quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Wilson Gomes* - Bolsonaro: autenticidade fingida, fraudes reveladas

Folha de S. Paulo

Melhor cortina de fumaça para ardis é elogiar a verdade enquanto se manipula a massa

Praticamente tudo relacionado a Bolsonaro pode, em grande medida, ser descrito pelo campo semântico da falsificação. De adulteração e armação a tramoia e trapaça, abundam ações ou falas de Bolsonaro e do seu círculo íntimo para ilustrar cada um dos vocábulos no caminho: ardil, contrafação, embuste, engano, farsa, fraude, golpe, impostura, logro, manipulação, tapeação. Procure uma palavra cujo significado seja "atitude que visa enganar" ou "situação armada para fazer de conta" e você encontrará um verbete da enciclopédia bolsonarista.

Aparentemente, há um paradoxo entre o que estou sustentando e a extrema valorização bolsonarista do que Adorno chamava o "jargão da autenticidade", o uso da busca pela autenticidade como mera fachada. Bolsonaro foi vendido como um homem autêntico em contraposição aos hipócritas: era o sujeito do "falo, sim, doa a quem doer, sem papas na língua". Disse e fez horrores para se mostrar insubmisso ao politicamente correto, chegando frequentemente ao extremo oposto, o politicamente canalha.

Hélio Schwartsman - O que fazer com os militares?

Folha de S. Paulo

Resposta da sociedade a desmandos recentes não pode ser aumento dos soldos

A última coisa de que Lula precisa agora é uma crise com os militares. Meu receio é que, com base nesse raciocínio político que é essencialmente correto, o governo deixe de propor e tomar medidas necessárias para o aprimoramento institucional do país.

Por mais que os generais queiram circunscrever o noticiário negativo em que as Forças Armadas se viram enredadas nos últimos anos a iniciativas isoladas de oficiais que não representam a instituição, penso que o buraco é mais embaixo. Sim, temos casos como o do tenente-coronel Mauro Cid, que se envolveram até a medula no que parecem ser crimes e dificilmente escaparão a uma dura punição determinada pela Justiça. Só que os flertes dos militares com o golpismo e as dúvidas sobre sua lisura foram lamentavelmente muito mais generalizados e institucionalizados.

Bruno Boghossian – Pacificação não é anistia

Folha de S. Paulo

Parceria das Forças com bolsonarismo e corrupção das tropas foi uma escolha política

O comandante do Exército fez um diagnóstico benevolente do desgaste acumulado pela instituição. Preocupado com uma crise de imagem, o general Tomás Paiva emitiu uma ordem que promete vantagens às tropas e fala em enfrentar o "desconhecimento, por parte da sociedade, das ações desenvolvidas" pela Força.

Militares parecem interessados em usar apenas remédios suaves para enfrentar a degradação a que se submeteram nos últimos anos. Oferecem silêncio nos quartéis em troca de recompensas, tratam como casos isolados infrações em série registradas em seus quadros e deixam muita coisa sob o tapete.

Vera Rosa - O recado de Marta para Valdemar

O Estado de S. Paulo

Presidente do PL lança estratégia para provocar Centrão e Bolsonaro

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sabe muito bem que Marta Suplicy não vai se filiar ao partido de Jair Bolsonaro para ser vice na chapa do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição. Mesmo assim, Valdemar “lançou” o nome da secretária de Relações Internacionais da Prefeitura na praça como parte de uma estratégia política.

As adiantadas investigações da PF sobre Bolsonaro fizeram o mandachuva do PL acelerar as conversas porque tudo indica que o ex-presidente não será o cabo eleitoral idealizado por ele para 2024, muito menos na capital. Se Bolsonaro não estiver preso após o escândalo da venda de joias da Arábia Saudita, que envolveu até militares do governo, é provável que tenha de ser escondido na campanha por se tratar de um padrinho tóxico para Nunes.

Zeina Latif - Precisamos falar da reforma política

O Globo

A tradução dos anseios da sociedade em uma ação estatal eficiente e justa passa por instituições bem desenhadas, inclusivas

Um debate que, com frequência, opõe economistas e cientistas políticos é quanto ao timing da reforma política. Em função da urgência em corrigir falhas na ação estatal que comprometem o crescimento do país, os economistas privilegiam as reformas econômicas.

Os defensores da priorização na reforma política — um expoente é Bolívar Lamounier —acreditam que ela é pré-condição para a celeridade e amplitude das reformas estruturais, de modo a tirar o país da armadilha do baixo crescimento.

De fato, apesar das importantes reformas aprovadas, temos sido insuficientemente ambiciosos diante do quadro de rápido envelhecimento da população, emigração de talentos e desalento dos jovens; em um contexto de avanço das tecnologias digitais.

Elio Gaspari - A tunga do imposto sindical

O Globo

O governo fala em reforma tributária e requenta um imposto do Estado Novo

Era pedra cantada, e as repórteres Geralda Doca e Victoria Abel mostraram a receita. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, cozinha um projeto de restabelecimento do imposto sindical, extinto em 2017, durante o governo de Michel Temer. Esse imposto cobrava anualmente um dia de trabalho a todos os assalariados, para financiar as máquinas dos sindicatos e federações.

Para dar um toque de modernidade à tunga, ele virá com outro nome e se chamará contribuição. Pelo formato atual, será equivalente a 1% do rendimento anual do trabalhador, sindicalizado ou não. Pelas contas do professor José Pastore, um cidadão com salário de R$ 3 mil mensais pagava R$ 100 a cada ano. Neste novo sistema, considerando-se o 13º salário, pagará R$ 390. Quase quatro vezes.

O ministro Marinho sustenta que “uma democracia precisa ter um sindicato forte”. Segundo ele:

— O que está em debate é criar uma contribuição negociável. Se o sindicato está prestando um serviço, possibilitando um aumento salarial, é justo que o trabalhador não sindicalizado pague a contribuição. Se ele não aceitar pagar a taxa, é só ir à assembleia e votar contra.

Bernardo Mello Franco - A vitória de Fufuca

O Globo

Depois de fabricar crises em série, presidente da Câmara conseguiu o que queria

Depois de fabricar crises em série, Arthur Lira conseguiu o que queria. Vai emplacar um afilhado no primeiro escalão do governo. O escolhido é André Fufuca, líder do PP na Câmara.

Quando entrou na política, o deputado de bochechas rosadas ainda era estudante de medicina. Em Brasília, conheceu Eduardo Cunha e aprendeu a fazer outro tipo de operação.

A proximidade entre os dois entrou para o folclore do Congresso. Em sessão do Conselho de Ética, o ex-deputado Júlio Delgado confidenciou que Fufuca chamava Cunha de “papi”. O futuro ministro subiu nas tamancas. Disse que o termo era considerado “afeminado” em seu estado natal.

Vera Magalhães - Pressão 'técnica' sobre Marina

O Globo

Lula 3 vai se mostrando um governo em bases antigas, mas com discurso moderninho que mimetiza algumas preocupações do século XXI

Lula 3 tem se mostrado um governo preocupado em fazer um retrofit do discurso e da prática históricos do presidente e do PT. Em áreas como a trabalhista e a ambiental, a preocupação é dar uma roupagem moderna a velhas práticas e prioridades. Cai quem quer.

A discussão para a volta do imposto sindical recorre a terminologias diferentes e eufemismos para despistar a essência da proposta: tentar resgatar a força política de sindicatos, centrais e federações sindicais, aniquilada pela reforma trabalhista. Nas quedas de braço entre o inalterado desenvolvimentismo lulopetista e a preocupação ambiental prometida na campanha, a ideia agora é submeter Marina Silva a contrapontos “técnicos” para fazê-la ceder.

Fernando Exman - Um caminho produtivo para a CPI da Americanas

Valor Econômico

Comissão dificilmente avançará mais do que o Ministério Público e a Polícia Federal na apuração dos fatos

Instalada em meio à crescente desconfiança quanto à efetividade das comissões parlamentares de inquérito, a CPI da Americanas tem a oportunidade de concluir seus trabalhos deixando pelo menos um legado positivo. Para tanto, defendem fontes do meio corporativo e integrantes de órgãos de fiscalização, o colegiado deveria usar a influência de seus integrantes para tentar impulsionar a tramitação de um projeto que regulamente, no setor privado, a figura do “denunciante de boa-fé”. O chamado “whistleblower”.

O prazo de funcionamento da CPI é 14 de setembro, mas pode ser prorrogado. Os entusiastas de ampliá-lo, aliás, ganharam novo ânimo com a revelação de que ex-funcionários da companhia já fecharam ou negociam delações premiadas.

Lu Aiko Otta - Estado empresário traz tristes lembranças

Valor Econômico

Projeto voltou a Brasília e parece não ter ideias muito diferentes daquelas que trouxeram prejuízos ao contribuinte brasileiro

O Estado empresário voltou a Brasília com o paletó cheirando a guardado. Não se sabe exatamente quais são seus planos. Pelo que foi divulgado até agora, não parece que tenha ideias muito diferentes daquelas que trouxeram prejuízos ao contribuinte brasileiro e que o colocaram na geladeira nos últimos quatro anos. Mas seu entorno diz que desta vez será diferente.

À parte seus defeitos, a Operação Lava-Jato mostrou que o Estado empresário se envolvera com sócios de conduta duvidosa e que recursos de empresas estatais foram desviados. Na raiz dessa associação, desde a origem pouco auspiciosa, estava a falta de base do governo no Congresso. Ligando os pontos com o cenário atual, fica difícil manter o otimismo.

O déjà-vu ficou forte com o lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Estado empresário ficará responsável pela maior parte do programa, de R$ 1,7 trilhão. A participação privada, que dá suporte ao termo “Novo”, responderá por R$ 612 bilhões.

Luiz Carlos Azedo - Preço da governabilidade é compartilhar o poder com o Centrão

Correio Braziliense

Lula e Lira jogam uma partida em que alternam surda confrontação e cooperação. Nesse “tit for tat”, sempre acaba prevalecendo a cooperação como estratégia mais vantajosa

O novo arcabouço fiscal desencantou, nesta terça-feira, na Câmara, notícia boa para todo mundo, em especial para os moradores de Brasília, que conseguiram manter o Fundo Constitucional que financia a segurança pública e a educação. Seu desenho garante novas regras para o exercício fiscal, uma vez que o antigo teto de gastos, se mantido, exigiria um um corte brutal nas despesas do governo, com grande impacto negativo na economia. Além de reduzir os investimentos públicos, seria um sinal péssimo para investidores e empresas, com possível alta da inflação e estagnação da economia. E também um fator de crise institucional.

A próxima etapa agora é a aprovação da reforma tributária, que ainda é objeto de negociações no Senado, em razão das emendas feitas na Câmara. A resistência dos estados do Sul e do Sudeste ainda é grande, principalmente em relação à centralização da arrecadação pela União. Também se negocia a redução das isenções aprovadas na Câmara, cujos jabutis podem provocar o aumento das alíquotas. A reforma tributária será a principal âncora da política econômica do governo Lula, que é protagonista de uma reforma das mais difíceis, discutida há mais de 30 anos no Congresso.

César Felício - Aprovação do arcabouço é vitória para o governo

Valor Econômico

Exclusão de emenda que alterava período de inflação para correção do limite do marco fiscal, proposta pelo líder do governo no Senado, sinaliza falta de consolidação de uma base governista

aprovação do arcabouço fiscal nesta terça-feira (22) é uma vitória importante para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Está longe, contudo, de ser um indicativo de consolidação de uma base governista.

Um sinal neste sentido foi a exclusão pelos deputados da emenda do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que alterava o período de inflação para cálculo da correção do limite do marco fiscal. De R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões são as estimativas do que a mudança poderia proporcionar ao governo federal.

A exclusão do Fundeb e do Fundo Constitucional do Distrito Federal do limite fiscal, alterações do Senado que foram chanceladas pelos deputados, não eram iniciativas do governo federal.

A situação na Câmara dos Deputados ainda é a de negociações estanques: as maiorias se formam caso a caso, a depender da pauta, conforme acertos pontuais do colégio de líderes.

Congresso aprova novo arcabouço fiscal e põe fim ao teto de gastos

Folha de S. Paulo

Texto vai para sanção e substitui regra para as contas públicas criada por Temer há mais de seis anos

BRASÍLIA - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve aval do Congresso Nacional nesta terça-feira (22) para enterrar o teto de gastos, criado há mais de seis anos, e implementar o novo arcabouço fiscal —uma nova regra para as contas públicas que prevê o crescimento das despesas acima da inflação.

O projeto de lei do Executivo já havia sido aprovado pela Câmara em um primeiro momento (em maio), tendo voltado para a análise dos deputados após modificações feitas pelo Senado (em junho). Por já ter passado pelas duas Casas, o texto segue agora para sanção presidencial.

Na sessão da Câmara desta terça, foram discutidas principalmente as emendas ao texto oriundas da Casa vizinha. O governo conseguiu apoio de 379 deputados em uma votação sobre um primeiro bloco de emendas e 423 em outra, sobre um segundo bloco.

Os números seriam suficientes para aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição), cujo mínimo é 308 votos. Como o texto é um projeto de lei complementar, eram necessários, no mínimo, 257 votos dos 513 deputados.

A nova regra foi desenhada com a promessa de garantir mais recursos para políticas públicas e ao mesmo tempo reequilibrar gradualmente as contas do governo, que entraram no vermelho em 2014 —e, desde então, só exibiram resultado positivo em 2022.

A proposta determina que as despesas federais vão crescer todo ano de 0,6% a 2,5% em termos reais (além da inflação). O percentual vai variar dentro desse intervalo de forma proporcional às receitas obtidas pelo governo —ou seja, quanto maior tiver sido a arrecadação, mais será possível gastar.

Uma vez assinado por Lula, o texto dará fim ao congelamento de gastos criado no fim de 2016 por Michel Temer (MDB). A extinção automática do teto no ato da sanção do arcabouço é prevista pela PEC criada ainda na época da transição de governo, em 2022.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Brasil deveria criar distância da China em reunião do Brics

O Globo

Ampliação não pode transformar bloco num veículo para interesses antiamericanos dos chineses

Com a presença de todos os governantes, com exceção do russo Vladimir Putin, que não viajou porque corria o risco de ser preso, a cúpula do Brics — bloco formado por Brasil, RússiaÍndiaChina e África do Sul, sede do encontro — é marcada pelo debate sobre sua expansão. O plano da China é atrair novos integrantes para tentar criar um competidor ao G7, formado pelas maiores economias do Ocidente e pelo Japão. Presente na reunião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa manter o equilíbrio para não sucumbir à retórica antiocidental.

Sem dúvida o Brics é uma plataforma útil para o Brasil. Nas relações internacionais, permite uma atuação não alinhada e reforça a posição de liderança regional. Do ponto de vista econômico, aumenta a visibilidade do país por associá-lo a dois motores do PIB global: China e Índia. Para uma potência média e uma economia emergente como a brasileira, o Brics tem relevância.

Poesia | Euclides da Cunha - Dedicatória

 

Música | Paulinho da Viola, - Timoneiro