- Correio Braziliense
“A narrativa do golpe adotada pelo PT funcionou para coesionar a legenda e atrair a esquerda tradicional, além de desgastar o governo Temer e seus aliados, mas não contra Bolsonaro”
Cabezas cortadas, um clássico do cinema novo, é uma produção hispânico-brasileira de 1970, dirigida por Glauber Rocha, cujo título faz alusão a uma estátua grega. Filmado na Espanha, foi lançado em Barcelona, quando o diretor ainda estava exilado na Europa. No filme, a ditadura de Franco e o regime militar brasileiro são tratados de forma alegórica. No rastro do sucesso de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e O Leão de Sete Cabeças, Glauber fez um filme sobre um déspota em delírio, que morava sozinho num castelo e acreditava falar ao telefone com pessoas importantes para seu governo ou vida pessoal. No imaginário, resolve problemas civis, dá ordens, conversa sobre questões particulares.
Cenas de opressão aos índios, aos trabalhadores, aos negros e aos estudantes retratam o que teria sido a volta ao poder de Diaz II, em Eldorado. O país imaginário representa, no filme, o que seria a continuação da história contada em Terra em Transe, cujo contexto é a crise do governo Jango e golpe militar de 1964. A colonização, a escravidão e outros elementos recorrentes nos países da América Latina são trazidos de volta, como se a história estivesse voltando para trás. Ao contrário de Terra em Transe, porém, a história não tem uma sequência cronológica, é uma viagem fragmentada e incoerente ao passado, que somente ganha sentido na interpretação de cada expectador.
A estrela do filme é o espanhol Francisco Raba, que interpreta o déspota louco Diaz II, e se torna o grande destaque do filme. Todas as suas aparições na tela, da cena inicial, no castelo, aos longos momentos de delírio, são antológicas, do ponto de vista da interpretação e da direção, mas o filme acaba se descolando da realidade, mesmo se comparado às duas ditaduras da época. É uma obra de ficção. A analogia com o momento atual faz todo o sentido. Jair Bolsonaro (PSL) está sendo tratado pelos adversários como se fosse um ser delirante.
Haddad passou todo o primeiro turno ignorando Bolsonaro, seu inimigo principal era o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Além disso, fez tudo o que podia para confundir sua imagem com a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba. Acabou abduzido pelo carismático líder petista, herdando toda a sua rejeição e a do PT. Quem erra na escolha do adversário, geralmente, perde a eleição. Agora, corre atrás do prejuízo, para descontruir a imagem de mocinho adquirida por Bolsonaro ao longo da campanha, principalmente depois que levou a facada em Juiz de Fora. Dispensável falar que Haddad, depois de tantas visitas a Lula, se esforça para reposicionar a sua antiga imagem de “bom moço”.