função, que não tem qualquer prazer no exercício da presidência e que estaria somente cumprindo uma missão (mas para quem?).

Como seria de se esperar, foi duplamente derrotada na eleição paras as mesas diretoras da Câmara e do Senado. Na Câmara foi mais que derrotada, foi humilhada. Seu candidato teve quase que o mesmo número de Júlio Delgado e metade dos votos do vencedor. Em outras palavras, ficou a sensação de que o governo tem seguros apenas 25% dos votos dos deputados. Se fosse no final da gestão, seria ruim mas até compreensível. Porém, a nova presidência mal começou. Mais da metade dos parlamentares forma uma maioria gelatinosa, sem forma e que pode a qualquer momento, dependendo da situação política, se voltar contra Dilma.

No Senado, a vitória com Renan Calheiros pode ter vida curta. Ainda no ano passado foi revelada uma lista de parlamentares envolvidos com o doleiro Alberto Yousseff e dela fazia parte o senador por Alagoas. Caso se confirme, veremos novamente o filme de 2007: ele deverá renunciar à presidência para, ao menos, garantir o seu mandato. E naquela Casa - agora com uma participação mais qualificada da oposição - também a maioria dos senadores vai, primeiro, pensar em garantir o seu futuro político e depois em defender o governo.

Dessa forma, Dilma corre perigo. Sem uma segura base parlamentar, tendo, especialmente na Câmara, um presidente que não reza pela sua cartilha; e com uma pífia coordenação política, poderá ter a curto prazo sérios problemas. De forma mais direta: vai ter de engolir uma CPI sobre a Petrobras. E com o que conhecemos até hoje da Operação Lava-Jato, o seu mandato pode ser abreviado - caso, evidentemente, se confirmem as denúncias envolvendo a empresa, políticos, empreiteiras e o Palácio do Planalto.

Lula se mantém em silêncio. Estranho, muito estranho. Por quê? Ele, que sempre falou sobre tudo, mesmo quando não perguntado, agora está homiziado em São Bernardo do Campo. Medo? Teria vergonha da compra da refinaria de "Passadilma"? E o projeto mais desastroso da história do Brasil, a refinaria de "Abreu e Lulla"? Como explicar que tenha custado dez vezes mais do que foi orçada? Conseguiria responder sobre a amizade com Paulo Roberto Costa, mais conhecido como "Paulinho do Lula"? O silêncio é uma forma de confissão? Afinal, foi durante a sua presidência que foram gestados estes escândalos.

Teremos um 2015 agitado, o que é muito bom. Nunca um governo na História da República esteve tão maculado pela corrupção, nunca. O que o Brasil quer saber é se a oposição estará à altura da sua tarefa histórica. Se não cometerá os mesmo erros de 2005, no auge da crise do mensalão, quando não soube ler a conjuntura e abriu caminho para a consolidação do que o ministro Celso de Mello, em um dos votos no julgamento do mensalão, chamou de "projeto criminoso de poder."

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• Historiador

Merval Pereira - O começo do fim

- O Globo

Mais uma etapa da desconstrução da hegemonia petista foi cumprida na noite de domingo com o alijamento do partido das principais funções da Câmara, como presidências de comissões ou postos na nova direção da Mesa, que será presidida, contra a vontade do Planalto, pelo peemedebista Eduardo Cunha - que transformou a maioria megalômana que o governo teria teoricamente na Câmara em minoria de 136 votos, menos de 1/3 do plenário.

O governo, em uma só eleição, perdeu o controle que sempre tentou manter sobre o Legislativo, e já não é possível garantir que CPIs perigosas para ele, como a da Petrobras, deixarão de funcionar, ou terão sua constituição controlada pelo governo. Mesmo porque já não se sabe mais quem é governo e quem é oposição na Câmara, e tudo terá que ser negociado ponto a ponto, com ministros responsáveis pela articulação política tendo saído desgastados desse embate para a presidência da Câmara.

O ministro em teoria responsável maior pelas relações institucionais, o petista Pepe Vargas, que já não tinha o apoio do próprio PT, mostrou que não se sai bem também com os demais aliados. Ainda provocou Cunha ao dizer que o presidente da Câmara "pode muito, mas não pode tudo", o que é uma verdade, mas o muito que ele pode é mais do que Pepe parece perceber.

Não se saiu melhor o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em sua primeira prova de fogo como o mais importante ministro do segundo governo Dilma, e potencial candidato à sua sucessão. O PT mal começa o governo e já parece sem capacidade para comandar uma base aliada que, desde a eleição presidencial, dava sinais de que não caminharia unida neste segundo mandato, conseguido às custas de desgastes institucionais que cobrarão seu custo ao longo dele.

A presidente Dilma, por sua vez, ampliou a distância que a separa do ex-presidente Lula, que tentou um acordo com o PMDB temendo a derrota - que, afinal, veio no primeiro turno, maior do que previam os articuladores governistas. O que separa Lula de Dilma não são princípios e valores, mas o pragmatismo, que o ex-presidente tem de sobra e a atual, não.

A disputa com o PMDB, que volta a ocupar as presidências da Câmara e do Senado, leva o Palácio do Planalto a uma situação de confronto que não serve aos seus interesses imediatos e, ao contrário, serve aos do PMDB, que se prepara para apresentar candidatura própria em 2018 ou, no limite, pode ter a Presidência da República no seu colo, caso as trapaças da sorte encaminhem o processo de desgaste petista para um desfecho político provocado pelo julgamento do petrolão.

A presidente Dilma tem horror a Eduardo Cunha, dizem, por sua característica marcadamente fisiológica, e teria razão se fosse esse o motivo. Mas, na Presidência da República, e dirigindo um governo montado na base do fisiologismo, Dilma não tem mais o direito de alegar questões éticas para tomar decisões políticas.

Desde quando era a chefe da Casa Civil de Lula, pelo menos, ela sabe como o jogo do poder é jogado, e já teve a experiência dolorosa no seu primeiro governo de ter que chamar de volta ao Ministério partidos que haviam sido expulsos por questões éticas. Ganhou as duas eleições a bordo de uma aliança política construída à base de mensalões e petrolões, e já não tem mais condições de convencer ninguém de que é contra esses métodos.

Eduardo Cunha, de um lado, potencialmente de oposição, e Renan Calheiros, de outro, potencialmente de situação, podem trocar de lado com a maior tranquilidade, e representam a maneira de fazer política do PMDB. No embate entre correntes dissidentes nas duas eleições, o DEM assumiu sua vontade de derrotar o PT e foi com Cunha já no primeiro turno.

O PSDB iria com ele no segundo turno, mas seguiu a máxima expressa pelo senador José Serra de que, para derrotar o PT, não vale qualquer coisa. Arlindo Chinaglia achou que era apoio à sua candidatura, mas na realidade Serra estava acompanhando a orientação do presidente do partido, o senador Aécio Neves, que levou os tucanos a apoiar Júlio Delgado para dificultar a volta do PSB ao seio governista.

PSDB e PSB fizeram a coisa certa, apresentaram alternativas às candidaturas favoritas, e ajudaram a derrotar o governo, que agora tem uma base imprevisível para anos políticos imprevisíveis.

Dora Kramer - Só bobos brigam

• Tarefa do governo agora é acionar a mola no fundo do poço

- O Estado de S. Paulo

Na presidência da Câmara está sentado um desafeto da presidente da República e na presidência do Senado um inimigo do ministro-chefe da Casa Civil. Que situação...

Junte-se a isso o fato de o PT ter sido relegado ao patamar das quase irrelevâncias pelos deputados da própria base de sustentação do governo, em tese o cenário seria de terra arrasada para o Palácio do Planalto no "day after" do vexame sem precedentes de domingo.

A eleição de Severino Cavalcanti não conta, foi um incidente prontamente corrigido pelo destino. A votação pífia do petista Arlindo Chinaglia frente a Eduardo Cunha (PMDB) e até ao terceiro colocado, Júlio Delgado (PSB), foi resultado de uma obra de incompetência solidamente construída.

Mas, na política, costuma-se dizer que o fundo do poço tem mola. A questão é localizá-la e saber manejar os instrumentos corretos nos momentos certos para acioná-la. Essa é a tarefa do governo de agora em diante. E, por governo, evidentemente, entenda-se também o PT.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é desafeto da presidente Dilma Rousseff porque ela assim o quis. Em várias ocasiões, por reiteradas vezes, colocou-se em posição de confronto a ele em declarações feitas por intermédio de sua assessoria.

Os atritos do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com o presidente do Senado, Renan Calheiros, são públicos e remontam à época em que os dois eram colegas de Senado. Consta que esse resquício de amargor incentivou Mercadante a levar adiante o plano de enfraquecer o PMDB no segundo mandato de Dilma.

Não deu certo e lá estão os dois no comando do Legislativo, hoje politicamente mais forte que o Executivo. Isso não quer dizer, entretanto, que Calheiros e Cunha conduzirão o Congresso como imaginam alguns, com "a faca nos dentes". Nenhum dos dois é bobo, nenhum dos dois nasceu ontem, nem a Câmara nem o Senado se equiparam a grêmios estudantis.

Na política de gente experiente não há espaço para retaliações pessoais. Ambos conseguiram o que queriam. Daqui em diante terão de administrar o ganho. O presidente do Senado, a despeito da questão com Mercadante, foi eleito com ajuda do governo e os votos do PT porque, para o Planalto, antes ele que um presidente apoiado pela oposição.

Nos próximos dois anos talvez a vida de Renan Calheiros não seja tão fácil no colegiado, onde a bancada oposicionista está bem mais forte. Notícia disso deu a votação do senador Luiz Henrique, 31 votos. Os costumeiros atropelos regimentais a serviço do Planalto serão, no mínimo, de difícil execução. Ele poderá caminhar na corda bamba.

Na Câmara, possivelmente fiquem decepcionados os que acreditaram na versão do "ferrabrás" Eduardo Cunha. O deputado se notabilizou pela fidelidade da palavra. Pois bem. Fez campanha dizendo que não faria oposição. No discurso logo após a vitória repetiu que seu lema seria a independência. O que não significa insurgência.

Se as palavras ditas realmente correspondem às intenções pretendidas, as condições para uma relação civilizada entre os dois Poderes estão dadas. Não há a menor necessidade de se incluir no roteiro daqui em diante chantagens, retaliações, vinganças, brigas de foice no escuro ou composições que apequenem ainda mais a imagem do Parlamento.

É preciso não perder de vista que o novo presidente da Câmara é governo. Não tem como (nem vai) romper com ele. Mas vai usar seu poder para mostrar ao Planalto que aliados são parceiros. Não são subordinados, muito menos escravos ou simples mercadorias movidas ao ritmo de edições de Diários Oficiais.

Pode ser que haja aqui um engano decorrente de esperança ingênua. Mas, delas sempre decorre uma oportunidade que não se deve dispensar.

Bernardo Mello Franco - Os anéis e os dedos

- Folha de S. Paulo

Quando Dilma Rousseff anunciou a escalação de seu novo ministério repleto de nulidades, os aliados mais diligentes se apressaram para defendê-la das críticas. O que parecia um insulto aos eleitores seria, na verdade, fruto de um sofisticado cálculo político.

Mais experiente, a presidente teria decidido nomear aliados incômodos para ampliar sua base no Congresso e assegurar a chamada governabilidade. A manobra garantiria sossego em um ano difícil, com os desdobramentos da crise econômica e do escândalo da Petrobras.

Dilma teria entregue os anéis para preservar os dedos, repetiam os sábios do palácio. O discurso foi desmoralizado no domingo com a eleição do novo presidente da Câmara, o peemedebista Eduardo Cunha.

O resultado é mais que uma derrota humilhante do Planalto, que jogou pesado para tentar eleger o petista Arlindo Chinaglia. Também demonstra que o fisiologismo é um círculo vicioso: quanto mais o governo oferece em troca de apoio, mais os políticos fisiológicos cobram para continuar a apoiá-lo.

Cunha foi eleito por uma massa de deputados que Dilma pensava ter saciado com a reforma ministerial. Os votos que garantiram sua vitória no primeiro turno saíram de siglas como o PP, dono do Ministério da Integração Nacional, e o PTB, premiado com o Desenvolvimento.

Até o PRB, que conseguiu emplacar o bispo George Hilton no Ministério do Esporte, reforçou a aliança que humilhou o governo. Os anéis já se foram. Agora Dilma deve se preparar para entregar os dedos.

"Vamos conversar amanhã." "A gente vai encontrar uma saída para aquele problema." "Você não vai ficar na mão, isso não é da nossa natureza." As frases, cochichadas por Eduardo Cunha a aliados na porta das cabines de votação, indicam o estilo das negociações que dominarão a Câmara até 2017.

Luiz Carlos Azedo -Como no reino da Dinamarca

• Dilma tenta construir um divisor de águas entre o seu mandato e os políticos envolvidos no escândalo da Petrobras

- Correio Braziliense

Hamlet, a obra do dramaturgo inglês William Shakespeare, escrita por volta de 1601, caiu no gosto do povo quando a Inglaterra sonhava em tornar-se a nova potência imperial. A “Invencível Armada” espanhola tinha sido derrotada, os Países Baixos estavam revoltados e poderoso Felipe II da Espanha havia morrido. Shakespeare, porém, não escreveu uma obra ufanista: resolveu tratar das conspirações e traições da Corte, dos bastidores espúrios da luta pelo poder.

A tragédia conta que Hamlet, o principal protagonista da peça, fez-se de louco para dar a impressão de ser incapaz de compreender o que estava se passando no reino. Agiu assim para sobreviver. O velho Rei da Dinamarca acabara de morrer. Seu irmão, Cláudio, alegando uma possível invasão das forças norueguesas de Fortimbrás, casara-se com a viúva e assumira o trono. Contudo, o espectro do rei aparece à noite para o filho e exige vingança, pois fora assassinado pelo próprio irmão.

A frase “há algo de podre no reino da Dinamarca” é de um oficiais da corte. A expressão correu o mundo, ao lado daquela que resume toda a sua dramaturgia: “Ser ou não ser”. Continua sendo usada até hoje quando há indícios de que algo grave e indecente está acontecendo nos bastidores de um governo. A podridão está oculta, mas o odor que exala toma conta dos ambientes oficiais, como se houvesse um rato morto atrás do trono.

Hamlet se faz de louco, mas não consegue esconder a própria náusea: “Ó Deus, meu Deus, que fatigantes, insípidas, monótonas e sem proveito as práticas do mundo, todas, me parecem! Que nojo o mundo, este jardim de ervas daninhas que crescem até dar semente…” Parece que a presidente Dilma Rousseff se comporta na política como o personagem shakespeariano. As articulações do Palácio do Planalto no Congresso foram tão estapafúrdias que dão a impressão de que a presidente se fez de louca como um Hamlet de saias.

O que será?
Dilma operou nas eleições da Câmara e do Senado contra a orientação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo grupo foi alijado da cozinha do Palácio do Planalto. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, que estão sendo chamados de incompetentes pelos aliados no Congresso, trabalharam para enfraquecer o PMDB no Senado e derrotá-lo na Câmara. O resultado foi um desastre.

Não há uma explicação lógica para a estratégia adotada, a não ser que a presidente Dilma tenha informações sobre os políticos envolvidos na Operação Lava-Jato que ainda não vieram a público. Como se sabe, antes de montar seu ministério, havia dito que consultaria o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre as autoridades citadas nas delações premiadas do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa. O Ministério Público Federal, à época, considerou a declaração impertinente. Portanto, oficialmente o governo nada sabe. Mas age como se soubesse.

Na Câmara, a Operação Lava-Jato é aguardada como se fosse um strike, mas o novo presidente da Casa, Eduardo Cunha, repudia qualquer insinuação de que esteja envolvido no caso e desafia quem quiser a prová-lo. Como suas diferenças com Dilma Rousseff são bem antigas, pode-se atribuir o que houve às idiossincrasias presidenciais.

No Senado, porém, o caso é diferente. Renan Calheiros, reeeleito para o comando da Casa, é um aliado de primeira hora, mesmo assim o governo estimulou a candidatura de Luiz Henrique (PMDB-SC), parceiro de Dilma em Santa Catarina. E tentou articular um novo eixo de sustentação na base governista com peemedebistas não alinhados com Calheiros. Depois, teve que correr atrás do prejuízo e garantir-lhes os votos da bancada do PT.

O esforço de montar um novo dispositivo parlamentar fora do controle dos caciques do PMDB também foi antecedido por medidas para reduzir a influência do antigo Campo Majoritário do PT do governo. Como se sabe, o grupo ao qual pertence Lula teve suas principais lideranças condenadas no Ação Penal 470, do Supremo Tribunal Federal, o chamado processo do mensalão.

É voz corrente no Congresso que Dilma tenta construir um divisor de águas entre o seu mandato e os políticos envolvidos no escândalo da Petrobras. O desfecho da operação, porém, fez com que se tornasse ainda mais refém do PMDB, ou melhor, do vice-presidente Michel Temer, de Calheiros e de Cunha. Dependerá dessa troika a sua sustentação política… ou não!

Hélio Schwartsman - Facilidades à venda

- Folha de S. Paulo

A eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara não vai facilitar a vida do governo nos próximos e difíceis meses que Dilma Rousseff terá pela frente.

Se as análises que li estão corretas, Cunha representa (e coordena) aquela massa de parlamentares que não hesita em criar dificuldades para depois neutralizá-las, cobrando, é claro, o devido preço na forma de verbas, cargos e sabe-se mais o quê.

Se isso já é incômodo em condições normais, torna-se um tremendo estorvo numa conjuntura em que a crise econômica, que limita severamente a capacidade do Estado de gastar, se soma às incertezas políticas geradas pelas investigações do escândalo da Petrobras. Ainda que discretamente, a palavra "impeachment" já vai aparecendo nos jornais.

Penso que Dilma desperdiçou as chances que teve para tentar melhorar a paisagem institucional do país. O cenário mais otimista agora é que ela termine seu mandato equilibrando-se tropegamente entre várias crises. Mas isso não nos deve impedir de discutir o que pode ser feito para evitar que, no futuro, figuras como Cunha, que exploram com competência as vulnerabilidades do sistema, possam prosperar. O país, afinal, continuará a existir depois de Dilma.

A resposta para o problema, por paradoxal que pareça, passa por reduzir o poder do Executivo. Temos de tentar transformar decisões discricionárias hoje na mão de governantes em rotinas institucionais. É surreal, para dar um só exemplo, que existam 20 mil cargos de confiança cujos ocupantes são definidos pela caneta da presidente ou seus ministros.

Não é preciso ser um gênio da administração pública para perceber que tanto o governo como o país estariam melhor se esses postos fossem em sua grande maioria preenchidos por critérios impessoais e objetivos, como concursos, e não por indicações políticas. O espaço para a chantagem diminuiria, e os servidores seriam, em tese, mais competentes.