terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Ricardo Noblat

"O PMDB está atordoado - essa é que é a verdade. O PT ocupa todos os espaços possíveis no primeiro e no segundo escalões do governo - e é ele, o PMDB, no entanto, quem fica com a fama de fisiológico, inimigo número um da moral e dos bons costumes na administração pública.
Não é justo, convenhamos. E os outros? Cadê? "


NOBLAT, Ricardo. Zé tinha razão. O Globo, Rio de Janeiro, 10/1/2011

Marcando posição:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O desentendimento aberto de ministros não é um bom sinal para o público externo, muito mais quando o presidente da República, a quem cabe a mediação desses conflitos, não assume uma posição, não dá um rumo. E, nesses casos, a orientação presidencial deve ser explicitada, para que os cidadãos saibam exatamente o que pensa a presidente, para que lado vai seu governo.

A divergência sobre o salário mínimo entre os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Carlos Lupi, do Trabalho, é mais uma situação em que ministros de pensamentos diferentes fazem questão de marcar sua posição publicamente, num governo em que a característica não será a harmonia de posições devido à fragmentação da base partidária no Congresso.

O primeiro caso com peso político relevante ocorreu logo no primeiro dia de governo. Na sua posse, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito Siqueira, já se colocara de maneira a se contrapor ao discurso de véspera da própria presidente Dilma, que prestou homenagem "aos companheiros que tombaram" na luta contra a ditadura militar.

Segundo declarações do General, "os desaparecidos são um "fato histórico", do qual não temos que nos envergonhar ou nos vangloriar".

A nova ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a deputada federal petista gaúcha Maria do Rosário Nunes, por sua vez, se contrapôs ao general afirmando que "é mais do que chegada a hora" de o país prestar esclarecimentos sobre violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar.

Nesse caso, embora não tenha tomado nenhuma atitude mais radical ? houve quem defendesse a pura e simples demissão do general ? a presidente fez vazar a informação de que o repreendera em uma audiência fora da agenda, e que ele pedira desculpas pela frase, alegando que fora mal-interpretado.

Temos agora outro entrevero, desta vez na área econômica. Há exemplos históricos sobre divergências na área econômica que acabaram com a demissão de um dos ministros envolvidos.

O general Ernesto Geisel, por exemplo, demitiu o ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, um empresário nacionalista que discordava da política econômica do então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, aproveitando uma ocasião social em que Severo bebera uns uísques a mais e fizera críticas públicas à política adotada e, em geral, aos militares.

Outra situação crítica foi a vivida pelo ex-presidente Fernando Henrique, que demitiu um amigo seu até hoje, o ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, que discordou publicamente do então ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Pois agora temos uma divergência pública com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, colocando-se a favor do Congresso e contra o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na discussão sobre o novo salário mínimo.

Mantega havia anunciado que qualquer quantia acima dos R$540 aprovados pelo governo seria vetada pelo Palácio do Planalto, falando em nome da presidente.

Disse com todas as letras: "Nós vetaremos".

A presidente Dilma já havia chamado sua atenção em privado, mas com direito a vazamento nos jornais, mostrando a Mantega que sua afirmação poderia colocar a base aliada em oposição ao Planalto.

De fato, vem de partidos aliados, especialmente o PMDB, a tentativa de aumentar o salário mínimo para o mais próximo possível dos R$600 que a oposição prometera na campanha presidencial de José Serra.

A oposição, na verdade, não move uma palha para defender os R$600 para o salário mínimo, seja por que considera que é irresponsável aumentar o salário mínimo acima do que a Fazenda aprovou, ou porque as lideranças do PSDB no Congresso não estão interessadas em dar força a uma promessa de Serra.

O máximo que os oposicionistas fazem é se comparar aos governistas que forçam um aumento maior, o que não dará à oposição nenhum ganho político relevante. Qualquer aumento do salário mínimo será atribuído aos governistas rebelados, e não à oposição.

Se, ao contrário, PSDB e DEM fechassem questão por um salário mínimo de R$600, qualquer aumento além dos R$540 pareceria pequeno.

O fato é que, além do PMDB, também a Força Sindical trabalha para aumentar a proposta do governo, e já há indicações de que é possível ir além do teto imposto pelas declarações de Guido Mantega.

O ministro do Trabalho, do PDT, partido a que Paulinho da Força Sindical é filiado, afirmou ontem que cabe ao Congresso definir o valor do salário mínimo, e o governo "acatará a decisão" que for adotada.

Ora, o salário mínimo foi fixado em R$540 de acordo com uma política acertada com os sindicatos quase quatro anos atrás, em 2007, com validade até 2023, baseada na combinação da reposição da inflação com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos anteriores.

Como o crescimento do PIB em 2009 foi negativo, por causa da crise econômica mundial que começou em setembro de 2008, o reajuste do mínimo será menor este ano. Mas como a economia se recuperou em 2010, e terá crescimento próximo a 7%, em 2012 o mínimo terá um reajuste maior.

Não há, portanto, razão para mudanças de critérios, e o PMDB só está testando a capacidade do governo de aumentar sua proposta porque pretende mostrar sua força no Congresso, no momento em que a disputa pelos cargos do segundo escalão está acirrada entre PT e PMDB.

Também o PDT, outro partido da base aliada, quer fazer bonito para os trabalhadores, o que demonstra mais uma vez que os problemas que o governo Dilma enfrentará estão mais concentrados em sua base aliada do que na oposição.

O avesso do avesso:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Atenta aos códigos, no dia seguinte à eleição de Dilma Rousseff a capital federal já sabia que Antonio Palocci seria, depois da presidente, o poderoso de plantão.

A indicação para a chefia da Casa Civil apenas confirmou o entendimento anterior, mas o que consolidou a certeza de que Palocci é o eixo sobre o qual funcionará o governo foi o discurso dele de posse sinalizando discrição e comedimento no exercício do poder.

Quando ouviu Palocci dizer que não caberá a ele emitir "opinião sobre todas as coisas" nem dar muitas entrevistas muito menos fazer pronunciamentos, afirmando ser "apenas mais um" no time da presidente, Brasília logo entendeu que em torno dele gravitariam as questões mais importantes, os assuntos estratégicos, as soluções para crises, os temas mais delicados.

Um auxiliar de Dilma que na campanha até nem se deu muito bem com ele, mas agora é todo referências positivas, dá um exemplo sobre o tipo de função que exercerá sem dizer que exerce.

Se em algum momento mais à frente a crise com o PMDB se agravar ao ponto de pôr em risco algum interesse do governo, será Palocci o encarregado de advertir os companheiros de aliança sobre a conveniência de recuar. Lembrando-lhes que o partido pode não ter tido tudo o que quis, mas tem muito a perder, se for o caso.

Nada explícito nem rude de modo a demonstrar "quem manda". Este era o modelo de José Dirceu, que não só pretendeu ser o homem forte da administração e da política, como fazia absoluta questão de deixar isso muito claro.

Já derrubado pelo escândalo do mensalão, Dirceu saiu da Casa Civil anunciando que voltava à Câmara para, de lá, comandar o governo. Como deputado não conseguiu concluir o discurso de posse e foi cassado meses depois.

Desse tipo de conduta, que no governo é tido como o erro fatal de Dirceu, Palocci deve manter distância. Por uma questão de personalidade, de conveniência, mas também de necessidade.

Passou "raspando" pelo STF, que numa votação dividida não aceitou incluí-lo entre os réus do caso da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa e não pôde concorrer ao governo de São Paulo porque as pesquisas indicavam que politicamente essa conta ainda estava em aberto ao juízo do eleitor.

Portanto, Palocci precisa de tempo, condições objetivas e de um período para lustrar a imagem a fim de se credenciar a candidaturas futuras. Para isso é essencial que se mantenha longe de tiroteios e seja o mais discreto possível, a despeito da importância real de suas atribuições.

Na forma, será a antítese do poderoso de plantão, como convém a quem de fato tem a força.

Guerra de imagem. O PT está fazendo com o PMDB agora o que Lula tentou, sem sucesso, em 2003: joga com a má fama do partido para impedir o avanço dos pemedebistas no governo, certo de que ganha a batalha da comunicação junto à opinião pública.

Para todos os efeitos, a confusão em torno dos cargos seria um "bom combate" que o governo estaria fazendo em prol da melhoria de critérios de ocupação de espaços, contra o fisiologismo.

O plano é evidente e obviamente já detectado pelo PMDB, que, por isso, fez um recuo estratégico.

Seria uma boa jogada, não fosse um "pormaior": a falta de credibilidade do PT nessa área. Além de seguir aliado aos setores mais atrasados da política, o partido teve durante os oito anos de governo Lula tempo suficiente para se insurgir contra os desmandos que agora usa como justificativa para tirar postos estratégicos do parceiro, e não o fez.

Ao contrário. Quando teve oportunidade de enfraquecer politicamente o PMDB - por conta de escândalos envolvendo próceres como José Sarney e Renan Calheiros - preferiu reforçar o partido de olho na conveniência eleitoral de 2010.

A confiança demonstrada pelo PT ao entregar o lugar de vice na chapa presidencial não combina com as alegações desabonadoras que o próprio PT faz agora a respeito do PMDB.

Os petistas têm razão, mas não só avalizaram a conduta do parceiro ao aprovar a aliança em convenção nacional, como nada fazem de diferente que os autorize à crítica no quesito ético.

Qual será a política econômica de Dilma Rousseff, alguém sabe ?::Bolívar Lamounier

Escrever sobre um governo que começou há apenas 10 dias é como tentar entender um quebra-cabeças cuja montagem não está concluída. Os personagens reais – a presidente Dilma e seus ministros – já estão trabalhando, mas é provável que cada um esteja ainda um pouco incerto em relação ao comportamento dos demais, e que o conjunto também esteja algo incerto sobre o novo ambiente em que vão operar.

O problema é que nós que temos algo a ver com comunicação precisamos montar cá fora um outro quebra-cabeças, paralelo àquele que esbocei no parágrafo anterior. Neste momento, prevalece o velho ditado: o observador que estiver se sentindo inteiramente bem informado com certeza não está entendendo grande coisa.

Por essas e outras é que preferi começar auscultando as impressões iniciais de três craques : Ferreira Gullar, Dora Kramer e Marcelo Paiva Abreu.

Hoje, no Estadão, Ferreira Gullar pôs no papel o que milhões de brasileiros devem estar sentindo – aquela impressão de que a ficha só agora começou a cair: “Olho para [Dilma] e me pergunto: essa senhora é de fato a presidente do Brasil ou se trata de uma personagem de novela? Acredito até que ela, às vezes, se belisca para ver se é mesmo verdade. [Pois o fato] é que temos, diante de nós, agora, uma presidente da República que é uma surpresa até para si mesma. Eleita sem ter votos! É quase como um suplente de senador. O que não significa que fatalmente fará um mau governo, já que tudo é possível neste mundo surrealista latino-americano. Desejo-lhe boa sorte”.

O artigo de Dora Kramer a que vou me referir é o de anteontem. Com a precisão que lhe é peculiar, ela descreve a mudança de estilo que já se começa a sentir em Brasília.

Tomando como exemplo os passaportes especiais fornecidos a dois filhos e um neto do ex-presidente, ela observa: “…assim como vários outros episódios demonstraram ao longo de oito anos, é do estilo de Lula considerar irrelevante o preceito da impessoalidade consagrado na Constituição como exigência para o exercício das funções públicas”.

Dilma Rousseff parece-lhe ser o oposto: pontual, rigorosa nas cobranças e dona de um senso mais apurado que o de Lula para a distinção entre o público e o privado. Desprovida de talento ou inclinação para efeitos especiais, Dilma provavelmente percebe que seu governo deslanchará tanto melhor quanto menor a presença de Lula na mídia.

Economista de formação, Marcelo Abreu considerou animador o discurso de posse do novo presidente do Banco Central, mas pergunta se seus bons propósitos serão “…compatíveis com a possível, e até mesmo provável, continuidade da indisciplina fiscal”.

De que forma o problema do corte de gastos públicos será abordado – pergunta Marcelo – por uma equipe econômica que é essencialmente a mesma do mandato anterior e [que], no passado, sistematicamente optou por não optar, ou seja, que sempre preferiu aceitando aumentos ?

Acrescente-se que o embate entre os partidos situacionistas por postos no novo governo indicam um compromisso assaz duvidoso com qualquer corte relevante.

De fato, é difícil ver como Dilma Rousseff vai domar os apetites no Congresso se uma diretriz austera parece inexistir entre seus próprios ministros. As urgências maiores são a inflação e o câmbio, mas se lhe falta convicção para atacá-las pelo caminho fiscal, qual será então sua estratégia?

A observação que se impõe é, portanto, a de que o novo governo pode estar rodopiando muito mais que o necessário. Pois o que vem primeiro, afinal : a falta de uma agenda clara no Executivo ou o apetite do PT e do PMDB por cargos – desde sempre aguçado, como ninguém ignora ?

Procura-se a oposição::Marco Antonio Villa

DEU EM O GLOBO

É rotineiro dizer que a propaganda é a alma do negócio. Na política, ela é ainda mais importante. No Brasil, a presidência Lula foi aquela que melhor compreendeu a necessidade de transformar qualquer ato do governo em propaganda. E mais: através da Secretaria de Comunicação Social, pagando entre mil e três mil reais mensais, obteve de 4.200 veículos de comunicação, quase todos no interior do país, apoio irrestrito ao governo. A veiculação da propaganda oficial foi o pretexto para a transferência dos recursos. Para os grandes centros, o caminho foi o "apoio cultural" a centenas de artistas através do Ministério da Cultura e, principalmente, dos bancos e empresas estatais (especialmente a Petrobras). Juntamente com os milhares de assessores incrustados na máquina estatal, a estrutura partidária do PT e, secundariamente, com o apoio dos outros partidos da base no Congresso Nacional, foi construída uma máquina de propaganda nunca vista no Brasil.

No passado tivemos o Departamento de Imprensa e Propaganda, durante o Estado Novo (1937-1945), ou a Assessoria Especial de Relações Públicas, notabilizada durante o governo Médici (1969-1974). Mesmo assim, havia uma oposição, tolerada ou não. Mas a Secom superou amplamente seus antecessores. Foi tão eficaz que até convenceu os opositores, que ficaram surpreendidos quando, no primeiro turno, 54% dos eleitores votaram contra o governo na eleição presidencial. Ou seja, a oposição estava mais convencida dos êxitos do governo do que os eleitores.

A euforia construída artificialmente pela propaganda dá a entender que vivemos uma expansão econômica em ritmo chinês. Entretanto, na média dos últimos 8 anos, o Brasil cresceu aproximadamente 1/3 do que a China, bem menos do que no quinquênio juscelinista (1956-1961) e menos ainda do que no "milagre econômico" (1968-1973). Se houve uma melhor distribuição de renda e enorme expansão do crédito, os indicadores sociais continuam muito ruins, e isto é o que mais importa.

Habilmente - mas extremamente nocivo para o futuro do país -, o governo fez uma opção preferencial: deixou de lado o enfrentamento dos graves problemas nacionais (que nem sempre redunda imediatamente em votos) e escolheu o distributivismo primitivo, das migalhas, para os setores mais pobres, deixando para o grande capital lucros nunca obtidos na história. Eleitoralmente foi um sucesso. Elegeu Dilma, uma desconhecida para a maioria dos seus eleitores 3 anos atrás.

Contudo, esta política não poderá ter vida longa. É produto de uma conjuntura econômica internacional favorável, da eficiência do setor primário (mas que em alguns setores já atingiu seu limite) e do aprofundamento de um modelo exportador que está desindustrializando o país. Destas combinações - e do oportunismo eleitoral do distributivismo primitivo - os grandes prejudicados serão o país e os mais pobres - que continuarão pobres ad aeternum. Sem a rápida melhora dos indicadores sociais, a situação de pobreza não vai ser alterada simplesmente pelos programas assistenciais. Somente políticas públicas que efetivamente enfrentem os péssimos indicadores de saúde, educação, habitação e saneamento básico é que poderão retirar milhões de brasileiros da miséria. Para isso é necessário haver ousadia, esforço, competência administrativa e um plano estratégico para o país, tudo que em oito anos Lula não fez - e que dificilmente Dilma fará.

O novo governo já nasceu velho. Administra o varejo. Faz a pequena política. Reforça o conservadorismo. Tem uma fórmula nefasta para vencer eleições. Deseja manter tudo como está. O importante é o poder. É através dele que é possível atender às burocracias partidárias, sindicais e das empresas estatais. Além de estabelecer uma aliança com o grande capital parasitário, lucrativa para ambos.

A oposição assiste a tudo calada. Nem sequer protesta. Está mais preocupada com possíveis candidatos para 2014, mas esqueceu de fazer política em 2011. Ela tem um compromisso histórico com o país. Deve romper com a inércia e não ficar assustada com a propaganda oficial. Deixar de lado - ao menos neste momento - os projetos personalistas. Não faltam bons quadros políticos. Pode elaborar um programa mínimo. Tem todas as condições para acompanhar as atividades do governo, denunciar e propor alternativas. Com uma base governamental ampla e sedenta de cargos, não faltarão oportunidades para explorar as contradições. A eleição do presidente da Câmara pode ser uma primeira oportunidade para a oposição começar a fazer política.

Marco Antonio Villa é historiador.

Depois que tudo ficou permitido:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Certamente pelas mesmas razões das anteriores, a atual democracia brasileira não mostra interesse em discutir as dificuldades que amarram o impasse representativo na vida política nacional. Os partidos continuam arrastados para um fisiologismo já assimilado. E os governos não têm do que se queixar, pelo contrário. O caso do mensalão foi o ponto culminante de um processo de desmoronamento moral que começou em 1964, com o papel figurativo do Congresso. A partir daí, tudo se tornou permitido. A oposição se atrofiou, funcional e politicamente, por força de decretos que lhe cortaram as asas retóricas. A maioria se acomodou ao servilismo oficial, ao preço de facilidades para se reeleger e fazer de conta que a democracia é uma aparência suficiente para salvar o engodo.

A partir de 1964, o Congresso Nacional perdeu o poder político e nunca mais, mesmo depois da Constituinte de 1986/88, recuperou a dignidade soberana e o dom da palavra. O grande brilho representativo ocorreu no último capitulo da eleição indireta, com Tancredo Neves no papel principal. Mas não apagou o irreparável efeito desabonador da Câmara de Deputados e do Senado obedientes à batuta de governos militares. Houve, aqui e ali, protestos formais da tribuna, mas a censura retinha o efeito público. O bipartidarismo estéril, a simulação oratória de protestos que morriam com a sessão, as decisões emanadas exclusivamente do Executivo, deixaram à Câmara e ao Senado a função decorativa com que o Brasil se apresentava.

Por mais que tenha contribuído para preservar de suspeita o resultado de eleições, o princípio da maioria absoluta sozinho não conseguiu mais do que purificar o ar republicano. Não favoreceu o confronto de opiniões nem aplainou o caminho das reformas que se acumularam no Século 20. No seu Painel semanal na Globo News, o repórter William Waack abriu sábado um debate sobre a qualidade da democracia brasileira. Sem esquecer o que se denomina analfabetismo funcional, que não diz exatamente a quantidade assustadora de brasileiros que aprenderam a ler mas não entendem o que lêem.Waack reuniu o filósofo José Arthur Gianotti (Usp, Cebrap), o professor de Filosofia Luiz Filipe Pondé (PUC/Faap) e Roberto Romano, professor de Filosofia (Unicamp), em torno do que se poderia considerar a qualidade da democracia brasileira. De pronto, viu-se que não é pouco o que falta à democracia brasileira.

Um parlamentar é, na visão média atual, alguém que optou péla política para ficar rico e, no exercício do mandato, não faz senão pegar carona em projetos de lei que tenham retorno de simpatia – e, portanto, voto – por parte dos eleitores. O mandato é varinha mágica de enriquecimento pessoal, com direito a privilégios e vantagens. E, como subproduto, facilita a reeleição...

A qualidade da democracia brasileira continua atrofiada, desde a ditadura, pelo comprometimento do mandato parlamentar com favores oficiais. Não é por acaso, mas por aí, que se encontrará a origem do desprezo com que o cidadão comum se refere à instituição parlamentar, entre todas, como a menos digna de confiança. A cada eleição se renova uma parcela de eleitos, mas sem alterar o perfil representativo no qual a sociedade não se reconhece. Só um deputado federal, Mário Martins, na seqüência de 1964, deixou o mandato em sinal de protesto contra o aviltamento da função política.

Depois de 20 anos sob censura à imprensa, o exercício da representação política estava degradado pelo exercício da ociosidade premiada de várias maneiras, inclusive vantagens compensatórias sob um bipartidarismo que garantia à bancada governista o direito de ser majoritária, houvesse o que houvesse. Não havia.Tudo mais que se semeou continua a ser colhido no exercício do mandato que, se modificou alguma coisa, foi no mesmo sentido por onde tudo começou a por onde tem de recomeçar se não se quiser repetir a lição.

Senadora binacional:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Num país governado por uma mulher, a representação feminina do novo Congresso não chega a 10% na Câmara e chega à metade do patamar de 30%, a cota de candidaturas de mulheres exigida aos partidos, no Senado - 8,77% e 14,8%, respectivamente. Mas consagra um outro perfil parlamentar, entre as mulheres, mantendo uma tendência verificada nas últimas eleições.

São 45 deputadas e 12 senadoras que devem assumir suas cadeiras, em fevereiro, com interesses, em boa parte, que vão além daqueles que costumavam caracterizar os mandatos das mulheres, como os problemas da infância e da adolescência, para ficar apenas num exemplo. O perfil dessa nova parlamentar é parecido com o da presidente Dilma Rousseff.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) é, sem dúvida, um exemplo bem acabado. Ela é um fenômeno eleitoral, anunciado em 2006, quando esta advogada de 45 anos, sem nunca ter disputado antes uma eleição por pouco não ganha a vaga do senador Álvaro Dias, candidato à reeleição, com uma passagem bem avaliada pelo governo estadual.

Ano passado, Gleisi atropelou os adversários, superando a marca dos 3 milhões de votos, enquanto o ex-governador Roberto Requião (PMDB) suava a camisa para ganhar a segunda vaga, com cerca de 100 mil votos à frente do terceiro colocado, mas quase meio milhão de votos atrás da candidata do PT.

Com a eleição de Gleisi, o Paraná ganhou uma senadora e o Paraguai ganhou uma aliada no Congresso brasileiro. É que os interesses dessa ex-diretora de finanças de Itaipu, mulher do ministro Paulo Bernardo (Comunicações) e desde já virtual candidata ao governo do Estado vai além das linhas que demarcam a tríplice fronteira no extremo Oeste paranaense.

Gleisi Hoffmann veste o figurino da nova congressista

Gleisi escolheu três comissões do Senado para atuar prioritariamente. Entre elas não está a que trata de assuntos sociais, uma escolha comum entre as mulheres, em legislaturas passadas (e que ela faz questão de valorizar tanto nas parlamentares que a antecederam como naquelas que hoje continuam se batendo pelas causas sociais). Pela ordem, escolheu a Comissão de Assuntos Econômicos, a de Agricultura e a de Relações Exteriores.

Para entender as escolhas da senadora é preciso compreender, pelo menos, a região que ela representa. A escolha da Comissão de Agricultura é quase um lugar comum entre os congressistas do Paraná, um Estado essencialmente agroindustrial. Relações Exteriores já é consequência de uma realidade local que extrapola ao Paraná e ao Brasil.

Foz do Iguaçu, no extremo Oeste paranaense, é a fronteira mais populosa do Brasil, entre os vizinhos da América do Sul. Apenas em Foz (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), são mais de 600 mil habitantes. Em 62 municípios, nos três países, considerados área de influência da tríplice fronteira a população chega a 1,9 milhão de habitantes.

Depois dos Estados Unidos (EUA), o Paraguai é o país que abriga o maior número de brasileiros fora de casa, não menos de 300 mil, talvez 450 mil, segundo cálculos de entidades governamentais e não governamentais (não existe um número oficial).

A maior parte desta população é constituída de "brasiguaios", na origem os brasileiros - indenizados - cujas terras foram inundadas pelo lago de Itaipu e atravessaram a fronteira atraídos por terra fértil e incentivos fiscais concedidos pela ditadura do general Alfredo Stroessner, na primeira metade dos 70.

Os "brasiguaios" são hoje responsáveis pela maior parte do que de melhor existe no agronegócio paraguaio. Algo entre 80% e 85% da soja exportada por aquele país é produzida por brasileiros - no Paraguai ou do lado de cá da fronteira, diga-se a bem da verdade.

Segundo Gleisi, essa é a questão: ainda hoje, o Paraguai é visto no Brasil, inclusive entre autoridades, como um problema. Em sua opinião, trata-se de um enfoque que precisa ser mudado. Ela costuma dizer que, para cada paraguaio envolvido em ilícitos como o contrabando de armas, o tráfico de drogas e o descaminho de mercadorias, "há pelo menos cinco brasileiros juntos".

É um exagero deliberado, mas que serve para justificar o argumento segundo o qual ajudar o Paraguai, um país menor que o Paraná, é contribuir para solução também de problemas internos brasileiros. "O contrabando, por exemplo, afeta nossa indústria", diz. A tríplice fronteira também virou um motivo de atenção mundial, devido as suspeitas dos EUA de que tenha se transformado em abrigo de terroristas.

Na realidade, a teia de interesses entre Brasil e Paraguai é hoje tão densa que o vizinho detém hoje sete representações consulares brasileiras. No atual conselho da Itaipu Binacional há dois representantes do Itamaraty.

A aprovação da revisão do tratado de Itaipu "será um ponto de honra" para Gleisi, em sua estreia no Senado. Ela acha que o governo brasileiro se equivocou, quando resistiu à renegociação, exigida pelo Paraguai, do valor pago pela energia de Itaipu.

É nesse contexto que se discute a revisão do Tratado de Itaipu, assinado em 1973 pelas ditaduras que governavam os dois países, na ocasião. O Brasil pagou pela usina, mas assegurou-se de que, nos 50 anos seguintes, os paraguaios nos venderiam, a preço de custo, o que não utilizassem da energia a que teriam direito como sua parte no empreendimento. O Paraguai utiliza apenas 10% dos 50% que lhe cabem.

A revisão do acordo, atualmente em tramitação no Congresso, levará o Brasil a pagar três vezes mais do que atualmente paga pelo excedente paraguaio da energia de Itaipu. Com base em valores de 2008, os pagamentos anuais passariam de R$ 200 milhões para R$ 600 milhões.

O fato é que o país precisa de energia, e Itaipu responde por cerca de um quinto do consumo brasileiro. A partir de 2023, prazo longínquo em 1973 mas hoje visível a olho nu, em tese o Paraguai poderia assumir, com seus custos e riscos, a comercialização de sua metade em Itaipu.

Dilma não conseguiu colocar tantas mulheres quanto gostaria no governo. Mas a bancada feminina do Senado promete, como mostra a agenda de Gleisi. E além dela tem Marta Suplicy, Ana Amélia Lemos e outras nove.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

Portas da fábrica:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A indústria cresce a dois dígitos, há números fortes de importação de máquinas e equipamentos, o Nuci, índice que mede quanto da capacidade de produção está sendo utilizada, está alto. Mesmo assim, fala-se que o Brasil estaria passando por um período de desindustrialização. Difícil acreditar. Imagina se não houvesse importação, o que estaria acontecendo com a inflação?

O ponto máximo do Nuci da Fundação Getúlio Vargas foi nos anos 70, na época do milagre econômico, quando, por alguns meses, ele atingiu a marca dos 90%. Em fevereiro de 2009, estava em 77,6%; em dezembro passado, chegou a 84,9%. Isso, para esse indicador, o de utilização da capacidade instalada, é muito alto. E o número reflete uma média, porque há setores onde há taxas mais baixas, como siderurgia. Os segmentos de bens de consumo duráveis e não duráveis estão acima da média. O que está mais fraco é o de bens intermediários. A série longa da FGV não deixa dúvidas de que a indústria brasileira está produzindo fortemente para atender à demanda crescente.

- Só se poderia falar de desindustrialização se tivesse ocorrendo uma alta ociosidade da indústria em meio a uma economia aquecida - diz o economia Marcelo de Paiva Abreu, da PUC-Rio.

Marcelo diz que está claro que existe um problema no câmbio, mas que o Brasil tem atacado o país errado:

- O problema é o câmbio chinês, mas nos últimos tempos o Brasil tem criticado apenas os Estados Unidos. O país deveria ser um aliado caloroso do mundo na crítica à política cambial chinesa, que faz com que seus produtos concorram deslealmente.

O risco agora é repetir algumas velhas fórmulas que o Brasil já tentou no passado sem sucesso, ou pior, com resultados desastrosos, como o fechamento econômico. Brinquedo já teve sua tarifa elevada para o máximo permitido pelos nossos compromissos na Organização Mundial do Comércio. Outros setores que já têm tarifas altas, como a indústria automobilística, começam a fazer queixas mesmo quando batem recorde de produção.

Sempre quando o câmbio se aprecia, e alguns setores pedem proteção ou protestam contra a taxa de câmbio, uma parte do país se lembra que há uma agenda eternamente perdida que é a do Custo Brasil. Repete-se isso, porque na verdade os problemas nunca são enfrentados. Nem só de câmbio vive a competitividade de uma indústria, evidentemente. O país precisa tornar mais eficiente a logística. As estradas, portos e aeroportos congestionados e ineficientes fazem mais mal às exportações do que a valorização do real. A burocracia precisa ser menos hostil às exportações. Essa é uma parte da moeda.

A outra é aquela de sempre: o país precisa criar condições fiscais para a queda das taxas de juros.
- Precisamos fazer um reexame sério da questão fiscal brasileira e o déficit público não vai ser resolvido pelo lado da receita. Temos que examinar as despesas seriamente - diz Marcelo de Paiva Abreu.

Quando o dólar está baixo, há sempre pressões da indústria, principalmente paulista, de que se resolva o problema via elevação das tarifas de importação ou barreiras às compras externas. Mas onde é exatamente que um movimento assim nos levaria? Se desse certo, e o país conseguisse impedir as compras externas, certamente haveria mais pressão inflacionária. O argumento como o que está novamente sendo defendido pela Fiesp, como mostrou o "Estadão" de ontem, é que as importações estariam desestimulando a produção local. Há de fato casos de empresas que fecham suas unidades no Brasil e passam a produzir em outros países. Ontem, o jornal paulista falou da Vulcabras Azaleia e da Philips.

Por outro lado, o Nuci mostra que a indústria está produzindo a todo vapor. Nesse nível, ou ela investe para aumentar a oferta ou a demanda terá que ser mesmo atendida por produtos importados, do contrário, haverá inflação.

É inescapável reduzir os custos das empresas através de mais investimento em infraestrutura, redução de custos sobre a folha salarial, diminuição da burocracia e queda forte dos juros. Isso independentemente do nível da taxa de câmbio. O problema é que o país só olha para esta questão quando a moeda nacional está valorizada, como agora. Quando ela se deprecia, o ganho extra do exportador funciona como uma anestesia e o debate é deixado de lado.

O problema é sentido diferentemente: alguns produtos estão com dificuldade de exportação, outros, que tiveram alta no mercado internacional, como as commodities, não estão tendo dificuldade. Como em uma moeda, o problema aqui tem dois lados: o real apreciado e o Custo Brasil nunca enfrentado.

Aprimorar para reduzir a meta:: Yoshiaki Nakano

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No seu discurso de posse, o novo presidente do Banco Central (BC) falou em reduzir a meta de inflação. Tem toda razão e merece aplausos. É possível sim alcançar taxa de inflação menor comparável à dos demais países do mundo. Basta elevar os juros que a taxa de câmbio se apreciará ainda mais e a demanda agregada sofrerá queda, e ambos pressionarão para baixo a inflação.

Mas o seu custo não será tolerado pela sociedade. E o ganho na luta contra inflação será temporário. O câmbio apreciado reduzirá o preço dos importados e a inflação no curto prazo, mas no médio prazo o déficit em transações correntes se tornará insustentável, desencadeando uma crise cambial e de balanço de pagamentos com inflação explosiva. Com juros mais altos, a taxa de investimento será reduzida e com isso o produto potencial crescerá menos, anulando seus efeitos anti-inflacionários, e a taxa de crescimento voltará aos níveis pré-Lula, fato que certamente não será aceito pelo eleitorado brasileiro.

Para reduzir a meta de inflação é preciso antes aprimorá-la, dando-lhe maior coerência, consistência e principalmente maior potência ao seu instrumento. Para começar, é preciso previamente desindexar todos os preços. Todos sabem que a lei que instituiu o Plano Real desindexou parcialmente a economia brasileira. Por exemplo, os contratos de mais de um ano têm que ter uma cláusula obrigatória de indexação. Com isso, um número muito grande de bens e serviços, incluindo os públicos, têm a inflação presente determinada pela inflação passada.

No setor financeiro, o Plano Real manteve intacto o regime monetário do período de hiperinflação, com a moeda na sua base (reservas bancárias, fundos etc.) indexada à taxa de juros diária (Selic/CDI). É preciso, depois de 15 anos de estabilização de preços ancorada na taxa de câmbio, fazer a estabilidade monetária, eliminando as heranças do período de hiperinflação. Não tem sentido manter ativos financeiros indexados à taxa diária de juros num contexto em que o novo presidente do BC está certamente imaginando meta de inflação de 2% ou 3% ao ano. Mais aloprado ainda é a taxa de juros das aplicações "overnight" pagar a mesma taxa Selic dos títulos de longo prazo do Tesouro Nacional: é lógico que o Banco Central aniquila a formação de um mercado de poupança de longo prazo, aprisionando os poupadores no mercado de moeda, dando-lhes liquidez e remuneração correspondente à de títulos de longo prazo.

Desindexados os ativos financeiros, o novo instrumento de política monetária terá seu poder multiplicado

Essa aberração tem que ser eliminada. Assim, desindexados os ativos financeiros, o novo instrumento de política monetária terá seu poder de ação multiplicado, tornando também desnecessária a manutenção dos juros num patamar tão elevado. Com juros prefixados, qualquer elevação da taxa básica do Banco Central reduzirá o valor dos ativos do sistema bancário e a riqueza financeira, com contração maior no crédito bancário que, associado ao maior efeito riqueza, desencadearão uma cadeia de reações com fortes impactos contorcionistas sobre a demanda agregada. O setor financeiro passará a detestar juros elevados! Assim, é preciso fazer uma faxina completa eliminando todos os entulhos do período de hiperinflação.

Num regime de metas, o indicador de inflação que deve orientar a política monetária não pode ser o índice convencional de inflação, tal como o IPCA. Estes índices refletem componentes transitórios, enquanto o Banco Central deverá orientar-se pelos componentes persistentes, particularmente determinados pela demanda sobre a qual seu instrumento atua. Além disso, como existe uma defasagem de muitos meses entre a tomada de decisão de elevar os juros e a sua repercussão sobre os preços, o Banco Central tem que ter um modelo de previsão acurado de inflação futura, para os próximos dois anos pelo menos. Não é correto orientar a política monetária pela inflação passada capturada pelos índices convencionais de preços, fixando metas para o ano calendário, quando sua decisão tem efeitos sobre o futuro, não respeitando o calendário. Menos aceitável ainda é o fato de a sistemática atual de reação do Banco Central ser prisioneira das expectativas de inflação futura dos bancos privados, pois gera uma promiscuidade perigosa.

Com os problemas e ineficácias acima mencionados, além de muitos outros dos quais não dá para tratar neste espaço, a taxa de câmbio acaba sendo o mecanismo de transmissão mais relevante da atual política de metas. E aqui o mínimo a ser feito é corrigir a resposta assimétrica do Banco Central. Se este reage à depreciação da taxa de câmbio, deve também reagir simetricamente à apreciação, atuando de forma neutra, já que ele não fixou nenhuma meta de taxa de câmbio.

Ou temos que rever e explicitar a meta de câmbio. Tomando-se o período de câmbio flexível, observa-se que o Banco Central sempre respondeu energicamente quando a taxa de câmbio se depreciou, pois sabemos que isto aumenta a taxa de inflação. A mesma reação não se verifica quando a taxa de câmbio se aprecia, gerando com isso um viés no sentido da persistente apreciação com consequências desastrosas no médio e longo prazo para o crescimento e equilíbrio externo. A eficácia da nossa política de metas depende muito da apreciação cambial.

Para finalizar, é elogiável que o novo presidente do Banco Central tenha tido a coragem de abrir a discussão sobre a atual política de metas de inflação, pois há muito a ser aperfeiçoado.

Yoshiaki Nakano , ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV/EESP, escreve toda segunda terça-feira do mês.

2011: o ano da inflexão econômica::Paulo R. Haddad

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Que cenário poderemos esperar para a economia brasileira em 2011? Haverá continuidade no processo de crescimento acelerado? Há risco de descontrole das taxas de inflação?

Um dos grandes méritos do governo Lula foi o de enfrentar com rapidez e flexibilidade os desafios da crise econômica que se iniciou em 2008 nos EUA e se espraiou globalmente. O gasto público se expandiu, os bancos do governo federal ampliaram seus empréstimos e financiamentos, incentivos fiscais foram distribuídos para atividades econômicas (indústria automobilística, construção civil, eletroeletrônicos) que comandam poderosas cadeias produtivas. O resultado agregado foi um crescimento da nossa economia em ritmo anual de 7,5 %, enquanto os países mais desenvolvidos sofriam um processo de estagnação com taxas muito elevadas de desemprego.

Entretanto, a superação da crise trouxe em seu bojo um conjunto de restrições que irão provocar inflexões e descontinuidades de grande profundidade. A primeira delas é o risco de uma aceleração inflacionária, à medida que a expansão da demanda, principalmente do consumo privado e dos gastos correntes do governo, tem esbarrado nos limites da capacidade produtiva do País, no seu enigmático PIB potencial. Reverter esta aceleração significa políticas monetárias contracionistas com taxas de juros mais elevadas, rebatendo em menores taxas de crescimento econômico com todas suas mazelas no emprego e na distribuição de renda.

A segunda restrição está nas contas públicas, com o descontrole dos gastos ao longo dos últimos 18 meses. As despesas não financeiras do governo representam quase 20% do PIB de 2010. Uma implicação imediata será a necessidade de segurar as suas despesas de custeio (principalmente de pessoal) e de investimentos, praticando uma política fiscal que muito pouco contribuirá para gerar mais renda e mais emprego, embora ela seja funcional para manter a dívida pública sob credibilidade.

Finalmente, como os dólares não param de entrar no Brasil por causa de nossas crescentes exportações, da atração de investimentos externos diretos e das aplicações financeiras especulativas, o real é hoje uma moeda muito valorizada, que barateia as importações de bens e serviços e torna as exportações menos competitivas. Consequência: as contas externas caem no vermelho com o déficit da conta corrente crescendo fortemente ao longo dos últimos três anos.

Essas restrições, que devem levar a políticas econômicas indutoras de um crescimento econômico menor e de uma inflação mantida sob controle, nada têm de dramático. O Brasil dispõe de quase US$ 300 bilhões de reservas internacionais, as quais permitem flexibilizar a gestão de uma eventual crise cambial. As potencialidades econômicas do País estão em sintonia com os segmentos do comércio internacional que mais estão se expandindo atualmente em valor (minérios, metais, agronegócio e bioenergia). Essa sintonia é um fator de mobilização de um número significativo de grandes projetos de investimento. Da mesma forma, a expansão do mercado interno, pelos ganhos de produtividade e pela melhoria da distribuição de renda, torna o Brasil menos volátil e menos vulnerável ao ciclo de negócios na economia mundial.

De qualquer forma, não se pode contar com o fim da crise econômica mundial como um elemento favorável a mais para o cenário da economia brasileira em 2011. Embora tenhamos vivido vários momentos de instabilidade na economia mundial desde que houve um avanço do sistema financeiro sobre o lado real das economias nacionais, a partir dos anos 1970, a atual crise econômica e financeira apresenta características absolutamente inéditas, tornando difícil enquadrá-la nas crises das duas últimas décadas.

É a primeira grande crise após a profunda integração dos mercados financeiros de todos os países desenvolvidos e emergentes e de muitos outros menos desenvolvidos. Podemos estar no contexto em que ainda não sabemos o que não sabemos sobre esta crise.

Professor do IBMEC/MG. foi Ministro do Planejamento e da Fazenda.

Mais profissionalismo na política externa::Rubens Barbosa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff e do ministro Antonio Patriota reafirmaram que o Itamaraty deverá dar continuidade à política do governo anterior, mas prenunciam mudanças importantes de estilo e de ênfases. O tom dos discursos de posse foi positivo e indica que as ações brasileiras no exterior serão mais pragmáticas e menos ideológicas, menos protagônicas e mais cautelosas.

Tanto a presidente Dilma quanto o ministro Patriota têm perfil mais técnico. Patriota deve ser menos voluntarioso do que seu antecessor. Os compromissos externos continuarão a demandar tempo e esforço, mas a prioridade da política externa deverá ser menor diante da importância e da urgência da agenda interna social e econômica (combate à inflação, apreciação do câmbio e redução do custo Brasil para aumentar a competitividade dos produtos brasileiros, entre muitos outros, como as reformas política e tributária prometidas pela presidente).

A defesa da soberania nacional e a crescente presença do Brasil no mundo continuam a estar na raiz da formulação e execução da política externa do novo governo. As principais prioridades nos próximos quatro anos permanecem sendo:

Respaldo dos processos de integração sul-americana e latino-americana (Mercosul, Unasul e Celac);

cooperação com os países do Sul (África, Oriente Médio e Ásia e acordos Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) e Brics;

solidariedade aos países pobres e em desenvolvimento;

assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

O Brasil continuará defendendo a construção de um mundo multilateral e a democratização de organismos internacionais, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial. Com o G-20, em coordenação com os Brics, será buscado um ambiente propício à sustentabilidade, à recuperação econômica e infenso à pressões protecionistas. A OMC não foi mencionada, em mudança significativa de ênfase, havendo apenas referência ao trabalho por resultados ambiciosos e equilibrados na Rodada Doha.

O novo chanceler, depois de ressaltar a preservação das conquistas dos últimos oito anos, fez referência expressa a quatro mudanças importantes na política externa:

Gestão inclusiva e integradora - A menção tem duplo significado: para o público interno é a revalorização da experiência da geração anterior de diplomatas, desprezada pelo governo passado, explicitada pela escolha do embaixador Ruy Nogueira como secretário-geral; sinaliza, por outro lado, uma influência menor de considerações ideológicas ao enfatizar o compromisso com os interesses permanentes do Estado brasileiro, e não com a plataforma de um partido político.

Busca de adaptações e reconsideração de certas ênfases, em função de desdobramentos internos e externos - Certamente por inspiração da presidente Dilma Rousseff, o ministro reconhece que excessos retóricos e ativismo pirotécnico são página virada. Sem tornar explícitas as mudanças, tudo indica que não serão repetidos os equívocos em relação ao apoio ao governo teocrático do Irã, à sua política nuclear e ao bloqueante silêncio no tocante à defesa dos direito humanos. Deverão ser reconsideradas as políticas em relação a Honduras e aos países desenvolvidos, em especial os EUA. A política externa, profissional, retorna ao seu leito natural em busca de um consenso, quebrado nos últimos oito anos.

Desaceleração do ritmo de crescimento da abertura de embaixadas - Reconhecimento de que a crescente projeção externa brasileira não depende de gestos em busca de prestígio e de que os objetivos da política externa não serão perseguidos a qualquer custo.

Parcerias tradicionais serão preservadas e ampliadas - A prioridade continuará a ser o Sul (a expressão Sul-Sul não foi mencionada em nenhum pronunciamento, nuance que deve ser notada), mas os países desenvolvidos, sobretudo os EUA e os da Europa, não serão tratados de maneira preconceituosa.

De forma pragmática, no discurso de Patriota foram mencionados apenas três países: a Argentina (pela parceria estratégica), a China e os EUA, sintomaticamente escolhidos para as primeiras viagens externas da presidente Dilma Rousseff.

Em relação aos EUA, não mais escutaremos ataques gratuitos ao país e a seu presidente e a visita a Washington, nos próximos meses, deverá abrir uma nova fase de entendimentos, baseados no respeito mútuo e na cooperação.

No tocante à China, dado o desequilíbrio nas relações bilaterais, espera-se que se abra um novo capítulo com a ampliação da cooperação, mas também com manifestações claras de descontentamento quanto à política cambial, à política de direitos humanos e às crescentes restrições comerciais.

Pela experiência profissional do novo ministro em organismos multilaterais, é possível antecipar uma ênfase maior da atuação do Itamaraty nos temas globais, como mudança de clima, meio ambiente e energia, direitos humanos e comércio exterior.

Tendo Marco Aurélio Garcia sido mantido, seria surpreendente se o fio condutor da política externa fosse alterado de forma pronunciada. Resta saber qual o grau de visibilidade e de influência na formulação e execução da política externa terá o assessor internacional da Presidência da República. Segundo se noticia, Marco Aurélio está ampliando o número de seus funcionários e suas áreas de atuação. A indicação do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães como a alta autoridade do Mercosul provavelmente terá tido a inspiração e o apoio do assessor internacional.

O aceno ao diálogo aberto e honesto feito pelo ministro Patriota deve ser aceito pelos que criticaram a política anterior. Democraticamente, contudo, a sociedade e a oposição deverão cobrar as prometidas adaptação e reconsideração dos excessos e equívocos cometidos pelo governo anterior.

Ex-Embaixador em Washington e em Londres

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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MST testa Dilma com janeiro de invasões

DEU EM O GLOBO

Num movimento batizado de "janeiro quente", o MST iniciou uma onda de invasões a fazendas de São Paulo e a sedes de prefeituras da Bahia. O objetivo é forçar o governo Dilma Rousseff a abrir um canal de negociações com o movimento. "O MST é autônomo em relação a qualquer governo", disse Delweck Matheus, coordenador do MST no Pontal do Paranapanema (SP). Estão previstas mais ocupações em todo o país.

MST antecipa invasões a fazendas para forçar negociação com governo

Ocupações estavam previstas para abril; prédios públicos também são alvo

Flávio Freire e Sérgio Roxo

SÃO PAULO. Ainda sem canal de negociação com o governo Dilma Rousseff, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiu antecipar as invasões pelo país, normalmente programadas para o chamado Abril Vermelho, quando uma onda de ocupações é organizada como protesto às mortes ocorridas em 1996 em Eldorado do Carajás, no Pará. Desde o último dia 3, primeiro dia útil da gestão de Dilma, o MST tem invadido fazendas e prédios públicos ligados à reforma agrária, em São Paulo, além de prefeituras na Bahia, num período caracterizado como "janeiro quente".

Dirigentes do movimento dizem que a retomada das ocupações é uma obrigação e não depende de quem está no poder.

- O MST é autônomo em relação a qualquer governo, e esperamos que essas ocupações reforcem a abertura de um diálogo - disse Delweck Matheus, um dos coordenadores do MST no Pontal do Paranapanema, região onde os sem-terra criaram um movimento dissidente, ligado a José Rainha Júnior.

- É uma obrigação do MST lutar pela terra e colocar a reforma agrária na pauta também do novo governo - disse.

Número de famílias assentadas cai 44%

A ideia é não perder tempo na negociação com o governo . Estudo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra uma redução de 44% do número de famílias assentadas em 2010 no país em relação ao ano anterior, além da diminuição de 72% do volume de hectares destinadas às famílias sem terra. "A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida", diz texto da CPT.

Até ontem, a mobilização do MST envolvia apenas São Paulo e Bahia, mas o movimento já estaria articulando ocupações em todo o país para os próximos dias.

Os primeiros passos foram dados em São Paulo, quando três propriedades particulares foram invadidas. Os sem-terra ocuparam as fazendas Rancho Alegre, em Castilho; Bertazoni, em Cafelândia; e Martinópolis, em Serrana.

Na semana passada, cerca de 200 pessoas acamparam na entrada do Instituto de Terra de São Paulo (Itesp), em Presidente Prudente. A preocupação com uma possível onda de violência no campo fez com que o governo de São Paulo já se antecipasse na busca de uma solução.

- A onda já começou, e o temor não é só invasão, mas também os desdobramentos que possam ocorrer. Se os donos dessas áreas resolvem revidar, isso pode gerar risco para as pessoas envolvidas. Sejam os fazendeiros ou os integrantes do movimento - disse ontem Eloisa Arruda, secretária de Justiça de São Paulo.

Ela se reúne hoje com líderes do MST em São Paulo.

- Como estou assumindo agora, quero que me conheçam - disse Eloisa, num movimento criticado pelos ruralistas.

- É inaceitável que o governo chame para o diálogo quem está fora da lei - reclamou o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, que teme o risco de enfrentamento. - O dono da terra tem o direito legítimo de defender sua propriedade. O problema é que pode acontecer fatalidades.

A secretária de Justiça reagiu às crítica do ruralista:

- Nós queremos ouvir as pessoas e buscar soluções que sejam boas para todos, e assim evitar situações de risco. Também marquei uma reunião com os ruralistas para quinta-feira.

A secretaria lembrou que a questão da ocupação de terra não é assunto de competência do estado, mas do governo federal. Ainda assim, ela diz que está disposta a tentar apaziguar os ânimos na disputa de terra.

Mínimo já opõe ministro a Mantega

DEU EM O GLOBO

Ministro do Trabalho, Carlos Lupi discordou publicamente do colega da Fazenda, Guido Mantega, que anunciara veto a um mínimo além de R$ 540. Lupi disse que o Congresso é soberano para mudar.

Mínimo: Lupi diverge publicamente de Mantega

Ministro do Trabalho diz que Congresso é soberano e que governo terá de aceitar o valor que for aprovado

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Apesar de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já ter anunciado que o governo vetaria qualquer valor acima de R$540 para o salário mínimo, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, afirmou ontem que quem decidirá é o Congresso. Lupi, ao divergir publicamente do colega da Fazenda, disse que o Congresso é soberano para decidir sobre o mínimo e que o governo deve aceitar, qualquer que seja o valor aprovado.

- O Congresso é soberano. O que o Congresso definir nós todos teremos que aceitar, porque é o Congresso que decide. A política é uma casa de diálogo. O governo apresentou sua proposta, mas o Congresso tem competência para discuti-la e fazer emendas - defendeu Lupi, que pessoalmente é a favor de um valor maior que os R$540 já previstos no Orçamento da União para 2011 e fixados numa Medida Provisória.

As centrais sindicais vão se reunir hoje, em São Paulo, para discutir as ações para este ano e iniciar a mobilização contra o salário mínimo de R$540. Além de um mínimo de R$580 e reajuste de 10% para os aposentados que ganham acima do mínimo, a Força Sindical quer discutir com o governo a questão da correção da tabela do Imposto de Renda a partir de 2011. Esta semana, serão retomados ainda os contatos com o governo sobre a medida provisória do mínimo, mas o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (do PDT, mesmo partido de Lupi) , reclamou da falta de diálogo com o governo Dilma.

A intenção do sindicalista é se encontrar amanhã com o ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio. Líderes do governo no Congresso já admitem ceder e aceitar valor maior do que os R$540 fixados na MP 516. Desde as negociações do Orçamento, o teto da equipe econômica era R$550. Alguns admitiram chegar a R$560. Mas, logo após a posse de Dilma Rousseff, Mantega anunciou veto a um valor maior que os R$540.

Governo não cumpre meta fiscal e turbina inflação com R$ 58 bi

DEU EM O GLOBO

Inflação turbinada em R$58 bi

Governo injetou dinheiro extra na economia ao descumprir a meta de esforço fiscal em 2010

Martha Beck e Vivian Oswald

Os alimentos e as commodities em geral não foram os únicos vilões da inflação em 2010 - que fechou o ano em 5,91% pelo IPCA, acima do centro da meta de 4,5% fixada para o período. O próprio governo acabou por atiçar um de seus maiores algozes ao gastar mais do que estava previsto e inundar a economia com cerca de R$58 bilhões no ano passado. Essa é a diferença entre o que a equipe econômica se propôs a economizar para o pagamento de juros da dívida pública (o chamado superávit fiscal primário), que era de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), e o que efetivamente conseguiu poupar: 1,6% do PIB, segundo cálculos do banco ABC Brasil.

No mercado, há quem diga que o governo teria feito um esforço fiscal ainda menor, de apenas 0,9% do PIB.

- Gastar mais é como emitir dinheiro na economia. Despesas maiores significam mais contratações, mais obras e mais renda. Tudo isso aumenta a demanda - afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, que é ex-diretor do Banco Central (BC).

O governo afrouxou a disciplina fiscal em 2010 por dois caminhos: fez manobras contábeis (como a capitalização da Petrobras) de R$33,3 bilhões, que lhe permitiram gastar mais sem o equivalente efetivo do lado das receitas, e injetou diretamente na economia R$24,7 bilhões ao turbinar despesas correntes e com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

- Essa operação da Petrobras foi algo totalmente bizarro. O que o governo fez em 2010 foi descumprir a meta de primário e pressionar fortemente a demanda - ressalta o economista-chefe do ABC Brasil, Luiz Otávio Leal.

Sem ajuste fiscal, juros serão maiores

Segundo o economista da Máxima Asset Management Elson Telles, se em 2011 o governo não fizer um ajuste fiscal efetivo (entregando, sem descontos permitidos, o superávit cheio de 3,1%), o Banco Central poderá ter de manter os juros elevados mais tempo para manter a inflação dentro da meta:

- O objetivo deste ano será trazer a inflação para o centro da meta ou para algo muito próximo disso. O problema é que existe muita gente cética quanto à capacidade do governo de reduzir seus gastos no tamanho necessário.

Para Leal, do ABC Brasil, além de cortar despesas na carne, o governo terá de evitar operações como a capitalização do BNDES, que, embora não gere uma despesa primária, influencia a atividade econômica, porque permite ao banco de fomento elevar o volume de empréstimos ao setor produtivo:

- Isso não entra no Orçamento, mas afeta a inflação. Terá que ser levado em consideração pelo BC na hora de decidir a trajetória da Selic.

Os economistas lembram que o câmbio, que dá uma ajuda extra na hora de controlar os preços (pois a queda do dólar estimula a competição no mercado interno por meio de mais importações), continuará nesse caminho em 2011. O único problema será se houver uma guinada no mercado internacional que faça o dólar disparar, dificultando o papel da política monetária.

- Mas não vejo isso ocorrendo no horizonte - diz Telles.

- Os gastos a mais do governo influenciam, sobretudo, os preços dos bens não comercializáveis (itens que não podem ser exportados ou importados), pois os outros bens acabam se equilibrando em função das importações - explica Freitas.

Preocupada com as pressões inflacionárias dos gastos cada vez maiores do governo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) propôs ontem um corte de R$40 bilhões no Orçamento da União de 2011, aprovado pelo Congresso Nacional. Para cumprir a meta de superávit de R$117 bilhões em 2001 (3,1% do PIB), a União precisa enxugar o atual Orçamento em pelo menos R$32 bilhões.

A CNI adverte em nota técnica que gastar menos é um fator decisivo para o governo controlar a inflação sem precisar elevar a taxa de juros a médio prazo. "A política fiscal expansionista dos últimos anos precisa ser revista. Caso esse caráter não seja alterado, o esforço da política monetária para conter um excesso de demanda que pressione a inflação será maior e irá comprometer o crescimento da economia".

A entidade ressaltou que "depois da política de expansão fiscal necessária para combater os efeitos da crise internacional (no fim de 2008 e ao longo de 2009), o momento é de reduzir o ritmo de crescimento dos gastos públicos para adequá-los ao crescimento da economia".

Pela quinta semana seguida, o mercado piorou suas projeções para a inflação de 2011 e reforçou a expectativa de que o Comitê de Política Monetária (Copom) voltará a subir a Selic - hoje em 10,75% ao ano -- na semana que vem. Segundo a pesquisa Focus do Banco Central (BC) divulgada ontem, a primeira de 2011, os economistas calculam que o IPCA fechará 2011 a 5,34%, acima dos 5,32% vistos na semana anterior, e ainda mais longe do centro da meta oficial do governo, de 4,5%.

A pesquisa Focus mostrou ainda que o mercado continua, pela sexta semana seguida, enxergando que a Selic terminará 2011 em 12,25%, sendo que o movimento de alta teria início na próxima semana, com a primeira reunião do Copom sob a batuta do novo presidente do BC, Alexandre Tombini. As contas são que a autoridade monetária elevará a taxa básica de juros em meio ponto percentual agora.

Colaborou: Patrícia Duarte

Supremo manterá decisão sobre Cesare Battisti

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente Lula fez sondagens entre ministros do STF antes de anunciar, no último dia de mandato, que ex-ativista ficaria no Brasil

Felipe Recondo

O futuro do ex-ativista italiano Cesare Battisti está praticamente definido no Supremo Tribunal Federal (STF). Por maioria de votos, os ministros da Corte decidirão que o tribunal não tem competência para rever o ato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar Battisti para a Itália. Esse prognóstico, por sinal, foi fundamental para que Lula não deixasse a solução para Dilma Rousseff.

Lula não queria ser desautorizado pelo Supremo. Por isso, cogitou deixar para Dilma o problema. Quando emissários do governo voltaram com a informação de que o resultado no STF já estava dado, o ex-presidente, no último dia de seu mandato, decidiu manter Battisti no Brasil.

O tribunal, portanto, deverá julgar que a decisão de Lula encerra a participação do Supremo neste processo. Os ministros lembram que foi o STF quem decidiu que a última palavra neste assunto caberia ao presidente da República. A decisão de não entregar Battisti foi o ponto final.

O diferencial no placar do STF deverá ser o voto do ministro Ricardo Lewandowski. Apesar de ter votado favoravelmente à extradição em 2009, o ministro deixou expresso em seu voto que o presidente poderia negar-se a entregar Battisti.

"Digo que, em tese, seria possível ao presidente da República, dentro dos quadros do tratado, eventualmente, recusar-se ao cumprimento, amparado numa ou noutra cláusula desse tratado", afirmou à época.

Lewandowski ressalvou que o presidente não poderia negar a extradição sob a alegação de serem políticos os crimes pelos quais Battisti foi condenado ou afirmar que a Itália não teria "condições de garantir os direitos fundamentais do extraditando". A decisão de Lula, de fato, não seguiu essa linha.

Além do voto, emissários do governo disseram ter ouvido do ministro Lewandowski que, em sua opinião, o caso está encerrado. Contando com o voto do ministro, o governo contaria com cinco votos dos oito ministros que deverão participar do julgamento - os ministros Celso de Mello e Dias Toffoli estão impedidos e não julgarão o caso.

Além de Lewandowski, já expressaram opinião pelo julgamento da extradição os ministros Marco Aurélio - para quem o ex-ativista já deveria estar solto -, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa.

Mesmo com a eventual indicação de um novo ministro para completar a composição da Corte, o placar não mudaria. Ao contrário, se confirmada pela presidente Dilma Rousseff a indicação para a 11.ª vaga do tribunal, do atual advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a folga seria maior. Isso se ele não se desse também por impedido de participar do julgamento.

Apesar desse prognóstico, Battisti deverá permanecer preso até que o plenário decida o assunto, o que deve ocorrer em fevereiro, quando os ministros retornam do recesso de fim de ano.

Diferenças. A retomada do julgamento do caso Cesare Battisti não será uma repetição dos argumentos aventados nas sessões de 2009. Quando analisaram a legalidade do ato de reconhecimento de refúgio, os ministros julgaram ser ilegal a decisão do Ministério da Justiça. Afirmaram não haver, como exige a lei, indícios claros de que Battisti poderia sofrer perseguição se entregue para o governo italiano.

Agora, a decisão veio do presidente da República, a quem cabe, conforme a Constituição, "manter relações com Estados estrangeiros". Além disso, Lula se baseou no trecho do tratado entre Brasil e Itália mais aberto ao subjetivismo. O artigo usado para negar a extradição não exige indícios claros de perseguição, mas apenas suposições.

Dilma: aliados e oposição


Mínimo acima de R$ 540 ganha força no Congresso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Edna Simão

A defesa de um salário mínimo superior aos R$ 540 para assegurar a inflação de 2010 ganha cada vez mais aliados e esquenta as negociações no Congresso. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), mulher do ministro Paulo Bernardo (Comunicações), afirmou que, com a inflação de 2010, o mínimo deveria ser de, pelo menos, R$ 543. "Eu defendo a regra. E considerando isso, o mínimo seria de R$ 543. Com negociação, dá para chegar a R$ 550."

A regra de reajuste do salário mínimo, acertada com as centrais sindicais, considera a inflação do ano anterior mais o crescimento econômico de dois anos antes, que no caso de 2009 foi negativo. No final do ano passado, o valor saltou de R$ 510 para R$ 540, uma alta de 5,88%.

O INPC, divulgado na semana passada pelo IBGE, foi de 6,47% em 2010. Portanto, o governo teria que dar aos trabalhadores a diferença. "É preciso dar um reajuste que dê no Orçamento. A regra do salário mínimo garante estabilidade", explicou Gleisi.

Independente de acordo, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força Sindical, quer um valor que considere o forte crescimento econômico do ano passado, que pode superar a marca dos 7%.

Ele disse que apresentou emenda à medida provisória do governo reivindicando mínimo de R$ 580. Sem avanços na negociação com o governo, Paulinho afirmou que representantes das centrais sindicais devem se reunir hoje para debater o assunto.

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, destacou que o Congresso é soberano para decidir sobre o mínimo. Com o agravamento da crise entre PT e PMDB por disputa de cargos do segundo escalão, o debate virou moeda de barganha dos partidos. O partido aliado do governo ameaça apresentar uma emenda com o valor de R$ 560.

Cálculo. Desde o ano passado, o governo de Lula (com aval da equipe da presidente Dilma Rousseff) defende o salário mínimo de R$ 540, com a alegação de que um aumento maior poderia desequilibrar as contas públicas. O valor foi calculado com base em inflação de 5,88% e de PIB de dois anos atrás (que foi negativo). O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem dito que o governo irá vetar um valor superior aos R$ 540.

Ele esqueceu, porém, que a inflação de 2010 de 6,47% já exige um mínimo maior do que o proposto pelo governo, ou seja, de R$ 543.

Irã veta livros de Paulo Coelho

DEU EM O GLOBO

Escritor brasileiro denuncia censura pelo governo, e editor iraniano alega perseguição Guilherme Freitas

O escritor Paulo Coelho anunciou ontem em seu blog () que o governo iraniano teria proibido seus livros no país. O autor de "O alquimista" publicou no site um email em que seu editor iraniano, Arash Hejazi, avisa que "o Ministério da Cultura e Orientação Islâmica do Irã baniu todas as suas obras" e que "nenhum livro com o nome de Paulo Coelho terá mais publicação autorizada no Irã". O editor atribui a informação a uma fonte no ministério. O governo iraniano não se manifestou sobre o assunto ontem.

Em entrevista ao GLOBO por email, Hejazi relaciona a proibição com a perseguição que tem sofrido desde que testemunhou o assassinato de Neda Agha-Soltan em Teerã, em junho de 2009, durante os protestos contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinedjad, acusado de fraude pela oposição. Formado em Medicina, ele estava perto de Neda no momento em que foi baleada, e pode ser visto tentando socorrê-la no vídeo que registrou a morte da ativista. O vídeo ganhou repercussão mundial na época, tornando-se símbolo da repressão no Irã. Depois disso, Hejazi se exilou em Londres, onde vive até hoje. De lá, soube que sua editora, a Caravan Books, foi fechada pelo governo no ano passado. Ele acredita que as manifestações de Coelho a seu favor provocaram a censura.

- Todos que comentaram sobre a morte de Neda ou outras mortes que ocorreram no mesmo período sofreram imensamente. Precisei deixar o país por segurança e a Caravan Books foi fechada por ordem do Ministério da Cultura, apenas porque testemunhei aquele crime horrível. Agora, parece que Paulo Coelho está pagando o preço por te me defendido naquela situação. Ele foi uma das primeiras pessoas a me identificar no vídeo. Paulo também já se manifestou a favor de Shirin Ebadi, a vencedora do Nobel da Paz de 2003, exilada por suas críticas à situação dos direitos humanos no Irã. Sua popularidade no país também pode ser uma questão. Minha experiência diz que este governo detesta qualquer um que é extremamente popular e não está sob seu controle - avalia Hejazi.

Os livros de Paulo Coelho são traduzidos no Irã desde 1998 e o autor estima já ter vendido seis milhões de exemplares no país, que tem uma população de cerca de 70 milhões de pessoas. Em entrevista ao GLOBO por email, o escritor prefere não especular as razões da proibição, mas se mostra otimista:

- Não existe nenhuma lógica por trás do que aconteceu: manter os livros editados por tantos anos e, da noite para o dia, proibi-los. Tenho muita esperança de que a situação seja revertida daqui até o final da semana - diz Coelho, que esteve no Irã em 2000, naquela que foi a primeira visita de um escritor não-muçulmano ao país depois da Revolução Islâmica de 1979. - Quando aceitei a visita, o grande motivo foi manter viva a ponte cultural com o país. Continuo achando que a cultura, de uma maneira geral, é um dos poucos canais de comunicação que temos hoje - estima Coelho.

Informada sobre o caso durante uma visita a projetos do governo federal no complexo do Alemão ontem, a ministra da Cultura, Ana de Holanda, disse considerar qualquer tipo de censura "lamentável". Ela anunciou que conversaria com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, sobre a situação de Coelho. O presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), Antonio Grassi, que acompanhou a ministra na visita, classificou a decisão iraniana de "absurda".

Autor permite e-books gratuitos

Coelho agradeceu as manifestações de apoio do governo brasileiro e disse ter recebido diversas mensagens de solidariedade de leitores iranianos pelo Twitter ao longo do dia. Para contornar a proibição, o escritor autorizou seu editor a distribuir os títulos gratuitamente pela internet no formato de e-books (de todo modo, Coelho não recebe direitos autorais pelos livros vendidos no Irã, pois o país não é signatário da Convenção de Berna, que regula a propriedade intelectual de obras artísticas). Hejazi acredita que a internet pode ser uma ferramenta importante nesse caso:

- Coelho é um dos autores mais vendidos no Irã e já recebi muitas mensagens de leitores perguntando sobre a proibição. Comercializar e-books ainda não é possível no país, pois o Irã não está conectado aos sistemas bancários e crediários internacionais. Mas se colocarmos os livros à disposição dos leitores, de graça, centenas de milhares de pessoas vão baixá-los. Apesar dos filtros na Internet, a população iraniana tem nela um meio de comunicação vital - observa Hejazi.
O editor minimiza o fato de o governo iraniano não ter se manifestado oficialmente sobre a proibição dos livros de Paulo Coelho. Hejazi lembra que, no mercado editorial, o controle governamental se dá sobretudo através das "Permissões de Pré-Publicação", uma sanção emitida pelo Ministério da Cultura e Orientação Islâmica para as editoras apenas depois de um minucioso escrutínio de cada obra.

- Nenhuma censura no Irã é oficial. Tudo é comunicado verbalmente, pois a censura contraria as obrigações internacionais do país. Apesar do controle rígido da mídia impressa e online, o governo sempre negou praticar qualquer tipo de censura, especialmente o sistema de Permissões de Pré-Publicação para os livros. A implementação de um sistema tão complexo, que garante que nenhuma ideia desagradável para o sistema alcance o público e ao mesmo tempo não deixa rastros disso, faz com que seja difícil até mesmo provar que isso é um ataque à liberdade de expressão.

PPS/ Rio de Janeiro discute ida para a situação

DEU EM O DIA

Jogo animado

Valença tem 71.894 habitantes e eleições muito disputadas. O governo do Estado, que apoia Paulinho da Farmácia (PPS) para a prefeitura, entrou no jogo. Sérgio Cortes, secretário de Saúde, vai anunciar a construção de uma UPA por lá.

PPS discute ida para a situação

A ida do PPS para a base Sergio Cabral está mais próxima. Na sexta, o deputado Comte Bittencourt – presidente do partido no Rio e adversário do acordo - teve uma conversa com Eduardo Paes e outras lideranças do PMDB. Pela proposta, o PPS deixaria a oposição ao governador e ao prefeito e, em troca, conquistaria apoio dos peemedebistas para alguns dos seus candidatos às eleições municipais. No PPS já tem gente recorrendo à direção nacional do partido contra o eventual acerto.

Bach - Prelude no.2 in C Minor - Zimbo Trio - Orquestra Arte Viva

Versos tristes: Graziela Melo

Éramos
quatro,
agora
três....

Se foi
ele,

iremos
nós

por fim,
vocês...

Ninguém
escapa

da fatídica
data,

ninguém
tem
a sorte!

É
a hora
sombria
e nefasta

da maldita
morte!!!


Rio de Janeiro, 08/1/2011

Graziela Melo, é autora do livro Crônicas, contos e poemas. Abaré Editorial, Brasília, 2008