quarta-feira, 5 de julho de 2023

Vera Magalhães -Governo e oposição medem forças

O Globo

Reforma vira jogo de tabuleiro em que Lula, Lira e bolsonaristas tentam prevalecer, e resultado pode ser nova estagnação

A discussão da reforma tributária chegou àquele ponto em que se assemelha a uma partida de duração avançada daqueles jogos de tabuleiro de guerra quando um jogador tem de destruir os exércitos dos outros. Depois de muitas rodadas, todo mundo já fortaleceu demais suas guarnições, e qualquer avanço se torna difícil de prever, por depender de um misto de sorte e estratégia.

Vencidos alguns oponentes mais fracos, restam na disputa Arthur Lira, com os tanques do Centrão, o governo, que tenta esconder o jogo, e a oposição, que nas rodadas mais recentes levou a melhor nos dados e avança pelo mapa depois de ser bastante desacreditada. Parecia que a batalha se resolveria logo, mas agora periga avançar indefinidamente.

A entrada de São Paulo no jogo foi um fator a mudar os prognósticos. Tarcísio de Freitas demorou a se posicionar em relação aos principais pontos, mas, quando se posicionou, conseguiu juntar os governadores do Sudeste e do Sul em algumas reivindicações e na resistência ao Conselho Federativo nos moldes em que tinha sido desenhado. De quebra, vem conseguindo transformar a discussão da reforma justamente naquilo que o Executivo tentou evitar: uma disputa entre governo e oposição.

Elio Gaspari - Lula vai se acertar com a Europa

O Globo

Isso acontecerá quando ele descer do palanque

Lula exagerou na dose quando chutou o balde ao atacar as restrições que a União Europeia quer impor a compras de produtos agropecuários da Amazônia e do Cerrado brasileiro. As restrições foram concebidas para um país que tinha uma diplomacia inerte. Países se relacionam com países, não com governos. Até as pedras sabiam que um boicote às exportações de grãos e carnes estava na esquina, e o governo de Pindorama prestigiava, por palavras e atos, a facção agrotroglodita de seu empresariado.

Desde agosto do ano passado sabia-se que os grãos e a carne brasileira poderiam vir a sofrer restrições para entrar na Europa. Tratava-se, entre outras coisas, de antecipar de 2030 para 2025 a meta de desmatamento zero no Cerrado, de onde sai o grosso das exportações de grãos. Saiu uma recomendação para que, a partir de 2024, não se comprem produtos colhidos em áreas desmatadas depois de 2020.

Se esse assunto for entregue a um terceiro-secretário recém-formado pelo Instituto Rio Branco, ele entregará em poucos dias uma planilha capaz de orientar uma negociação para desfazer o enrosco. Se o assunto ficar como está, na pura marquetagem, os interesses do outro lado, comovidos, agradecerão.

Luiz Carlos Azedo - Lula precisa moderar a retórica para não perder apoio do centro

Correio Braziliense

Ciscar pra dentro implica num discurso que tenha mais apoio político na sociedade e alargar o espectro de forças que compõem a base de sustentação do governo no Congresso

Quinta-coluna, a única peça teatral de Ernest Hemingway, autor de O velho e o mar, transporta o leitor aos horrores das batalhas da Guerra Civil espanhola, iniciada em junho de 1936, quando o general Francisco Franco, admirador de Adolf Hitler e Benito Mussolini, líderes do nazifascismo, rebelou suas tropas para derrubar o governo constitucional republicano. Como mostra a série Os pacientes do Dr. Garcia (Netflix), foi mais bem-sucedido do que os que tentaram um golpe e fracassaram na invasão dos palácios dos Três Poderes, em 8 de janeiro.

Publicado pela Bertrand Brasil, com tradução de Ênio Silveira e capa primorosa, na qual aparece uma víbora peçonhenta, a peça narra o cerco de Madri, que durou três anos, nos quais ocorreram intensos combates. Quatro colunas das forças franquistas avançaram sobre Madri e a mantiveram sob ataque. Entretanto, havia uma força agindo dentro da cidade, que indicava alvos para os bombardeios, realizava atos de sabotagem e assassinatos. Era a chamada quinta-coluna, termo que passou a designar grupos ou indivíduos que atuam sub-repticiamente, num país ou num partido, a serviço de seus inimigos.

Wilson Gomes* - O relativismo democrático

Folha de S. Paulo

Por que a democracia era essencial em janeiro, virou secundária para Lula?

Lula, sabidamente um democrata, vem arriscando de forma consistente a própria reputação, no limite da inconsequência, apenas para não abandonar velhos companheiros dos sonhos da esquerda latino-americana unida, mesmo os que se colocaram fora da órbita da democracia.

Ele o faz mesmo ao custo de ignorar circunstâncias, como a brasileira neste momento, em que flexibilizar a democracia não parece ser bom negócio.

Convenhamos que repartir o pão com ditador "bróder" e partidos que sustentam ditaduras, como no Foro de São Paulo, porque se considera que ser de esquerda é bem mais importante do que ser democrata, é um insulto desnecessário à parte ainda lúcida do país que saiu em socorro da democracia em 8 de janeiroOu que votou em Lula por saber que um segundo mandato de Bolsonaro e a democracia seriam incompatíveis.

É mais forte do que Lula, porém, e lá estava ele de novo na semana passada respondendo com destemor à candente questão sobre "ditaduras legais". "A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil", dizia.

Roberto DaMatta - Mãe Terra ou desigualdade?

O Globo

Enxergar o planeta como sujeito, e não como um objeto passivo e passível de implacável exploração, é o primeiro passo

Um bolsonarizado Lula defende ditadores na Venezuela e uma absurda relativização da democracia, mas bota o dedo na ferida quando relaciona a “questão climática” à desigualdade.

A incompatibilidade entre um sistema motivado por um incremento ilimitado de produção e consumo e a destruição do planeta é certamente o maior conflito que devemos enfrentar. Enxergar o planeta como sujeito, e não como um objeto passivo e passível de implacável exploração, é o primeiro passo para equacionar esse conflito. O globo azul é a Mãe Terra que partejou todos os sistemas humanos e não humanos de vida conhecidos. Vale lembrar, ensina Thomas Mann, que não por acaso o homem se chama Homo humanus, como sinal de que vem do torrão materno, o húmus.

Bruno Boghossian - Como tratar o inelegível?

Folha de S. Paulo

Seria mais que saudável dedicar tolerância zero para comportamento reincidente de Bolsonaro

O julgamento no TSE nem tinha terminado, mas Jair Bolsonaro já era reincidente. Numa entrevista improvisada, o ex-presidente voltou a alimentar suspeitas falsas sobre as urnas e repetiu a enganação de que os ataques de 8 de janeiro foram "uma grande armação". Quando ele começou a fazer campanha contra vacinas, a CNN cortou a transmissão.

Horas depois, naquela mesma sexta-feira (30), Bolsonaro foi mais longe. Em outra entrevista, reciclou teorias da conspiração sobre as investigações da facada que sofreu e sobre as eleições de 2018. Para completar, insinuou que teve mais apoio do que Lula em 2022, mas "os números do TSE apontaram outra direção".

Vinicius Torres Freire - Inimigos da reforma dos impostos

Folha de S. Paulo

Prefeitos, alguns governadores e muitas empresas querem manter situação atual ou privilégios

A votação da reforma tributária encrencou nos últimos dias porque pelo menos dez governadores querem mudar a maneira pela qual será distribuída a receita do novo imposto estadual unificado sobre o consumo de quaisquer bens e serviços. Isto é, o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, que vai substituir ICMS e ISS.

Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) lideram a pressão. A dúvida é saber se o problema é mesmo esse, o método de repartição, ou se querem adiar ou derrubar a reforma. Caiado, aliás, não quer mudança estadual alguma.

Lobbies empresariais marcam parlamentares corpo a corpo e agradecem a oportunidade de ter mais tempo para cavar um favor ou até derrubar a reforma, como também o querem associações de prefeitos.

Nas audiências públicas sobre o assunto, no Congresso, montes de representantes empresariais disseram que eram "a favor da reforma", desde que o caso deles fosse tratado de modo especial. Parecia piada.

Zeina Latif - Reforma Tributária no divã

O Globo

Em que pesem as concessões e os ajustes, perder a janela de oportunidade para avançar nesse tema seria um equívoco

Apesar do anseio generalizado pela simplificação e eliminação da cumulatividade de impostos — exceto parcela dos profissionais que ganham com a confusão, nos setores privado e público —, o tema é mais desafiador que a Reforma da Previdência. Há um conjunto maior de players que se julgam prejudicados e têm capacidade de organização e pressão no Congresso, de governadores a segmentos do setor produtivo.

São muitas décadas de convivência com um sistema que produziu desigualdades incompreensíveis entre bens e serviços consumidos, mas que moldou decisões de investimento das empresas. Agora muitos temem as mudanças. A grande desconfiança na ação estatal — um mal frequente em nações menos avançadas — está no cerne dos temores.

Tiago Cavalcanti* - Heterogeneidade dos juros bancários

Valor Econômico

Indivíduos com menor renda pagam taxas de juros mais elevadas, independentemente da classificação de risco do cliente

No artigo publicado no mês anterior neste Valor Econômico, abordei a temática da expansão e simplificação da portabilidade dos serviços bancários como um meio de estimular a competição entre instituições financeiras e, consequentemente, de contribuir para a redução dos altos custos de crédito no país. Neste novo artigo, exploro com mais detalhe o mercado de crédito pessoal no Brasil.

Realizei o estudo “Consumer Loans, Heterogeneous Interest Rates, and Inequality”, em colaboração com Marco Bonomo (Insper), Fernando Chertman (Banco Central), Amanda Fantinatti (FGV-SP), Andrew Hannon (Universidade de Cambridge) e Cézar Santos (IDB). Foi utilizada uma amostra representativa de 1,36 milhão de pessoas no Brasil, que contrataram diversos tipos de empréstimos bancários no período entre 2013 e 2019. Os dados para nossa análise foram obtidos do excelente Sistema de Informações de Crédito (SCR) do Banco Central do Brasil.

Martin Wolf* - A volta da inflação muda o mundo

Valor Econômico

Uma combinação de pressão inflacionária com fragilidade financeira não existia na década de 1970

Nos países de alta renda a inflação dos preços ao consumidor alcança taxas não observadas nas últimas quatro décadas. Pelo fato de a inflação ter deixado de seguir baixos patamares, o mesmo ocorreu com as taxas de juros. A era dos juros “baixos por muito tempo” acabou, pelo menos por enquanto. Por que isso ocorreu? Será uma mudança duradoura? Qual deveria ser a reação da política pública?

Nas últimas duas décadas, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) ofereceu um ponto de vista diferente do da maioria das organizações internacionais e bancos centrais de peso. Enfatizou os perigos de uma política monetária ultraexpansiva, do endividamento elevado e da fragilidade financeira. Sempre valeu a pena considerar sua posição, caracterizada por certo catastrofismo.

O relatório resume a recente experiência como de “inflação alta, resiliência surpreendente da atividade econômica e os primeiros sinais de estresse grave no sistema financeiro”. Destaca a opinião defendida em amplos círculos de que a inflação vai diminuir e desaparecer. Em contraposição, observa que a porcentagem de itens da cesta de consumo com altas anuais dos preços de mais de 5% alcançou mais de 60% nos países de alta renda. Enfatiza também que os salários reais caíram significativamente neste episódio de inflação. “Seria pouco razoável prever que os assalariados não tentarão recuperar o poder de compra perdido, até porque os mercados de trabalho permanecem muito apertados”, afirma. Os trabalhadores poderiam reaver parte dessas perdas, sem manter a inflação em níveis elevados, desde que os lucros fossem comprimidos. Nas economias resilientes de hoje, no entanto, uma disputa distributiva parece muito mais provável.

Paul Krugman* - Biden pode mudar a narrativa econômica?

Folha de S. Paulo

Os números melhoraram muito. Os eleitores vão dar crédito a ele?

Na década de 1970, Arthur Okun, um economista que havia sido consultor de políticas do presidente Lyndon Johnson, sugeriu uma maneira rápida e suja de avaliar a situação econômica do país: o "índice de miséria", a soma da inflação com o desemprego. Foi e é uma medida grosseira, facilmente criticada.

O dano econômico mensurável do desemprego, por exemplo, é muito maior que o da inflação. Esse índice, no entanto, fez historicamente um bom serviço para se prever o sentimento econômico geral.

Vale a pena notar que o índice de miséria –que disparou junto com a inflação durante 2021 e no primeiro semestre de 2022– caiu no ano passado. Agora está de volta ao nível de quando o presidente Joe Biden tomou posse.

Carlos Pereira - Seria mais apropriado que o eleitor fosse o ‘juiz’ do ex-presidente?

O Estado de S. Paulo

Após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo crime eleitoral de “prática ilegal de abuso de poder político” e torná-lo inelegível por oito anos, levantaram-se dúvidas sobre quem de fato deveria tomar essa decisão. Foi alegado que, em vez do TSE, seria mais apropriado que o eleitor fosse o “juiz” do ex-presidente. Afinal de contas, em uma democracia o “verdadeiro soberano” é o eleitor e não o Judiciário.

O próprio presidente Lula, quando estava sendo julgado pelos crimes de “corrupção passiva e lavagem de dinheiro” na Operação Lava Jato pelo ex-juiz e agora senador Sérgio Moro, disse: “Eu não quero ser apenas julgado pela Justiça. Quero antes ser julgado pelo povo brasileiro”. O eleitor, entretanto, não é juiz criminal nem tampouco de ilícitos eleitorais. Assim como a reeleição de um governante supostamente criminoso não pode ser interpretada como uma absolvição dos seus crimes, sua eventual derrota eleitoral também não pode ser interpretada como uma condenação. Concretamente, assim como a eleição de Lula em 2022 não foi uma absolvição do eleitor pelos seus crimes pregressos, a derrota de Bolsonaro não foi uma condenação pelos seus crimes de ameaças às instituições democráticas.

Marcelo Godoy - TSE cassa o HC de Lula

O Estado de S. Paulo

Presidente não tem mais o conforto de ver Bolsonaro no seu retrovisor e será julgado pelo que faz

O cientista político Francisco Weffort dizia que a democracia era o seu sonho, a sua ilusão, mas que ela tinha algo de realidade. “Não é pura loucura da minha parte.” O Brasil vivia os anos de Jair Bolsonaro na Presidência. Weffort, que ajudara a fundar o PT e depois se distanciara do partido, via na democracia uma espécie de destino. Mas sabia que ela era frágil. “Moralistas políticos têm tratado disso. O problema não é quem faz o mal, mas a preguiça de quem faz o bem e não se mexe.”

Luiz Inácio Lula da Silva devia ler a obra do ex-companheiro. E prestar atenção no espírito do tempo. Ele muda. E, às vezes, na velocidade com que um expresidente é condenado por uma Corte de Justiça. Na semana passada, foi a vez de Bolsonaro, o homem que acusavam de conspirar contra a democracia. O político que ia dar um jeito no STF, que tinha muita saliva – mas se revelou sem pólvora – tornou-se inelegível. E, assim, o fantasma que rondava o Planalto já não assusta mais.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - A opinião

O Estado de S. Paulo

Quantas gerações de leitores não tiveram sua preocupação com a coisa pública despertada pela leitura diária dos editoriais?

Recentemente, Wilson Gomes, professor titular de Teoria da Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), questionou a publicação dos editoriais nos dias de hoje. “Considerando como os novos leitores julgam a cobertura pelos editoriais, que não têm valor factual, não seria mais vantajoso para o jornalismo acabar com o editorial?”

Jornalismo não é um fato da natureza. É construção humana, fenômeno histórico, com muitas possibilidades de configuração. A pergunta é, portanto, válida. Faz sentido que um jornal continue publicando, hoje em dia, sua opinião?

Certamente, se os editoriais fossem uma opinião arbitrária, similar ao polegar do imperador nas arenas romanas, eles não teriam muita utilidade. Mas os editoriais dos grandes jornais nunca quiseram ser isso. Nunca pretenderam ser apenas voto opinativo, sem fundamentação.

IEPfD |Para que Serve a Política? Introdução Cursos de Formação Política com Marco Aurélio Nogueira

 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Venezuela e China provocam divisão na Cúpula do Mercosul

Valor Econômico

Se o Brasil pretende unir o Mercosul e não aprofundar desavenças, o melhor é arranjar a entrada em vigor do acordo com a União Europeia

A volta do Brasil à Presidência rotativa do Mercosul marca também um retorno ao passado, com a tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incorporar novamente a Venezuela ao bloco. Não são apenas velhas questões que desafiam os quatro países. O Uruguai parece ter entrado na fase de ultimato para que se faça um acordo conjunto com a China, cuja negativa levará o país a negociá-lo separadamente, segundo declarou claramente o presidente uruguaio, Lacalle Pou.

“Quando vemos que não avançamos juntos, entendemos a visão de cada um de vocês. A nossa é que façamos juntos. Se não podemos fazer assim, vamos fazer bilateralmente”, disse Pou ontem, no último dia da 62ª Cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazú (Argentina). O presidente do Uruguai, pela quarta vez, deixou de assinar o documento conjunto da reunião, defendeu mais uma vez a flexibilização das regras do Mercosul e criticou o “isolamento” do bloco, com a falta de acordos comerciais relevantes - uma constatação irretorquível.

Poesia | Ascenso Ferreira - Misticismo

 

Música | Adoniran Barbosa - Viaduto Sta. Efigênia