Para Jeffrey Sachs, eventual derrota do “pior presidente da história” dos EUA interromperia um ciclo de ódio, mentira e risco para o mundo
Por Ricardo Lessa | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
“A desigualdade é uma das razões pelas quais não funcionamos direito como país. É por isso que temos que voltar a uma maior normalidade na política”, diz Jeffrey Sachs
SÃO PAULO - “Vigarista”, “irresponsável”, “trapaceiro”, “desequilibrado mental”, “fraudulento”, “mentiroso”, “despreparado”. Quase não faltam adjetivos no vocabulário do economista Jeffrey Sachs, Ph.D. em Harvard, para dedicar ao presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump. Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável na Universidade Columbia, Sachs considera difícil pensar em qualquer futuro para o planeta, antes que o presidente americano deixe o poder.
Conselheiro de Bernie Sanders, que disputou a indicação à Presidência pelo Partido Democrata, Sachs, de 65 anos, atribui a classificação de extremista do senador ao exagero dos meios de comunicação que apoiam Trump, “que querem meter medo nas pessoas, divulgam mentiras e incitam o ódio”.
Para o economista, consultor-sênior desde 2001 do secretariado-geral da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, as eleições de novembro são cruciais porque “os Estados Unidos são um país muito importante e também muito perigoso, em termos dos efeitos para o resto do mundo”.
O fracasso no combate à pandemia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil se deve, segundo Sachs, à desigualdade: “Temos várias subnações e, quando um líder é divisionista, joga um grupo contra outro”.
Na entrevista a seguir, o economista que já foi qualificado como um dos três mais influentes do mundo pela revista “The Economist”, autor de livros como “O Fim da Pobreza” e “A Era do Desenvolvimento Sustentável”, traça outros paralelos entre os Estados Unidos e o Brasil.
Valor: O senhor imagina que o mundo possa ter alguma mudança depois da pandemia?
Jeffrey Sachs: Pode, porque há mais gente decente do que vigaristas neste mundo. Assim, Trump, por exemplo, que é uma pessoa absolutamente horrível e tem um comportamento horroroso, mentiroso, um trapaceiro, uma fraude, tem o apoio de um terço do eleitorado americano. Isso é muito triste. É gente muito ingênua. E Trump tenta apelar para o ódio deles. Especialmente contra os negros. Mas ele não tem a maioria o apoiando. Por outro lado, ele é um tipo traiçoeiro, que se envolve em fraudes e trapaças. Não é fácil tirá-lo do poder. Vamos ter uma grande eleição dentro de pouco tempo, em novembro. Muito crítica, crucial. Muitos já disseram nos últimos dias, e é importante pensar nisso, que a democracia nos Estados Unidos está em risco.
Valor: É possível imaginar um futuro antes de passar pela eleição de novembro?
Sachs: É difícil imaginar ir para frente com esse homem ainda na Casa Branca. Porque é uma posição muito poderosa. Provavelmente mais ainda do que no Brasil. Trump governa por decretos. Eu não sei em quantos lugares na nossa legislação há essa regra que permite essas medidas de emergência. É um tipo de ditadura entre eleições. Porque Trump assina seguidas “executive orders” [equivalentes a decretos], que não submete ao Congresso. Isso é realmente chocante: tanto poder concentrado num homem só. É como se os Estados Unidos fossem um império, e o poder imperial fosse para uma só pessoa.
Valor: Isso é uma brecha na Constituição americana?
Sachs: Se eu fosse reescrever a nossa Constituição, iria para o parlamentarismo. Não para o presidencialismo. Porque um primeiro-ministro, como Trump ou Bolsonaro, já teria sido afastado por voto de desconfiança do Parlamento há muito tempo. Como presidentes, eles têm mais poderes. Mas acho que Trump tem mais poder do que Bolsonaro. Porque Bolsonaro ainda tem que ir ao Congresso algumas vezes. Enquanto Trump só assina “executive orders”. É um sistema terrível. Presidencialismo é um sistema ruim de início.
Valor: A desigualdade social é uma semelhança entre os dois países. O número de óbitos em relação à população na pandemia também é bem próximo. O senhor relaciona um fato ao outro?
Sachs: Sim, uma das principais razões pelas quais Brasil e Estados Unidos foram tão horrivelmente no combate à pandemia foi que os dois países são muito desiguais. Brasil, um dos mais desiguais no mundo, e Estados Unidos, o mais desigual entre os países ricos. Há tantas subnações diferentes dentro dos Estados Unidos e no Brasil. Quando tem um homem de ódio no poder, isso cria maiores divisões entre os grupos. A desigualdade é uma das razões pelas quais não funcionamos direito como país. É por isso que temos que voltar a uma maior normalidade na política. Com uma sociedade menos desigual, nossa sociedade vai funcionar melhor e as divisões poderão ser reduzidas.