sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Obama joga a rede


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Desde o início desta semana os cadastrados na campanha de Barack Obama estão sendo estimulados a fazer doações ou até mesmo a se apresentarem como voluntários para ajudar as vítimas dos incêndios na Califórnia. A mensagem diz que durante a campanha ficou comprovado que quando pessoas comuns agem em conjunto, fazem uma grande diferença. O aparato tecnológico montado pela campanha do democrata começa assim a ser utilizado para a mobilização da sociedade civil, uma espécie de convocação para o serviço voluntário que Obama havia dito seria a "causa central" de sua presidência.

O site de Obama é uma grande rede social que tem mais de um milhão de cadastrados, gerou 750 mil voluntários na campanha e oito mil grupos de afinidades, com militantes "obamistas" trocando informações. Quando Obama disse, em suas primeira entrevista coletiva, que a escolha do primeiro-cachorro, uma tradição da Casa Branca, era o assunto mais falado no seu site, estava demonstrando que não apenas acompanha as discussões como as considera importantes.

Também a mensagem que passou a enviar pelo You Tube é a marca da comunicação transparente que pretende imprimir à sua gestão. Os assessores usam o sistema Twitter de mensagens instantâneas, e interagem com as comunidades no Orkut, Facebook e MySpace. A campanha de Obama foi comparada a uma empresa de Internet, e contou com a ajuda voluntária especialistas nas novas tecnologias, e agora começará uma segunda etapa, a de mobilizar a sociedade civil.

Obama está sendo um pioneiro em "socializar" a política, tirando-a do plano restrito dos profissionais da área para compartilhá-la com seus eleitores e militantes. Este é um conceito totalmente novo de fazer política, que era, segundo David Singh Grewal em "Network Power", a única atividade que continuava restrita ao plano nacional, quase que provinciana diante de um mundo que tem todas as suas principais manifestações globalizadas: finanças, cultura, comportamento.

O sucesso da candidatura de Barack Obama no mundo deve-se a essa globalização da comunicação, e ao sentimento generalizado de que era preciso uma mudança no governo dos Estados Unidos depois de oito anos da era Bush.

A noção de sociedade civil teve uma inversão completa de sentido até os dias atuais, devido às novas tecnologias. Até o século XVII, sociedade civil definia a sociedade politicamente organizada. Depois da Revolução Francesa, passou a definir a sociedade sem o Estado.

O cientista político francês Dominique Colas, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, reforça a interpretação política da sociedade civil atual dizendo que ela designa "a vida social organizada segundo sua própria lógica".

Esse moderno conceito, que destaca a capacidade de os indivíduos assumirem seus próprios destinos, define o que o sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern California, dos Estados Unidos, classifica de a "sociedade civil global" que estaria se formando, uma sociedade que, devido aos novos meios tecnológicos disponíveis, poderia existir "independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massas".

Na busca de preencher "o vazio de representação", essa nova sociedade tenta se impor através de mobilizações espontâneas, como as que aconteceram durante a campanha de Obama. Castells vê muitos "significados políticos" no potencial da internet quando se transforma em um meio autônomo de organização, independente de um comando central de controle: criaria "um espaço público como instrumento de organização e meio de debate, diálogo e decisões coletivas".

Para Castells, a sociedade civil é o espaço intermediário entre o Estado e os cidadãos, e seria um canal para a transformação do Estado a partir da pressão organizada da sociedade, "sem limitar o processo democrático representativo a eleições e à política formal".

Utilizando toda essa ferramenta tecnológica para não apenas arrecadar fundos de campanha, abrindo mão do financiamento público, mas também para estimular a mobilização de grupos que normalmente não participavam da política, como os jovens e as minorias, Obama conseguiu sobrepujar diversos obstáculos que o colocavam como um perdedor natural diante da candidatura preferida da senadora Hillary Clinton.

Depois, na campanha propriamente dita, conseguiu neutralizar os ataques e divulgar suas idéias através da vasta rede que montou. Agora, vai utilizá-la para conseguir a participação ativa da sociedade em sua presidência, num momento de crise financeira que necessitará de solidariedade e trabalho conjunto.

De 12 a 15 de outubro, realizou-se aqui nos Estados Unidos a Conferência Internacional sobre Traumatismo Cerebral e suas conseqüências. Entre os 15 cientistas convidados, da União Européia, Canadá, Estados Unidos, havia apenas uma brasileira, a diretora-executiva da Rede Sarah, Lúcia Willadino Braga.

Os debates aceleraram a decisão por parte do Congresso Americano de desenvolver uma política pública relativa ao assunto, face o grande número de jovens feridos de guerra com o qual os Estados Unidos se depara no momento.

O Congresso Americano, tendo criado uma Força de Trabalho para enfrentar o problema, solicitou formalmente a participação da Rede SARAH na elaboração das políticas que permitam soluções para a integração dos jovens vítimas de traumatismo no crânio.

Gota d’água


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O gesto do senador Garibaldi Alves de devolver à Presidência da República a medida provisória que anistia entidades filantrópicas fraudulentas e dá outras providências causou espanto.

A oposição correu para o abraço e a situação quase teve uma síncope de tão apavorada. Naquela noite o PMDB estava esquisito, tranqüilo demais para o inusitado da situação. O senador Wellington Salgado, por exemplo. Combatente da tropa de choque governista, só faltou carregar Garibaldi no colo.

Fazendo votos para que a súbita manifestação de autonomia não guarde relação com a disputa pela presidência do Senado, partindo do princípio de que o senador Garibaldi Alves não se prestaria a esse tipo de serviço e considerando que o PMDB não manipularia sua crescente intolerância contra o uso abusivo de MPs, tomemos a cena pelo seu valor de face.

No início da noite de quarta-feira, farto da indiferença do Poder Executivo aos preceitos que autorizam a edição de uma medida provisória, o presidente do Senado invocou a prerrogativa regimental de impugnar propostas contrárias à Constituição e deu um chega para lá no Planalto.

Posto que não há relevância nem urgência - pelo menos para o País - no perdão às filantrópicas irregulares, o senador Garibaldi Alves fez o que deveria ser feito. Não da melhor, mas da única maneira possível diante da recusa do Congresso em cumprir as suas prerrogativas e da insistência do Executivo em abusar das dele.

Foi um gesto político, que deflagrou uma reação contrária de argumentos jurídicos por parte do governo, como se o Executivo estivesse em condições morais de alegar imperfeições na área.

Quem manda ao Congresso uma medida provisória embutida de um evidente contrabando destinado a atender a algum interesse específico ligado às entidades mal intencionadas sabe perfeitamente qual é o nome do jogo.

Bem como não desconhece o que está fazendo quando insiste em criar créditos suplementares por meio de MPs a despeito do veto imposto pelo Supremo Tribunal Federal.

Não fica numa posição confortável para invocar a lei quem nem sequer se dá ao trabalho de preencher as exigências constitucionais e manda medidas provisórias ao Legislativo por quaisquer motivos, dos mais fúteis aos mais perversos, como a obstrução proposital da pauta de votações.

“É o caos legislativo”, censurou o senador petista Aloizio Mercadante. Referia-se à atitude de Garibaldi, mas a frase caberia perfeitamente para descrever a desordem que impera no Parlamento.

Produto também, mas não só, da falta de cerimônia completa do Palácio do Planalto, de onde só saem manifestações de apreço e respeito quando há alguma pendência grave e de interesse do Executivo para ser resolvida no Congresso.

De resto, parlamentares são divididos entre inimigos e carimbadores da vontade do Planalto. Na quarta-feira à noite, Garibaldi Alves resolveu não carimbar a medida provisória das filantrópicas que o governo, aliás, já havia concordado em modificar.

Qual será a conseqüência do gesto? No plano formal, será examinado pela Comissão de Constituição e Justiça. Em sua dimensão política será maior ou menor, dependendo do que se dispuser a fazer o Congresso de agora em diante.

Se resolver assumir suas prerrogativas e examinar cada medida provisória conforme manda a Constituição, o governo automaticamente vai parar de editar MPs irrelevantes e não urgentes. Agora, se continuar abrindo mão de poder, a ação de Garibaldi terá sido apenas um gestual inconseqüente.

Uma rocha

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, reafirma que defenderá a manutenção da aliança do PMDB com o presidente Lula seja qual for a situação ou quem for o candidato do governo à sucessão.

Descarta liminarmente a hipótese de o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, se filiar ao partido para se candidatar a presidente e trata logo de encerrar o assunto: “Acho que o Aécio usa o PMDB para aumentar seu cacife no PSDB”.

Flagrante delito

Pelo cronograma do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, o deputado Walter Brito, condenado à perda do mandato pelo Supremo Tribunal Federal por infidelidade partidária, emplacará 2009 na vaga.

Chinaglia vai esperar a publicação do acórdão e depois o remeterá ao exame da Mesa. Nessa altura, a Câmara já terá entrado em recesso.

Se não fosse um raciocínio absurdo, seria o caso de pensar que o cumprimento da sentença está sendo procrastinado em atenção a princípios corporativos para não prejudicar os interesses do PT na disputa pelas presidências das duas Casas do Congresso.

Intenção e gesto

Na política hoje em dia é assim: prega-se o reformismo, pratica-se o conservadorismo e alimenta-se o conformismo.

Desmoralização


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Em carta ao ministro Tarso Genro (Justiça), o general Jorge Félix (Gabinete de Segurança Institucional) reclama da Polícia Federal e diz que a operação de busca e apreensão na Abin causou "profunda estranheza" e "indignação" e "desmoraliza" o órgão perante outros países.

Desculpe, general, mas quem está indignado e achando tudo estranho somos todos nós, que entendemos cada vez menos a guerra do ministro Tarso com o senhor, da PF com a Abin, de uma parte da Abin contra outra, de uma parte da PF contra outra. A Abin e a PF é que estão se desmoralizando, e não é perante os outros países, mas diante dos cidadãos que lhes cobrem o Orçamento e lhes pagam salários.

Não esqueça como tudo começou: justamente numa aliança de policiais federais com investigadores da Abin, sem que os superiores de uns, e provavelmente o sr., superior dos outros, sequer soubessem.

Na "calada da noite", como ações de bandidos, não de mocinhos.

O alvo era Daniel Dantas, o banqueiro heterodoxo com amizades certas nos lugares certos -ou melhor, em todos os lugares-, mas acabou deixando na linha de fogo jornalista que dá furo de reportagem, ministros do Supremo, deputados, senadores e, de roldão, a própria polícia e a própria Abin. As brigas internas estão fazendo o resto.

O que se lamenta, entre tantas outras coisas ainda mal explicadas, é o envolvimento do então chefe da Abin, delegado Paulo Lacerda, com bela carreira e serviços prestados ao país. Tudo indica que ele tenha sido um dos mentores da operação, que começou com bons motivos e boas intenções e saiu do controle pelo messianismo de Protógenes.

A carta do senhor, general, chega atrasada, troca os necessários substantivos por dispensáveis adjetivos e não explica nada. A não ser que o senhor tenha sido pressionado ou se sentido na obrigação de defender a sua turma aí da Abin. Se é que a turma é mesmo sua. Ou de alguém.

Para onde vai a inflação?


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A decisão do BC de manter inalterada a Selic parece ser a forma mais correta de agir nos próximos meses

PREVER A inflação em 2009 é hoje um dos exercícios mais complexos que o analista econômico enfrenta. Pelo menos quatro forças dominantes estão agindo sobre o sistema de preços no Brasil.

A primeira reflete a dinâmica de oferta e demanda nos segmentos "non tradables" e que abrangem serviços e produtos industriais.

A segunda atinge o conjunto das commodities exportadas pelo Brasil ou importadas do exterior.

Seus preços são formados a partir das cotações internacionais em mercados organizados no exterior. Mesmo essas precisam ser acompanhadas em dois grupos distintos: o que tem seus preços ajustados diariamente e o que inclui produtos que dependem de contratos de prazo mais longo ou de listas administradas pelos produtores ou importadores. Um exemplo do primeiro grupo é a nafta; o minério de ferro é um bom exemplo do segundo. Uma terceira força age sobre os preços industriais importados, como máquinas, equipamentos e veículos. Embora em queda por conta da recessão mundial, não seguem o mesmo padrão das commodities.

Finalmente, temos os chamados preços administrados, vinculados ou não a um índice de preços.

Eles refletem a inflação passada e são, portanto, elementos passivos na formação da inflação corrente. A dinâmica desse sistema de preços está sendo influenciada hoje por dois choques externos de grande intensidade. O primeiro é o choque negativo representado pela desvalorização do real que, dependendo de critérios analíticos, chega a 30% ou a 40%. Para dificultar ainda mais a vida do analista econômico, o real ainda não encontrou um valor estável, principalmente porque esse movimento de perda de valor ocorre com quase todas as moedas de países emergentes.

Não é um fenômeno apenas nosso. Paralelamente a esse choque inflacionário, temos um movimento agressivo de queda dos preços de uma imensa gama de produtos chamados "tradables". Essa queda de preços não tem sido homogênea para todas as cadeias, com o petróleo e seus derivados liderando esse movimento.

Não por outra razão, os preços desses produtos, em reais, estão caindo de forma intensa, como é o caso da nafta, ou mostrando uma estabilidade, como no caso dos produtos agrícolas. Outra dificuldade para medir o efeito líquido desses dois movimentos opostos é o fato citado de que alguns produtos têm seus preços determinados por contratos de longo prazo ou listas. Por exemplo, o preço da nafta caiu 25% nos últimos 20 dias, enquanto o dos produtos dela derivados -plásticos- subiram quase 15%. O minério de ferro é outro produto que tem seus preços internos corrigidos pela taxa de câmbio, enquanto até as pedras sabem que, na renegociação de abril do próximo ano, os preços em dólares serão reajustados em cerca de 40%, para baixo.

A gasolina vendida pela Petrobras está hoje 35% mais cara do que a produzida nos Estados Unidos, mas seus preços são fixados pela Petrobras. Em outras palavras, o efeito da desvalorização aparece em primeiro lugar e pode superestimar o impacto líquido da depreciação do câmbio sobre os preços. Por isso, a decisão do Banco Central de manter inalterada a taxa básica de juros (Selic) parece ser a forma mais correta de agir nos próximos meses. Ao longo dos primeiros meses do próximo ano, a redução da atividade econômica terá cores mais claras, bem como os efeitos da desvalorização do real e da queda das commodities.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Conselhos de economia doméstica


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Depois do mais rápido curso de economia de que se tem notícia, o presidente Lula saiu de uma aula de quatro horas seguidas, sem intervalo para ir ao banheiro, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles e diretores do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDES – a fina flor da equipe oficial dos comandantes do cobiçado cofre da viúva – habilitado a ensinar à população como gastar, com proveito e esperteza, as sobras dos salários milionários da classe média e dos que vivem dos ganhos nas fábricas, lojas, construções e bicos na dura luta pela sobrevivência.

Estão fora da classe os endividados, que devem cuidar de pagar as suas contas e evitar novas despesas até subir ao pódio do equilíbrio orçamentário.

A sua fala aos endinheirados embala no otimismo: os que não estão endividados devem aproveitar as oportunidades, sem gastar mais do que ganham.

Os conselhos baixam à paternal experiência de quem em seis anos incompletos pegou um país falido e transformou a herança maldita na terra da felicidade, com toques da varinha mágica do Bolsa Família, do Bolsa Estudo, da criação de empregos, do maior ministério da nossa História, na floração de mais de 100 mil cargos públicos e na elevação ao teto da lua dos vencimentos da cúpula dos três poderes.

Baixa o tom para revelar os segredos das boas compras. Adverte como amigo e conselheiro experiente que esta é a hora de fazer bons negócios. Exemplifica: de comprar o carro mais barato, a televisão com descontos, a geladeira em promoção.

Ensina o presidente atento às aflições da população: se não tivermos essa consciência e todo mundo resolver amoitar o pouco que tem em baixo do colchão (quem ainda guarda o dinheiro que não sobra debaixo da cama?) – o negrume da calamidade na queda ao fundo do horror – as pessoas não vão comprar, as fábricas não vão produzir, as lojas não vão vender e nós vamos ter desemprego.

Não se pode negar o cuidado do presidente com os erros cruzados da população no desperdício com despesas exageradas e, no oposto, com a crise de usura estimulada pelo medo do salário mínimo não chegar ao fim do mês para quitar as prestações da TV de 42 polegadas, do notebook do filho, do fogão de quatro bocas da patroa e do refrigerador de duas portas.

Mas, com a crise em disparada, com o freio nos dentes, o bom conselho de hoje pode ser a perdição de amanhã. A desaceleração da economia derruba os preços ao redor do mundo, com a maior deflação nos Estados Unidos nos últimos 60 anos.

Ao mesmo tempo em que o presidente que mora de graça, com um palácio e uma granja à sua disposição, e que conseguiu reunir um pé-de-meia respeitável, que encosta ou ultrapassa o sarrafo de milionário, o governo apela para a justificativa da falta de recursos para pagar os custos do projeto, de autoria do senador petista Paulo Paim, que cria um índice de reajuste de aposentadorias e pensões vinculado ao número de salários mínimos.

Aprovado em caráter terminativo, no Senado, pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), jogará a sorte na Câmara dos Deputados, onde o governo conta com folgada maioria.

Não se sabe se para brigar com o voto do funcionalismo público.

De caótico a aliado do Vaticano


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


"Lula não é católico, é caótico". A frase, proferida por um dos mais altos integrantes da cúpula eclesiástica do país, o cardeal do Rio de Janeiro, d. Eusébio Scheidt, há apenas três anos, soaria como um absoluto disparate na sala do Vaticano em que, na semana passada, o presidente da República e o papa Bento XVI selaram o acordo de reconhecimento do estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil.

O documento de 20 artigos, minuciosamente discutido pela diplomacia dos dois Estados, era o primeiro item da pauta de reivindicações da cúpula da Igreja brasileira há pelo menos 17 anos, quando começou a ser negociado.

O texto final foi comemorado pela cúpula do episcopado nacional. Em sua visita ao Brasil em maio, o papa já havia tentado, sem sucesso, vencer as resistências do presidente. O documento não avança mais do que a Lei das Diretrizes e Bases da Educação em relação ao ensino religioso nas escolas públicas, nem evita que o país, no futuro, venha a reconhecer o aborto legal.

O foco da relutância governista estava na demanda da Igreja por um artigo que aliviasse o tesouro eclesiástico das crescentes reclamações trabalhistas tanto de leigos que trabalham nas instituições sociais católicas quanto de ex-padres e ex-freiras.

O documento que o governo brasileiro, finalmente, concordou em assinar, prevê que padres, missionários e leigos consagrados pelo voto, mas não ordenados, realizam tarefas de caráter voluntário sem vínculo empregatício.

O texto do acordo, que é claro em relação àqueles que abandonaram o hábito e agora reivindicam direitos indenizatórios, levantou entre milhares de leigos que trabalham nas pastorais sociais da igreja, grande parte delas conveniadas com programas assistenciais da administração pública, a incerteza sobre a natureza jurídica de sua prestação de serviço.

O acordo foi comemorado pela cúpula de uma igreja que, além da perda de fiéis, vê reduzida a fonte de recursos provenientes, por exemplo, de sua rede de escolas. No último balanço da Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas (Anamec), em apenas três anos, 130 escolas católicas de ensino fundamental e médio fecharam suas portas.

A precariedade da situação financeira de muitos hospitais e escolas e centros assistenciais católicos foi um dos motivos que levou o ministro do Desenvolvimento Social, um dos principais interlocutores da cúpula católica no governo, Patrus Ananias, a se empenhar pela aprovação da MP das filantrópicas.

A medida provisória acabou estendendo isenções de débitos como os do INSS, para entidades que fraudaram dados a fim de conseguir cadastro no Conselho Nacional de Assistência Social e foi espetacularmente devolvida pelo presidente do Congresso ao Executivo. O gesto vai prorrogar a agonia de muitas dessas instituições católicas que buscavam um alívio fiscal na MP.

Se a cúpula da Igreja católica festeja o acordo, os setores mais progressistas que comandam as maiores pastorais sociais, como a do Menor e da Terra, podem vir a enfrentar insatisfações de seus colaboradores leigos que, a partir do acordo com o Vaticano, temem a mitigação dos seus direitos trabalhistas.

Ao desgaste paulatino das alas mais progressistas do catolicismo com o governo Lula, que é anterior ao acordo, e teve como um de seus protagonistas o Frei Cappio em greve de fome, sobrevém o feito da cúpula da Igreja em obter a assinatura do documento. A migração do apoio ao presidente das bases do catolicismo fundador do PT, para a cúpula da Igreja, coincide com ascensão, ao mais alto cargo já ocupado por um eclesiástico brasileiro na hierarquia do Vaticano (Prefeito para a Congregação para o Clero), do cardeal d. Cláudio Hummes, que, bispo de Santo André no final dos anos 1970, protegera o emergente movimento sindical do ABC.

Antes da visita do papa ao Brasil, d. Cláudio já chamara a atenção para a pauta das relações do Brasil com o pontificado de Joseph Ratzinger. Não é uma agenda moralista, mas política, advertiu. Desde que assumiu o posto, o cardeal brasileiro jogou a carta do estreitamento das relações entre os dois países rumo a uma aliança entre Lula e Bento XVI na diplomacia mundial. É outra explicação para o acordo em que o presidente sindicalista escuda a Igreja contra seus reclamantes trabalhistas.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

A inspiração para Gilmar Mendes


Por Juliano Basile
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Muito antes de chegar à Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes era influenciado por Peter Häberle e a ligação que ele fez entre o pensamento do pesquisador alemão e o Brasil alteraram as práticas de interpretação de leis pela Corte.

A primeira tradução de Häberle para o Brasil foi realizada por Mendes, em 1997, quando ele trabalhava na Casa Civil da Presidência da República, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Mendes traduziu "A Sociedade Aberta e os Intérpretes da Constituição" na época em que concluía projetos de lei sobre a maneira pela qual o STF deveria julgar três tipos de ações cujos efeitos não se limitam às pessoas envolvidas no processo, mas afetam todos os cidadãos. O resultado é que essas leis permitiram a ampla participação de grupos e de pessoas distintas nos julgamentos.

A lei que disciplina os julgamentos das ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) perante o STF (Lei nº 9.868) contém idéias diretas de Häberle. Ela prevê a realização de audiências públicas antes dos julgamentos e a participação de grupos e pessoas que não estão no processo, mas possuem interesse direto na decisão (os "amici curiae", ou "amigos da Corte"). Essa mesma lei disciplinou os julgamentos das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) - propostas pelo governo federal para que o Supremo declare a validade de alguma lei. É por causa das idéias de Häberle que a lei prevê a participação de outras pessoas nessas ações - e não apenas do autor e do réu.

As idéias de Häberle também levaram à abertura do STF no julgamento de Argüições por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). Essa ação é usada para que associações e partidos levem diretamente ao STF um assunto que se encontra em debate nos demais tribunais do Brasil. As ADPFs são reguladas pela Lei nº 9.882, cujo projeto foi redigido por Mendes no momento em que ele traduzia o autor alemão.

A abertura prevista nessas leis ainda não foi totalmente explorada pelo STF. As leis redigidas por Mendes com a inspiração de Häberle prevêem a convocação de peritos e de comissões para ajudar a formar a opinião dos ministros do Supremo.

Os ministros também podem convocar juízes de outros tribunais para que estes digam como estão aplicando a lei em debate. Esses dois mecanismos, apesar de previstos em lei há quase dez anos (as leis foram aprovadas em 1999), ainda não foram utilizados pelo STF.

"Saibam que somos de alguma forma devedores de Häberle", enfatizou Gilmar Mendes em recente palestra na Câmara dos Deputados, quando citou a influência do pesquisador alemão nessas leis. Foi a partir da leitura de Häberle que Mendes declarou, durante o julgamento das pesquisas com células-tronco, que o STF é o "representante argumentativo" da sociedade e chamou o tribunal de "casa do povo".

Em conversa com o Valor, Mendes defendeu as duas concepções centrais de Häberle: de um Supremo aberto à sociedade e a visão de que a Constituição é dinâmica e deve ser interpretada no tempo.

Valor: De que forma Peter Häberle influenciou o Supremo Tribunal Federal?

Gilmar Mendes: O STF adquiriu um papel muito importante na reinterpretação de normas que tinham um conteúdo fixo. É o que aconteceu, por exemplo, na questão da fidelidade partidária e na Lei de Greve. Häberle diz que a Constituição é um projeto em contínuo desenvolvimento. E, portanto, cabe ao STF propor uma abertura que possibilite o oferecimento de alternativas para a interpretação constitucional.

Valor: Então, cabe ao STF se abrir aos diversos grupos de interesse da sociedade?

Mendes: Häberle foi buscar essa concepção na prática. Quando a sociedade delega a uma Corte o papel de dar a última palavra sobre o que é a Constituição, Häberle diz que os juízes não são as vozes da Constituição, mas porta-vozes de uma sociedade que interpreta a Constituição. Ele trouxe uma atitude metodológica de cuidado. Isso dá certa legitimação para a Corte. Por isso é que naquele voto sobre as pesquisas com células-tronco eu disse que a Corte de certa forma também representa o povo.

Valor: Quando o sr. conheceu essa teoria?

Mendes: Quando estudei na Alemanha, no fim dos anos 80. Chamou muito a minha atenção. Häberle ganhou muita influência, até de modo indireto. O STF é o local desse processo de interpretação da Constituição, mas, na medida em que escuta outras forças, assume outro papel. Häberle nos diz que não se pode interpretar questões ligadas à liberdade artística sem perguntar para o artista. Nesses casos, você tem de entender o artista. Da mesma forma, você tem de ouvir o religioso para compreender a liberdade religiosa.

Valor: O que é mais importante em sua teoria?

Mendes: Häberle afirma que todo cidadão é um intérprete ativo da Constituição. Esses elementos estão muito impregnados no Supremo, hoje, com o "amicus curiae", com as audiências públicas. A grande contribuição dele é para a entrada das pessoas no processo de interpretação. Isso obriga o intérprete [ministro do STF] a ter certa humildade.

Valor: Hoje, o STF é elogiado por se abrir à sociedade, mas a idéia de que o texto constitucional deve ser revisto no tempo ainda é bastante criticada. Por quê?

Mendes: Häberle diz que interpretação e mutação constitucional são a mesma coisa. Agora, o problema todo é que em sociedades como a alemã há um consenso básico sobre as questões fundamentais. A sociedade alemã não tem muitas distinções. Lá, é tudo muito estável. Não há grandes dissensos. Algumas das idéias dele são repelidas por teóricos na Alemanha. Acham que ele dissolve a Constituição. Na medida em que desvincula o intérprete do texto constitucional, o texto perderia essa vinculatividade.

Valor: E nos outros países ele tem destaque?

Mendes: Na América Latina ele ganhou muita importância. Suas idéias tiveram influência na Argentina, na Colômbia e no Peru, além do Brasil.

Valor: Ele também fala da importância cultural da Constituição.

Mendes: Sim. Häberle desenvolveu uma concepção "culturalística" da Constituição. Ele procura verificar como aspectos da cultura se introjetam na Constituição. As representatividades da sociedade que se encontram na cultura e nos símbolos nacionais.

O mentor do STF


Por Juliano Basile, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Considerado o "príncipe do constitucionalismo" na Europa, Peter Häberle adquiriu tremenda influência no Supremo Tribunal Federal (STF). Se na Europa ele defendeu a idéia de um Estado Constitucional cooperativo, no qual as decisões tomadas por cada Suprema Corte devem rumar para além da soberania dos Estados nacionais, no Brasil pelo menos dois movimentos distintos e complementares do STF têm inspiração em suas teses.

Primeiro, a abertura dos julgamentos do STF para que qualquer pessoa interessada no resultado possa se manifestar antes da decisão final. Häberle desenvolveu o conceito de "sociedade aberta", pelo qual o STF é visto como uma instância de participação das pessoas nas decisões. Segundo ele, como as decisões vão atingir diferentes grupos e pessoas, o STF deve se abrir para que todos possam se manifestar nos julgamentos. Esse conceito está transformando o STF atual. Antes, o tribunal era uma casa restrita a advogados e só falavam aqueles que tinham carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Hoje, cientistas, médicos, pessoas comuns estão levando os seus "memoriais" aos ministros e influenciando nas decisões finais do Supremo.

Foi seguindo essa linha de Häberle que o STF permitiu a igualdade de manifestações entre pessoas opostas - como quando o ex-ministro Francisco Rezek falou em defesa de donos de terras em Roraima e a índia Joênia Batista de Carvalho pela demarcação de áreas para sua tribo. Tradicionalmente relegados ao papel de espectadores, os cidadãos comuns passaram a dar explicações diretamente aos ministros. Resultado: o STF se popularizou.

O segundo movimento é a noção de que a Constituição é um texto mutável e, portanto, sua interpretação deve ser alterada para atender às demandas do momento. Para Häberle, os ministros do STF devem reconhecer a Constituição como um ponto de partida, não como um fim. A Constituição não é estática, pois faz parte da dinâmica da sociedade e sua interpretação deve ser feita no tempo. Esse conceito levou à nova definição de fidelidade partidária pela qual o STF reconheceu que os mandatos políticos são dos partidos e não daquele que se elegeu.

Se a abertura do STF é bastante elogiada, esse segundo movimento é alvo de críticas constantes de advogados, cientistas políticos e parlamentares que vêem no Supremo esforços de "ativismo judicial" e de supressão do espaço de legislar do Congresso.

De qualquer modo, Häberle é o pensador que mais influenciou o STF nos últimos anos. Nascido em Göppingen, em 1934, leciona em Bayreuth, ambas na Alemanha. Nos últimos anos, recebeu títulos de professor honoris causa em Atenas, Granada, Lima e Brasília, onde, depois de palestra na Câmara dos Deputados, conversou com o Valor.

Nos últimos meses, Häberle tem feito análises culturais de várias constituições. Ele está verificando como os símbolos nacionais figuram nelas. Concluiu que tanto a cultura erudita quanto a popular devem ser valorizadas. "Os Beatles foram inicialmente compreendidos como subcultura, mas analisei as partituras e compreendi que eles são tão importantes quanto Brahms." Leia trechos da entrevista.

Valor: O Supremo está utilizado mecanismos inovadores, como audiências públicas e a participação de pessoas e grupos de interesse durante os julgamentos (os "amici curiae" ou "amigos da Corte"). O Brasil caminha para uma "sociedade aberta", como o sr. diz, na interpretação da Constituição?

Peter Häberle: Para mim, a Suprema Corte brasileira está no melhor caminho de transformar-se num verdadeiro "tribunal cidadão". O STF serve à Constituição de 1988 de modo exemplar e se abre à sociedade.

Valor: Pessoas comuns são capazes de prover mais e melhores informações ao Supremo do que advogados renomados, integrantes do Congresso ou partidos políticos?

Häberle: A instituição dos "amici curiae" é um veículo efetivo para tornar a Constituição um processo público, no sentido de dar publicidade e liberdades públicas aos cidadãos. Graças à sua independência interna e externa e ao seu apartidarismo, os ministros podem informar-se especialmente bem, de modo transparente, em proximidade com o cidadão. Os parlamentares e os partidos mantêm suas competências.

Valor: O Congresso perde parte do seu poder quando o STF amplia a participação popular em seus julgamentos?

Häberle: O status dos parlamentares permanece incólume. Não deve haver nem no plano real nem no psicológico uma situação de confronto entre a Suprema Corte e o Congresso. Trata-se, pelo contrário, de uma cooperação com tarefas divididas a serviço do poder normativo da Constituição dentro dos limites funcionais-jurídicos do STF.

Valor: Há risco de o STF atuar como legislador num processo de "judicialização da política"?

Häberle: A pecha da "judicialização da política" e da "politização do direito" é antiga. É também repetidamente levantada contra a Corte Constitucional alemã. A jurisdição constitucional tornou-se universal, hoje, tendo-se transformado num elemento tão bem-sucedido quanto o "Estado Constitucional". Esse reforço cauteloso do poder jurídico-constitucional deve ser saudado.

Valor: Esse é um fenômeno que ocorre também na Alemanha?

Häberle: Na Alemanha, houve a decisão de que as Forças Armadas são uma força do Parlamento. A delimitação do poder do governo federal alemão em caso de seu emprego no exterior também se enquadra nesse conceito. É claro que, quando uma corte constitucional invade com ousadia exagerada a esfera político-partidária, pode pôr em risco a própria autoridade. Aqui é fundamental que haja sensibilidade do julgador: a Corte deve trabalhar no "consenso básico" de uma Constituição, mas também depende dele. A Corte Constitucional alemã está sempre criando novos direitos fundamentais.

Valor: Como se dá o desenvolvimento do "ativismo judicial"?

Häberle: Visto sob a ótica do direito comparado, há fases do "ativismo judicial". Após o "annus mirabilis" de 1989 ("ano milagroso", em que houve a queda do Muro de Berlim, a reunificação da Alemanha e o colapso da União Soviética), os tribunais constitucionais da Hungria e Polônia, por exemplo, se empenharam muito no sentido de pôr em marcha as novas constituições reformistas. Agora, podem retrair-se para deixar mais espaço para os parlamentos. Algo semelhante poderia aplicar-se, hoje, no Brasil, até sua Constituição ganhar plena realidade. O STF deve atuar como órgão constitucional de peso. Não esqueçamos que o STF com certeza está democraticamente legitimado. No geral: todos os cidadãos, todos os partidos e todos os órgãos constitucionais são, em conjunto, "guardiões da Constituição".

Valor: O sr. se sente de alguma forma responsável por esse movimento de abertura do STF? É bom saber que, por causa de suas idéias, uma índia subiu ao plenário do STF pela primeira vez para defender direitos de sua tribo?

Häberle: Seria um atrevimento afirmar qualquer coisa quanto às minhas idéias e suas eventuais conseqüências no Brasil, apesar de aqui terem sido publicados cinco livros meus. Mas devo dizer: já faz anos que venho rejeitando o conceito clássico da "soberania popular". No "Estado Constitucional" engajado cooperativamente no plano regional e internacional, o povo não é soberano. Dever-se-ia falar em "soberania da Constituição". Ou, então, riscar totalmente o conceito de soberania. As constituições mais recentes nem falam mais em "povo" como constituinte, mas em: "Nós, as cidadãs e os cidadãos de Brandenburgo, outorgamo-nos esta Constituição".

Valor: A Constituição de 1988 possui 250 artigos e 94 disposições transitórias. O sr. acha que uma Constituição extremamente detalhista leva o STF a ter um papel central na sociedade?

Häberle: A Constituição brasileira é, em diversas partes, exemplar no seu conteúdo [por exemplo, em assuntos de política urbana], enquanto em outras é barroca e detalhista. Constituições mais resumidas dão mais espaço aos intérpretes no curso do tempo. Além disso, seus artigos podem ser mais facilmente ensinados e aprendidos nas escolas. A Constituição alemã de 1949 com, infelizmente, mais de 50 emendas, é relativamente sucinta. Isso dá também mais espaço para a Corte Constitucional e para a ciência.

Valor: Os "amici curiae" contribuem para transformar a cultura do STF de acadêmica em popular? Como o sr. disse, os Beatles teriam papel mais importante do que Brahms nesse processo?

Häberle: Citei os Beatles em minha palestra como exemplo do conceito cultural pluralista e aberto. É a ascensão da cultura alternativa para a esfera da cultura elevada. Mas falando sério: não se deveria jogar artesanato e arte do saber jurídico contra o trabalho dos juízes constitucionais que tenham proximidade com o cidadão. Ambos são necessários.

Valor: O sr. disse também que quatro elementos caracterizam a identidade brasileira: língua, religião, futebol e música. Como relacioná-los com a Constituição?

Häberle: As constituições devem apoiar-se em elementos que mantêm unido um povo no que lhe é mais íntimo como comunidade de cidadãos. Numa compreensão científico-cultural da Constituição de 1988, os quatro elementos mencionados ganham visibilidade. No Brasil e em outras constituições latino-americanas que protegem a cultura sempre que se fala a respeito de idioma, esporte, música se descobre algo.

Valor: Como relacionar os símbolos nacionais, como hino e bandeira, com a Constituição? Por que o sr. afirmou que a bandeira brasileira não tem uma relação com a Constituição?

Häberle: Em meu livro "Bandeiras Nacionais como Elementos Democráticos de Identificação do Cidadão", faço elogios à sua bandeira tanto do ponto de vista estético quanto do geométrico e, também, em relação às suas cores. O lema "Ordem e Progresso" pode estar subjacente em algumas normas constitucionais, mas, infelizmente, o rico material cultural de sua bandeira não foi expressamente recepcionado em nenhum artigo da Constituição.

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