O Globo
O Brasil tem sido impiedosamente castigado
por seus erros. Um período de destruição econômica, política e institucional
Há semanas, Simone Tebet, ministra do
Planejamento e Orçamento, proferiu palestra a alunos da graduação do Insper.
Acompanhada de seus secretários, apresentou o projeto Rotas de Integração
Sul-Americana e demonstrou a relevância de sua atuação no governo. São ações
articuladas que buscam escoar, pelo Pacífico, a imensa produção de commodities
do Brasil e dos países vizinhos.
Conectando rotas existentes em vários meios
de transporte, o projeto diminui custos logísticos, atende a interesses
econômicos do subcontinente e do mercado consumidor. Muitas obras estão
prontas, outras dependem de detalhes. Em comparação ao passado, há pouco
dinheiro público na parada. Desta vez, o BNDES não
financiará países amigos.
Ultrapassada a fundamental reforma tributária, é um passo em direção à economia e ao mundo reais. Embora o foco seja a China, trata-se de profundo mergulho na nova divisão internacional do trabalho. A tradicional força do Ocidente tem sido abalada e está em via de superação pelo Oriente mais populoso, produtivo e economicamente exuberante.
O agronegócio é a força motriz — o que faz
torcer narizes à esquerda. Questionada sobre a indústria, Tebet citou o
incentivo a cadeias produtivas:
— O Brasil não pode continuar exportando
grãos de café para importar café expresso — disse como exemplo.
O sentimento foi de raro otimismo. E
perplexidade: por que o governo Lula não
faz o barulho adequado e transforma projetos do tipo em bandeiras políticas? A
resposta simplória mencionaria a disputa partidária como causa. Simone é
do MDB,
concorreu à Presidência da República contra Lula; a Comunicação Social do
governo é comandada pelo PT.
Claro, mesquinharias desse tipo sempre existirão.
Mas o fiasco do comício das centrais
sindicais em comemoração ao “1º de Maio” revelou que o problema é de outra
natureza, mais sério. O presidente da República se deslocou de Brasília ao
estacionamento do estádio do Corinthians para
falar a meras 1.600 almas. Criticando a organização do evento, Lula afirmou que
o ato foi “mal convocado”. Embromação, a verdade é outra.
Ousando interpretar idiossincrasias, pode-se
inferir que o presidente e parcela de seus companheiros resistem a admitir que
o universo analógico, industrial e sindical em que foram forjados agoniza.
Tentam se agarrar ao passado, como faz também a direita.
O reconhecimento da nova economia e o uso de
suas ferramentas — Lula também sinaliza indisposição com o tema inteligência
artificial — não podem esperar. Para além de clichês, deveriam se transformar
no Projeto Nacional. Com poder até de reatar diálogos interrompidos pela
ignorância e pela estupidez do extremismo.
Considerem-se a preservação ambiental, a
inclusão social e a valorização do patrimônio imaterial do Brasil, de
inestimável valor econômico, e é possível crer em saídas do labirinto em que o
país se perdeu há mais de uma década. Pode-se dispensar o pessimismo para
momentos melhores.
Antes constatação que crítica, o presidente é
um homem de ontem, preso a modelos que se desmancharam no ar. Sua maior virtude
é que o fantasma de Jair Bolsonaro e seus seguidores remontam às trevas da
Idade Média. No mais, “bolsonarismo” e “moderado” são palavras que não cabem na
mesma frase. Não ser Bolsonaro é o mínimo; operar a inevitável mudança sob o
imperativo de trazê-la à luz com menos traumas, esta sim, é a tarefa histórica.
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”
Há uma década no labirinto, o Brasil tem sido
impiedosamente castigado por seus erros. Um período de destruição econômica,
política e institucional. O Teseu que liquidará o Minotauro ainda não foi
revelado ao mundo; a crise de liderança política é gigante. Mas não custa
sonhar que projetos como o apresentado por Tebet sejam uma espécie de fio de
Ariadne.
*Carlos Melo é cientista político e professor
sênior do Insper
Um comentário:
Hmmmm...
Ok
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