quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Karl Marx

Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo

(Karl Marx, in: Teses sobre Feuerbach - XI -, A ideologia Alemã, pág. 128 – 3ª edição – Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1982.)

Ministério amorfo::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O Ministério que a presidente eleita, Dilma Rousseff, montou mostra bem a dificuldade que uma política sem experiência terá para administrar esse imenso condomínio eleitoral de dez partidos políticos que têm entre si mais interesses do que visões programáticas. A coalizão mais fragmentada de que se tem notícia na História política recente só formaria um Ministério coerente se tivesse como base um dos partidos, e isso, Dilma fez, mesmo às custas de desagradar a outros aliados: deu um espaço privilegiado ao PT, que controla todos os chamados "ministérios da Casa", ficando com os mais estratégicos também da Esplanada, como Fazenda, Planejamento, Saúde, Comunicações, Ciência e Tecnologia, Educação.

O Ministério ficou com mais cara de Lula, de uma continuidade sem grandes inovações, o que pode indicar justamente isso, um governo amorfo, ou também apenas uma estratégica submissão enquanto Lula não abre mão de ser o manda-chuva além do próprio mandato.

Dos 37 ministérios, o Partido dos Trabalhadores ficou com nada menos que 17, e o PMDB, o segundo maior partido da coligação, embora tenha permanecido com suas seis pastas, "perdeu substância", como admitiu o vice-presidente eleito, Michel Temer.

Essa substância política foi parar justamente nas mãos de petistas: Paulo Bernardo nas Comunicações e Alexandre Padilha na Saúde.

A indicação do deputado do Rio Luiz Sérgio, um ilustre desconhecido fora das hostes petistas, para a articulação política do governo só demonstra a força de José Dirceu no Ministério novo.

Também o PSB, o partido da base aliada que mais cresceu nas últimas eleições, não teve recompensada sua atuação política nas urnas.

Ficou com duas pastas, como vinha acontecendo, mas apenas o número é igual. Perdeu para o petista Aloizio Mercadante o Ministério da Ciência e Tecnologia, que deveria ser um ministério estratégico para um país que se pretende ator de primeira categoria no cenário internacional.

O PMDB manteve sob seu domínio o Ministério das Minas e Energia, com o senador Edison Lobão, e o da Agricultura, com Wagner Rossi, mas terá que dar consistência política à Secretaria de Assuntos Estratégicos, turbinada pelo comando do Conselhão, o que pode significar coisa alguma se os seus aconselhamentos continuarem sendo desprezados pelo governo.

Mas, se o Conselhão ganhar importância estratégica, seu coordenador, o ministro Moreira Franco, ganhará relevância política dentro do governo.

Caberá a ele conseguir que os empresários que o compõem exijam que o fórum de debates ganhe repercussão dentro do governo e se transforme em uma das instâncias governamentais, se não de decisões, pelo menos de aconselhamento consequente.

Tarefa difícil, pois o Conselhão foi criado no primeiro governo de Lula com a intenção de se sobrepor ao Congresso, encaminhando a ele reformas e decisões para serem homologadas.

O Congresso reagiu a essa intenção e transformou o Conselhão em quase nada, uma reunião de empresários cuja participação dá status, mas não poder decisório.

A presidente eleita mostrou sua determinação ao ampliar para nove o número de mulheres no seu Ministério, longe do idealizado terço, mas ampliação suficiente para marcar uma posição.

Também não foi criado nenhum novo ministério, o que é um bom sinal em tempos de necessidade de cortes de orçamento.

Mas no próximo ano deve ser criado o Ministério de Micro e Pequenas Empresas anunciado por Dilma durante a campanha eleitoral, e também o de Aeroportos, essencial para a realização da Copa do Mundo em 2014.

A dificuldade para montar o Ministério ficou patente não apenas nos atrasos do cronograma - ela pretendia apresentá-lo integralmente antes de sua diplomação na semana passada -, mas também pelo descontentamento que causou.

O PMDB não está contente com a desidratação de seu poder, e certamente vai buscar uma compensação no momento mais adequado politicamente.

O PSB queria um terceiro ministério para contentar sua bancada, mas teve que se satisfazer com o mesmo número de pastas, e de menor importância.

Além do fato de Dilma ter querido manter Ciro Gomes no Ministério, certamente seguindo o sábio conselho político vindo de Tancredo Neves, que criou o Ministério da Cultura para abrigar José Aparecido de Oliveira, aliado com voos próprios a quem preferia ter ao seu lado do que desgarrado.

Não conseguiu e ainda provocou um atrito com o presidente do PSB, o governador reeleito de Pernambuco Eduardo Campos.

Essas pequenas dissensões já se refletiram na disputa pela presidência da Câmara, fazendo com que o candidato oficial Cândido Vaccarezza tivesse que desistir do cargo para um candidato da base petista.

E alimentam movimentos dentro dos aliados para uma candidatura alternativa. Se ela se concretizar, poderemos ter uma repetição do impasse que levou à presidência da Câmara o indigitado Severino Cavalcanti.

A única vantagem do governo Dilma é que, hoje, as oposições se compuseram com o candidato do PT mais facilmente que os próprios aliados.

Nada de novo no front:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

E para terminar o ano mais um escândalo no Congresso, mais caos nos aeroportos e mais um discurso de emotiva autoexaltação logo mais à noite na despedida do presidente Luiz Inácio da Silva em rede nacional.

A boa notícia é que Lula deve se aquietar em merecido descanso (de parte a parte) por alguns dias antes de voltar a falar de si dia sim outro também.

Por ora, nada de novo no front: os aeroviários fazem uma abjeta chantagem com a população que neste fim de ano enche os aeroportos por causa das férias e das festas, enquanto o presidente, indiferente aos malefícios gerais, desfila para cima e para baixo declarando-se o melhor governante de todos os tempos.

Aos passageiros, claro, resta enfrentar mais uma vez sua saga de Natal.

No departamento de escândalos, outra vez juntam-se Legislativo e Executivo na produção de um vexame envolvendo ministro indicado pela presidente que toma posse daqui a nove dias. Como ensaio geral não poderia ser mais significativo.

Pedro Novais apresentou pedido de ressarcimento de R$ 2.156,00 relativos a despesas no Motel Caribe em São Luís do Maranhão, seu domicílio meramente eleitoral, pois mora no Rio.

Indicação do PMDB sob o gentil patrocínio do presidente do Senado, José Sarney, e do líder do partido da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Explicação da excelência?

"Não enche o saco", disse ao repórter Leandro Colon, do Estado, com a fidalguia inerente à estirpe.

Difícil saber o que é pior: o deputado cobrar, a Câmara pagar a conta da festa no motel, o PMDB indicá-lo para o ministério ou a presidente e a equipe de transição aceitarem a indicação sem procurar saber nada sobre a conduta da pessoa a quem entregarão uma pasta que liberou irregularmente dinheiro de emendas parlamentares, cujo orçamento em 2010 foi de mais de R$ 4 bilhões.

Talvez Pedro Novais não emplaque no ministério, mas o padrão está sinalizado. Na Câmara, as regras ditas moralizadoras, baixadas depois do escândalo da farra das passagens aéreas, dão a cada deputado entre R$ 15 mil e R$ 32 mil a título de verba indenizatória para fazer o que quiser. Inclusive festas em motéis.

Sobre os aeroviários, aprenderam o caminho das pedras em 2006, com os controladores de voo, e desde então o Natal é o mesmo inferno. Não só por causa deles.

A incúria e a imprevidência governamentais, a cobiça e o desacato das empresas aéreas em relação ao consumidor estão na origem de uma situação que faz milhões de brasileiros reféns indefesos de agonia sem remédio e dão ensejo a um movimento salarial de natureza criminosa.

Isso porque Nelson Jobim iria dar um jeito no setor. Três anos depois Lula ainda sai dizendo que "onde houver um brasileiro sofrendo quero estar espiritualmente ao seu lado".

Com toda certeza, os prisioneiros do caos prefeririam a sua parte em respeito, um mínimo de organização, atenção ao bem-estar da coletividade e menos empenho estritamente eleitoral.

Público alvo. José Serra não diz palavra a respeito, mas o gestual é todo de quem não tem a mínima intenção de se declarar fora do jogo eleitoral. Para presidente em 2014.

Com foco especial no milhão de correspondentes por e-mail e 580 mil seguidores no Twitter.

Cadeira cativa. Pensando bem, por que tanto interessa aos irmãos Ferreira Gomes (Ciro e Cid) o controle da Secretaria dos Portos?

O atual, Pedro Britto, foi secretário de Fazenda do Ceará e tesoureiro da pré-campanha de Ciro. O futuro, Leônidas Cristino, é prefeito de Sobral (CE), berço dos irmãos.

Até onde a vista alcança, não dá para enxergar como entraram os portos na história.

Votos de vida. Bom Natal, excelente virada de ano e até 2 de janeiro de 2011, já sobre a posse de Dilma Rousseff.

Barra transversal:: Melchiades Filho

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Aos aliados que ficaram insatisfeitos com a distribuição dos ministérios do futuro governo, um alerta: não convém esperar nomeações no atacado agora.

Dilma Rousseff vai se aproveitar do fato de que se trata de uma administração de continuidade para abrir as "torneiras" do segundo escalão com parcimônia.

Primeiro, porque isso tende a diminuir/diluir as pressões dos partidos. No varejo, a barganha fisiológica geralmente fica circunscrita a quem ocupa o posto e a quem a Presidência deseja nele instalar. Daí, por exemplo, o adiamento da troca na cúpula do Banco do Brasil.

Essa blindagem se dará sobretudo nas áreas que a presidente considera mais estratégicas. A pasta dos Aeroportos ainda não foi criada por essa razão -e não pelo receio de caos aéreo nestas férias, como o Planalto espalha. Dilma não quis correr o risco de ter de entregar o projeto de privatização do setor, ao qual ela se dedicou durante anos, a um político desconhecido e, principalmente, de fora do PT.

O segundo motivo para não fazer mudanças rápido é o paradoxo do primeiro: esses cargos poderão ser úteis ao Planalto para corrigir desequilíbrios na coalizão e garantir apoio em votações polêmicas no Congresso. O prometido Ministério da Microempresa sairá do papel quando conveniente a esse xadrez.

Terceiro, Dilma é fervorosa defensora de modelos transversais de gestão. Acha que as repartições costumam olhar o próprio umbigo e ignorar as prioridades do governo. Na Casa Civil, ela montou uma rede de "informantes" nas estatais mais nevrálgicas. Por que na Presidência fará diferente?

Por fim, há o diagnóstico de que cautela não faz mal. Muitos escândalos da era Lula eclodiram no segundo escalão -Erenice Guerra (tráfico de influência), Silas Rondeau (Navalha), Waldomiro Diniz (bingos) etc. Quanto menos nomeações agora, menores as chances de denúncias na largada do governo.

O debate sobre a refundação do PSDB:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Numa democracia, as crises políticas normalmente trazem o germe da renovação, sob pena de colocar em risco a própria democracia. A crise dos partidos oposicionistas, intensificada por mais uma eleição perdida, certamente resultará em uma rearrumação do quadro partidário ou "refundação" interna, conforme pregam setores do PSDB - até porque não existe democracia sem oposição.

Os partidários da "refundação" do PSDB, no debate que tentam travar internamente via imprensa, dão um diagnóstico preliminar das sucessivas derrotas. As críticas vão desde a guinada do PSDB à direita, num momento em que parte do eleitorado da classe média estava desesperançado do PT, mas uma massa maior ascendia à nova classe média graças ao governo petista, até a desvinculação histórica do partido com o movimento sindical e os movimentos sociais. Nesse debate, pode se depreender também uma crítica à hegemonia paulista do partido - mas, mais do que isso, uma crítica ao grupo hegemônico do PSDB paulista até as eleições deste ano.

Como o PSDB é um partido de quadros, no entanto, tende a individualizar culpas e transferir hegemonias não para grupos ideológicos internos, mas para líderes que, na opinião da maioria, possam substituir os anteriores com mais eficiência. Embora esteja claro o diagnóstico da pouca organicidade do partido, a falta de familiaridade com mecanismos internos de debate ideológico tende a valorizar mais as culpas individuais do que coletivas - embora a centralização de decisões nas mãos de determinados líderes, em especial paulistas, tenha sido efetivamente um dos problemas que levaram o partido a essa crise.

Crises políticas trazem o germe da renovação

A outra dificuldade de mudar uma estrutura inorgânica são os problemas de trânsito do debate na própria máquina partidária. O PSDB, ao que parece, tenta a "refundação" por linhas tortas, ao manter a discussão de fora para dentro. Nos últimos 20 anos, o partido tem terceirizado a ofensiva política para a mídia tradicional, que desempenhou um papel importante não só de ação oposicionista, mas até de estruturação ideológica. A guinada do PSDB para a direita foi uma opção de suas lideranças internas que tinham nas mãos as regras do jogo, mas foi também uma estratégia de tentativa de sensibilização da opinião pública via mídia tradicional, ou seja, "terceirizada" a outro intelectual orgânico. A mídia supriu as deficiências de organicidade do partido durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva. É certo que essa tática terá fôlego mais curto no governo Dilma Rousseff, pelos desgastes acumulados ao longo das últimas duas décadas e pela concorrência com novas mídias, que cumpriram também um papel político nessas eleições.

Internalizar o debate e tirá-lo do jogo de mediação entre os dois aparelhos privados de ideologia - partido e mídia - é um dos passos obrigatórios para a refundação do PSDB. A sedimentação de uma massa orgânica tem que acontecer internamente. A mídia pode reportar esse debate, trazer elementos para ele, mas é incapaz, pela sua própria natureza, de suprir deficiências organizacionais da legenda, nem substituir as relações de um partido com os setores sociais que ele representa. Embora essas duas militâncias sejam complementares em períodos eleitorais ou nos momentos de grande ofensiva oposicionista, elas não se misturam quando a questão é a formulação de consensos internos e consolidação de unidade partidária.

A outra razão para o PSDB voltar-se para si mesmo, sem terceirizar ação política, é que o resultado da eleição exigirá muita elaboração intelectual e orgânica interna para superar as contradições que trazem os resultados eleitorais. O PSDB elegeu um grande número de governadores - pela natureza do federalismo brasileiro, pouco propensos à ação oposicionista - e uma bancada reduzida na Câmara e no Senado. A ação parlamentar da oposição, nos governos Lula, foi alimentada pela mídia, mas esteve fundada nos poderes que a bancada oposicionista tinha para criar fatos dentro do parlamento. Com número reduzido de parlamentares, a oposição tem também um espaço reduzido para produzir fatos políticos.

O PSDB tem que sair da ofensiva tática, que marca o partido desde 2003, para a formulação de estratégias de sobrevivência como partido. A ofensiva udenista pura e simples não resolverá isso. Até agora, ela tem substituído as discussões de conteúdo e suprido as indefinições ideológicas do partido. Depois da terceira derrota, a agremiação terá que resolver claramente o que é, quem representa e qual a sua proposta para o país. Apenas assim conseguirá se constituir uma alternativa de poder de fato.


Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Herói sem nenhum caráter :: Demétrio Magnoli

DEU EM O GLOBO

Lula jamais protestou contra o monopólio da imprensa pelo governo cubano e nunca deu um passo à frente para pedir pelo direito à expressão dos dissidentes no Irã. Ele sempre ofereceu respaldo aos arautos da ideia de cerceamento da liberdade de imprensa no Brasil. Mas é incondicional quando se trata de Julian Assange: "Vamos protestar contra aqueles que censuraram o WikiLeaks. Vamos fazer manifestação, porque liberdade de imprensa não tem meia cara, liberdade de imprensa é total e absoluta."

Assange é um estranho herói. No Brasil, o chefe do WikiLeaks converteu-se em ícone da turba de militantes fanáticos do "controle social da mídia" e de blogueiros chapa-branca, que operam como porta-vozes informais de Franklin Martins, o ministro da Verdade Oficial. Até mesmo os governos de Cuba e da Venezuela ensaiaram incensá-lo, antes de emergirem mensagens que os constrangem. Por que os inimigos da imprensa independente adotaram Assange como um dos seus?

A resposta tem duas partes. A primeira: o WikiLeaks não é imprensa - e, num sentido crucial, representa o avesso do jornalismo.

O WikiLeaks publica - ou ameaça publicar, o que dá no mesmo - tudo que cai nas suas mãos. Assange pretende atingir aquilo que julga serem "poderes malignos". No caso de tais alvos, selecionados segundo critérios ideológicos pessoais, não reconhece nenhum direito à confidencialidade. Cinco grandes jornais (The Guardian, El País, The New York Times, Le Monde e Der Spiegel) emprestaram suas etiquetas e sua credibilidade à mais recente série de vazamentos. Nesse episódio, que é diferente dos documentos sobre a guerra no Afeganistão, os cinco veículos rompem um princípio venerável do jornalismo.

A imprensa não publica tudo o que obtém. O jornalismo reconhece o direito à confidencialidade no intercâmbio normal de análises que circulam nas agências de Estado, nas instituições públicas e nas empresas.

A ruptura do princípio constitui exceção, regulada pelo critério do interesse público. Os "Papéis do Pentágono" só foram expostos, em 1971, porque evidenciavam que o governo americano ludibriava sistematicamente a opinião pública, ao fornecer informações falsas sobre o envolvimento militar na Indochina. A mentira, a violação da legalidade, a corrupção não estão cobertas pelo direito à confidencialidade.

Interesse público é um conceito irredutível à noção vulgar de curiosidade pública. Na imensa massa dos vazamentos mais recentes, não há novidades verdadeiras. De fato, não existem notícias - exceto, claro, o escândalo que é o próprio vazamento. A leitura de uma mensagem na qual um diplomata descreve traços do caráter de um estadista pode satisfazer a nossa curiosidade, mas não atende ao critério do interesse público. O jornalismo reconhece na confidencialidade um direito democrático - isto é, um interesse público. O WikiLeaks confunde o interesse público com a vontade de Assange porque não se enxerga como participante do jogo democrático. É apenas natural que tenha conquistado tantos admiradores entre os detratores da democracia.

Há, porém, algo mais que uma afinidade ideológica, de resto precária. A segunda parte da resposta: os inimigos da liberdade de imprensa torcem pelo esmagamento do WikiLeaks por uma ofensiva ilegal de Washington.

No Irã, na China ou em Cuba, um Assange sortudo passaria o resto de seus dias num cárcere. Nos EUA, não há leis que permitam condená-lo. As leis americanas sobre espionagem aplicam-se, talvez, ao soldado Bradley Manning, um técnico de informática, suposto agente original dos vazamentos. Não se aplicam ao veículo que decidiu publicá-los. A democracia é assim: na sua fragilidade aparente encontra-se a fonte de sua força.

O governo Obama estará traindo a democracia se sucumbir à tentação de perseguir Assange por meios ilegais. O WikiLeaks foi abandonado pelos parceiros que asseguravam suas operações na internet. Amazon, Visa, PayPal, Mastercard e American Express tomaram decisões empresariais legítimas ou cederam a pressões de Washington? A promotoria sueca solicita a extradição de Assange para responder a acusações de crimes sexuais. O sistema judiciário da Suécia age segundo as leis do país ou se rebaixa à condição de sucursal da vontade de Washington? Certo número de antiamericanos incorrigíveis asseguram que, nos dois casos, a segunda hipótese é verdadeira. Como de costume, eles não têm indícios materiais para sustentar a acusação. Se estiverem certos, um escândalo devastador, de largas implicações, deixará na sombra toda a coleção de insignificantes revelações do WikiLeaks.

A bandeira da liberdade nunca é desmoralizada pelos que a desprezam, mas apenas pelos que juraram respeitá-la. Assange não representa a liberdade de imprensa ou de expressão, mas unicamente uma heresia anárquica da pós-modernidade. Contudo, nenhuma democracia tem o direito de violar a lei para destruir tal heresia. A mesma ferramenta que hoje calaria uma figura sem princípios servirá, amanhã, para suprimir a liberdade de expor novos Guantánamos e Abu Ghraibs.

"Vamos fazer manifestação, porque liberdade de imprensa não tem meia cara, liberdade de imprensa é total e absoluta." Lula não teve essa ideia quando Hugo Chávez fechou a RCTV, nem quando os Castro negaram visto de viagem à blogueira Yoani Sánchez que lançaria seu livro no Brasil. Não a teve quando José Sarney usou suas conexões privilegiadas no Judiciário para intimidar Alcinéa Cavalcante, uma blogueira do Amapá, ou para obter uma ordem de censura contra O Estado de S. Paulo. Ele quase não disfarça o desejo de presenciar uma ofensiva ilegal dos EUA contra o WikiLeaks. Sob o seu ponto de vista, isso provaria que todos são iguais - e que os inimigos da liberdade de imprensa estão certos.

Alguém notou um sorriso furtivo, o tom de escárnio com que o presidente pronunciou as palavras "total e absoluta"?


Sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Balanço do governo Lula (2):: Alberto Carlos Almeida

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No fim de semana, as diversas avaliações do governo Lula, em cadernos especiais publicados em jornais, chamaram a atenção para dois fatos: a melhora do padrão de vida da população (o lado positivo do governo) e a inexistência de legislação reformadora, o aspecto mais negativo da administração Lula.

Estou em busca aqui, como afirmei anteriormente, de uma avaliação não tradicional do governo. Assim, há duas semanas escrevi sobre o que julgo ser o lado positivo dos oito anos de governo Lula: o fato de o presidente ter assumido aquele que considero ser o mais importante papel do presidente, o de se comunicar com a sociedade. O presidente, eis uma lição importante que fica para Dilma, não deve se imiscuir nos detalhes diários da administração sob pena de induzir a sua equipe a não tomar decisões ou a tomar decisões erradas. O presidente é antes de mais nada e acima de tudo um comunicador. Essa foi a grande virtude de Lula como também foi de Ronald Reagan, Clinton, Bush filho e tem sido a de Obama.

O lado negativo do governo foi, sim, a inoperância legislativa, mas foi também a completa falta de empenho de Lula em associar os impostos ao bom uso do dinheiro público. Não cabe aqui questionar, a princípio, a predisposição de Lula em defender mais impostos. O presidente não para de lamentar aquela que foi, em sua avaliação, a grande derrota legislativa do governo: a abolição da CPMF. Como cidadão e pagador de impostos, afirmo que a principal derrota do governo Lula foi uma grande vitória da sociedade. Nós que pagamos impostos e vemos todos os dias o dinheiro público sendo desperdiçado achamos que a derrota do governo foi, não coincidentemente, a nossa vitória.

Foi-se o tempo em que Lula defendia apenas os interesses dos movimentos sociais. Hoje ele é um homem de Estado e, portanto, defende os interesses do governo. O governo quer mais impostos, quer botar mais a mão dentro de nossos bolsos.

Não defender a redução de impostos e ficar feliz toda vez que eles aumentam faz parte da ideologia de Lula. Lula é um líder de esquerda, Lula é um social-democrata e toda pessoa de esquerda gosta de impostos. Gosta de mais e melhores impostos. É legítimo que Lula seja um entusiasta do aumento de impostos e que esa propensão se manifeste em sua indignação contra a rejeição da CPMF. Cabe aqui um parêntese irresistível: onde está a oposição em relação a esse tema? Fecha parêntese.

O que não é compreensível é que durante oito anos o grande líder social que se tornou presidente não tenha feito, em suas declarações públicas, a ligação entre pagar impostos e utilizar bem o dinheiro público. No livro de Marcelo Tas, "Nunca antes na História Deste País", há o registro de uma declaração de Lula sobre os funcionários da Presidência da República: "Há centenas de empregados à minha volta que nem sei o que estão fazendo". A frase foi dita em setembro de 2009. Ao falar isso, ele estava fazendo pouco-caso do nosso dinheiro, que é utilizado pelo governo para pagar esses empregados.

Neste mês, foi aprovado na Câmara dos Deputados um aumento salarial de 130% para o presidente e 149% para os ministros. De quebra, os próprios deputados se deram um aumento de quase 62%. Diante desse fato, Lula fez uma brincadeira: "E o Lulinha aqui ó ..." Ele se referia jocosamente ao fato de o aumento ter sido aprovado quando ele está saindo do cargo de presidente. Que pena! Lula não foi beneficiado pela magnanimidade de nossos deputados com o uso do nosso dinheiro. Há estimativas de que esse reajuste, em razão do efeito que terá sobre o aumento de deputados estaduais e outros cargos públicos de grande relevância para o funcionamento do país, tenha um impacto de R$ 2 bilhões nos cofres públicos.

No dia 3, antes, portanto, do aumento desses salários, Lula afirmou que "a carga tributária no país é justa". É surpreendente que essa afirmação tenha sido feita por alguém que é percebido como defensor dos pobres. Quem mais paga imposto no Brasil, como proporção dos rendimentos, são os mais pobres. Isso não é justo. A cesta básica no Brasil é tributada em torno de 21%. Isso não é justo. A nossa carga como proporção do PIB é da ordem de 35%, o que é maior do que em muitos países desenvolvidos que fornecem para sua população ótimos serviços públicos. Isso não é justo.

O dinheiro público no Brasil deveria ser gasto com frugalidade e nada melhor do que um presidente que veio da pobreza para dar esse exemplo. Lula não fez isso em nenhum momento de seus oito anos de presidente. Nesse período, a nossa carga tributária aumentou e aumentaram também os salários e regalias de nossos funcionários públicos eleitos e não eleitos. Não bastasse o Aerolula, o presidente defendeu recentemente a compra de um novo avião, maior, mais moderno e mais caro para a Presidência da República. Seria o Aerodilma. O presidente argumentou que é vergonhoso para o líder máximo de um país como o Brasil ter que fazer escala para abastecer em voos mais longos.

O primeiro-ministro da Suécia tem direito a morar em um apartamento de vergonhosos 300 m2. O salário dos deputados dos Estados Unidos e da Alemanha é vergonhosamente mais baixo do que o de nossos deputados. A lista é longa e não por isso em nenhum desses países a vergonha foi corrigida enviando-se para a população o valor da conta.

Afirma-se em determinados meios que Lula é demagogo e populista. Pode até ser verdade. Todavia, como Max Weber vaticinou há mais de cem anos, não é possível que exista democracia sem que haja demagogia. O problema da democracia não é que exista um demagogo, é que não existam pelos menos dois demagogos, ambos em luta um contra o outro. O que controla um demagogo é a existência do outro. O admirado Barack Obama acabou de propor o congelamento do salário dos servidores civis americanos. Em um comunicado oficial do governo foi dito: "Esse congelamento não é para castigar os trabalhadores estatais nem uma falta de respeito com o trabalho que fazem. É a primeira de muitas medidas que tomaremos relacionada ao próximo orçamento, para dar ao país uma base fiscal sólida, que vai exigir sacrifícios de todos nós". Para muitos isso é demagogia.

Quem dera Lula tivesse sido demagogo para solicitar que nossos funcionários públicos (eleitos e não eleitos) fizessem o sacrifício de não ter aumento. Lula poderia afirmar que, se isso acontecesse, o povo pobre, que mais paga imposto, é quem sairia ganhando. Demagogia pura, mas muito educativa. Insisto que durante oito anos o presidente não se importou em educar a população para a conexão entre impostos e bom uso do dinheiro público. Ao menos Lula não fez isso intencionalmente.

A nossa elite política vem educando a população, de maneira completamente não intencional, para o mau uso de nosso dinheiro. Há uma crença muito disseminada na população brasileira de que mais ou menos imposto não significa nem melhora nem piora dos serviços públicos. A população pensa assim: a CPMF foi instituída e a saúde pública não melhorou, a CPMF caiu e a saúde pública não piorou, continuou ruim como sempre foi. Conclui-se, obviamente, que cobrar mais ou menos imposto não muda em nada os serviços públicos.

Lula poderia ter educado a nossa população nessa direção, poderia ter passado oito anos dizendo que o dinheiro público, que é dinheiro também do povo pobre do Brasil, deve ser utilizado de maneira eficiente. Lula não fez isso. Eis agora o Brasil assistindo ao espetáculo do aumento de salários de ministros, deputados, presidente e outros cargos públicos ao mesmo tempo em que não consegue diminuir a sua carga tributária.

Enganam-se os que acham que não há conexão entre aumento salarial de deputados e defesa da volta da CPMF. São duas faces da mesma moeda. Agradeço a Lula por ter mantido o Brasil na direção certa durante os últimos oito anos, mas agradeço, agora no fim do segundo mandato de Lula, a 35 deputados federais que (não importa se demagogicamente ou não) que votaram contra o aumento de salários para si próprios. Vocês deram um grande exemplo para o Brasil.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: menos Imposto, mais Consumo".

Lá vem o Patto!::Urbano Patto

DEU EM O JORNAL DA CIDADE – PINDAMONHANGABA/SP

Ainda às voltas com o trem-bala.

Encerra-se o ano e, seguindo a tradição dos grandes projetos da administração pública brasileira, e até mesmos com alguns médios e pequenos, de concreto e objetivo, pouco aconteceu com o trem-bala.

Passados alguns momentos de debates e efeitos pirotecnicos e midiáticos, continuamos sem saber qual a tecnologia a ser utilizada, qual o traçado mais provável da linha, onde serão as estações intermediárias e quais os parâmetros dos valores das passagens, dentre outros importantes componentes definidores do projeto.

Descontadas as manipulações para fins eleitorais, fica mais que transparente que a estratégia adotada para a contratação da obra foi tecnicamente e conceitualmente equivocada, causando os impasses e distorções que causou e abrindo possibilidades para desvios e problemas futuros.

Deixar em aberto em licitações dessa magnitude “detalhes” como traçado dos trilhos, localização das estações e oficinas e critérios de financiamento e remuneração dos investimentos é procurar, com a certeza de encontrar, enormes problemas. Tanto é que a licitação teve que ser adiada, sintomaticamente logo após as eleições, com explicações nada esclarecedoras dos gestores do processo.

Assim como todas as obras de engenharia, até mesmo as mais singelas, não basta ter a idéia ou mesmo os estudos preliminares, há que se ter projetos e conhecer profundamente seus componentes econômico-financeiros. Dá mais trabalho, mas garante um melhor patamar de controle pelo contratante e fornece melhores condições para as empresas interessadas em construir e explorar o empreendimento prepararem as suas propostas.

Esse tipo de postura dos órgãos públicos, dirigentes políticos à frente, de desprezo pela correção e profundidade técnica dos projetos, é uma das principais causas dos elevados custos das obras públicas, do chamado “custo Brasil” e das brechas para a instalação da corrupção.

Observando essa situação logo vem a mente os velhos conhecidos coronelismo e patrimonialismo da política brasileira, com algum personagem revestido da mais alta “otoridade” bradando aos seus subordinados ordens e mais ordens. Como numa antiga fazenda de café: cortem aquela mata; abram uma estrada aqui; não tem dinheiro? Faço uma hipoteca, assino uma promissória; não gostou? Está demitido; a fazenda faliu? O nosso governo salva...

Estão por aí inúmeros exemplos de obras desse tipo, geralmente não realizadas e quando realizadas mal feitas, inacabadas, mais caras e com problemas, faça a sua lista.

Como sempre, a arte é mais direta, mais ferina e mais sintética que a própria vida: o prefeito Odorico Paraguaçu morreu e não conseguiu inaugurar o cemitério de Sucupira. Lula deixa o governo sem fazer a licitação do trem-bala, quem sabe Dilma o faça.


Urbano Patto é Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional e membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista - PPS - do Estado de São Paulo. Críticas e sugestões: urbanopatto@hotmail.com

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Aberta temporada de caça às estatais

DEU EM O GLOBO

Após definição do Ministério, aliados agora negociam cargos do segundo escalão

Gerson Camarotti e Maria Lima

Com a conclusão da equipe ministerial da presidente eleita, Dilma Rousseff, começou a guerra pelo segundo escalão. O alvo principal agora inclui as presidências e diretorias de estatais, as "joias da coroa". Ontem pela manhã, os dois últimos nomes do Ministério foram anunciados: Afonso Florence (PT-BA) para o Desenvolvimento Agrário (MDA), e a deputada Iriny Lopes (PT-ES), da tendência Articulação de Esquerda, que vai ocupar a Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Em reunião que varou a noite, Dilma aceitou nomes levados pelo presidente do PT, José Eduardo Dutra, para duas pastas que faltavam. A Democracia Socialista emplacou Florence.

Partidos aliados, insatisfeitos com o espaço no 1º escalão, esperam compensação em cargos de empresas como Petrobras e Eletrobras, além de em bancos públicos. Essa movimentação de PMDB, PSC, PR, PTB e até PSB já preocupa Dilma. Ela decidiu congelar as negociações para as estatais até fevereiro, para evitar mais insatisfação e não contaminar a disputa pelas presidências de Câmara e Senado.

Aliados como PMDB começam a articular pleitos para as estatais. Com abaixo-assinado da bancada do PMDB de Minas, os mineiros indicam o deputado derrotado Marcos Lima à direção de Furnas. A bancada avisou que não aceita a indicação para o cargo do senador Hélio Costa (PMDB-MG), também derrotado nas urnas na disputa pelo governo mineiro. Dilma, porém, já avisou que varrerá de Furnas qualquer influência de grupos do PMDB como o de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Essa não é a única reivindicação do PMDB. O diretório de Goiás trabalha pela indicação do ex-prefeito Íris Rezende, também derrotado ao governo estadual, para uma diretoria do Banco do Brasil ou vice-presidência da Caixa Econômica Federal, na vaga deixada por Moreira Franco.

Petrobras continua nas mãos do PT

Dilma quer vacinar estatais consideradas estratégicas, sobretudo da área energética, como a Petrobras, que continuará com o PT. Ela sinalizou que manterá no comando José Sérgio Gabrielli. A Democracia Socialista já pediu a permanência do ex-deputado Miguel Rossetto como presidente da Petrobras Biocombustível.

Dilma quer reassumir o comando da Eletrobras, mas o senador José Sarney (PMDB-MA) tenta manter no comando da estatal seu afilhado político José Antonio Muniz.

Outra solicitação da DS é a presidência do Banco da Amazônia para a governadora Ana Júlia Carepa (PT-PA), que não se reelegeu. Há um movimento para empregar o deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Com o veto ao nome dele para a Infraero, a pressão é para que Geddel assuma a CBTU ou a Embratur.

Fora do primeiro escalão, o PSC tenta compensações nas estatais. Com 17 deputados, o partido não esconde a frustração por não ter feito um ministro após socorrer Dilma na campanha, no auge da crise religiosa.

- Nada como um dia depois do outro. Mas estamos satisfeitos. Conseguimos eleger a presidente Dilma - disse o magoado vice-presidente do PSC, Pastor Everaldo Pereira.

O PTB está insatisfeito com a ausência no 1º escalão e tenta ser compensado com Embratur e Conab. O PR deseja manter o Dnit. O PSB, que perdeu Portos, tenta ficar com o Banco do Nordeste e fortalecer o grupo de Ciro Gomes. Também tenta Dnocs e Codevasf, além da manutenção da Chesf.

Interlocutores de Dilma reconhecem que esse foi o Ministério possível. Ela não conseguiu fechar a cota de um terço de mulheres no 1º escalão, tamanha a resistência dos partidos. A influência de Lula foi decisiva; 16 ministros integravam o governo Lula como titulares das atuais pastas ou assessores.
Colaborou: Luiza Damé

'Paulistério' domina o Ministério de Dilma

DEU EM O GLOBO

Dos 37 ministros, nove, entre eles Casa Civil, Saúde e Educação, são de SP; Rio tem quatro

Luiza Damé

BRASÍLIA. No governo Dilma Rousseff, a Esplanada dos Ministérios terá forte presença paulista, confirmando o apelido de "paulistério". Dos 37 ministérios, nove serão ocupados por paulistas e dos mais importantes, como a Casa Civil, o Ministério da Fazenda, a Saúde, a Educação, a Agricultura, a Justiça e o Planejamento. O Rio terá quatro representantes no Ministério de Dilma: Luiz Sérgio (Relações Institucionais), Ana de Hollanda (Cultura), Moreira Franco (Assuntos Estratégicos) e Carlos Lupi (Trabalho). Ainda há mais dois ministros cariocas, mas cujas indicações não estão ligadas à divisão de forças entre os estados: Antônio Patriota (Relações Exteriores) e Helena Chagas (Comunicação Social).

O Nordeste, onde Dilma teve 10 milhões de votos a mais que o adversário José Serra, também está bem representado. Bahia e Rio Grande do Sul terão cinco ministérios cada um. O Maranhão ficará com duas pastas: Pedro Novais (Turismo) e Edison Lobão (Minas e Energia), ambos ligados ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Os estados de Sergipe, Amazonas, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Santa Catarina, Pernambuco, Ceará e Distrito Federal terão um representante no primeiro escalão.

Ao todo, 16 ministros de Dilma também estiveram no governo Lula

Embora Lula tenha dito que a futura equipe ministerial terá a cara de Dilma, pelo menos 16 ministros serviram ao atual governo - 43,2% das 37 pastas. Desses, oito foram mantidos no cargo a pedido de Lula ou por indicação partidária: Guido Mantega (Fazenda), Fernando Haddad (Educação), Jorge Hage (Controladoria-Geral da União), Nelson Jobim (Defesa), Wagner Rossi (Agricultura), Orlando Silva (Esporte), Carlos Lupi (Trabalho) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União).

Os ministros Paulo Bernardo (Planejamento) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) apenas mudarão de pasta a partir de 1º de janeiro. Paulo Bernardo vai para o Ministério das Comunicações, e Padilha para a Saúde. Considerado coringa entre os aliados de Dilma, Paulo Bernardo quase foi para a Casa Civil, mas acabou deslocado para as Comunicações, onde cuidará da implantação do Plano Nacional de Banda Larga.

O deputado Antonio Palocci, que deixou o Ministério da Fazenda em março de 2006, sob acusação de ter violado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, volta ao poder para comandar a Casa Civil - pasta responsável pela gerência do governo e que tem forte influência na definição das políticas públicas. Os senadores Alfredo Nascimento (PR-AM) e Edison Lobão (PMDB-MA), que deixaram a Esplanada em março para disputar as eleições de outubro, voltam para os mesmos cargos que ocuparam no governo Lula: Transportes e Minas e Energia, respectivamente.

Os petistas Gilberto Carvalho, Miriam Belchior e Tereza Campello, auxiliares de Lula no Palácio do Planalto, passarão para o primeiro escalão. Amigo de Lula há mais de 30 anos e seu fiel seguidor, Gilberto, atual chefe de gabinete da Presidência, assumirá a Secretaria Geral. Além de atuar como um conselheiro da presidente eleita, Gilberto vai fazer a ponte com o PT. Miriam vai para o Planejamento, e Tereza para o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Ao fechar a formação de sua equipe, Dilma não conseguiu cumprir a meta de ter um terço das pastas ocupadas por mulheres. Serão nove mulheres numa equipe de 37. Ou seja, um quarto do Ministério.

O PT ficará com quase a metade dos ministérios: 17. O partido do vice Michel Temer, terá seis pastas, sendo que a Defesa não é considerada da quota partidária, embora Jobim seja filiado ao PMDB. PSB terá dois ministérios e PR, PP, PDT e PCdoB, um cada. Oito ministros não têm filiação partidária.

Lula inaugura outra obra inacabada

DEU EM O GLOBO

No Rio Grande do Sul, presidente entrega trecho duplicado da BR-101

João Guedes

MAQUINÉ (RS). Em sua maratona de inaugurações de fim de governo, o presidente Lula esteve ontem no município gaúcho de Maquiné para entregar a duplicação de 88 quilômetros do trecho gaúcho da BR-101.

A cerimônia ocorreu antes que a obra estivesse 100% concluída - falta terminar a construção de uma ponte e de passagens urbanas. A obra é apontada com simbólica pelo presidente, que citou entraves ambientais enfrentados.

Lula fez graça com o fato de que a necessidade de preservar uma espécie de perereca ameaçada de extinção teria congelado os trabalhos na estrutura - que está sendo entregue mais de dois anos após o prazo original previsto no projeto.

Hideraldo Luiz Caron, diretor de Infra-Estrutura Terrestre do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), entretanto, dá outra versão para o caso. Segundo ele, a obra nunca chegou a ser paralisada e apenas teve seus prazos alongados. No discurso, Lula aproveitou para criticar os entraves legais que envolvem obras públicas no país.

- É uma coisa absurda. A gente estava fazendo o Canal de São Francisco, levando água para 12 milhões de pessoas, e uma antropóloga encontrou uma pedra parecida com uma machadinha indígena. A obra ficou paralisada nove meses. Quem é que paga o prejuízo?

A governadora Yeda Crusius (PSDB) não foi. Participaram da cerimônia caciques gaúchos da base do governo, além do ex-ministro e governador eleito Tarso Genro (PT). Em tom de conselho, Lula disse a Tarso que os governantes devem "fazer o óbvio."

- Tarso, não faça nada, absolutamente nada que não seja o óbvio. Eu aprendi que fazer o óbvio é a coisa mais tranquila. A única coisa que fiz nesse país foi o óbvio, o que todo mundo deveria ter feito, mas não fez.

Dilma conclui ministério, com aliados descontentes

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A presidente eleita, Dilma Rousseff, concluiu ontem a montagem de um ministério com fisionomia de continuidade do governo Lula. Seu partido, o PT, ficou com a maior fatia: 17 das 37 cadeiras. A escalação da equipe causou descontentamento entre quase todos os aliados.


Ministério de Dilma mantém fatia de poder do PT e desagrada a aliados

Presidente eleita fecha os 37 nomes que integrarão o primeiro escalão, sendo que 17 dos indicados são petistas; PMDB e PSB ficam com influência política menor que a esperada e cota feminina da equipe, apesar de maior que a de Lula, permanece baixa

Vera Rosa e Rafael Moraes Moura


BRASÍLIA - Sem produzir surpresas, Dilma Rousseff concluiu nesta quarta-feira, 22, a montagem de um ministério à imagem e semelhança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT, partido da presidente eleita, ficou com a maior fatia do poder: 17 das 37 cadeiras. Trata-se da mesma cota que a legenda detém nesta hoje na Esplanada. Apesar da fisionomia de continuidade do governo Lula, a escalação da equipe causou descontentamento entre quase todos os aliados.

O PMDB do vice eleito, Michel Temer, continuou com seis assentos no primeiro escalão, embora o ministro da Defesa, Nelson Jobim - filiado ao partido - seja carimbado como "cota pessoal" de Dilma e Lula.

Antes mesmo da posse, em 1.º de janeiro, uma das indicações já provoca constrangimento. O futuro ministro do Turismo, Pedro Novais, pediu à Câmara dos Deputados ressarcimento de R$ 2.156, gastos em um motel de São Luís (MA), conforme reportagem publicada ontem pelo Estado. Novais é afilhado político do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-MA).

Apesar do número de cadeiras, o PMDB perdeu "substância" na Esplanada, na visão do líder do partido, Henrique Eduardo Alves (RN). "Perdemos pastas como Comunicações e Saúde, que foram para o PT. Mas sabemos que, na montagem do governo, nunca se chega ao ideal", disse o deputado.

O PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, queria aumentar o seu espaço no governo, mas acabou levando dois ministérios: Integração Nacional e Secretaria dos Portos. A bancada do partido na Câmara esperneou, mas não houve jeito.

Ao menos por enquanto, Dilma Rousseff também desistiu de criar um ministério exclusivo para cuidar de portos e aeroportos. O Ministério da Micro e Pequena Empresa, outra promessa de campanha, foi outro que ficou para depois.

Palocci

Embora a presidente eleita tenha assegurado que não admitiria homem forte na equipe, está claro que o futuro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, assumirá esse papel. Foi Palocci, por exemplo, que sondou todos os convidados para a equipe, antes de Dilma, apartou brigas e atuou como bombeiro para apagar incêndios políticos, principalmente no PT e no PMDB.

A escalação da equipe também produziu a categoria dos ministros que foram sem nunca ter sido. Estão nessa lista o secretário fluminense Sérgio Côrtes, que teve a indicação para a Saúde bombardeada dentro do PMDB; o senador eleito, Eduardo Braga (PMDB-AM), que chegou a ser confirmado por integrantes da equipe de transição como titular da Previdência, mas acabou não indo, e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), cotado para retornar à Integração ou assumir Portos e Aeroportos.

Na seara do PT, a corrente Democracia Socialista bateu o pé e conseguiu com que Dilma desistisse de levar Maria Lúcia Falcón para o Desenvolvimento Agrário. No lugar de Falcón, ela nomeou o deputado eleito Afonso Florence (PT-BA), apadrinhado pelo governador Jaques Wagner. Na contabilidade do mosaico petista, porém, a tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), de Lula e do ex-ministro José Dirceu, levou vantagem.

Mesmo com a disposição de reforçar ainda mais a cota feminina no governo, Dilma encontrou dificuldades para montar o time e escalou só nove mulheres.

"Dilma vai governar com um ministério recauchutado e dá para ver a sombra do Lula. O máximo que conseguiu foi um remendo aqui, outro ali", disse o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília.

O deputado André Vargas (PR), secretário de Comunicação do PT, disse que a equipe reflete as escolhas de Dilma. Citou como exemplo a ida de José Eduardo Cardozo (PT-SP) para a Justiça. "O ministério tem a cara da Dilma, mas, se não tivesse a marca da continuidade, seria um estelionato eleitoral", insistiu.

Ministério para lá de provisório

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Christiane Samarco

Nas conversas de bastidores com lideranças dos principais partidos da base de apoio ao Planalto e governadores aliados há um sentimento unânime, expresso em três constatações básicas: 1) o ministério é fraco; 2) o ministério é para lá de provisório; 3) Dilma Rousseff escolheu com base apenas nos acordos políticos do patrono, Luiz Inácio Lula da Silva, e no xadrez das bancadas governistas.

Na marca provisória, o primeiro ministério Dilma guarda até uma semelhança com o ministério com o qual Lula começou a governar, em 2003. O presidente empregou uma constelação de desempregados das urnas - de Benedita da Silva a Humberto Costa, passando por Jaques Wagner, José Fritsch, Nilmário Miranda e outros mais. A homenagem da transitoriedade à ineficiência era tão patente que, ao final de um ano, Lula teve de vassourar a Esplanada e fazer a primeira reforma.

A vassalagem a Lula e ao paroquialismo das bancadas partidárias, no caso do ministério Dilma, são preponderantes. O caso do PSB, antes e depois de Ciro Gomes entrar em cena, espelha bem o calculismo das escolhas. Ao final, Dilma trabalhou para satisfazer Eduardo Campos e os 5 deputados de Pernambuco - com Fernando Bezerra na Integração Nacional - e a família Gomes e os 5 do Ceará - com Leônidas Cristino na Secretaria de Portos.

Um líder aliado concluiu: "Satisfeitos os caciques, sobrou o PSB do Rio, que tem Romário e está ligado em outras jogadas, o PSB do DF, que foi atendido pelo governo Agnelo Queiróz (PT), e Beto Albuquerque, do PSB gaúcho, que será atendido pelo governador Tarso Genro (PT). Sobrou apenas um PSB muito insatisfeito, o paulista Márcio França. Um caso só, então o problema está resolvido". A reforma ministerial já espreita o governo. E Ciro Gomes sabe disso.

Oposição dá apoio a petista na Câmara e base aliada racha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Bloquinho, formado por PC do B, PSB e PDT, anuncia consulta por nome alternativo logo após DEM e PSDB declararem adesão a Maia

Denise Madueño

BRASÍLIA - A presidente eleita Dilma Rousseff nem tomou posse e a divisão de sua base na Câmara já foi exposta, ontem, na disputa pelo comando da Casa. Menos de cinco horas depois de o candidato oficial do PT, Marco Maia (RS), divulgar o apoio de líderes do DEM e do PSDB a sua candidatura, o grupo formado por deputados de partidos aliados - PC do B, PSB e PDT - informou a abertura do processo de consulta em todas as bancadas por um nome alternativo para presidir a Casa nos próximos dois anos.

O bloquinho - formado pelos três partidos - vem canalizando as insatisfações dos deputados de diversas bancadas com a partilha do comando da Casa pelo PT e pelo PMDB nos quatro anos de mandato. "O processo de escolha do presidente da Câmara, da forma como vem sendo conduzido, gera desconforto e insatisfação em um grande número de deputados", afirmou Aldo Rebelo (PC do B-SP), ex-presidente da Câmara e um dos cotado pelo grupo para disputar o cargo.

"O processo de consulta vai examinar a possibilidade de uma candidatura alternativa", disse. Esse nome, necessariamente, sairá de um dos partidos da base do governo. Com isso, o grupo espera evitar a pressão do Palácio do Planalto a favor de um dos candidatos. "Não é um nome que desencadeia o processo, é o processo que desencadeia o nome. Se viabilizarmos um nome, é para ganhar a eleição", disse Aldo.

Líderes do bloquinho e deputados do DEM e do PPS vêm discutindo a sucessão na Casa e uma forma de garantir os espaços ameaçados com o que chamam de "condomínio" do PT e PMDB na Casa. Esses dois partidos fecharam um acordo pelo qual Maia presidirá a Casa no primeiro biênio (2011- 2013) e um peemedebista, no segundo (2013-2015). Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) já foi escolhido para comandar o segundo período.

O apoio dos líderes do DEM, Paulo Bornhausen (SC), e do PSDB, João Almeida (BA), a Maia foi vista com reservas entre os aliados. Os dois não consultaram suas bancadas antes de oficializar o apoio a Maia. Nem mesmo petistas acreditam que eles entregarão os votos que prometem. Além disso, o líder tucano não voltará à Câmara em 2011. O grupo que articula a candidatura alternativa aposta nas dissidências verificadas em quase todos os partidos.

Bornhausen e Almeida argumentaram que apoiam o petista, porque tiveram a garantia de que os dois partidos terão assegurados seus espaços na Mesa da Câmara e nas comissões.

Congresso deixa corte no Orçamento para Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Projeto avança com previsão de receita R$ 22,9 bilhões maior do que a prevista

Triunfo do Executivo foi manter mínimo em R$ 540 para despesas com Previdência e seguridade social

Gabriela Guerreiro

BRASÍLIA - O Congresso aprovou ontem o Orçamento Geral da União para 2011 com previsão de receita R$ 22,9 bilhões acima da projetada na proposta original do Executivo.

Deputados e senadores deixaram para a presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), o desgaste de promover cortes na peça orçamentária.

A votação foi simbólica, com o plenário vazio, pouco antes do prazo previsto pela Constituição. Como o Congresso entra hoje em recesso, o texto tinha que ser aprovado até a meia-noite para evitar que Dilma começasse o governo sem Orçamento. A votação ocorreu às 22h30.

A maior vitória do Executivo foi manter em R$ 540 o valor do salário mínimo considerado para as despesas com previdência, assistência social e seguro-desemprego. No entanto, as negociações em torno do piso salarial ainda não foram concluídas.

Para garantir a votação, o governo cedeu à oposição depois de um impasse que durou mais de nove horas.

Os governistas aceitaram modificar a regra de remanejamento de recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Pelo acordo, o governo continua livre para remanejar até 25% dos recursos do programa- contra os 30% atuais-mas passa a ter que consultar a Comissão Mista de Orçamento se for remanejar acima dos 25% inicialmente previstos.

Em troca do acordo, a oposição não pediu verificação de quorum-o que derrubaria a votação no plenário esvaziado, com poucos parlamentares presentes.

Para aprovar o Orçamento, a base de apoio a Lula precisou impedir uma rebelião entre os aliados conduzida pelo PDT-que ameaçava não votar o texto se o valor do salário mínimo não fosse elevado para R$ 560.

Diante do impasse, foi então criada uma reserva de R$ 5,6 bilhões que podem ser usados para um reajuste maior no ano que vem, se for do desejo do Executivo.

Outro R$ 1 bilhão foi reservado para o programa Bolsa Família, o que abre caminho para o governo aumentar o valor do benefício em 2011 ou mesmo ampliar o número de famílias atendidas.

O texto também acrescentou R$ 3,3 bilhões ao PAC depois que Lula reclamou do corte do programa nesse valor-sugerido pelo próprio Executivo na proposta inicial encaminhada ao Congresso. Antes da mudança, os recursos do PAC haviam sido reduzidos de R$ 43,5 bilhões para R$ 40,1 bilhões.

O texto aprovado prevê ainda investimentos de R$ 63,5 bilhões para o governo. A receita total chega a R$ 990,5 bilhões, excluídos recursos de origem.

Orçamento de 2011 é ainda mais ficcional do que os anteriores

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Projeto inicial do Executivo já era demasiado otimista sobre as receitas, mas Congresso agravou a distorção

Permanece sob disputa o valor mais importante para a definição das despesas do governo - o do salário mínimo a ser fixado em 1º de janeiro, base para os benefícios previdenciários e assistenciais

Gustavo Patu

BRASÍLIA - Diz o chavão brasiliense que o Orçamento federal é uma peça de ficção. Como em todo chavão, mistura-se um tanto de verdade com outro de simplificação excessiva.

O Orçamento é uma lei que estima a receita do governo no ano seguinte e, a partir dos recursos disponíveis, define que despesas serão ou poderão ser feitas no período. Deputados e senadores definiram o destino de R$ 990,5 bilhões em 2011.

Há uma dose inevitável de imprecisão em qualquer exercício do gênero. A arrecadação, no exemplo mais importante, depende do comportamento da economia do país, que depende da economia global. Um erro de 1% significa quase R$ 10 bilhões -ou um Ministério da Agricultura inteiro- para mais ou para menos.

Obras previstas podem sofrer atrasos por problemas jurídicos, burocráticos e até climáticos.

Secas e enchentes imprevistas podem exigir socorro emergencial a Estados e municípios.

Ainda assim, a maior fatia das despesas, caso de salários, aposentadorias e benefícios assistenciais, pode ser calculada com um bom grau de acerto.

Tudo isso ponderado, o Orçamento de 2011 foi proposto e examinado com uma carga de fantasia acima dos padrões médios do Executivo e do Legislativo nacionais.

Desde que o texto foi enviado ao Congresso, em agosto, era evidente o otimismo excessivo com as receitas: contava-se com uma taxa de crescimento não observada nos últimos dois anos. O exagero foi reconhecido pelo governo neste mês, mas o Congresso preferiu elevar ainda mais a arrecadação projetada.

Antes como agora, o objetivo era evitar ou adiar o desgaste de reduzir as verbas esperadas pelos partidos e lobbies abrigados nos ministérios. Na campanha eleitoral, a vitoriosa Dilma Rousseff negava a necessidade de um ajuste nas contas, que, sabe-se hoje, ficará na casa das dezenas de bilhões de reais.

Permanece sob disputa o valor mais importante para a definição das despesas: o do salário mínimo a ser fixado em 1º de janeiro, base para benefícios previdenciários e assistenciais, seguro-desemprego e abono salarial.

E prossegue um bate-boca bizantino em torno dos recursos do PAC, cuja redução é rechaçada pelo ainda presidente Lula -que, neste ano, dificilmente conseguirá executar 70% das verbas destinadas ao programa.

Em despedida, Lula pedirá que não perguntem sobre futuro

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em rede nacional, presidente deixará em aberto volta ao cargo

Ana Flor

No mais longo pronunciamento feito em oito anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedirá aos brasileiros hoje, em rede nacional, que "não perguntem sobre seu futuro".

Em entrevistas, o presidente tem deixado em aberto a possibilidade de voltar a se candidatar à Presidência.

"Não me perguntem sobre o meu futuro, porque vocês já me deram um grande presente.

Perguntem, sim, pelo futuro do Brasil. E acreditem nele. Porque temos motivos de sobra para isso", dirá Lula hoje à noite.

Será seu último pronunciamento como presidente da República. A fala vai ao ar em rede nacional às 20h (horário de Brasília). O tom será emocional, marcando a despedida de Lula.

O presidente fará um balanço das realizações do governo e passará uma mensagem de otimismo em relação ao futuro do país e da administração de sua sucessora, Dilma Rousseff.Lula pedirá também que o povo apoie a futura presidente "em todos os momentos", como o apoiou.

O pronunciamento foi gravado na manhã da última segunda-feira na biblioteca do Palácio da Alvorada, residência presidencial em Brasília. A versão final, que irá ao ar, tem 11 minutos.

A fala de Lula foi escrita pelo publicitário João Santana, responsável pela campanha de Dilma. O ministro Franklin Martins (Comunicação) e o próprio Lula revisaram e fizeram sugestões.

Durante as gravações, na segunda, Lula se emocionou por diversas vezes. Chegou a chorar. A gravação chegou a ser interrompida. Poucos assessores acompanharam.

Chico Buarque - Vai passar

Poema que aconteceu::Carlos Drummond de Andrade

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.