O QUE PENSA A MÍDIA
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Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
BONITA DE VER, DIFÍCIL DE FAZER
Dora Kramer
Às vésperas de mandar sua proposta de reforma política ao Congresso, o governo resolveu incluir um item relacionado à ação das milícias e quadrilhas de traficantes na campanha para prefeito e vereador no Rio de Janeiro.
Aproveitou a legislação de 1997, que pune a compra de votos com a cassação do mandato do beneficiado, e estendeu a penalidade aos eleitos que, na campanha tenham se favorecido de atos de coerção à liberdade do eleitor.
Há muitas novidades em relação a projetos de reformas em tramitação no Congresso, há o propósito explícito de afastar do Palácio do Planalto quaisquer suspeitas sobre intenções continuístas e existe também um cuidado extremo em não melindrar o Parlamento.
O cerimonial já está acertado: a proposta será levada nos próximos dias ao Congresso pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e das Relações Institucionais, José Múcio, e entregue em mãos aos presidentes do Senado, Garibaldi Alves, e da Câmara, Arlindo Chinaglia.
Uma forma de aplacar conflitos potenciais sinalizados na reação inicial do presidente da Câmara que, apesar de petista, foi brusco ao declarar, em resumo, que o Executivo se intrometia onde não estava sendo chamado.
O presidente Luiz Inácio da Silva quer deixar para a História sua assinatura na reforma, mas não quer arrumar confusão por causa disso. Há dois meses, quando pediu ao Ministério da Justiça que pusesse a reforma no papel, fez uma recomendação expressa: nada de mudanças de caráter institucional que possam ensejar suspeitas sobre aberturas de caminhos constitucionais para a aprovação do terceiro mandato.
Com isso, deixou-se de fora a proposta do fim da reeleição com mandato único de cinco anos ou quaisquer emendas constitucionais que se prestassem a acréscimos por parte dos adeptos do continuísmo.
O projeto contém apenas alterações de leis ordinárias e complementares, com a exceção para a única emenda constitucional que recupera a cláusula de desempenho eleitoral - derrubada pelo Supremo Tribunal Federal - para o acesso dos partidos ao Parlamento.
Esse cuidado todo não quer dizer que um Devanir Ribeiro ou um Carlos William, dois deputados assumidamente defensores do terceiro mandato para Lula, não possam - “por iniciativa própria” - propor algo nesse sentido, como plebiscitos e idéias afins.
Mas, nesse caso, o governo não terá posto sua digital e sempre poderá combater a tese com veemência, ainda que as circunstâncias venham a obrigá-lo depois a aceitar a prática com constrangimento, mas em sinal de “respeito” às decisões do Congresso.
A fim de dirimir dúvidas sobre a lisura de suas intenções e também facilitar a aprovação de mudanças, o Planalto sugere a entrada em vigor das novas regras apenas na eleição municipal de 2012.
As sugestões, cuja elaboração técnica foram coordenadas pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, sustentam-se, segundo ele, em três conceitos básicos: fortalecimento dos partidos, barateamento dos custos de campanha e melhoria da representatividade, aí incluída uma relação mais transparente entre eleitores e eleitos.
“A intenção é atacar as grandes mazelas do sistema: o clientelismo e o fisiologismo, que transformaram a política numa atividade de troca de interesses em prejuízo do embate de idéias”, diz Abramovay.
Na opinião dele, o sistema eleitoral “é uma fraude”. A começar pela ilusão de que as listas abertas asseguram uma relação direta do eleitor com o candidato escolhido. “Os votos vão todos para os partidos, que distribuem as cadeiras de acordo com a votação de cada um, mas as pessoas não sabem disso, acham que quando não elegem o preferido, perderam o voto”.
As listas fechadas, na concepção da proposta, dão nitidez ao processo.
Mas, não dão excessivo poder às cúpulas? “O mesmo de hoje e ainda compromete diretamente os dirigentes com a qualidade dos escolhidos para encabeçar as listas.”
Outra mudança é o financiamento misto de campanha. Parte público, para dar alguma chance a quem não tem acesso a grandes doadores - parte privado, mas só de pessoas físicas. “Pessoa jurídica não tem ideologia, portanto, o interesse é de outra natureza.”
No tocante à filiação partidária, o prazo para mudança de partido é reduzido de um ano para seis meses antes da eleição para não obrigar quem deseja concorrer por outro partido a renunciar a um quarto do mandato em curso.
Está prevista também a proibição de registro de listas sem o cumprimento da cota legal de 8% de candidatas mulheres, a extinção da prática de soma de contagem de tempo de televisão pelo número de partidos da coligação (valeria só o maior) e o veto a candidatos condenados em tribunais, não necessariamente em instância final como manda a legislação atual.
Vista assim do alto, a reforma chega elegante ao Congresso. O risco é sair - se sair - em completo desalinho com os parâmetros institucionalmente aceitáveis.
Dora Kramer
Às vésperas de mandar sua proposta de reforma política ao Congresso, o governo resolveu incluir um item relacionado à ação das milícias e quadrilhas de traficantes na campanha para prefeito e vereador no Rio de Janeiro.
Aproveitou a legislação de 1997, que pune a compra de votos com a cassação do mandato do beneficiado, e estendeu a penalidade aos eleitos que, na campanha tenham se favorecido de atos de coerção à liberdade do eleitor.
Há muitas novidades em relação a projetos de reformas em tramitação no Congresso, há o propósito explícito de afastar do Palácio do Planalto quaisquer suspeitas sobre intenções continuístas e existe também um cuidado extremo em não melindrar o Parlamento.
O cerimonial já está acertado: a proposta será levada nos próximos dias ao Congresso pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e das Relações Institucionais, José Múcio, e entregue em mãos aos presidentes do Senado, Garibaldi Alves, e da Câmara, Arlindo Chinaglia.
Uma forma de aplacar conflitos potenciais sinalizados na reação inicial do presidente da Câmara que, apesar de petista, foi brusco ao declarar, em resumo, que o Executivo se intrometia onde não estava sendo chamado.
O presidente Luiz Inácio da Silva quer deixar para a História sua assinatura na reforma, mas não quer arrumar confusão por causa disso. Há dois meses, quando pediu ao Ministério da Justiça que pusesse a reforma no papel, fez uma recomendação expressa: nada de mudanças de caráter institucional que possam ensejar suspeitas sobre aberturas de caminhos constitucionais para a aprovação do terceiro mandato.
Com isso, deixou-se de fora a proposta do fim da reeleição com mandato único de cinco anos ou quaisquer emendas constitucionais que se prestassem a acréscimos por parte dos adeptos do continuísmo.
O projeto contém apenas alterações de leis ordinárias e complementares, com a exceção para a única emenda constitucional que recupera a cláusula de desempenho eleitoral - derrubada pelo Supremo Tribunal Federal - para o acesso dos partidos ao Parlamento.
Esse cuidado todo não quer dizer que um Devanir Ribeiro ou um Carlos William, dois deputados assumidamente defensores do terceiro mandato para Lula, não possam - “por iniciativa própria” - propor algo nesse sentido, como plebiscitos e idéias afins.
Mas, nesse caso, o governo não terá posto sua digital e sempre poderá combater a tese com veemência, ainda que as circunstâncias venham a obrigá-lo depois a aceitar a prática com constrangimento, mas em sinal de “respeito” às decisões do Congresso.
A fim de dirimir dúvidas sobre a lisura de suas intenções e também facilitar a aprovação de mudanças, o Planalto sugere a entrada em vigor das novas regras apenas na eleição municipal de 2012.
As sugestões, cuja elaboração técnica foram coordenadas pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, sustentam-se, segundo ele, em três conceitos básicos: fortalecimento dos partidos, barateamento dos custos de campanha e melhoria da representatividade, aí incluída uma relação mais transparente entre eleitores e eleitos.
“A intenção é atacar as grandes mazelas do sistema: o clientelismo e o fisiologismo, que transformaram a política numa atividade de troca de interesses em prejuízo do embate de idéias”, diz Abramovay.
Na opinião dele, o sistema eleitoral “é uma fraude”. A começar pela ilusão de que as listas abertas asseguram uma relação direta do eleitor com o candidato escolhido. “Os votos vão todos para os partidos, que distribuem as cadeiras de acordo com a votação de cada um, mas as pessoas não sabem disso, acham que quando não elegem o preferido, perderam o voto”.
As listas fechadas, na concepção da proposta, dão nitidez ao processo.
Mas, não dão excessivo poder às cúpulas? “O mesmo de hoje e ainda compromete diretamente os dirigentes com a qualidade dos escolhidos para encabeçar as listas.”
Outra mudança é o financiamento misto de campanha. Parte público, para dar alguma chance a quem não tem acesso a grandes doadores - parte privado, mas só de pessoas físicas. “Pessoa jurídica não tem ideologia, portanto, o interesse é de outra natureza.”
No tocante à filiação partidária, o prazo para mudança de partido é reduzido de um ano para seis meses antes da eleição para não obrigar quem deseja concorrer por outro partido a renunciar a um quarto do mandato em curso.
Está prevista também a proibição de registro de listas sem o cumprimento da cota legal de 8% de candidatas mulheres, a extinção da prática de soma de contagem de tempo de televisão pelo número de partidos da coligação (valeria só o maior) e o veto a candidatos condenados em tribunais, não necessariamente em instância final como manda a legislação atual.
Vista assim do alto, a reforma chega elegante ao Congresso. O risco é sair - se sair - em completo desalinho com os parâmetros institucionalmente aceitáveis.
DEU EM O GLOBO
O REAL E O IMAGINÁRIO
Merval Pereira
Merval Pereira
NOVA YORK. O maior dos problemas de Barack Obama não é exatamente John McCain, mas a sua inexperiência e, sobretudo, a disputa acirrada com sua companheira de partido, Hillary Clinton, que ainda não terminou. Até aqui, a marca mais importante dessa candidatura surpreendente, a novidade, prevaleceu, mas vai se esvaindo. Foi assim que Obama se impôs aos Clinton dentro de um partido que estava preparado para consagrar a senadora por Nova York quase que por aclamação. As primárias seriam apenas uma etapa formal para a sua indicação a candidata, cuja conseqüência natural seria a eleição em novembro, diante de um republicano que carregava o estigma de ser do mesmo partido do presidente menos popular dos últimos tempos, em um país em crise econômica profunda.
Quando a "Obamania" tornou-se um fenômeno, a tática dos que controlam o partido democrata em Washington não conseguiu conter a onda de novos eleitores que deram um colorido inédito às eleições americanas.
Esses eleitores "sem cabresto" tornaram irreversível a vitória de Obama, e até mesmo os superdelegados, que tendiam a votar em Hillary mesmo Obama tendo mais delegados, tiveram que se curvar diante do apelo inédito dos que se sentiram atraídos pela primeira vez, ou de novo, para a política com o apelo intangível da mudança.
Mas o peso da política tradicional continua contendo os supostos avanços que a candidatura de Obama prometia. Cerca de 40% dos eleitores "de cabresto" de Hillary Clinton se rebelam contra a candidatura de Obama, o que o impede de deslanchar nas pesquisas de opinião.
Mais ainda, ele, na tentativa de não se igualar aos "falcões" da Casa Branca, teve uma reação tíbia diante da invasão da Geórgia pela Rússia, enquanto o velho McCain mostrou os dentes afiados, explorando um ponto em que ele não provoca dúvidas nos conservadores.
Quando se trata de guerra, e especialmente contra a Rússia, McCain não difere em nada do mais radical dos republicanos e acalma os eleitores que o consideram "liberal" demais. Já Obama, quando sentiu que precisava ser mais duro contra a Rússia, já havia passado a imagem de fraqueza e inexperiência que o persegue durante essa campanha.
Está fazendo concessões em excesso para o clã Clinton, e também não se mostrou à altura de se ombrear com o frio ex-líder da KGB, que quer levar a Rússia novamente ao centro do tabuleiro de poder mundial.
A queda nas pesquisas de opinião reflete a desconfiança do eleitorado americano com relação à capacidade de Obama liderar um país em crise e cercado de países dispostos a ampliar seus poderes militares, como o Irã e a Rússia, sem falar no combate permanente ao terrorismo.
Não é à toa que a campanha de Obama voltou-se agora para a crise econômica, tentando transferir para McCain o ônus de ser do mesmo partido de George Bush. Paradoxalmente, porém, há quem destaque que, quanto maior for a percepção da crise econômica dos Estados Unidos, mais os eleitores se preocuparão em entregar o país a um político inexperiente.
McCain está fazendo, com sucesso, o que a senadora Hillary Clinton tentou durante a campanha das primárias, mas não conseguiu: desqualificar Obama para o cargo. Vários discursos seus, falando das palavras ocas de Obama e a diferença entre os dois, um apenas teórico, ela, prática e com experiência de poder, estão sendo mostrados na televisão e citados por McCain, que vem explorando essa fragilidade do adversário desde a viagem internacional de Obama - que, se foi um sucesso de público, especialmente internacional, não funcionou para dentro do país.
Além de estarem precisando de quem trate dos problemas do dia-a-dia, que afetam "as pessoas que freqüentam as filas do Wal Mart", fazer sucesso com europeu não é exatamente o que motiva o eleitorado médio americano.
O discurso poético e idílico de Obama seria a representação do seu cosmopolitismo, que contrasta com a maneira de ver o mundo da maioria do eleitorado. Com uma avassaladora votação entre os hispânicos, chegando a ter 66% dos votos, um índice acima da média dos últimos candidatos democratas, Obama trata de assuntos delicados para esse estrato da população de maneira indireta.
Ele defende, por exemplo, que os hispânicos aprendam a falar inglês, um tema que domina a agenda conservadora. O historiador Samuel Huntington criou muita polêmica ao lançar um livro em que defendia a obrigatoriedade de falar o idioma local para que os imigrantes fossem integrados à sociedade americana. "Não se pode sonhar o sonho americano em espanhol", era uma afirmativa polêmica de Huntington.
Já Obama defende a mesma tese, mas de uma maneira mais "moderna". Ele acha que os hispânicos devem falar inglês para se tornarem mais competitivos no mercado de trabalho, mas defende que os americanos também aprendam espanhol, pelas mesmas razões.
Essa é uma postura que mostra como ele procura sempre caminhos alternativos para não se chocar com nenhuma parte do eleitorado, uma postura que, se não lhe tira votos dos hispânicos, irrita uma parcela do eleitorado. E, sobretudo, abre campo para que seja acusado de ambíguo.
Quanto mais Obama se aproxima do establishment político para ganhar apoio institucional - escolhendo para vice, por exemplo, a própria Hillary ou o senador Joseph Bayne, por presidir o comitê de política externa - mais ele se distancia da candidatura original que dominou o imaginário de uma parte do eleitorado.
DEU EM O GLOBO
CÂMARA APROVA MAIS RIGOR CONTRA MILICIANOS
Isabel Braga
Formação de grupos pode virar crime federal, segundo projeto que altera Código Penal
BRASÍLIA. Em tempo recorde e por votação simbólica, foi aprovado ontem, na Câmara dos Deputados, projeto que tipifica como crime a formação de milícias e grupos de extermínio. A pena prevista é de quatro a oito anos de reclusão. A proposta também amplia de um terço à metade a pena para os crimes contra a vida cometidos por meio dessas organizações ou praticados com a intenção de fazer justiça com as próprias mãos. O projeto, que altera o Código Penal, foi aprovado ontem na Comissão de Segurança da Câmara e também pelo plenário. Agora, seguirá para apreciação no Senado.
Além de criar novos tipos penais, o projeto transforma esses delitos em crimes federais: não serão tratados como crimes comuns, a serem julgados pela Justiça comum e apurados pela polícia civil. Caberá à Polícia Federal e ao Ministério Público federal a investigação e a denúncia de tais crimes, que serão julgados pela Justiça Federal. O projeto diz que esses delitos são considerados "ofensa ao Estado democrático de direito e de interesse da União". Este item do projeto chegou a ser criticado, durante a votação na Comissão de Segurança, mas foi mantido.
- É uma questão polêmica, mas uma demonstração evidente de que se quer enfrentar as milícias - argumentou o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).
Isabel Braga
Formação de grupos pode virar crime federal, segundo projeto que altera Código Penal
BRASÍLIA. Em tempo recorde e por votação simbólica, foi aprovado ontem, na Câmara dos Deputados, projeto que tipifica como crime a formação de milícias e grupos de extermínio. A pena prevista é de quatro a oito anos de reclusão. A proposta também amplia de um terço à metade a pena para os crimes contra a vida cometidos por meio dessas organizações ou praticados com a intenção de fazer justiça com as próprias mãos. O projeto, que altera o Código Penal, foi aprovado ontem na Comissão de Segurança da Câmara e também pelo plenário. Agora, seguirá para apreciação no Senado.
Além de criar novos tipos penais, o projeto transforma esses delitos em crimes federais: não serão tratados como crimes comuns, a serem julgados pela Justiça comum e apurados pela polícia civil. Caberá à Polícia Federal e ao Ministério Público federal a investigação e a denúncia de tais crimes, que serão julgados pela Justiça Federal. O projeto diz que esses delitos são considerados "ofensa ao Estado democrático de direito e de interesse da União". Este item do projeto chegou a ser criticado, durante a votação na Comissão de Segurança, mas foi mantido.
- É uma questão polêmica, mas uma demonstração evidente de que se quer enfrentar as milícias - argumentou o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).
Até um milhão de cariocas sob o poder de bandidos
Hoje, a criação de milícias e outros grupos é enquadrada no crime de formação de quadrilha, que tem pena de um a três anos de reclusão - o dobro no caso de o bando estar armado. O novo projeto teve por base duas propostas que tramitavam na Casa: uma de autoria do deputado Luiz Couto (PT-PB), que presidiu a CPI dos Grupos de Extermínio no Nordeste, e outra de autoria do presidente da Comissão de Segurança, Raul Jungmann (PPS-PE).
Couto afirmou que as maiores vítimas desses grupos são líderes sindicais, de defesa dos direitos humanos e da reforma agrária. Jungmann enfatizou que o problema das milícias é nacional e atinge de maneira especial o Rio de Janeiro, inclusive prejudicando a liberdade de escolha dos eleitores.
- Hoje, de 500 mil a um milhão de cariocas se encontram impedidos de ter sua livre manifestação. Em algumas regiões do Rio, temos situações de exceção, em que eleitores não podem escolher livremente seus candidatos e são reféns da milícia e do tráfico. Esta comissão (de Segurança) dá uma resposta a isso - disse Jungmann.
A proposta aprovada ontem pelos deputados cria dois novos crimes. O primeiro deles trata de constituição de milícia. Diz o texto que é crime "constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar crimes". O segundo estabelece que a oferta de serviços de segurança, sem autorização legal, é crime a ser punido com pena de detenção de um a dois anos.
Pena aumentada em até 50% no caso de morte
Se a ação dos grupos resultar em morte, a pena (de 6 a 20 anos) crescerá de um terço à metade, se o crime for praticado "com a intenção de fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão própria ou de outrem, ou se praticado sob o pretexto de oferecer serviços de segurança". No caso de lesão corporal, há aumento de um terço da pena. Os projetos tiveram como relator o deputado Edmar Moreira (DEM-MG). A proposta foi incluída na pauta do plenário, de forma consensual, pelos líderes.
- Hoje acontece uma matança de jovens. São pessoas que pertencem ao narcotráfico e, se quiserem sair, são exterminadas, ou porque sabem demais ou por decidirem romper com aquele grupo e ter vida própria - disse o deputado Luiz Couto.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
QUEM MATOU RONALDINHO?
Clóvis Rossi
MADRI - Os argentinos cunharam uma frase absolutamente notável sobre Carlos Gardel: "Cada dia canta mejor". Gardel morreu faz 73 anos.
Houve um tempo em que milhões de apaixonados por futebol acreditavam que Ronaldinho Gaúcho era o Gardel do futebol: cada dia jogava melhor. Durou pouco. Há dois anos e meio, Ronaldinho chegou à Alemanha como melhor jogador do mundo, pronto para atingir uma altura ao menos parecida com a de Pelé (era a previsão de Tostão, que é o meu farol nesses assuntos, porque jogou com os melhores e é capaz de análises frias).
Ronaldinho Gaúcho, a rigor, morreu anteontem, aos 28 anos.
Não sei se a Folha publicou a foto do argentino Messi abraçando seu ex-companheiro do Barça após derrotá-lo por 3 a 0. O brasileiro está de olhos fechados, cabeça baixa pendendo do ombro do pequeno artista argentino. Parece velório, o velório dele próprio.
Luis Martín, comentarista do jornal "El País", escreve que Ronaldinho deu pena. Comenta ainda que o jogador levou mais de três horas para conseguir urinar para o exame antidoping. Fecha assim o epitáfio: "Quis jogar e não pôde.
Quis urinar e não pôde".
O que me intriga -é uma pauta que me proponho incessantemente e não tenho coragem de propô-la ao jornal- é a causa da morte prematura. A Maradona, mataram-lhe as drogas, todo mundo sabe. Ronaldo, o "Fenômeno", também teve morte prematura, mas sua agonia foi praticamente pública, feita de muita gandaia, algum sobrepeso e contusões graves seguidas.
Ronaldinho só muito recentemente passou a ser criticado, em Barcelona, por noitadas supostamente desregradas. Machucou-se pouco, engordou pouco. O jornalismo deve ao público contar quem matou (ou o que matou) esse Gardel da bola, que já não canta melhor. Nem canta, aliás.
Clóvis Rossi
MADRI - Os argentinos cunharam uma frase absolutamente notável sobre Carlos Gardel: "Cada dia canta mejor". Gardel morreu faz 73 anos.
Houve um tempo em que milhões de apaixonados por futebol acreditavam que Ronaldinho Gaúcho era o Gardel do futebol: cada dia jogava melhor. Durou pouco. Há dois anos e meio, Ronaldinho chegou à Alemanha como melhor jogador do mundo, pronto para atingir uma altura ao menos parecida com a de Pelé (era a previsão de Tostão, que é o meu farol nesses assuntos, porque jogou com os melhores e é capaz de análises frias).
Ronaldinho Gaúcho, a rigor, morreu anteontem, aos 28 anos.
Não sei se a Folha publicou a foto do argentino Messi abraçando seu ex-companheiro do Barça após derrotá-lo por 3 a 0. O brasileiro está de olhos fechados, cabeça baixa pendendo do ombro do pequeno artista argentino. Parece velório, o velório dele próprio.
Luis Martín, comentarista do jornal "El País", escreve que Ronaldinho deu pena. Comenta ainda que o jogador levou mais de três horas para conseguir urinar para o exame antidoping. Fecha assim o epitáfio: "Quis jogar e não pôde.
Quis urinar e não pôde".
O que me intriga -é uma pauta que me proponho incessantemente e não tenho coragem de propô-la ao jornal- é a causa da morte prematura. A Maradona, mataram-lhe as drogas, todo mundo sabe. Ronaldo, o "Fenômeno", também teve morte prematura, mas sua agonia foi praticamente pública, feita de muita gandaia, algum sobrepeso e contusões graves seguidas.
Ronaldinho só muito recentemente passou a ser criticado, em Barcelona, por noitadas supostamente desregradas. Machucou-se pouco, engordou pouco. O jornalismo deve ao público contar quem matou (ou o que matou) esse Gardel da bola, que já não canta melhor. Nem canta, aliás.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
SAIA JUSTA ENTRE GABEIRA E PAES
Da redação
Da redação
Peemedebista oferece cargo a vereadora que apóia PV
O que seria um encontro paz e amor transformou-sem em saia justa, com direito a convite para compor secretaria. Foi assim o debate realizado ontem, na sede da Federação das Instituições Beneficentes do Rio de Janeiro (FIBRJ), entre os candidatos que disputam a prefeitura do Rio Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV).
A vereadora Andréa Gouvêa Vieira (PSDB), que tenta a reeleição, também participou do debate como mediadora, e foi ela quem recebeu o convite de Paes, ex-colega de partido. Andréa, no entanto, apóia Gabeira pela coligação.
- Encaro o convite como um tratamento carinhoso, não é um chamado oficial para um cargo executivo. Fomos colegas de partido, e Paes reconhece meu trabalho amenizou a vereadora.
Desde que decidiu disputar a reeleição, Andréa garante ter assumido o compromisso de permanecer na Câmara Municipal e não aceitará nenhum cargo.
Em relação ao apoio a Gabeira, sem pestanejar, Andréa responde que ele é seu candidato a prefeito. A vereadora diz que auxilia Gabeira no planejamento orçamentário do plano de governo.
No encontro, que discutiu políticas para os jovens, o candidato do PV propôs um programa que pensa no futuro dessa geração.
- Formulamos um programa com políticas para crianças desde o ventre da mãe até o momento que ela deixa a escola secundária, e se os candidatos não pensam, a gente pensa por eles frisou.
Para Gabeira, todo grande projeto de cidade prevê um desenvolvimento para daqui a 20 anos, "e as crianças que nascem agora serão líderes no futuro", avaliou.
A assistente social e professora da UFRJ, Maria Cristina Salomão, cutucou o candidato Paes sobre sua administração como subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, quando ele combateu os menores de rua nos sinais. O peemedebista respondeu firme:
- Lugar de criança é junto da família e na escola. Vou continuar combatendo essa prática.
DO POETA QUE SE VAI PARA O ORUM
Antonio Risério*
Caymmi, embora único, é um produto típico da mestiçagem e do sincretismo baianos. Um mulato baiano de ascendência italiana (como o também sambista Carlos Marighella, seu contemporâneo), criado entre a capoeira, os afoxés, o samba de roda tradicional do Recôncavo Baiano, cânticos de orixás e formas musicais populares e eruditas da Europa, de Bach a Debussy, para não falar da literatura de Jorge Amado e da poesia de Lorca.
Costumo defini-lo como a expressão estética concentrada da cultura de uma cidade tradicional, a Salvador centenária e senhorial das primeiras décadas do século passado, principal núcleo urbano do recôncavo agrário e mercantil da Bahia. Caymmi, no veio mais baiano de sua obra, fala desse mundo “arcaico”, anterior à expansão nordestina do capitalismo brasileiro. Quando não se planta num lugar de certo sabor tribal, a comunidade de Itapoã, com seus ritmos recorrentes de vida.
E ele pôde ser expressão estética dessa cultura porque tinha uma intimidade essencial com suas linguagens. Com a fala do povo, o “sermo vulgaris” baiano. Com a poesia da capoeira e do samba. Com a religiosidade sincrética local. E sempre procurou recriá-las em sua lírica. Desse ponto de vista, aliás, sua proverbial “preguiça” será melhor vista como método de trabalho.
Caymmi demorava anos para fazer uma canção porque queria a palavra certa no lugar certo, como se ela tivesse estado sempre ali. Como se tivesse nascido naquele momento de uma canção. Essa busca da fluência da palavra cantada faz com que muitas de suas frases pareçam colhidas no ar. Mas elas resultam, na verdade, de um paciente artesanato verbal, feito por um criador que conhece as minúcias do seu ofício.
Interessante também notar que a poesia caymmiana é avessa à metáfora, mas buscando sempre o plástico, a recriação linguística da imagem visual. Além de mostrar um certo gosto pelo substantivo e, aqui e ali, se desmanchar em sufixos diminutivos de ternura.
Um aspecto fundamental (que é também um ensinamento) da criação caymmiana é que ela está, ao mesmo tempo, enraizada em solo ancestral e aberta ao horizonte contemporâneo. Fala de orixás, da arquitetura colonial, e vem do samba mais antigo do Recôncavo. Ao mesmo tempo, dialoga com a poesia modernista e se deixar banhar pelo impressionismo musical francês.
Não nos esqueçamos de que Itapoã era uma comunidade de pescadores místicos e artesanais, mas Caymmi a fez soar pela indústria do disco e pelas ondas eletromagnéticas da Rádio Nacional. Além de ter incursionado bem à vontade por um gênero novo, o samba-canção carioca.
Com o poder de sedução de sua estética mestiça, Caymmi, como João Gilberto, contribuiu para provocar alterações na estrutura da sensibilidade brasileira. E para promover uma mudança profunda e altamente significativa na hierarquia de nossas formas culturais.
Para dar um exemplo, quando ele lançou “Promessa de Pescador”, o canto a Iemanjá tinha algo de estranho e misterioso, de um modo geral, para ouvidos sudestinos. Mas quem diria isso hoje, quando Iemanjá é celebrada de uma ponta a outra do país? Naquela época, o candomblé ainda sofria perseguições policiais. Ainda podia ser tratado em termos de “resistência cultural”. Hoje, templos candomblezeiros são tombados oficialmente como patrimônio do povo brasileiro.
Quando Caymmi soou no Brasil Meridional, trazia a mensagem cálida e ecológica de um lugar idealizado, que parecia parado no tempo e viver em paz, imune a conflitos sociais. Caymmi reforçou assim, nacionalmente, o mito baiano. Era como se falasse de um espaço utópico: o lugar de nossa origem, premiado por belezas arquitetônicas e ambientais, onde vivia uma gente feliz, ensolarada e muito singular.
Naquela época, o mito não deixava de encontrar alguma correspondência na Bahia real. Hoje, não. A Bahia de Caymmi ficou definitivamente para trás. É uma Bahia que soa atualmente, também para os próprios baianos, como uma espécie de utopia. A utopia de um poeta erótico, culinário e ecológico. Poeta de cama, mesa e mar.
* Antonio Risério é poeta e antropólogo, autor de “Caymmi: Uma Utopia de Lugar” e “Uma História da Cidade da Bahia”.
Antonio Risério*
Caymmi, embora único, é um produto típico da mestiçagem e do sincretismo baianos. Um mulato baiano de ascendência italiana (como o também sambista Carlos Marighella, seu contemporâneo), criado entre a capoeira, os afoxés, o samba de roda tradicional do Recôncavo Baiano, cânticos de orixás e formas musicais populares e eruditas da Europa, de Bach a Debussy, para não falar da literatura de Jorge Amado e da poesia de Lorca.
Costumo defini-lo como a expressão estética concentrada da cultura de uma cidade tradicional, a Salvador centenária e senhorial das primeiras décadas do século passado, principal núcleo urbano do recôncavo agrário e mercantil da Bahia. Caymmi, no veio mais baiano de sua obra, fala desse mundo “arcaico”, anterior à expansão nordestina do capitalismo brasileiro. Quando não se planta num lugar de certo sabor tribal, a comunidade de Itapoã, com seus ritmos recorrentes de vida.
E ele pôde ser expressão estética dessa cultura porque tinha uma intimidade essencial com suas linguagens. Com a fala do povo, o “sermo vulgaris” baiano. Com a poesia da capoeira e do samba. Com a religiosidade sincrética local. E sempre procurou recriá-las em sua lírica. Desse ponto de vista, aliás, sua proverbial “preguiça” será melhor vista como método de trabalho.
Caymmi demorava anos para fazer uma canção porque queria a palavra certa no lugar certo, como se ela tivesse estado sempre ali. Como se tivesse nascido naquele momento de uma canção. Essa busca da fluência da palavra cantada faz com que muitas de suas frases pareçam colhidas no ar. Mas elas resultam, na verdade, de um paciente artesanato verbal, feito por um criador que conhece as minúcias do seu ofício.
Interessante também notar que a poesia caymmiana é avessa à metáfora, mas buscando sempre o plástico, a recriação linguística da imagem visual. Além de mostrar um certo gosto pelo substantivo e, aqui e ali, se desmanchar em sufixos diminutivos de ternura.
Um aspecto fundamental (que é também um ensinamento) da criação caymmiana é que ela está, ao mesmo tempo, enraizada em solo ancestral e aberta ao horizonte contemporâneo. Fala de orixás, da arquitetura colonial, e vem do samba mais antigo do Recôncavo. Ao mesmo tempo, dialoga com a poesia modernista e se deixar banhar pelo impressionismo musical francês.
Não nos esqueçamos de que Itapoã era uma comunidade de pescadores místicos e artesanais, mas Caymmi a fez soar pela indústria do disco e pelas ondas eletromagnéticas da Rádio Nacional. Além de ter incursionado bem à vontade por um gênero novo, o samba-canção carioca.
Com o poder de sedução de sua estética mestiça, Caymmi, como João Gilberto, contribuiu para provocar alterações na estrutura da sensibilidade brasileira. E para promover uma mudança profunda e altamente significativa na hierarquia de nossas formas culturais.
Para dar um exemplo, quando ele lançou “Promessa de Pescador”, o canto a Iemanjá tinha algo de estranho e misterioso, de um modo geral, para ouvidos sudestinos. Mas quem diria isso hoje, quando Iemanjá é celebrada de uma ponta a outra do país? Naquela época, o candomblé ainda sofria perseguições policiais. Ainda podia ser tratado em termos de “resistência cultural”. Hoje, templos candomblezeiros são tombados oficialmente como patrimônio do povo brasileiro.
Quando Caymmi soou no Brasil Meridional, trazia a mensagem cálida e ecológica de um lugar idealizado, que parecia parado no tempo e viver em paz, imune a conflitos sociais. Caymmi reforçou assim, nacionalmente, o mito baiano. Era como se falasse de um espaço utópico: o lugar de nossa origem, premiado por belezas arquitetônicas e ambientais, onde vivia uma gente feliz, ensolarada e muito singular.
Naquela época, o mito não deixava de encontrar alguma correspondência na Bahia real. Hoje, não. A Bahia de Caymmi ficou definitivamente para trás. É uma Bahia que soa atualmente, também para os próprios baianos, como uma espécie de utopia. A utopia de um poeta erótico, culinário e ecológico. Poeta de cama, mesa e mar.
* Antonio Risério é poeta e antropólogo, autor de “Caymmi: Uma Utopia de Lugar” e “Uma História da Cidade da Bahia”.
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
JOSUÉ, O DESPERDÍCIO, A FOME
Editorial
Editorial
No dia 5 de setembro próximo o pernambucano Josué de Castro estaria completando 100 anos de idade e não teria muitos motivos para festejar. Ele veria, por exemplo, que o tema central de sua grande obra – a fome que queria ver erradicada –, se irradia com a rapidez que a mundialização da economia acelera e no Brasil continua matéria-prima de experiências de um laboratório social de profundos contrastes. Até justifica a criação de um Ministério, de políticas públicas como Fome Zero e criação de bancos de alimentos para combater o desperdício. Estaria também o autor de Geografia da fome envolvido em um cenário bem maior, por força da globalização e de sua autoridade reconhecida internacionalmente, neste momento em que a crise de alimentos acende a luz vermelha no mundo, em parte pelo impacto no bolso dos consumidores mais ricos, quando até recentemente ela só parecia ceifar vidas nos países mais pobres, em especial na África, e nos grandes bolsões de miséria do Ocidente, como o Nordeste brasileiro.
Bastou a escassez de alimentos atingir o mercado e o bolso dos mais ricos em todo mundo para ser objeto de extensas discussões internacionais. Quando os mercados estiverem de novo abastecidos e com os preços contidos no primeiro mundo, o tema certamente voltará a ser exclusivo do terceiro mundo, em que também se situam os chamados emergentes, como é o caso do Brasil, da China e Índia. Porque, apesar desse capítulo circunstancial para os mais ricos, o problema da fome entre nós persiste com aquelas características epidêmicas e endêmicas de que falava Josué de Castro. E esse mal crônico está sendo quantificado e exposto em um grande quadro pela Organização das Nações Unidas (ONU), com uma abordagem de natureza prática, produto da ignorância e do atraso na capacidade de organizar a infra-estrutura para toda a cadeia produtiva, o que representa para o Brasil jogar no lixo 70 mil toneladas de alimentos a cada ano.
Assim, o problema do desperdício de alimentos é colocado em primeiro plano e cobra, urgentemente, uma nova cultura, até porque um país que tem como ação de governo um programa chamado Fome Zero não pode permitir que 64% do que planta se perca na cadeia: colheita, transporte, processamento e hábitos alimentares. E é isso o que constata a ONU, com o aporte da Confederação Nacional da Agricultura que informa: somente no transporte rodoviário de grãos perdemos anualmente algo em torno de R$ 3 bilhões. O IBGE acrescenta a esse quadro um outro dado assombroso: entre 1996 e 2003 houve safras em que as perdas foram superiores às exportações, uma insensatez nacional em que o milho tem lugar privilegiado.
Estudos da Embrapa mostram, igualmente, como estão visíveis e identificadas as causas das perdas de alimentos, com os danos que os produtos sofrem ao longo da cadeia produtiva, do campo à mesa dos brasileiros. Esses absurdos se situam no plano de produção e distribuição, mas há um componente de péssimos hábitos alimentares, que acrescentam mais desperdício, mais prejuízo, mais persistência de fome em meio à abundância. A esse problema se acrescenta o rigor da lei que regula doações e estabelece que os doadores podem responder a processos civis e criminais se o alimento doado prejudicar a saúde de quem recebeu. Um desestímulo aos restaurantes, lanchonetes e hotéis onde o processo de seleção dos produtos sempre deixa muitas sobras.
Diante de tudo isso, fica a lição de que Josué de Castro é cada vez mais atual, mesmo quando há informações técnicas suficientes para mudar a forma com que vem sendo abordada a cadeia produtiva de alimentos, e que é preciso tratar como política pública o aproveitamento dos produtos descartados, mas saudáveis, nas Ceasas e feiras livres, e cumpre à sociedade um papel importante: o da consciência de que a comida que sobra em uns pratos poderia estar noutros que nada têm, jamais ampliar os gráficos do desperdício de alimentos, hoje no patamar dos 60% do lixo jogado fora pelos brasileiros.
DEU NA GAZETA MERCANTIL
REFORMA POLÍTICA: MUDAR PARA MELHOR
Rodrigo da Rocha Loures
A reforma política ressurge na agenda do governo do presidente Lula. Comum em épocas de crise ou que antecedem eleições, esta reforma entra e sai de cena sem outra conseqüência que não a de contemplar as conveniências da classe política.
Há um ano, ela retornava à pauta nacional também por iniciativa do executivo federal. Na época, três pontos estavam sendo considerados: voto em lista, fidelidade partidária e financiamento público de campanha. Colocadas em discussão, estas questões foram rejeitadas pelo Congresso Nacional. Agora, estão de volta.
O certo é que o nosso sistema político-eleitoral exige uma revisão mais profunda. Mas esta é uma tarefa de longo prazo. No momento, é necessário concentrar esforços em torno daquelas medidas cuja consecução tenha o efeito sistêmico de desencadear uma mudança no funcionamento do sistema como um todo.
A reforma que nos apresentam vai apenas conferir aos líderes das legendas um poder sem contrapeso no nosso sistema representativo. O sistema partidário brasileiro é sabidamente viciado e fortalecer o "caciquismo" somente contribuirá para a "cartorialização" da política.
Estou cada vez mais convencido de que a proposta que tem o poder de causar o necessário impacto no atual modelo político - uma verdadeira mudança - é a adoção do voto distrital ou distrital misto. Esse modelo certamente contribuirá para fortalecer nossa democracia representativa.
O voto distrital - ou distrital misto - aumenta o poder de fiscalização e o legítimo controle democrático dos eleitores sobre os representantes. A tendência é a de que sejam escolhidos candidatos com real representatividade dentro dos distritos.
Além disso, o sistema inibe o troca-troca de partido e reduz substancialmente os custos das campanhas eleitorais. Existem, por certo, dificuldades para a adoção do voto distrital, mas elas podem ser devidamente equacionadas. Na balança de custo-benefício, o benefício prevalece. Pesquisa realizada em 2007 pela Ipsos Public Affairs mostra que a maioria dos eleitores brasileiros (56%) aprova a adoção do voto distrital. Em contraposição, apenas 36% apóiam a manutenção do sistema proporcional para eleger deputados federais, estaduais e vereadores. Os dados da pesquisa revelam ainda indicações importantes da opinião dos eleitores: para 78%, o voto distrital facilita a cobrança de promessas feitas pelo eleito e 68% acham que o modelo ajuda a diminuir a corrupção parlamentar.
A proposta de uma profunda revisão do sistema político encontra ressonância nos diversos extratos da sociedade, que dá sinais claros de que não aceita mais que o processo político se resuma à mera legitimação dos que irão ocupar o poder. Por conseguinte, é imperativo aprofundar as mudanças na sistemática eleitoral e de representação, de forma a melhorar qualitativamente a representatividade política dos brasileiros.
A repetição de crises políticas indica a importância de promovermos alterações constitucionais e infraconstitucionais profundas. Devemos ter claro, contudo, que o sistema político não vai, nunca, se autotransformar. Logo, cabe à sociedade conduzir a construção de novas práticas. Ao empresariado, cabe um lugar de destaque nesse processo. Precisamos dar um exemplo de firmeza e responsabilidade.
Nós empresários não podemos mais nos limitar ao comportamento tradicional de financiar candidaturas, defender interesses setoriais e encomendar estudos para encaminhar às autoridades. Essas medidas estão muito aquém das nossas potencialidades de protagonistas do desenvolvimento.
Temos o dever de influir na pauta política nacional, regional ou local. Cada um deve fazer isso a seu modo, seja fortalecendo e oxigenando as organizações de representação empresarial ou articulando redes sociais, seja em ações individuais de cobrar dos políticos novas atitudes e métodos.
Como já dissemos antes, a pressão ambiental exercida de fora para dentro, combinada com a inclusão de novos atores na cena política, de baixo para cima - respaldada por redes de participação cidadã -, configura-se não apenas como um caminho, mas talvez o único caminho, nas circunstâncias atuais, para mudar o atual sistema político. Vamos mudar, para melhor, ou continuaremos somente pagando a conta.
RODRIGO DA ROCHA LOURES* - Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e presidente do Conselho de Política Industrial da CNI.
Rodrigo da Rocha Loures
A reforma política ressurge na agenda do governo do presidente Lula. Comum em épocas de crise ou que antecedem eleições, esta reforma entra e sai de cena sem outra conseqüência que não a de contemplar as conveniências da classe política.
Há um ano, ela retornava à pauta nacional também por iniciativa do executivo federal. Na época, três pontos estavam sendo considerados: voto em lista, fidelidade partidária e financiamento público de campanha. Colocadas em discussão, estas questões foram rejeitadas pelo Congresso Nacional. Agora, estão de volta.
O certo é que o nosso sistema político-eleitoral exige uma revisão mais profunda. Mas esta é uma tarefa de longo prazo. No momento, é necessário concentrar esforços em torno daquelas medidas cuja consecução tenha o efeito sistêmico de desencadear uma mudança no funcionamento do sistema como um todo.
A reforma que nos apresentam vai apenas conferir aos líderes das legendas um poder sem contrapeso no nosso sistema representativo. O sistema partidário brasileiro é sabidamente viciado e fortalecer o "caciquismo" somente contribuirá para a "cartorialização" da política.
Estou cada vez mais convencido de que a proposta que tem o poder de causar o necessário impacto no atual modelo político - uma verdadeira mudança - é a adoção do voto distrital ou distrital misto. Esse modelo certamente contribuirá para fortalecer nossa democracia representativa.
O voto distrital - ou distrital misto - aumenta o poder de fiscalização e o legítimo controle democrático dos eleitores sobre os representantes. A tendência é a de que sejam escolhidos candidatos com real representatividade dentro dos distritos.
Além disso, o sistema inibe o troca-troca de partido e reduz substancialmente os custos das campanhas eleitorais. Existem, por certo, dificuldades para a adoção do voto distrital, mas elas podem ser devidamente equacionadas. Na balança de custo-benefício, o benefício prevalece. Pesquisa realizada em 2007 pela Ipsos Public Affairs mostra que a maioria dos eleitores brasileiros (56%) aprova a adoção do voto distrital. Em contraposição, apenas 36% apóiam a manutenção do sistema proporcional para eleger deputados federais, estaduais e vereadores. Os dados da pesquisa revelam ainda indicações importantes da opinião dos eleitores: para 78%, o voto distrital facilita a cobrança de promessas feitas pelo eleito e 68% acham que o modelo ajuda a diminuir a corrupção parlamentar.
A proposta de uma profunda revisão do sistema político encontra ressonância nos diversos extratos da sociedade, que dá sinais claros de que não aceita mais que o processo político se resuma à mera legitimação dos que irão ocupar o poder. Por conseguinte, é imperativo aprofundar as mudanças na sistemática eleitoral e de representação, de forma a melhorar qualitativamente a representatividade política dos brasileiros.
A repetição de crises políticas indica a importância de promovermos alterações constitucionais e infraconstitucionais profundas. Devemos ter claro, contudo, que o sistema político não vai, nunca, se autotransformar. Logo, cabe à sociedade conduzir a construção de novas práticas. Ao empresariado, cabe um lugar de destaque nesse processo. Precisamos dar um exemplo de firmeza e responsabilidade.
Nós empresários não podemos mais nos limitar ao comportamento tradicional de financiar candidaturas, defender interesses setoriais e encomendar estudos para encaminhar às autoridades. Essas medidas estão muito aquém das nossas potencialidades de protagonistas do desenvolvimento.
Temos o dever de influir na pauta política nacional, regional ou local. Cada um deve fazer isso a seu modo, seja fortalecendo e oxigenando as organizações de representação empresarial ou articulando redes sociais, seja em ações individuais de cobrar dos políticos novas atitudes e métodos.
Como já dissemos antes, a pressão ambiental exercida de fora para dentro, combinada com a inclusão de novos atores na cena política, de baixo para cima - respaldada por redes de participação cidadã -, configura-se não apenas como um caminho, mas talvez o único caminho, nas circunstâncias atuais, para mudar o atual sistema político. Vamos mudar, para melhor, ou continuaremos somente pagando a conta.
RODRIGO DA ROCHA LOURES* - Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e presidente do Conselho de Política Industrial da CNI.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
OS TAIS DE "CRIMES CONEXOS" DA ANISTIA
Maria Inês Nassif
A Lei de Anistia é de 1979 e foi produto de uma negociação entre um governo militar e uma oposição ainda acuada pelo medo da ditadura. Imaginar que naquele momento as forças de oposição e a Justiça pudessem interpretar de outra forma a alegada anistia a torturadores seria uma ingenuidade. Não havia clima, nem liberdade para tanto. Foi a anistia que deu para ser. Passados quase 30 anos da lei, todavia, é bom que se desmistifique essa história de "anistia irrestrita" para os dois lados. Não foi assim.
A Lei 6.683, de 20/08/1979, concedeu anistia "a todos que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos" (...). A exceção foram "os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal". Foram incluídos na regra os "crimes conexos", definidos como aqueles "de qualquer natureza relacionados com os crimes políticos ou praticados por motivação política".
Pela lenda brasileira da anistia, os "crimes conexos" foram praticados por torturadores e por agentes do Estado que atentaram contra os direitos humanos, ou em nome da guerra contra a subversão cometeram até ilegalidades em relação à ordem instituída pela ditadura militar. Não existiria qualquer possibilidade de punição dessas pessoas.
Pela lenda brasileira, os terroristas - chamados de "criminosos de sangue" no período militar - foram todos beneficiados pela lei. Isso aconteceu apenas indiretamente. Os adversários do regime que se envolveram na luta armada foram, de fato, a exceção da Lei de Anistia. Se saíram da cadeia depois da promulgação da lei foi porque foram beneficiados por reduções de pena ou por conceitos mais dilatados usados pela Justiça Militar. Prova disso é que o último preso político da leva pré-anistia, José Sales Oliveira, foi libertado em Fortaleza mais de um ano depois, em 8/10/1980. Aliás, Sales morreu devido a seqüelas das torturas a que foi submetido.
Militantes da guerrilha foram excluídos
Segundo o regime militar, os agentes públicos que cometeram excessos tinham uma motivação política, e portanto teriam cometido "crimes conexos". O que o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, dizem quando ponderam que existe espaço para a punição de torturadores não é que a lei deve ser mudada, mas que a Justiça pode nova interpretação à velha lei. A Justiça do Brasil democrático não precisa necessariamente ter a mesma interpretação da Lei de Anistia que os militares tinham (não os atuais, mas aqueles que estavam no poder no período de 1964 a 1985). Se a Justiça interpretar que um agente do Estado, a qualquer tempo - inclusive no período da ditadura militar e lidando com presos políticos -, não comete um crime político, mas um crime comum, ao praticar a tortura, retira o torturador da regra do "crime conexo". Em nenhum momento o agente público que cometeu atentado contra a pessoa nos porões da ditadura foi punido por opiniões políticas. Ao contrário, sua opinião política se sobrepunha, à força, no período militar.
Vai fazer história a ação movida pela família Teles, pedindo não a reparação pelo Estado das torturas sofridas, mas o simples reconhecimento de que foram vítimas de torturas, e de que determinados agentes a praticaram. Esse processo tem o poder de desmistificar a tortura: ela não foi apenas uma reação a uma ação política; ela foi cometida por agentes do Estado, que detinham o monopólio da força e excederam os limites impostos inclusive pela ordem imposta pela ditadura. Não está escrito em nenhuma lei que um agente policial ou militar poderia usar da força em interrogatórios. A ditadura tinha os atos institucionais que davam ao chefe de Estado de plantão a possibilidade de atropelar a ordem legal do país, mesmo a definida anteriormente por outros atos institucionais. Mas teoricamente essa era uma prerrogativa dos governantes, não dos agentes que atuavam nos porões das prisões e que detinham regular ou clandestinamente os adversários políticos do regime.
Pergunta-se muito, nesse debate, o que o Brasil tem a ganhar remexendo um passado incômodo e todos os seus medos. Talvez tenha a ganhar um futuro melhor. A banalização da tortura no período de exceção contaminou o país - e hoje quem paga por essa banalização são os presos negros e de baixa renda que entram no sistema prisional por uma cadeia de polícia e chegam até o presídio. A Lei 9455, que definiu os crimes de tortura, definiu-a como crime não passível de anistia e inafiançável. Ainda assim, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP e da Fundação Teotônio Vilela, do total de casos denunciados como tortura no Judiciário de São Paulo, a maioria deles, 68%, foram cometidas por agentes do Estado. Apenas metade dos denunciados por crimes de tortura tiveram alguma condenação. A prática da tortura não apenas é normal para um grupo determinado de agentes públicos que está nos sistemas policial e prisional, como passou a ser relativizado inclusive pela Justiça.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
Maria Inês Nassif
A Lei de Anistia é de 1979 e foi produto de uma negociação entre um governo militar e uma oposição ainda acuada pelo medo da ditadura. Imaginar que naquele momento as forças de oposição e a Justiça pudessem interpretar de outra forma a alegada anistia a torturadores seria uma ingenuidade. Não havia clima, nem liberdade para tanto. Foi a anistia que deu para ser. Passados quase 30 anos da lei, todavia, é bom que se desmistifique essa história de "anistia irrestrita" para os dois lados. Não foi assim.
A Lei 6.683, de 20/08/1979, concedeu anistia "a todos que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos" (...). A exceção foram "os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal". Foram incluídos na regra os "crimes conexos", definidos como aqueles "de qualquer natureza relacionados com os crimes políticos ou praticados por motivação política".
Pela lenda brasileira da anistia, os "crimes conexos" foram praticados por torturadores e por agentes do Estado que atentaram contra os direitos humanos, ou em nome da guerra contra a subversão cometeram até ilegalidades em relação à ordem instituída pela ditadura militar. Não existiria qualquer possibilidade de punição dessas pessoas.
Pela lenda brasileira, os terroristas - chamados de "criminosos de sangue" no período militar - foram todos beneficiados pela lei. Isso aconteceu apenas indiretamente. Os adversários do regime que se envolveram na luta armada foram, de fato, a exceção da Lei de Anistia. Se saíram da cadeia depois da promulgação da lei foi porque foram beneficiados por reduções de pena ou por conceitos mais dilatados usados pela Justiça Militar. Prova disso é que o último preso político da leva pré-anistia, José Sales Oliveira, foi libertado em Fortaleza mais de um ano depois, em 8/10/1980. Aliás, Sales morreu devido a seqüelas das torturas a que foi submetido.
Militantes da guerrilha foram excluídos
Segundo o regime militar, os agentes públicos que cometeram excessos tinham uma motivação política, e portanto teriam cometido "crimes conexos". O que o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, dizem quando ponderam que existe espaço para a punição de torturadores não é que a lei deve ser mudada, mas que a Justiça pode nova interpretação à velha lei. A Justiça do Brasil democrático não precisa necessariamente ter a mesma interpretação da Lei de Anistia que os militares tinham (não os atuais, mas aqueles que estavam no poder no período de 1964 a 1985). Se a Justiça interpretar que um agente do Estado, a qualquer tempo - inclusive no período da ditadura militar e lidando com presos políticos -, não comete um crime político, mas um crime comum, ao praticar a tortura, retira o torturador da regra do "crime conexo". Em nenhum momento o agente público que cometeu atentado contra a pessoa nos porões da ditadura foi punido por opiniões políticas. Ao contrário, sua opinião política se sobrepunha, à força, no período militar.
Vai fazer história a ação movida pela família Teles, pedindo não a reparação pelo Estado das torturas sofridas, mas o simples reconhecimento de que foram vítimas de torturas, e de que determinados agentes a praticaram. Esse processo tem o poder de desmistificar a tortura: ela não foi apenas uma reação a uma ação política; ela foi cometida por agentes do Estado, que detinham o monopólio da força e excederam os limites impostos inclusive pela ordem imposta pela ditadura. Não está escrito em nenhuma lei que um agente policial ou militar poderia usar da força em interrogatórios. A ditadura tinha os atos institucionais que davam ao chefe de Estado de plantão a possibilidade de atropelar a ordem legal do país, mesmo a definida anteriormente por outros atos institucionais. Mas teoricamente essa era uma prerrogativa dos governantes, não dos agentes que atuavam nos porões das prisões e que detinham regular ou clandestinamente os adversários políticos do regime.
Pergunta-se muito, nesse debate, o que o Brasil tem a ganhar remexendo um passado incômodo e todos os seus medos. Talvez tenha a ganhar um futuro melhor. A banalização da tortura no período de exceção contaminou o país - e hoje quem paga por essa banalização são os presos negros e de baixa renda que entram no sistema prisional por uma cadeia de polícia e chegam até o presídio. A Lei 9455, que definiu os crimes de tortura, definiu-a como crime não passível de anistia e inafiançável. Ainda assim, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP e da Fundação Teotônio Vilela, do total de casos denunciados como tortura no Judiciário de São Paulo, a maioria deles, 68%, foram cometidas por agentes do Estado. Apenas metade dos denunciados por crimes de tortura tiveram alguma condenação. A prática da tortura não apenas é normal para um grupo determinado de agentes públicos que está nos sistemas policial e prisional, como passou a ser relativizado inclusive pela Justiça.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
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