sexta-feira, 2 de julho de 2021

Vera Magalhães - Feirão da vacina de Bolsonaro

- O Globo

O quiproquó armado pela base bolsonarista no depoimento de Luiz Paulo Dominguetti à CPI da Covid nesta quinta-feira foi mais um tiro que saiu pela culatra. Se o objetivo era confundir, jogar uma cortina de fumaça sobre as graves evidências do caso Covaxin e nivelar tudo como tentativas infrutíferas e desvinculadas de Jair Bolsonaro de negociatas com vacinas, ele passou longe de ser atingido.

Como escrevi aqui, CPIs não são movidas a depoimentos de santos imaculados. Dominguetti é daqueles personagens do submundo que só vêm a tona se alguém lhes abre a porta. E o fato é que, na traficância que tentou fazer de uma vacina que certamente não tinha para vender, ele conseguiu acesso a vários funcionários do Ministério da Saúde de Bolsonaro, um deles o número dois da pasta e militar do Exército, coronel Élcio Franco — que, por sinal, agora tem uma cadeira no Palácio do Planalto, bem próximo ao presidente.

Mais: o funcionário a quem Dominguetti acusa de lhe pedir propina para viabilizar o negócio de vacina, Roberto Ferreira Dias, não era um zé ninguém. Basta ver que teve seu pedido de demissão negado pelo próprio Planalto, num claro sinal de que tinha pistolão forte, com o qual Bolsonaro não queria briga. Outra prova disso é o fato de que, até o surgimento de Dominguetti, Ferreira Dias continuava empregado e era indicado para nada menos que uma diretoria da Anvisa.

Bernardo Mello Franco - A máquina do extremismo

O Globo

O bolsonarismo montou uma máquina para disseminar o discurso de ódio, atacar as instituições e pregar um golpe contra a democracia. A engrenagem foi exposta em relatório da Polícia Federal. Ontem o Supremo abriu um novo inquérito para investigar os extremistas.

Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes descreve a existência de uma “verdadeira organização criminosa” destinada a implodir o estado de direito. Ele afirma que o objetivo da tropa é a “imposição de uma ditadura”, eliminando “qualquer possibilidade de controle ou fiscalização” do poder presidencial.

As investigações começaram em abril de 2020, quando Jair Bolsonaro participou de um comício em frente ao Quartel-General do Exército. Os manifestantes tentaram incitar os militares a fechar o Congresso e decretar um novo AI-5.

“Nós não queremos negociar nada”, bradou o capitão, na caçamba de uma caminhonete. “Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder”, arrematou, diante de uma plateia que o chamava de “Mito” e urrava contra a democracia.

O presidente não é investigado, mas seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo são citados no relatório da PF. O inquérito aberto no ano passado também mira deputados bolsonaristas e assessores do governo. Parte deles integra o “gabinete do ódio” instalado no terceiro andar do Planalto.

Hélio Schwartsman - Cardumes parlamentares

Folha de S. Paulo

Em instantes críticos, como a tramitação de um impeachment, todos correm para tentar ocupar a melhor posição possível

Não faz sentido a tese, cara à direção da Câmara, de que é inútil pautar o impeachment porque não há votos para aprová-lo. Os defensores dessa posição fingem ignorar que a formação de consensos é um processo dinâmico e não estático. Nem no impeachment de Collor nem no de Dilma havia votos suficientes quando o pedido começou a tramitar.

Como já escrevi aqui, deputados são como anchovas. Durante muito tempo, as movimentações exuberantes e precisas de cardumes desafiaram os biólogos, que precisavam recorrer à ideia de benefício mútuo para explicar o fenômeno. Havia, porém, uma dificuldade óbvia: como a bicharada combinava as manobras?

Quem resolveu a charada foi W.D. Hamilton com o conceito de manada egoísta. Um bom jeito de evitar o predador é pôr-se ao lado de outro exemplar da própria espécie. A chance de ser apanhado cai à metade. Se mais bichos se juntarem, o risco diminui mais. Mas a posição também é relevante. Quem ocupa o centro da multidão está mais seguro do que os que se encontram nas margens.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro faz mais inimigos

Folha de S. Paulo

Projeções para economia e vacinação melhoram ainda mais, mas governo cria mais crise

Os relatórios econômicos são cada vez mais otimistas com o futuro do PIB, do déficit do governo, do tamanho da dívida e até com a inflação de 2022 (vide mais a respeito adiante). O governo de Jair Bolsonaro, por ora, não apenas continua afundado em tumulto como faz novos inimigos.

A praça financeira está fula com a mudança do Imposto de Renda, azeda o mercado e agora ataca abertamente a alta de tributação. Bolsonaro, filhos e suas falanges tiveram de engolir mais uma azeitona podre nesse empadão de crises, o novo inquérito do Supremo sobre a organização criminosa digital golpista (que substitui o dos comícios golpistas). O caso da vacina com propina piora.

A reforma tributária que tira dos ricos para dar à parcela mais pobre dos remediados causa cada vez mais urticária (os poucos beneficiados ainda estão entre o quarto mais rico do país). Bolsonaro corre o risco de fazer mais inimigos na praça financeira e entre acionistas de grandes empresas, profissionais liberais ou assemelhados bem pagos, que reclamam não apenas de pagar mais impostos mas do que julgam ser um aumento da carga tributária geral. Para 80% da população, essa reforma é indiferente.

Ruy Castro - À prova de blindagem

Folha de S. Paulo

As tentativas de proteger Bolsonaro só estão revelando um rabo escondido, com o gato de fora

Nas últimas semanas, a CPI nos tem brindado com as sôfregas tentativas da tropa de choque de Jair Bolsonaro de blindá-lo da acusação de, em plena pandemia, ter feito do Ministério da Saúde um balcão de negócios assassinos. Se Millôr Fernandes estivesse entre nós, diria que, por enquanto, essa blindagem só resultou no rabo escondido, com o gato de fora. Ao ouvir isso, eu, com uma intimidade garantida por 40 anos de amizade, pediria a Millôr para não meter os gatos nessa história. Os animais que a povoam são de outra espécie —os ratos, de que o ratão-mor se cercou nos subterrâneos de seus palácios e do dito ministério.

O verbo blindar nos chegou do alemão “blenden”, através do francês “blinder”. Os ingleses o acolheram como “to blind”. Todos significam a mesma coisa: cegar, ofuscar, embaçar, desbotar. Como as línguas são vivas, blindar gerou também proteger, escudar, defender, revestir, couraçar, tapar. E, numa variante sinistra, tapear, enganar, iludir, ludibriar, entulhar —obstruir.

Reinaldo Azevedo - Qual é mesmo o mal maior de Bolsonaro?

Folha de S. Paulo

Políticas públicas e pregações delinquentes mataram milhares de pessoas

O, por assim dizer, presidente Jair Bolsonaro voltou a ameaçar o país nesta quinta. Acusou um complô entre Lula e ministros do STF para fraudar eleições. Ou se aprova o voto impresso, ou ele anuncia que não vai reconhecer o resultado. E aí prevê “problemas”. O rato que ruge ameaça com a versão nativa da invasão do Capitólio. Mais um crime de responsabilidade. Depois foi à missa.

Escrevi na semana passada que tenho procurado, neste espaço, fugir às questões contingentes. Quando se tenta cobrar propina até de picareta que não tem vacina a vender, todas as musas silenciam à espera do próximo absurdo. Relatá-los e comentá-los tem sido nossa triste e necessária rotina. Tentemos avançar um pouco.

Se não há apelo à razão que possa fazer frutos nos bolsões da extrema direita, falo então àqueles que estão do lado de cá da delinquência, apesar e por causa de suas —ou das nossas— diferenças, que são imensas. Li, dia desses, um juízo torto, oriundo de quem está sinceramente interessado em que surja uma terceira via.

Luiz Carlos Azedo - O ninho das serpentes

Correio Braziliense

Bolsonaro teme perder as eleições e começa a construir uma narrativa para não aceitar o resultado do pleito, caso lhe seja desfavorável

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou, ontem, o inquérito dos atos com pautas antidemocráticas, mas instaurou nova investigação para apurar a existência de suposta organização criminosa digital que atenta contra a democracia. O novo inquérito tem duração inicial de 90 dias e será chefiado pela delegada da Polícia Federal (PF) Denisse Dias Ribeiro, que coordenou a apuração anterior. Serão investigados os núcleos de produção, publicação, financiamento e político identificados no inquérito que apura as ameaças, os ataques e as fake news contra o STF, que também está sob relatoria de Moraes.

A decisão do ministro é duríssima. Segundo ele, há indícios de existência de uma organização criminosa de extrema-direita empenhada em “desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes legislativo e Judiciário a partir de uma lógica insana de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado”. São citados na decisão o blogueiro Allan dos Santos e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Segundo a PF, o blogueiro costumava se reunir com os congressistas em sua residência. A decisão do ministro coincide com o recrudescimento dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Judiciário, desta vez concentrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ontem, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro defendeu a proposta que prevê a impressão do voto e disse que o atual modelo de eleições é sujeito a fraude. “Tem uma articulação de três ministros do Supremo para não ter voto auditável. Se não tiver, eles vão ter de apresentar uma maneira de termos eleições limpas. Se não tiver, vão ter problemas no ano que vem. Eu estou me antecipando a problemas para o ano que vem. Como está aí, a fraude vai ser escancarada.”

O Brasil tem eleições limpas e seguras, em urnas eletrônicas que não podem ser hackeadas e são auditáveis, nas quais o voto do eleitor é respeitado e decide. Nosso sistema de apuração é o mais moderno do mundo, permitindo que o resultado do pleito seja conhecido no próprio dia da eleição. Até hoje, nenhuma denúncia de fraude foi confirmada. Em todos os níveis, em sucessivas eleições, sejam nacionais, seja municipais, os resultados eleitorais surpreendentes revelam que a vontade do eleitor é soberana, não se submete ao stablishment político, promovendo, muitas vezes, grande renovação política. A própria eleição de Bolsonaro à Presidência é um exemplo disso.

Alon Feuerwerker - Dois salvacionismos

 

Revista Veja

Terceira via quer derrotar Bolsonaro e liderar cruzada antipetista

Era previsível, e foi previsto: quando chegasse a hora da dificuldade, a ameaça mais perigosa para o presidente Jair Bolsonaro não viria da esquerda, mas do autodenominado centro. Para este, aliás, parece estar em vigência um sistema como o das cotas universitárias, a autodeclaração. Nas cotas isso é até razoável. A alternativa seria criar algum mecanismo de “checagem racial”. O absurdo da hipótese dispensa maiores explicações.

Na política, porém, a coisa se complica. Pois nos dias que correm basta se dizer de centro e contra os extremismos para ser dispensado de qualquer explicação adicional sobre: 1) o que fez no passado; 2) o que pretende fazer no futuro. Além, claro, de “salvar o Brasil dos perigosos extremistas responsáveis pela insuportável polarização que impede a união e a paz nacionais”.

A esquerda está nas ruas, na internet e no Parlamento contra Bolsonaro porque ela é contra os principais aspectos do programa governamental e porque o presidente disse, e reafirma, que deseja extirpá-la da vida política nacional. Já o centro gostaria mesmo é de manter os eixos fundamentais do que vem sendo feito, mas sob uma nova direção: a dele mesmo.

Dora Kramer - O fio da meada

Revista Veja

Desdobramentos da CPI da Covid-19 podem levar a um esquema de corrupção que nada fica a dever ao escândalo da Petrobras desvendado pela Lava-Jato

A CPI da Covid-19 puxou o fio de uma meada cujo trajeto pode levar a um esquema de corrupção na contratação de fornecedores que nada fica a dever ao escândalo da Petrobras desvendado pela Operação Lava-Jato. Com a agravante de que, desta vez, a mercadoria posta no balcão de negócios foi (e é) a vida de milhares de brasileiros.

A coisa toda talvez não resulte na abertura de processo de impeachment de Jair Bolsonaro, mas já o enredou numa trama da qual não tem sido capaz de se desvencilhar. E, a julgar pelas tentativas mal-ajambradas de explicar as anomalias no contrato de compra da vacina Covaxin e a entrada em cena do fator propina, o presidente dificilmente conseguirá sair ileso dessa confusão que está apenas começando. De um impeachment poderia sair inocentado, mas da opinião pública não escapa.

Surgem a todo momento novas notícias de ilícitos relacionados a vacinas, a testes para detecção do vírus e outros produtos associados à crise sanitária. São problemas que ligam a conduta do presidente na pandemia a suspeitas de corrupção e o põem numa situação que vai muito além de ações e omissões negacionistas pautadas por ideologia ou distorção de caráter.

Ricardo Noblat - Alexandre de Moraes e Barroso, as pedras no sapato de Bolsonaro

Blog do Noblat / Metrópoles

O presidente da República tenta criar factoides para tirar a atenção coletiva da denúncia de corrupção contra seu governo

Se pudesse, o presidente Jair Bolsonaro miraria e atiraria bem na cabecinha dos ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Ele os tem como seus principais inimigos dentro da justiça.

Alexandre, porque segundo Bolsonaro, não toma uma só decisão a seu favor, ou a favor do governo; Barroso porque torpedeia talvez a mais cara bandeira de sua campanha a presidente – a reintrodução do voto em célula. Os dois não arredam pé de suas posições.

Bolsonaro, ontem, em sua live semanal das quintas-feiras no Facebook, voltou a bater nos dois ministros, embora sem citá-los nominalmente. Sobre a resistência de Barroso ao voto impresso, Bolsonaro avançou o sinal e ameaçou:

Eu entrego a faixa presidencial para qualquer um que ganhar de mim na urna de forma limpa. Na fraude, não”.

Eliane Cantanhêde - Tabajara ou contrainteligência?

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro, vacinas e simbiose com Centrão tragam militares para o olho do furacão

Há muitas suspeitas sobre a entrada em cena e a dubiedade do policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que, de santo, não tem nada, mas uma coisa fica absolutamente clara: a simbiose entre militares e Centrão, particularmente no Ministério da Saúde, em meio a uma pandemia devastadora, joga o Exército e as próprias Forças Armadas, desnecessariamente, no meio do furacão.

Em meio a tantos picaretas, ou nomes duvidosos, como Roberto Dias, Francisco Maximiano, Luiz Miranda, o próprio Dominghetti e seu mentor “Cristiano”, lá estão, ora na CPI, ora na mídia, oficiais como Marcelo Blanco, Alexandre Martinelli e Roberto Criscioli, além de Eduardo Pazuello (da ativa) e Elcio Franco. Tenham ou não o que esconder, seria muito melhor para as Forças Armadas e o País que eles estivessem a léguas de distância de tudo isso.

Dominghetti conseguiu uma verdadeira façanha, ontem, na CPI: ser pressionado por todos os lados. Pelos governistas, por ter reafirmado o pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina, que lhe teria sido feito por Roberto Dias. Pela oposição e pelos independentes, por ter usado o depoimento para plantar um áudio e tentar desqualificar o deputado Luis Miranda, que detonou o esquema da Covaxin e jogou a bomba no colo do próprio Bolsonaro.

Num enredo de filme de espionagem, Dominghetti foi apenas usado contra Miranda, ou é parte de uma sofisticada ação de contrainformação de uma espécie de “Abin paralela”? A dúvida é justa, até pelas origens dele: policial militar, bolsonarista, com coleção de processos e contatos na capital da República. Pau para toda obra. E ele não parece idiota e se expressa bem.

Carlos Melo* - Debate tem difícil tarefa de aglutinar candidatos dispersos

O Estado de S. Paulo

Falta ao centro um melhor diagnóstico da crise, condição para que possa avançar em propostas para sair dela.

Em geometria, centro é o ponto equidistante da circunferência. Em política, lugar impreciso. No Brasil, ainda mais incerto. Define-se por assinalar o que não é, antes de dizer aquilo que pretende ser. Há pouca clareza ideológica ou definição programática. Falta-lhe um melhor diagnóstico da crise, condição para que possa avançar em propostas para sair dela.

Nesse clima, três candidatos a candidato à Presidência da República estiveram presentes à primeira edição de Primárias. Não se trata de partido, legenda formal, com dinâmica e disputas internas. Antes, é tentativa de aglutinação de candidatos dispersos. Difícil tarefa. Daí, talvez, o tom morno e cuidadoso do encontro.

Nas ideias descortinadas, à exceção do impreciso “programa nacional de desenvolvimento”, de Ciro Gomes, pouco se destoou das questões clássicas do discutível liberalismo à brasileira das últimas décadas: equilíbrio fiscal e reformas estruturais, propostas genéricas para o desenvolvimento. Com a inclusão, agora, do SUS – resultado óbvio da pandemia.

Kassab: ‘Chance de Bolsonaro ir ao segundo turno diminui a cada dia’

Ex-ministro e ex-aliado do presidente defendeu uma alternativa de terceira via para a Presidência em 2022

Por Carolina Freitas / Valor Econômico

São Paulo - Presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab discursou ontem de forma crítica ao governo Jair Bolsonaro, a quem responsabilizou por erros no combate à pandemia e por causar instabilidade no Brasil. Na opinião do ex-ministro, ex-prefeito e ex-aliado de Bolsonaro, o presidente tem chances cada vez menores de chegar ao segundo turno nas eleições de 2022.

Kassab falou em evento online promovido pela Câmara de Comércio França-Brasil. O ex-ministro reconheceu que, se as eleições fossem hoje, a disputa estaria entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas, como falta um ano e meio para o pleito, Kassab vê o presidente “perdendo musculatura” e enxerga espaço para uma terceira via.

“Eu tenho a plena convicção de que a chance do presidente Bolsonaro estar no segundo turno diminui a cada dia, por conta dos erros dele”, disse Kassab. “Vamos pegar apenas a questão da pandemia. Poderíamos pegar inúmeras outras. A conduta pessoal dele gera um afastamento do ser humano, passa a imagem de ser coração de pedra. Ele distribuiu recurso para os Estados mas nunca deu calor humano.”

O presidente do PSD citou como exemplo o episódio da semana passada em que Bolsonaro, em viagem oficial, pediu que uma menina tirasse a máscara. “É muito ruim, agride as pessoas. Não há uma família que não fique indignada”, disse Kassab.

César Felício - A importância da hora H e do dia D

Valor Econômico

Condições para impeachment não estão dadas

Em 12 de junho, dia dos namorados, segundo a criação publicitária do pai do governador João Doria, o presidente da Câmara, Arthur Lira, curtiu nas redes sociais a postagem do cortejo de motocicletas liderado pelo presidente Jair Bolsonaro.

A coincidência pode ser anedótica, mas não há gestos gratuitos na política. Lira foi solidário ao presidente, que disputa com a oposição a narrativa de quem comanda as ruas.

A lei do impeachment dá ao presidente da Câmara poderes despóticos. Cabe a ele, exclusivamente a ele, deliberar sobre a tramitação ou não de pedido de impeachment. Estão na gaveta de Lira, herdada de Rodrigo Maia, 116 pedidos de impeachment, poderiam ser 116 mil, não importa. O presidente da Câmara os engaveta, sem consultar ninguém, sem dar satisfação de nada. É um poder que foi considerado demasiado até mesmo por aquele que o desfrutou com intensidade, como é o caso do ex-deputado Eduardo Cunha, segundo relatou em seu livro de memórias “Tchau Querida”.

As chances do “superpedido de impeachment” apresentado pela oposição ontem prosperar são nulas e seus autores sabem disso. Tratou-se de um movimento político para capitalizar uma questão que, apesar de toda fidelidade de Lira ao Planalto, não está fora do radar de ninguém.

Há apenas um mês Lira mandou uma mensagem não exatamente tranquilizadora para o presidente, em entrevista para a Rádio Bandeirantes, em que fixou quais as condições que tornam viáveis um processo de impeachment: “quando você perde a capacidade política, a capacidade de gestão econômica, cria no Brasil uma condição de desemprego absurda, uma inflação incontrolável, quando a economia vai mal, quando o povo está na rua”. Ou seja, a decisão sobre o impeachment depende de circunstâncias. Seis circunstâncias, de acordo com Lira. Quatro delas ligadas à economia, mas que não se pense que a primeira e a última não são decisivas.

Maria Cristina Fernandes - Uma mão lava a outra, mas só entre Poderes

Valor Econômico

Supremo deu garantia a Estados e municípios para a adoção de medidas em confronto com o negacionismo, mas TJs os liberam da obrigação de cumprir decisões em defesa da segurança sanitária

Com o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal deu garantia a que prefeitos e governadores pudessem adotar medidas de segurança sanitária em confronto com o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro. A decisão do Supremo, porém, também fundamentou demandas de que muitos direitos de proteção à saúde fossem garantidos pelos governos locais. Foi aí que entraram os Tribunais de Justiça para permitir que Estados e municípios driblassem a cobrança pela efetivação de políticas públicas que o STF lhes havia garantido a liberdade de implementar.

É esta a principal conclusão do levantamento do Justa, organização não governamental voltada para a democratização da gestão pública da Justiça. Ao longo do primeiro ano da pandemia, sua equipe levantou, nos Tribunais de Justiça de cinco Estados (São Paulo, Paraná, Bahia, Ceará e Tocantins), o julgamento da suspensão de segurança, instrumento com o qual os governantes pedem para não cumprir decisões judiciais. Depois de surgir no ordenamento jurídico brasileiro na década de 1930, em defesa da ordem, da saúde e da segurança, incorporou, depois do golpe de 1964, a proteção da “economia pública”. Ao longo da pandemia, revelou-se como um instrumento a serviço de interesses governamentais em detrimento dos direitos dos cidadãos e da coletividade, concluiu o estudo coordenado por Luciana Zaffalon. “O Judiciário mostra-se como parte da solução, mas nos Estados são parte do problema”.

O Justa enviou pedidos de acesso à informação aos cinco Tribunais de Justiça para obter os números dos processos de suspensão de segurança julgados ao longo de 2020 e selecionou aqueles relacionados à pandemia. De todos os tribunais, o da Bahia foi o único a não prestar informações. Entre aqueles que o fizeram, o grau de transparência variou dos 5,2% dos processos que, em São Paulo, permanecem em segredo de Justiça até os 78% no Paraná. Em todos, os governos estaduais e municipais ganharam de lavada dos impetrantes que buscaram assegurar medidas de segurança sanitária.

José de Souza Martins* - A economia cara-pálida

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Brasil opta pelo retrocesso a um modelo capitalista subdesenvolvido que lucra com base em práticas arcaicas e destrutivas comprometedoras da sobrevivência das populações originárias

A descabida repressão às manifestações de indígenas, em Brasília, com o uso de bombas de gás lacrimogêneo, é uma evidência preocupante de uma tendência oficial no sentido de transformar o índio brasileiro em cara-pálida.

Os indígenas, com razão, estão preocupados com as consequências destrutivas que advirão para suas tribos e nações se o projeto for aprovado. O projeto circunscreve ainda mais o direito dos povos indígenas aos seus territórios nas condições de um direito restritivo e antissocial. Os índios são tratados como se brancos fossem e sua relação com a terra e a natureza seguisse normas e concepções opostas às de suas tradições culturais e de seus costumes.

O projeto estipula uma urgência de branco para que os índios se enquadrem, para que se branqueiem culturalmente no uso da terra. Uma sem fundamentação antropológica, porque desconhece os valores e costumes bem como os saberes etnoagronômico e etnobotânico de suas tradições.

A repressão destes dias completou com a recusa de serem recebidos pelo presidente da Funai. Já o presidente da República, argumentou o advogado dos índios, também indígena, recebe garimpeiros e outros invasores e agentes de devastação de territórios indígenas, que apoia, diretamente ou através de gente como o ministro do Meio Ambiente que acaba de cair. Mas não recebe os índios, legítimos e históricos titulares das áreas invadidas e ameaçadas.

Armando Castelar Pinheiro* - Commodities, câmbio e inflação

Valor Econômico

Fortalecimento do real só não ocorrerá se o risco político, agora mais que o fiscal, seguir aumentando

O Relatório Trimestral de Inflação que o Banco Central (BC) divulgou semana passada traz um exercício para ver quão sensível é a inflação projetada para 2021 e 2022 à evolução dos preços das commodities, em US$, e da taxa de câmbio. A motivação para isso, observa o BC, é a forte influência que essas duas variáveis exerceram sobre a inflação acumulada no último ano.

A forte alta nos preços em US$ das commodities é, sem dúvida, um tema central da discussão econômica este ano. Diferente de variáveis como o nível de atividade, índices de ações e a taxa de juros, que em geral tiveram uma trajetória em “V”, o preço das commodities explodiu no pós pandemia, muito mais do que recuperando a queda observada no auge da crise sanitária.

O índice de commodities calculado pelo FMI, por exemplo, caiu 23,9% entre dezembro de 2019 e maio de 2020, subindo 70,1% nos 12 meses seguintes. Excluindo o ouro, as variações foram ainda mais notáveis: - 28,4% e +81,3%, respectivamente. A abertura do índice em seus componentes também é digna de nota: o preço de alimentos caiu 7,2% e depois teve alta de 41,7%; o de metais, exceto ouro, -7,0% e +85,0%; o de combustíveis, -49,4% e +132,0%, respectivamente.

Pedro Doria - Jornalismo e autoritários digitais

O Globo

Uma das perguntas mais comuns que nós, jornalistas, recebemos é a respeito da isenção. Às vezes vem em tom provocador, noutras como curiosidade — mas é uma pergunta perfeitamente natural. Uma pergunta que, feita hoje em dia, necessariamente toca em questões bastante profundas. Tanto a ascensão de movimentos populistas autoritários pelo mundo quanto mudanças de linguagem criadas pela comunicação digital nos forçam a voltarmos aos fundamentos essenciais do jornalismo.

O jornalismo existe para servir a democracia. Uma coisa está amarrada à outra. Não há jornalismo real fora da democracia, assim como não há democracia sem jornalismo. Muito cedo se compreendeu que, para democracias funcionarem, era preciso uma estrutura de informação a respeito do que se passa nas estruturas de poder e na sociedade, mas que não fizesse parte do Estado. Tinha necessariamente de ser independente. Não poderia estar vinculada a um grupo político.

O motivo, e já havia compreensão a esse respeito no século XVIII, é que, para votar, precisamos todos estar informados. Democracias funcionam bem quando há informação de qualidade e em quantidade à disposição de todos os eleitores. Informação sobre os fatos, mas também informação sobre os argumentos em curso no debate público. Quem é contra, quem é a favor, defende como suas posições?

Ruth de Aquino - O governo Bolsonaro matou nosso porteiro

O Globo

Adriano, 49 anos, contava os dias para se vacinar. No dia tão aguardado, semana passada, acordou mal e tomou injeção contra dor. O teste deu positivo para Covid. Foi internado e estava consciente, com máscara de oxigênio. Intubado na segunda, morreu na terça, com trombose pulmonar. O coração parou e os médicos não conseguiram reanimar o chefe dos porteiros que vivia rindo e morava com a família no prédio do Leblon desde a virada do século.

Se Adriano fosse inglês, francês, português, italiano, espanhol, alemão, americano, provavelmente estaria vivo e não teria deixado uma família repentinamente órfã, sem teto e sem chão. Em todos os países que investiram a tempo na compra de vacinas de diversos fabricantes, os cidadãos de 49 anos já foram há muito imunizados com as duas doses ou com a dose única da Janssen. O Brasil não é pobre. Tem o segundo Congresso mais caro do mundo. 

Mas Bolsonaro sempre foi contra vacinas. Contra máscaras. Contra a vida. Faz propaganda de remédios ineficazes. Propaga o vírus. Desinforma. Fez uma bagunça colossal no Ministério da Saúde. Menospreza o luto. Mesmo beneficiado por observar antes a catástrofe no mundo, o Brasil de Bolsonaro não se preparou para evitar a carnificina. Ao contrário.

Às ruas, pelo impeachment de Bolsonaro!

O Cidadania convoca todos os seus filiados e militantes para ir às ruas no dia 3 de julho pelo impeachment de Jair Bolsonaro, chefe de um governo necrófilo, responsável pela imensa maioria das mais de 516 mil mortes da pandemia. Um governo necrófilo e, está cada vez mais claro, corrupto. A decisão de comparecer ou não às manifestações do próximo sábado é pessoal. E o partido respeita o sentimento de cada um de seus integrantes.

Aos que resolverem comparecer, que o façam respeitando as regras mínimas de distanciamento, uso de máscaras e álcool em gel. E levantem a bandeira do Cidadania contra a mentira, a desídia criminosa e a corrupção que transformaram uma tragédia – em grande medida evitável – numa triste certeza para milhares de famílias brasileiras. É disso que se trata, porque não foi apenas negacionismo, mas negacionismo a serviço da corrupção.

Como demonstram os últimos acontecimentos, investigados e descobertos pela CPI da Covid, o governo federal adotou a estratégia da imunidade de rebanho. Renegou as medidas de contenção da pandemia, como uso de máscaras e distanciamento, ignorou ofertas de vacinas da Pfizer e da Coronavac, deixando de comprá-las no momento adequado, e quando o fez foi usando intermediários e pedindo propina: pelo menos R$ 2 bilhões.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Saúde loteada

Folha de S. Paulo

Suspeitas escancaram repartição da pasta entre militares e interesses políticos

Qualquer que seja o desfecho da apuração sobre as cada vez mais intrincadas suspeitas de corrupção na compra de vacinas, resta comprovado que o Ministério da Saúde esteve —e está— loteado da pior maneira possível.

Em plena crise sanitária global, áreas técnicas essenciais da pasta se encontravam nas mãos de militares despreparados ou cercadas por interesses políticos questionáveis, se é que as deficiências de qualificação e credibilidade não se misturam entre os grupos.

Acusado de cobrar propina para uma compra do imunizante AstraZeneca, Roberto Ferreira Dias foi exonerado do posto de diretor do Departamento de Logística logo após a revelação do caso pela Folha. A conduta do funcionário, como se demonstrou, já era objeto de questionamento na Esplanada.

Ferreira Dias estava no ministério desde o início do governo, por indicação partidária —o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), diz que o ex-auxiliar apresentava excelente currículo.

Ele chegou a ser indicado para a diretoria da Anvisa em outubro de 2020, mas o Planalto voltou atrás depois de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo sobre um contrato duvidoso que assinara.

Noticia-se agora, a partir de informações extraoficiais, que outro ex-ministro, o general Eduardo Pazuello, tentou demitir o servidor —o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), porém, teria atuado contra a medida.

A Saúde detém um dos maiores orçamentos do Executivo. Com a pandemia, teve gastos empenhados de R$ 175 bilhões em 2020. Ainda que grande parte do montante seja composta por repasses a estados e municípios, há dinheiro mais do que suficiente para atrair cobiças pouco ou nada republicanas.

Poesia | Castro Alves – Ode a 2 de julho

Era no dois de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
"Neste lençol tão largo, tão extenso,
"Como um pedaço roto do infinito...
O mundo perguntava erguendo um grito:
"Qual dos gigantes morto rolará?!..."

Debruçados do céu... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era a tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!

Não! Não eram dois povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado...
Era o porvir - em frente do passado,
A Liberdade - em frente à Escravidão,
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva - e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...
As bandeiras — como águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!...

Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu— Liberdade peregrina!
Esposa do porvir-noiva do sol!...

Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos de Cabrito,
Um pedaço de gládio — no infinito...
Um trapo de bandeira — n'amplidão!...

Música | Hino ao 2 de Julho