domingo, 5 de novembro de 2017

Fernando Henrique Cardoso*: Hora de decidir

- O Estado de S.Paulo

Terá o PSDB cara renovada em 2018? Não precisa tingir os cabelos, mas a alma deve ser nova

Depois da segunda negação pela Câmara dos Deputados de abertura de inquérito para investigar o presidente da República, é de presumir que esse capítulo esteja encerrado. Independentemente do juízo sobre o acerto da decisão da Câmara, a opinião pública cansou-se do tema. As pesquisas parecem apontar nessa direção e indicam certo ceticismo quanto aos resultados da Lava Jato e de outras operações de investigação, que não obstante continuam a contar com o apoio da sociedade.

O clima é de descrença e desânimo. Sendo assim, olhemos para o cotidiano e suas agruras. O governo se esforça para demonstrar que a economia está melhorando. Os dados confirmam a tendência, a mídia repercute e o povo, como disse Aristides Lobo quando da proclamação da República, “assiste bestificado” ao que acontece. Não nos iludamos, porém. Nas sociedades atuais, com a mídia social em constante evolução, um fio desencapado pode reavivar velhos rancores e esperanças. Só que isso é imprevisível.

Melhor, portanto, nos concentrarmos no que é provável que aconteça: as vistas políticas se voltarão para as eleições de 2018. Até lá, por mais alguns meses pelo menos, a pauta das reformas, por desnaturadas que sejam, continuará a ser importante, ocupará os partidos, a mídia e a opinião interessada. Assim como a carruagem da economia continuará a andar e embalará as discussões dos que dela entendem ou pensam entender. O povo, olhando de soslaio, verificará se a melhora proclamada bate em seu bolso e em suas expectativas.

Luiz Werneck Vianna*: A política, os feitiços e os feiticeiros

- O Estado de S.Paulo

Ainda há tempo para uma ação nacional que interrompa essa corrida às cegas rumo ao abismo

Qual o significado da campanha sem quartel para a derrubada do governo Temer vinda de círculos da direita em convergência com setores que reivindicam uma identidade à esquerda do espectro político? Certamente deve haver um. Mas qual? A esta altura parece claro que a via parlamentar não é propícia a esses propósitos, dado que o governo dispõe de folgada maioria nas duas Casas congressuais.

De outra parte, as ruas têm feito ouvidos moucos, ao menos até então, às incitações a manifestações de protesto contra o governo que lhes vêm dos meios de comunicação, em particular de sua rede mais poderosa e de ação mais capilar sobre a opinião pública, mantendo-se silenciosas. A intervenção militar, uma possibilidade teórica no quadro caótico que aí está, a quem serviria? Além de serem poucos os que a preconizam e de os militares não a desejarem, a experiência de 1964 deixou patente que as elites políticas que atuaram em favor de uma intervenção desse tipo foram logo decapitadas ou cooptadas pelo regime militar. Tais lições amargas não terão sido esquecidas, mesmo pelos que ora flertam com ela.

Então, o que é isso que temos pela frente? Dado que não é de todo plausível a hipótese de que a sociedade tenha ensandecido, como se faz demonstrar na vida cotidiana dos brasileiros que tocam sua vida no trabalho e nos estudos, em sua imensa maioria à margem de uma cena política que avaliam estar fora do seu raio de influência, o charivari nacional que nos atordoa tem sua fonte original na própria política e em suas instituições e atende pelo nome de sucessão presidencial.

Fernando Gabeira: No coração das trevas

- O Globo

O Uma querida amiga disse que leu um artigo meu três vezes para entender bem. Prometi que na próxima, reescreverei três vezes. Italo Calvino disse que o texto do século XXI teria de ser leve. Mas como são pesados os temas do Brasil de hoje. ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que os comandantes da PM estão ligados ao crime e que o governo não controla sua polícia. Não ficou aí, nessa sinistra generalização. Disse que a esperança de mudar só viria mesmo após as eleições de 2018. Estamos em novembro de 2017. Quantos tiroteios, quantas balas perdidas, quantas mortes nos esperam até lá? Se o quadro é esse mesmo que o ministro pintou, o governo federal deveria fazer algo para transformá-lo.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou há algum tempo que havia relação entre políticos e o crime organizado. Eles precisam de voto, o crime organizado controla mais de 800 pontos apenas no Rio. Quem vai à Baixada, viaja a cidades como Campos e Macaé ou cruza a Baía de Guanabara, vai até Niterói, constata que o número de territórios ocupados é muito maior.

Jungmann propôs uma força-tarefa para desvendar os vínculos entre crime e política no Rio. Raquel Dodge concordou. Até aí, tudo bem.

Uma revelação bombástica antes mesmo da força-tarefa começar o seu trabalho é inadequada. Acaba complicando a vida das pessoas já amedrontadas no seu cotidiano. O ministro Jardim nem mata a cobra nem mostra o pau. É como se dissesse: “Xi, a segurança está na mão de bandidos mas isso pode mudar depois de 2018.”

Merval Pereira: Defesa da democracia

- O Globo

Dois anos e quatro meses depois de ter tomado a já famosa decisão a favor da liberdade de expressão, liberando as biografias não autorizadas com a frase de uma brincadeira infantil — “Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição” — para garantir um dos mais importantes direitos humanos, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, outra vez assumiu posição de vanguarda democrática.

O ponto central era o mesmo, a possibilidade, negada pela ministra, de uma censura prévia, desta vez no caso das redações do Enem, cujo edital repetia uma determinação que há anos vigora, a partir de governos petistas, que afinal foi derrubada na Justiça. Anular, dando nota zero a redações cuja abordagem pelo candidato fosse considerada atentatória aos direitos humanos.

Diversos movimentos consideram que, por ser uma decisão subjetiva, essa determinação constrangia os candidatos, impedindo-os de defender pontos de vista que pudessem ser criticados pela banca examinadora. Assim como impedindo o “cala boca” governamental, a ministra decidiu que biografias não podem ser previamente censuradas por qualquer cidadão ou autoridade, pois exigir prévia autorização seria o mesmo que impor censura, também agora a ameaça de impugnação anterior à realização da prova deixou de existir.

Míriam Leitão: Retomada e eleição

- O Globo

O sistema financeiro teve que absorver R$ 200 bilhões de perdas das empresas com a recessão e a Lava-Jato. O crédito às famílias já voltou. No ano que vem, o país passará por momentos de muita volatilidade cambial, mas o BC reduziu de US$ 115 bilhões para US$ 24 bi sua posição nos swaps cambiais e tem enorme volume de reservas. Assim a economia se prepara para a eleição mais difícil desde a redemocratização.

A recuperação da economia será lenta pela natureza da crise. Foi uma recessão de alavancagem, como dizem os economistas. Houve um aumento grande do endividamento das famílias na época do boom, pelos estímulos dados pelo governo. Para quitar as dívidas, o consumo despencou. Neste caso, o padrão é a volta lenta ao nível de atividade. As famílias brasileiras tiveram que fazer o ajuste em situação difícil: a renda caiu, e mesmo assim as dívidas foram reduzidas. Após a desalavancagem, elas voltaram lentamente a aumentar o consumo e a tomar crédito. Há cinco meses cresce o crédito para as famílias. Em relação às companhias, voltará mais devagar, mas pode se normalizar nos próximos dois meses.

Hélio Schwartsman: O infiel e o professor

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- Folha de S. Paulo

David Hume é um de meus filósofos preferidos. Ele resgatou o ceticismo dos antigos, isolou a parte saudável da dúvida sistemática e a aplicou a tudo, da teoria do conhecimento à religião passando pela psicologia. O resultado é uma filosofia pujante, que pautou boa parte dos pensadores subsequentes, notadamente Kant, e que permanece surpreendentemente moderna. Além disso, ele escrevia bem, indo sempre direto ao ponto.

Adam Smith é considerado o pai do capitalismo. Não conheço economia o suficiente para julgar se o título é merecido, mas não há dúvida de que "A Riqueza das Nações" é um livro fundamental, que, pouco tempo depois da publicação, já estava orientando a ação de governantes.

Vinicius Torres Freire: Lula vai e racha

- Folha de S. Paulo

O que Lula quer? O ex-presidente reafirma sua candidatura e promete revogar as reformas de Michel Temer.

Caso eleito com base em bravatas de esquerda, presidirá um país de economia ainda mais arruinada, destruirá o resto de sua imagem e os cacos que sobram do PT.

Não importa o gosto político do freguês, qualquer pessoa de alguma inteligência deve intuir o problema. Lula é bastante inteligente, foi um pragmático a vida inteira e tem longa experiência de poder.

Logo, em tese, a candidatura Lula 2018, posta nesses termos "vai e racha", não faria sentido.

No entanto, gente relevante no PT diz agora que é disso que se trata. Que Lula será candidato, não importa a Justiça, o risco elevado de cadeia por retaliação política, o que seja.

Luiz Carlos Azedo: O fogo amigo

- Correio Braziliense

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, pode pôr as barbas de molho porque o fogo amigo só aumenta. De um dia para o outro, o eixo do problema da segurança pública no Rio de Janeiro, onde a pirotecnia não está dando conta do recado, deixou de ser a infiltração do crime organizado no sistema de segurança e no mundo político para ser a inabilidade do ministro, que disse o que todos os cariocas sabem, embora nem todos gostem de ouvir. O pior ainda está por vir: avançam as articulações do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, pelo delegado Fernando Segóvia, ligado ao ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.

Não é de agora que as articulações para substituir o diretor da Polícia Federal estão sendo feitas. O litígio entre o ministro da Justiça e os caciques do PMDB fluminense, principalmente o governador Luiz Fernando Pezão, e o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, é grande oportunidade a ser aproveitada. A autonomia da Polícia Federal sob comando de Daiello é uma ameaça para o Palácio do Planalto por causa da Operação Lava-Jato. A rejeição da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot não resolveu o problema; apenas blindou constitucionalmente o presidente da República, assim como aos demais envolvidos, entre os quais Padilha, até dezembro de 2018. Quando o mandato de Temer acabar, a denúncia seguirá seu curso inexorável.

Vera Magalhães: Vai ter governo?

- O Estado de S.Paulo

Temer precisa cobrar que, para além da equipe econômica, exista vida inteligente na Esplanada

Nem bem se livrou da ameaça da segunda denúncia apresentada contra ele pelo Ministério Público Federal, Michel Temer teve de sair de cena, abatido por problemas de saúde. O “dia 1” do pós-Janot, portanto, foi adiado uma vez mais. Diante do estado das coisas, resta saber se haverá um governo digno desse nome.

Desde maio, Temer foi um presidente dedicado única e exclusivamente à missão de se segurar na cadeira. Em questões cruciais como a nova meta fiscal foi um coadjuvante, delegando à equipe econômica a negociação dos números. Mesmo nas poucas iniciativas propositivas, como o anúncio do último pacote de concessões, o peemedebista parecia deslocado, não teve papel central.

O resultado de meses de um presidente voltado a uma pauta só é a completa bagunça de um Ministério que, desde o início, já era fraco, marcado por indicações mais políticas do que técnicas, e que sempre teve na grave restrição fiscal um obstáculo para qualquer realização mais ousada.

Portarias que são revogadas em seguida, por desastradas; declarações que caem como bigornas; pedidos indecentes; e denúncias de irregularidades são os aspectos visíveis e deploráveis de um primeiro escalão que, com poucas exceções, não estaria qualificado para compor nem o terceiro. Que é fruto da draga política, ética e econômica em que o Brasil foi jogado pelo “dilmo-temerismo”, essa chaga legada pelo lulismo.

Eliane Cantanhêde: Salve-se quem puder!

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- O Estado de S.Paulo

Com ministros num tiroteio, Temer se refugia no Jaburu e Meirelles se lança para 2018

Convalescendo de uma cirurgia e de duas denúncias da PGR, o presidente Michel Temer estava até ontem cego, surdo e principalmente mudo, enquanto seu Ministério parece mais fora de controle do que a PM do Rio de Janeiro. Afora os ex-ministros que foram presos e os atuais, que estão na mira da Lava Jato, há os que falam demais, os que pedem demais, os que sonham demais. E cada um diz e faz o que quer.

Torquato Jardim não deve à Justiça, a nenhum partido, não tem papas na língua e, cá entre nós, não revela nenhuma novidade quando diz que o governador Pezão não tem controle sobre a PM do Rio, que a PM tem relações para lá de perigosas com o crime organizado e que, se há luz no fim do túnel, é com um novo presidente e um novo governador.

Nada que ninguém já não soubesse, mas atraiu a fúria de todas as forças políticas do Rio contra o ministro da Justiça: o governador, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), o presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB), toda a área de segurança, esquerda, centro e direita. Só faltaram Sérgio Cabral e Fernandinho Beira-Mar. Cabral, deprimido pela perda de uma cinemateca tão bacana. Beira-Mar, ocupado com o controle do Comando Vermelho a partir das penitenciárias.

Samuel Pessôa: A depressão terminou

- Folha de S. Paulo

O Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) acaba de divulgar relatório estabelecendo que o quarto trimestre de 2016 foi o último da recessão que começou no segundo trimestre de 2014.

Foram 11 trimestres de crise, com recuo de PIB de 8,6% entre pico e vale.

Houve, desde o início do século 20, cinco episódios de forte queda do PIB per capita: 1) o fim da Pax Britânica, com o início da Primeira Guerra, em 1914; 2) a Grande Depressão, em 1929; 3) a crise da dívida externa, em 1981; 4) a crise da hiperinflação brasileira, em 1990; e 5) o atual episódio, em 2014.

Para cada episódio, selecionei três estatísticas: a máxima queda percentual de PIB per capita, respectivamente 7,6, 7,9, 12,4, 7,7 e 9,4; a queda percentual de termos de troca, 46, 27, 33, 0 e 8; e anos que levou (no caso do atual episódio, levará) para ultrapassar o pico prévio, 3, 5, 6, 6 e 8.

Vê-se que o atual episódio é o segundo em perda de PIB per capita e o primeiro em extensão. Se a economia crescer 0,8% em 2017 e 2,5% em 2018, cenário do Ibre, e 3% nos dois anos seguintes, levará oito anos para que a renda per capita ultrapasse o pico prévio.

Gustavo Krause: Obrigado pelo atraso

- Blog do Noblat

Não é uma apologia à impontualidade, mas instigante título de um grande livro de Thomas Friedman (autor de "O mundo é plano"). Obra fascinante em que o autor busca compreender e fazer com que os leitores compreendam a transição atual que é uma profunda inflexão histórica marcada por três grandes vetores de aceleração: a globalização, a tecnologia e a mudança climática.

Neste sentido, o autor se socorre de Marie Curie (primeira mulher a ganhar o prémio Nobel e única vencedora em dois campos distintos: química e física) que ensina: “Nada na vida deve ser temido, se formos capazes de compreendê-lo. Agora é o momento de compreendermos mais, para que venhamos a temer menos”. Muito apropriado para o nosso tempo em que o ritmo da mudança e da aceleração coincidem no crescimento exponencial das transformações e dificultam as adaptações, especialmente, para quem não está atento ao fenômeno.

Vivemos a “Era da Aceleração”. Sem botão para a pausa, como as máquinas, caminhamos, de disrupção em disrupções, de ruptura em rupturas, velozes, furiosos, ansiosos, angustiados, patologicamente, na direção do pânico.

Clóvis Rossi: Muito voto, pouca democracia

Na América Latina, Brasil inclusive, 2/3 irão às urnas em 12 meses, em cenário de desconfiança com o sistema

Nos 12 meses a partir de novembro, haverá uma chuva de eleições na América Latina: cerca de dois de cada três eleitores serão convocados às urnas.

Eleições presidenciais ocorrerão em todos os principais países da região, com exceção da Argentina : Chile, já em novembro, Colômbia, México, Brasil e Venezuela (se a ditadura não modificar a data como tem feito regularmente). O Paraguai também trocará de presidente.

Não deixa de ser uma demonstração da vitalidade da democracia no subcontinente. Afinal, não faz tanto tempo assim (anos 70 e 80 do século passado), o mapa regional estava manchado por um punhado de ditaduras. O Brasil, por exemplo, ficou sem voto para presidente de 1960 a 1989.

Pena que essa aparente vitalidade esteja sendo assombrada por uma desconfiança, talvez inédita, no funcionamento da democracia.

É bom deixar claro que não há descrença majoritária na democracia como modelo; o que há é insatisfação com a maneira como o modelo está funcionando.

As redes sociais são uma ameaça à democracia?

- The Economist / O Estado de S. Paulo

Facebook, Google e Twitter deveriam ter sido a salvação da política, mas o tiro saiu pela culatra

Os riscos que a democracia liberal corre atualmente não poderiam ser maiores

Em 1962, o cientista político britânico Bernard Crick publicou Em Defesa da Política. Ele argumenta que a arte do toma lá dá cá político, longe de ser algo deplorável, possibilita que indivíduos que acreditam em coisas muito diversas convivam em sociedades harmônicas e vibrantes. Na democracia liberal, ninguém tem exatamente o que quer, mas, de modo geral, todos são livres para viver a vida que escolhem para si. Por outro lado, na falta de uma dose mínima de informação, civilidade e consenso, as sociedades acabam resolvendo suas diferenças na base da coerção.

Se tivesse comparecido a uma das sessões das comissões do Senado americano na semana que passou, Crick (que morreu em 2008) teria ficado horrorizado com as mentiras e a polarização política. Há não muito tempo, as redes sociais ofereciam a promessa de uma política mais esclarecida: a facilidade de comunicação e a circulação de informações corretas ajudariam as pessoas de boa índole a acabar com a corrup- ção, a intolerância e as mentiras. Na última quarta-feira, porém, um executivo do Facebook admitiu que antes e depois da eleição presidencial americana do ano passado, entre janeiro de 2015 e agosto deste ano, 146 milhões de usuários podem ter visto conteúdos mentirosos e enganadores, veiculados na plataforma por agentes do Kremlin. O YouTube, do Google, identificou 1.108 vídeos ligados aos russos, e o Twitter, 36.746 contas. Longe de contribuir para o esclarecimento do público, as redes sociais estão espalhando veneno.

A interferência da Rússia é só o começo. Da África do Sul à Espanha, o jogo político está cada vez mais agressivo e sujo. Em parte, isso se deve ao fato de que, ao propagar mentiras e indignação, minar o discernimento dos eleitores e acentuar a polarização política, as redes sociais corroem as bases sobre as quais se dá o toma lá dá cá político que, na opinião de Crick, promove a liberdade.

Cacá Diegues: O rei do trombone

- O Globo

A triunfal volta das patrulhas ideológicas sobrevoa a produção cultural exatamente quando mais precisamos de liberdade para pensar coisas nem sempre consagradas

A felicidade é um assunto que está meio fora de moda na cultura brasileira de hoje. Certamente, por causa dos dias difíceis que estamos vivendo, mas também por causa da relação de nossos artistas com o que pretendem da vida e do mundo em suas obras. Nem sempre foi assim. E olha que, em certo sentido, a barra no passado já esteve bem mais pesada para todos nós.

O Brasil parece incapaz de encontrar um rumo certo para um futuro melhor. Ao longo de nossa história, vivemos momentos de muita esperança e até euforia, aos quais se seguiram sempre grandes fracassos e crises de melancolia. É como se, com o fim de nossos sonhos, o Brasil não merecesse existir.

Foi assim no entusiasmo do nacionalismo desenvolvimentista pós-Vargas, que terminou com o golpe militar de 1964; com a redemocratização a partir de 1985, que culminou com hiperinflação e moratória internacional; com o otimismo das eras FH e Lula, que se encerraram com o desastre político, econômico e social que vivemos hoje. A cada momento que parecemos encontrar uma saída para o país, a força de eternos defeitos nos empurra para a inevitável miséria de nossa existência.

O teste da nova CLT – Editorial: Folha de S. Paulo

Em meio a grandes expectativas no setor produtivo e no meio sindical, entra em vigor no próximo sábado (11) a maior reforma já promovida na Consolidação das Leis do Trabalho, que data dos anos 1940.

De um projeto enxuto elaborado pelo Executivo, o texto agigantou-se por iniciativa do Congresso –foram alterados, retirados ou incluídos cerca de cem artigos na CLT, que dispõe de mais de 900. A despeito de sua complexidade, o texto tramitou de modo espantosamente acelerado.

Diante de mudança de tal envergadura em regras arraigadas no país, é natural que haja incertezas e temores acerca de seus efeitos nas relações entre patrões e empregados. Aperfeiçoamentos decerto serão necessários, conforme os impactos se façam sentir.

Universo paralelo – Editorial: O Estado de S. Paulo

Já era esperada a reação dos sindicatos de servidores públicos federais à medida provisória editada pelo governo que adia o reajuste salarial do funcionalismo de 2018 para 2019 e eleva a contribuição previdenciária da categoria, de 11% para 14%, para quem ganha acima de R$ 5 mil. O anúncio de que haverá greves e protestos, além de ações judiciais contra a medida, condiz com o comportamento de quem não pretende abrir mão de nenhum de seus privilégios em relação aos trabalhadores do setor privado, nem mesmo diante da evidente asfixia do Orçamento federal.

Vivendo em uma espécie de universo paralelo, muitos servidores públicos parecem não entender que os recursos que bancam o funcionamento da máquina estatal não brotam da terra, por geração espontânea, e sim resultam de impostos e contribuições pagos pelos brasileiros, que, em contrapartida, são maltratados pela burocracia e pela precariedade do serviço que ajudam a financiar.

Como se o dinheiro destinado ao funcionalismo fosse farto ou mesmo infinito, avolumam-se reivindicações das mais variadas espécies, em geral divorciadas da realidade. Há exemplos que ultrapassam a barreira do patético, como o da ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que recentemente pleiteou o direito de receber acima do teto salarial do funcionalismo público, de R$ 33,7 mil, pois sua situação atual, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Desembargadora aposentada, que aufere todo santo mês R$ 30.471,10, Luislinda Valois quer receber também o salário integral de ministra, de R$ 33,7 mil, e não os R$ 3,3 mil que ganha em razão do teto salarial.

Nova rodada de ataques à Lava-Jato no Congresso – Editorial: O Globo

Há alívio de tensões políticas, com a derrubada da segunda denúncia contra Temer, mas a distensão não chega ao combate à corrupção

Derrotada pela base do governo a segunda denúncia contra o presidente da República — esta incluindo os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco —, quem apostou numa certa distensão do ambiente político acertou. Até pelo elevado estresse da crise e a ausência de perspectiva de uma terceira acusação da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer. Deu cansaço.

Mas erra quem espera que a tensão baixe no front dos ataques do Congresso e de parte da classe política contra a Lava-Jato e seus agentes públicos — procuradores, policiais federais e juízes. Deve ser o contrário.

Novo contrato pode tirar da informalidade 17,5 milhões

O contrato de trabalho intermitente, criado pela reforma trabalhista, que entra em vigor dia 11, pode tirar 17,5 milhões da informalidade. Estudo da FGV mostra que esse é o total de trabalhadores informais com jornada inferior a 40 horas semanais.

Opção à jornada reduzida

Contrato intermitente, regulamentado na reforma, pode beneficiar 17,5 milhões de informais

Daiane Costa / O Globo

A criação do contrato intermitente, que permitirá, a partir do próximo dia 11, que empresas contratem um funcionário para trabalhar esporadicamente e o paguem apenas pelo período em que prestou o serviço, pode levar à formalização quase 18 milhões de trabalhadores. Hoje, mais de 23 milhões de pessoas trabalham menos de 40 horas por semana, a maioria — 17,5 milhões — na informalidade, como autônomos ou empregados sem carteira assinada. Para o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) Bruno Ottoni, esse grupo deve ser um dos mais beneficiados pela reforma trabalhista, já que, com a criação do contrato intermitente, os empregadores terão mais segurança para formalizá-los.

Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não regulamenta esse tipo de relação trabalhista. O contrato com o menor número de horas reconhecido pela CLT é o parcial, que prevê no máximo 25 horas semanais de trabalho — com a reforma, este contrato poderá ser de até 30 horas —, e que se diferencia do intermitente por exigir que a jornada seja definida no momento da contratação.

— Os números mostram que o mercado de jornada reduzida existe e é grande. Mas, hoje, as empresas ficam receosas em formalizar porque não existe um contrato para isso. Então, há um risco associado que pode implicar em gastos com indenizações trabalhistas no futuro — argumenta Ottoni, complementando que a maioria dos informais com jornada reduzida são mulheres, que muitas vezes têm necessidade de trabalhar nesse esquema por conta do acúmulo com as tarefas do lar.

OPORTUNIDADE PARA JOVENS
O economista vê ainda a possibilidade de ampliação da oportunidade de oferta de emprego para os jovens, que historicamente carregam a maior taxa de desemprego entre as faixas etárias devido à falta de experiência:

— Pode ser uma forma de eles irem acumulando experiência até serem alçados a um contrato mais longo — comenta.

Estados podem deixar 1,5 mi de servidores sem 13º salário

Rio ainda não pagou parte do benefício do ano passado; RS, RN, MG e PI também enfrentam dificuldades
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Luciana Dyniewicz / Vinicius Neder Daniela Amorim / O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO / RIO - Cerca de 1,5 milhão de servidores correm o risco de não receber o décimo terceiro salário nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. No Piauí, que pagou a primeira parcela, há dúvidas se o restante do benefício será concedido até o fim do ano. Com folha de R$ 1,7 bilhão, o Estado do Rio ainda não concedeu o décimo terceiro do ano passado para metade dos 470 mil funcionários estaduais e aguarda empréstimo de R$ 2,9 bilhões, parte do pacote de resgate financeiro fechado com o governo federal, para pagar os trabalhadores. O atraso já virou rotina no Rio Grande do Sul, que tem folha de R$ 1,4 bilhão: este será o terceiro ano consecutivo em que os funcionários não receberão no prazo e não há definição de quando o pagamento será feito. Em Minas e no Rio Grande do Norte, os governos vêm pagando servidores de forma escalonada.

Cerca de 1,5 milhão de servidores estaduais correm o risco de não receber o 13.º salário até o fim do ano. Em situação fiscal delicada, os Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Minas Gerais já enfrentam dificuldades mensalmente para levantar recursos para arcar com a folha de pagamento e seus funcionários devem penar para receber o salário extra. No Piauí, os servidores públicos já receberam 50% do 13.º, mas o governo ainda não sabe como fazer para pagar a segunda parcela.

No Rio Grande do Sul, será o terceiro ano consecutivo em que os funcionários não receberão no prazo. O 13.º de 2015 foi pago aos trabalhadores apenas em junho do ano seguinte, com correção de 13,67% – o valor médio cobrado por empréstimos bancários tomados pelos servidores à época. O salário extra do ano passado foi parcelado em dez vezes e, agora, não há definição em relação ao de 2017. “Não temos nenhuma previsão (de quando o pagamento será feito)”, disse o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes.

Pulverizada, centro-direita abre espaço para os extremos

Proliferação de centristas para 2018 pode favorecer Lula ou Bolsonaro

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A pulverização de nomes na centro-direita para a eleição de 2018 preocupa agentes políticos e econômicos.

O cenário nebuloso acabou criando uma espécie de "centro expandido", com Geraldo Alckmin (PSDB), João Doria (PSDB), Henrique Meirelles (PSD) e figuras alternativas como Luciano Huck se acotovelando nas especulações.

Além deles, nomes de baixa densidade partidária devem engrossar o pelotão, como Alvaro Dias (PV) e João Amoêdo (Partido Novo).

Mais à esquerda, há Marina Silva (Rede), que enfrenta ceticismo dos apoiadores, mas pode capturar algum naco do eleitorado mais centrista.

"Isso é agora. Haverá uma decantação do processo", avalia o sociólogo Antonio Lavareda, um dos mais experientes analistas políticos do Brasil, tendo aconselhado mais de 90 campanhas.

O cenário atual decorre de dois fatores. Primeiro, a cristalização nas pesquisas dos extremos do eleitorado nas figuras de Lula (PT, à esquerda) e Jair Bolsonaro (PSC, à direita).

Segundo, até pela viabilidade dúbia desses dois nomes, perspectiva de poder sem que haja um nome francamente favorito.

"É imperativo para a centro-direita uma coordenação prévia", diz Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

Foi isso o que propôs Doria, ao defender uma frente de partidos de centro. Outra parte da equação do tucano é manter-se no jogo após um mês de más notícias que desidrataram sua postulação.

No raciocínio exposto por Doria em evento com empresários no Rio na terça (31), é preciso uma união das siglas ao centro contra a força dos extremos Lula e Bolsonaro.

Esse é o arco que hoje sustenta Michel Temer, significativamente com o PMDB no papel de apoiador sem nome viável, além da variável da impopularidade recorde do presidente. DEM, PPS, PP, PTB e outros compõem o quadro.

Marqueteiro relata caixa dois de Cabral, Paes e Pezão

Delação de Renato Pereira, fechada com PGR, aguarda homologação

Responsável por campanhas de peemedebistas vencedoras de 2008 a 2014 afirma que recebia dinheiro vivo em malas e sacolas de emissários do partido e representantes de empreiteiras

Em acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República, o marqueteiro Renato Pereira narra o caminho do dinheiro para o caixa dois das campanhas de Sérgio Cabral, em 2010, e Pezão, em 2014, ao governo do estado; e de Eduardo Paes, em 2012, e Pedro Paulo, em 2016, à prefeitura do Rio. A delação está em fase de homologação no gabinete do ministro do STF Ricardo Lewandowski. Segundo Pereira, empresas fornecedoras dos governos e emissários do PMDB entregavam dinheiro vivo a ele e a seus sócios.

Os caminhos dos esquemas de Cabral, Paes, Pezão e Pedro Paulo

Thiago Herdy / O Globo

Os citados negam as acusações e criticam o vazamento da delação. Em acordo de colaboração premiada fechado com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o marqueteiro Renato Pereira afirma que o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, o exprefeito Eduardo Paes, o ex-candidato a prefeito e deputado federal Pedro Paulo (PMDB-RJ) e o ex-governador Sérgio Cabral participaram diretamente da negociação de pagamentos em dinheiro e fora da contabilidade oficial de suas respectivas campanhas políticas feitas entre 2010 e 2016. Os detalhes do caixa 2 constam da colaboração que está em fase de homologação no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.

Em seu relato, Pereira descreve a mesma rotina com os candidatos do PMDB para os quais trabalhou na última década: ele ou seus sócios recebiam malas ou sacolas de dinheiro pessoalmente, entregues por emissários dos políticos do partido ou repassados por representantes de empresas fornecedoras dos governos estadual e municipal, entre eles as construtoras Andrade Gutierrez e Odebrecht, além de empresas de transporte de Jacob Barata.

Coluna do Estadão / O Estado de S. Paulo

Tasso aceita disputar presidência do PSDB

O grupo de oposição ao governo Temer no PSDB lança oficialmente nesta semana o senador Tasso Jereissati à presidência do partido. O movimento tem por objetivo tornar irreversível a candidatura de Tasso, que concordou em disputar a vaga, que ocupa interinamente devido à licença do senador Aécio Neves do cargo. O grupo dos cabeças-pretas tem consciência de que a disputa com a ala governista será voto a voto. Tasso deve concorrer com o governador de Goiás, Marconi Perillo. Quem levar comandará o PSDB no ano eleitoral de 2018.

» Fora, Perillo. O grupo pró-Tasso vai tentar convencer Marconi Perillo a desistir da candidatura com o argumento de que ele já conta com 24 dos 46 votos da bancada do partido na Câmara dos Deputados.

» Sai você. O time de Perillo fará o mesmo movimento, mas com a justificativa de que Tasso tem de concorrer ao governo do Ceará para garantir palanque à candidatura de Geraldo Alckmin ao Planalto. Se Tasso perder e Alckmin ganhar, ele viraria ministro.

Painel / Folha de S. Paulo

Para o PT, mesmo condenado pelo TRF, Lula disputará ao menos o primeiro turno de 2018

Até o osso O PT está convencido de que, mesmo condenado em segunda instância, o ex-presidente Lula disputará ao menos a metade do primeiro turno da eleição de 2018. O partido vai empunhar tese segundo a qual nem um veredito desfavorável seria impeditivo para o registro da candidatura. Se o Ministério Público quiser tirá-lo do páreo, dizem aliados, terá que fazer uma caçada pública. O foco do petista é permanecer na dianteira das pesquisas para dramatizar ainda mais o movimento.

DNA O caminho do enfrentamento político a uma decisão judicial ganhou força e se tornou unânime após parecer do professor Luiz Fernando Casagrande Pereira, entregue ao partido em outubro. O estudo foi publicado na coluna Mônica Bergamo, da Folha.

Fiquem comigo O grande problema do PT será convencer os aliados a encarar a empreitada de alto risco. Dirigentes da sigla já têm um discurso pronto: em qualquer circunstância, Lula será um cabo eleitoral de peso, não só para quem herdar sua vaga na chapa, mas também para candidatos a deputado.

Movediço Os gestos do PC do B são prova da dificuldade que os petistas enfrentarão para, nesse enredo, manter legendas na órbita de Lula. O partido fecha neste domingo (5) discussão sobre o lançamento de candidatura própria ao Planalto.

João Cabral de Melo Neto: O mar e o canavial

O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.

O que o canavial sim aprende do mar;
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.

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– João Cabral de Melo Neto, in “Melhores Poemas de João Cabral de Melo Neto”. [Seleção Antônio Carlos Secchin], São Paulo: Global Editora, 8ª ed., 2001, pag. 183.

Quinteto Armorial: Chamada e Marcha Caminheira