Werneck Vianna, Camila Rocha, Rudá Ricci,
Marcos Napolitano, Valter Pomar e Moysés Pinto Neto comentam as manifestações
de 7 de setembro e seus desdobramentos políticos
Por: Patricia Fachin | 09
Setembro 2021
As manifestações do dia 7 de
setembro, com destaque para aquelas que endossaram os
pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, não podem
ser vistas como um fato isolado. "Não foi um ponto fora da curva; foi um
ponto na curva". É assim que o sociólogo Luiz Werneck Vianna interpreta,
com preocupação, os atos que ocorreram na última terça-feira, especialmente em
Brasília e São Paulo. No limite, acentua, "está claro que Bolsonaro
quer nos jogar numa guerra civil".
Na
entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas
Unisinos - IHU, Werneck Vianna diz que "as
estratégias políticas que podem impedir esse desenlace trágico estão em
curso", mas os discursos dos presidentes do Senado e
do Supremo Tribunal Federal - STF já não bastam.
"Isso não basta; são palavras. Além das palavras, Bolsonaro mostrou
armas, mostrou arregimentação, colocou muita gente na rua, no Rio [de
Janeiro], em Brasília e em várias outras capitais. É para isso
que vamos? Com qual projeto? Ele não tem projeto nenhum". E acrescenta:
"Aliás, ele não mencionou nenhum problema concreto nas falas em Brasília e
em São Paulo. Ele está mobilizando para a luta, para o
desfecho". O desafio do tempo presente, insiste, consiste em
rearticular as "forças vivas do país".
A
cientista política Camila Rocha sublinha
que as "manifestações reuniram um contingente abaixo do esperado",
mas "indicam a resiliência do bolsonarismo e
a predisposição de uma parcela não desprezível da população em encampar um
discurso radicalizado contra o STF e apontar como 'inimigos
políticos' a imprensa e demais instituições democráticas". Na atual
conjuntura, destaca em entrevista concedida por e-mail, "é importante que
a oposição ao bolsonarismo, tanto no campo da esquerda como no campo da
direita, consiga se unificar nas ruas em torno de amplas mobilizações em prol
da democracia".
O
sociólogo Rudá Ricci chama
a atenção para os erros cometidos pelo presidente antes e durante os atos.
"Foi um imenso fracasso para Bolsonaro por erro exclusivo
dele. Ao concentrar os esforços em apenas duas capitais, deixou flancos abertos
ao longo do país. Em algumas localidades, as manifestações anti-bolsonaristas foram
maiores que as deles. Também foi um erro explícito a expectativa
de dois milhões de manifestantes em cada uma dessas capitais: não
atingiram 5% dessa marca. Pior: plantaram o pânico na véspera sugerindo que
haveria invasão do STF e golpe. Ao final, a montanha pariu um
rato", afirmou na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp.
O
historiador Marcos Napolitano interpreta a convocação do
presidente e a adesão de parte da população às manifestações como uma
"campanha eleitoral antecipada" para "testar os limites do seu
discurso de radicalização". Em entrevista concedida por e-mail,
ao cotejar as possíveis reações institucionais dos discursos de Bolsonaro em Brasília e São
Paulo, ele destaca que o "presidente tem uma base confortável no Congresso,
ao menos para se garantir em uma eventual abertura de processo de impeachment.
Sobretudo na Câmara, ele parece estar blindado".
Na
mesma linha, o historiador Valter Pomar comenta
os pronunciamentos do ministro do STF e do presidente do Senado,
na tarde de ontem, pós-manifestações. O futuro político, afirma em entrevista concedida
por e-mail, "dependerá muito da reação da direita gourmet e
da esquerda. Os atos bolsonaristas do dia 7 de setembro colocaram a
direita gourmet diante de uma encruzilhada. Se recuarem, Bolsonaro terá
vencido. Por enquanto foi isso que Lira e Fux fizeram,
nos pronunciamentos feitos na tarde de 8 de setembro. Frente a mais uma ameaça
golpista, os presidentes do Congresso e do Supremo não
tiveram coragem de deflagrar o impeachment".
O
pesquisador Moysés Pinto Neto acentua
que a disputa de Bolsonaro atualmente "é uma guerra
civil no interior da direita". Na entrevista concedida por e-mail,
ele explica: "Com a entrada de Lula no
páreo, a esquerda institucional passou a largos passos para a
vantagem e transferiu o ônus de se viabilizar para a direita não-bolsonarista.
A direita sabe que, se Bolsonaro enfrentar Lula,
perde. Nesse caso, caso Bolsonaro se mantenha, ela não tem
alternativa a não ser aguardar sua derrota. Não vai para o segundo turno, pois
o piso da extrema direita é alto, e apoiar Bolsonaro pode ser
simplesmente um tiro no pé, porque ele muito provavelmente vai perder e, caso
não perca, implementará um regime mais autoritário. Nesse caso, há tempos,
desde a entrada de Lula no certame, a briga é entre 'terceira
via' e Bolsonaro".
Luiz
Werneck Vianna é professor-pesquisador na
Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela
Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A
revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro:
Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no
Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três
poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento,
leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna,
organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz
de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu livro intitulado Diálogos
gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é
composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura
brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na
página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Camila
Rocha é graduada em Ciências Sociais,
mestra e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP.
Recebeu o prêmio de melhor tese da Associação Brasileira de Ciência
Política, com sua tese de doutorado intitulada "Menos Marx mais
Mises": uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). É
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap.
Rudá
Ricci é graduado em Ciências Sociais
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, mestre em Ciência
Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências
Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor
do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola
Superior Dom Helder Câmara e colunista político da Band News. É autor de Terra
de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão
Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação
Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A Participação em
São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.
Marcos
Napolitano é doutor e mestre em História
Social pela Universidade de São Paulo - USP, onde também graduou-se em
História. Atualmente, é professor titular de História do Brasil Independente e
docente-orientador no Programa de História Social da USP. É assessor ad hoc da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e do CNPq. Especialista no
período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de
história da cultura, com foco no estudo das relações entre história e
audiovisual, tem, entre seus livros publicados, Coração Civil: a vida
cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) - ensaio histórico (São
Paulo: Intermeios - Casa de Artes e Livros, 2017) e 1964: História do
Regime Militar Brasileiro (São Paulo: Editora Contexto, 2014).
Valter
Pomar é historiador formado pela
Universidade de São Paulo - USP, mestre e doutor em História Econômica pela
mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura
Municipal de Campinas de 2001 a 2004. É professor de Relações Internacionais na
Universidade Federal do ABC - UFABC e dirigente nacional do Partido dos
Trabalhadores - PT.
Moysés
Pinto Neto é doutor em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, com
estágio-sanduíche no Centre for Research in Modern European Philosophy
(Kinston, Inglaterra). Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Luterana do Brasil - Ulbra e no curso de Direito da Ulbra Canoas.
Confira a entrevista.