quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Opinião do dia – Celso de Mello*

O país vive um momento extremamente delicado em sua vida político-institucional, pois de sua trajetória emergem, como espectros ameaçadores, surtos autoritários, inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do estado de direito e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil, agravados pela atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital, em perseguição a um estranho e perigoso projeto de poder, cuja implementação certamente comprometerá a integridade dos princípios que informam e sobre os quais se estrutura esta República democrática e laica

Neste singular momento em que o Brasil, situando-se entre o seu passado e o seu futuro, enfrenta gravíssimos desafios, parece-me essencial reafirmar aos cidadãos de nosso país que esta Corte Suprema, atenta à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição.

*Celso de Mello é o mais antigo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em discurso, ontem, em Brasília.

Nelson Jobim* - O Supremo Tribunal e o ministro Toffoli

- Folha de S. Paulo

Presidente da corte sabe a importância do diálogo

Nesta quarta-feira (23), o ministro Dias Toffoli completou dez anos no Supremo Tribunal Federal.

Afirmou, em sua sabatina no Senado Federal, ter um único compromisso: a Constituição da República. Tem a história como fundamento de sua conduta. É um grande conciliador.

Em 2015, o STF definiu a natureza jurídica da colaboração premiada. O tribunal, por maioria, acompanhou a sua orientação.

Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Toffoli conduziu com firmeza as acirradas eleições gerais de 2014.

Assumiu a presidência do Supremo em um momento difícil da história política do país. Enfrenta a alta exposição da corte, as divergências pessoais internas e a polarização extrema da sociedade.

Agora, o STF discute a prisão em segundo grau. O tema divide e apaixona. Fulaniza-se a controvérsia.

A solução será aquela fixada por sua maioria. Não pode adotar solução por conta de pressões de qualquer natureza. Em tudo, o ministro Toffoli age com prudência, autocontenção e respeito aos demais Poderes e colegas. Assume o diálogo com todos.
Sabe que interlocutor não se escolhe: é aquele que está aí. Não abre mão da defesa da Constituição Federal e do tribunal.

A Suprema Corte tem enfrentado questões próprias da seara política. Não por vontade própria. A iniciativa é dos demais Poderes, de partidos políticos ou de representações da sociedade.

Bruno Boghossian – Supremo como carcereiro

- Folha de S. Paulo

Tribunal não conseguirá escapar de responsabilidade final por punições no país

Ministros do STF costumam lamentar que o tribunal tenha se afastado aos poucos de seu papel de guardião da Constituição para se tornar uma corte criminal. Ao analisar pela terceira vez em dez anos os critérios da execução de penas de prisão, o tribunal se arrisca a acumular também a função de carcereiro.

As nuances do julgamento, que começou na semana passada e prossegue nesta quinta-feira (24), lançaram ao Supremo a missão de definir quem deve ficar atrás das grades e quem tem o direito de ficar na rua. Em certos momentos, o debate sobre as leis ficou em segundo plano.

"Quando você prende alguém, não é por prazer. É porque você está protegendo pessoas e instituições", disse Luís Roberto Barroso, que defende a prisão após condenação em segunda instância. "É mais bacana defender a liberdade que mandar prender, mas eu tenho que evitar o próximo estupro, o próximo homicídio."

As divisões internas e as artimanhas adotadas pelos ministros produziram a contaminação das tarefas do tribunal. A manipulação da pauta do STF para adiar o julgamento da questão, a vinculação irremediável dessas ações com o caso Lula e a desinformação levada para dentro do plenário rebaixaram a corte.

Maria Hermínia Tavares de Almeida* - O poder dos partidos

- Folha de S. Paulo

Construção de bases de apoio caso a caso custa caro

Em outubro de 2018, 57,7 milhões de brasileiros elegeram um presidente que concorria por um partido de aluguel, até então com apenas uma cadeira na Câmara.

Foram eleitos também cerca de 30 deputados que, apoiados por movimentos de renovação política de distintas orientações, haviam sido lançados por um leque de partidos de direita, centro ou esquerda. Muitos daqueles, a exemplo do candidato vitorioso ao Planalto, tinham tênue identificação com as legendas que os abrigaram; antes, viam-se como inovadores da forma de fazer política.

Seu êxito testemunha o que certos estudiosos chamam de crise de representação: ela consiste, de um lado, no escasso vínculo dos eleitores com as siglas existentes; de outro, na incapacidade do sistema partidário de traduzir e agregar as preferências dos votantes em torno de propostas discerníveis de políticas alternativas.

Assim como Bolsonaro se elegeu sem máquina partidária nem tempo de propaganda no rádio e na TV, os candidatos autodenominados renovadores se beneficiaram mais de suas redes de apoio do que das estruturas partidárias.

Uirá Machado – Bolsonaro num instante

- Folha de S. Paulo

Foto com macarrão sintetiza nova política do presidente

Com indisfarçável ironia, Bolsonaro foi ontem às redes sociais e parabenizou esta Folha pela publicação de reportagem sobre a importância do macarrão instantâneo nas viagens do presidente. "Essa matéria não é fake news", escreveu.

Mais tarde, divulgou uma fotografia na qual aparece em pé, com um sorriso forçado no rosto, uma panela aberta na mão direita e uma embalagem de Nissin Lámen na outra (ele mesmo jamais diria "na esquerda").

A sequência pode facilmente passar como apenas mais uma atuação pitoresca e inofensiva de Bolsonaro, mas, bem observada, revela alguns truques perigosos do presidente.

De saída, o ataque velado à imprensa. Ao afirmar que a reportagem em questão não é fake news, o capitão reformado deixa implícita uma outra mensagem, a saber, que outros tantos conteúdos produzidos por este jornal seriam mentirosos.

Bolsonaro nunca procurou disfarçar sua ofensiva contra a mídia. Como todo populista de perfil autoritário, ele chega ao ponto de agir abertamente contra os veículos que possam fazer uma cobertura independente e crítica de seu governo.

Se desta vez ele disfarçou a investida, foi porque viu a oportunidade de fustigar o jornal ao mesmo tempo em que exibia seu jeitão humilde. Muitos leitores terão simpatia pelo homem que não gosta de peixe cru e, mesmo vestindo a faixa presidencial, prefere um simples miojo a banquetes suntuosos.

Mariliz Pereira Jorge – Implosão

- Folha de S. Paulo

Há novos questionamentos: qual dos aliados vai implodir o governo? Quando?

Implosão é "estouro para dentro"; "série de explosões que se combinam de tal modo que seus efeitos tendem a concentrar-se em um ponto central". Provável que o Delegado Waldir tenha escolhido ao acaso a palavra que melhor descreve o que acontece ao partido do presidente e que pode atingir em cheio o governo quando ameaçou "implodir" Jair Bolsonaro.

Em poucos dias, tivemos a ameaça do deputado que xinga o presidente de "vagabundo" e diz que mostrará "a gravação dele". Depois, o parlamentar que dedurou o delegado partir para cima de colegas que querem cassá-lo: "Tenho muita coisa para foder o Parlamento inteiro. Vamos alinhar ou vamos guerrear?", disse Daniel Silveira, aquele que quebrou a placa com o nome da vereadora Marielle e jogou no chão o celular do jornalista Guga Noblat.

Por fim, a deputada Joice Hasselmann, vítima do que ela mesma chamou de "milícias digitais", apontou o dedo para os filhos do presidente, acusando-os de estarem por trás de um esquema de disseminação de fake news, de perseguição e de assassinato de reputações.

Fernando Schüler* - Meu amigo chileno

- Folha de S. Paulo

O fato é que não sabemos precisamente o que se passa, e não é a primeira vez

Logo que estourou a crise chilena, liguei para um velho amigo, professor da Universidade Adolfo Ibáñez, em Santiago. Sujeito prudente, acadêmico de primeira e profundo conhecedor da política chilena. Abatido com a crise, ele sugeriu alguns caminhos, mas reconheceu: “está todo muy convulsionado todavía, falta un tiempo para poder hacer un análisis pausado”.

Horas depois percebi que não precisava me preocupar. A algazarra digital, aqui pelos trópicos, já havia explicado tudo. Pela rapidez das análises, desconfio que tudo já era sabido mesmo antes dos protestos.

À direita, referências difusas ao Foro de São Paulo (sempre ele) ou à inconformidade da esquerda com a última derrota eleitoral; à esquerda, a resposta quase unânime: a desigualdade. A chave que abre qualquer porta, nos dias que correm. Alguns ainda culpavam a previdência chilena. O sujeito tem 18 anos, sente que terá um problema aos 60 e decide saquear o Walmart ou ir à rua com um coquetel molotov, para explodir o metrô de Santiago.

Explicações desse tipo não valem muita coisa. Elas são o feijão com arroz da guerra política de todos os dias. O fato é que não sabemos precisamente o que se passa, e não é a primeira vez. Alguém por acaso sabe o porquê das manifestações de rua de 2013 no Brasil? Especulações há de sobra, e é fácil narrar aqueles episódios todos, mas explicar é algo inteiramente diferente.

Vinicius Torres Freire - Próximo conflito: servidores federais

- Folha de S. Paulo

Sem cortar despesa com funcionários, teto de gastos e governo estouram em 2 anos

Nas próximas semanas, o governo começa um conflito sério com servidores federais e com todos os defensores de gastos obrigatórios mínimos com saúde e educação. Caso seja derrotado, é razoável esperar que o funcionamento da máquina do governo se torne inviável na virada de 2021 para 2022, no mais tardar.

“Inviável” significa não ter dinheiro para pagar despesas como serviços de tecnologia da informação dos quais dependem o funcionamento da Receita e do INSS, por exemplo, o que parece, na prática, impossível.

A alternativa seria dar cabo do teto de gastos, um enorme revertério, vetado pelo menos pela equipe econômica de Jair Bolsonaro.

O talho, portanto, teria de ser aprovado até o ano que vem, ano de eleição: mais conflito.

“Conflito” significa criar uma regra extra de contenção de despesas que implica, de um modo ou de outro, o corte de salários do funcionalismo, o que em tese inclui militares, Polícia Federal e professores das universidades federais, para citar apenas categorias politicamente sensíveis. A depender da regra de contenção que venha a ser aprovada, o corte de despesas com o funcionalismo pode durar anos seguidos.

Além disso, pretende-se dar fim da obrigação constitucional de gastar um mínimo em saúde e educação.

Laura Carvalho - O preço da desigualdade

- Folha de S. Paulo

Artigos relacionam crescimento da extrema direita com ansiedade econômica

Em pesquisa realizada com um painel de renomados economistas europeus, a Initiative on Global Markets (IGM) da Universidade de Chicago encontrou que apenas 2% dos participantes discordam da afirmação de que “o aumento da desigualdade está prejudicando a saúde da democracia liberal”, e apenas 7% rejeitam a ideia de que “políticas e gastos redistributivos provavelmente limitariam o crescimento do populismo”.

De fato, a identificação da desigualdade e da ansiedade econômica como elementos centrais para o crescimento da extrema direita no mundo vem ganhando cada vez mais espaço na literatura.

Em artigo aceito pela American Economic Review, Thiemo Fetzer demonstrou que o corte de programas sociais no Reino Unido desde 2010 aumentou o apoio ao brexit.

Em estudo de 2017 sobre a inclusão de imigrantes em um programa de habitação social na Áustria, Charlotte Cavaille e Jeremy Ferwerda já haviam sugerido que o maior conflito distributivo sobre a provisão de bens públicos aumenta o desempenho de partidos de extrema direita.

Estudos econométricos feitos para os EUA e diversos países da Europa apontam, ainda, que a exposição a produtos importados chineses tende a beneficiar candidatos não moderados, reforçando o papel da globalização para esses fenômenos. Essa última também está na raiz do declínio da classe média identificado por Branko Milanovic em seu livro “Global Inequality” como catalisador da recessão democrática global.

Luiz Carlos Azedo - Abrolhos, a tragédia continua

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A rica biodiversidade do nosso litoral é um tesouro agredido pela mancha de óleo que todo dia chega às praias e expõe o descaso e a incompetência do governo na questão ambiental”

A notícia de que as manchas de óleo que estão chegando às praias do Nordeste desde o início de setembro já se aproximam de Abrolhos, no sul da Bahia, é um espanto. O arquipélago detém os bancos de corais de maior diversidade do Atlântico Sul, protegidos pelo Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil, um santuário para a reprodução das baleias franca e jubarte, cuja passagem pela costa brasileira do Sul e Sudeste são uma atração à parte. Em Vitória, por exemplo, há passeios turísticos de barco para ver a dança das baleias.

O Arquipélago de Abrolhos é formado por cinco ilhas, distantes 75 quilômetros da costa de Caravelas. Foi visitado por Charles Darwin em 1832, a bordo do veleiro HMS Beagle. Desde essa aventura científica, Abrolhos é uma referência para o estudo de biologia e da reprodução dessa espécie mamífera. A Ilha de Santa Bárbara, onde está o farol da Marinha, é a única habitada. As outras quatro são áreas proibidas. As ilhas ocupam 913 km². Conheci o arquipélago num dos raros carnavais nos quais não saí no bloco carioca Simpatia É Quase Amor, do qual sou folião desde o primeiro desfile, sempre na bateria.

Conheci Abrolhos graças a um convite do meu falecido amigo Bruno Fernandes, arquiteto e velejador, que me ligou de Cabo de São Tomé para pedir uma orientação de como proceder diante do forte vento Nordeste que sopra naquela região da costa fluminense. A 40km a sudeste da cidade de Campos dos Goytacazes, a península é formada por sedimentos depositados pelo Rio Paraíba do Sul. Foi avistada pela primeira vez em 1501 e perturba a vida dos velejadores que tentam atravessá-lo a meia distância da costa, por causa das ondas e do bordo negativo que torna infindável a travessia.

Ricardo Noblat - Uma esfinge chamada Rosa

- Blog do Noblat | Veja

A sorte de Lula depende dela
Ao sintonizarem, ontem, os canais de televisão que transmitiam a sessão do Supremo Tribunal Federal, os distraídos podem ter imaginado de início que assistiam a uma reprise de antigos julgamentos sobre a prisão de condenados pela segunda instância da Justiça. Os personagens eram os mesmos, os votos também.

A sessão foi suspensa com 3 votos pela manutenção da prisão em segunda instância contra 1. Será retomada esta tarde, mas só deverá ser concluída em novembro, em data ainda a ser marcada. Mas a sessão de logo mais servirá, quando nada, para que a ministra Rosa Weber, a esfinge do tribunal, leia o seu voto.

Os votos seguintes são previsíveis. O de Rosa é o único que não é. Primeiro porque ela é de pouca ou de nenhuma conversa com seus pares quando se trata de temas em julgamento. Segundo porque ela já votou uma vez favorável à prisão em segunda instância apesar de ser contra. Filigrana jurídica. Não vale a pena examinar.

Em resumo: a sorte da prisão em segunda instância está nas mãos de Rosa. O placar que outra vez se desenha é o de 6 a 5 – contra ou a favor da prisão em segunda instância. Lula terá de conter sua ansiedade e esperar mais algumas semanas para saber se será libertado ou se continuará mofando na cadeia.

Culto à personalidade de Toffoli

Um livro para falar bem dele
Quem do Poder Judiciário, convidado ou não, teria o desplante de faltar ao lançamento, ontem à noite, de um livro em homenagem ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal? O comparecimento foi grande.

Foi o culto à personalidade mais escancarado que Brasília assistiu este ano. Toffoli celebra 10 anos como ministro. O livro reúne artigos de diferentes autores que analisam as principais decisões de Toffoli durante esse período. Uma louvação só.

Malu Delgado - O cárcere do PT

- Valor Econômico

Ainda que Lula seja libertado, PT continuará prisioneiro do ex-presidente

Ficar a reboque de Lula é vantagem ou desvantagem? Enquanto aguardava o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que poderia tirar o ex-presidente da República da prisão, um integrante do PT refletia sobre os efeitos de outro cárcere: o do próprio partido em torno da figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo os petistas que admitem, em privado, incômodo com a paralisia do partido e a dependência cega dos comandos de Lula, há uma constatação realista de que o ex-presidente é, de fato, o melhor candidato à Presidência da República para o PT (isso no quesito competitividade) em qualquer cenário.

Os mais pragmáticos e realistas propõem, porém, outra reflexão: mesmo solto, Lula é inelegível e não é factível pensar em sua candidatura para 2022. Sendo assim, o ex-presidente retornaria às ruas e viajaria pelo país num cenário de continuidade da extrema polarização e sem condições de disputar, por restrições impostas pela Lei da Ficha Limpa. “Vamos ficar esperando o Lula até quando?” é uma pergunta não impensável de se ouvir em debates do PT, ainda que tal lucidez esteja longe de refletir o sentimento da maioria do partido, controlado pela corrente do ex-presidente.

E como imaginar que o homem que está detido há mais de um ano, se considera preso político e se julga vítima de um julgamento parcial e contaminado, agirá politicamente em favor de composições que extrapolem a cantilena da hegemonia petista? A lógica de Lula, encarcerado, é a de um ator político sectário, endossa um petista. Solto, não seria absurdo imaginar que Lula agiria como a jararaca viva e justiceira. Em 2016, quando foi levado em condução coercitiva pela Lava-Jato para prestar depoimento, o ex-presidente avisou: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca está viva”. Vivíssima.

Ribamar Oliveira - Meta fiscal da LDO já não reflete a realidade

- Valor Econômico

Não haverá cortes no Orçamento no próximo ano

O megaleilão dos excedentes de petróleo da cessão onerosa, que será realizado no próximo dia 6 de novembro, terá um impacto significativo nas contas públicas neste e no próximo ano. A União terá, em termos líquidos, uma receita de R$ 24 bilhões que não constava na programação orçamentária de 2019 e o mesmo valor será acrescido à estimativa da receita prevista na proposta orçamentária para 2020.

Os recursos extras serão utilizados para reduzir o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central). Com isso, as metas de resultado primário definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não servem mais como sinalizador da trajetória da política fiscal brasileira.

A meta fiscal para o governo central, definida na LDO, é de déficit primário de R$ 139 bilhões neste ano. Com o dinheiro que será obtido no leilão da cessão onerosa e nos leilões da 16ª rodada de concessão, já realizado, e da 6ª rodada de partilha de produção, que ocorrerá também em novembro, o déficit primário poderá ficar abaixo de R$ 90 bilhões.

O governo poderia utilizar parte dos recursos para executar as programações orçamentárias deste ano, que estão contingenciadas, mas não o fará. O Ministério da Economia entende que o chamado Orçamento impositivo, criado pelas emendas constitucionais 100 e 102, só valerá a partir de 2020.

Para o próximo ano, a meta fixada na LDO é de déficit primário de R$ 124,1 bilhões para o governo central. A proposta orçamentária de 2020, encaminhada pelo governo ao Congresso no fim de agosto, projeta uma receita suficiente para cumprir a meta da LDO. Os R$ 24 bilhões do leilão da cessão onerosa serão, portanto, um adicional, que será incorporado à proposta orçamentária em novembro, por meio de mensagem modificativa.

William Waack - O ciclo da frustração

- O Estado de S.Paulo

As crises nos vizinhos sul-americanos têm poderoso e perigoso denominador comum

Não é difícil encontrar um denominador comum para as sucessivas e paralelas crises que tomaram conta (por ordem alfabética) de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela, para ficar apenas com a América do Sul. O “ciclo” atual desses países é o da “era do descontentamento”. Ou da era da frustração, como preferir.

Em seu conjunto, os países desta região só se comparam aos do Oriente Médio quanto ao número de seus habitantes que declaram ter vontade de seguir a vida em outro lugar (no Brasil, alcança a faixa dos 30%; fonte é o Gallup). São os países nos quais existe a mais aguda percepção no planeta de que seus regimes políticos são tomados pela corrupção. E os de mais baixo desempenho econômico na comparação com todas as outras regiões.

Tomados individualmente, cada um desses países teria razões próprias, locais, culturais e históricas para os períodos de crise econômica, turbulência e instabilidade políticas. Mas há algo comum a todos: um sentimento difuso de frustração trazido pela demora em romper a perceptível estagnação que caracteriza um conjunto de nações preso à armadilha da renda média, e cuja distância em relação aos países mais avançados continua praticamente a mesma de uma geração atrás.

A punição a quem está no poder é quase imediata, não importa se de esquerda ou direita. Na Argentina, no Chile ou no Brasil, recentes resultados eleitorais dividem um mesmo pano de fundo: um acentuado desejo de mudança trazido menos pela esperança num futuro melhor e muito mais pela indignação com a corrupção, medo com a criminalidade e profunda desconfiança na capacidade do “sistema” de resolver problemas agudos – “sistema” passa a ser tudo, da administração pública à imprensa, passando (claro) pelo Judiciário. Ganha quem prometer derrotar o “sistema”.

Zeina Latif* - Quem diria, Chacrinha estava certo

- O Estado de S.Paulo

Governador do RS é exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão

A forma de fazer política ganha novos contornos diante de mudanças no comportamento social mundo afora. A sociedade atual, conectada, mostra-se mais exigente e, em muitas democracias jovens (ou na falta dela), anseia por maior participação política. Além disso, a capacidade de mobilização aumentou com as redes sociais. Temas aparentemente pequenos podem provocar grandes manifestações, mesmo em um país como o Chile, com indicadores econômicos invejáveis para muitos emergentes.

O aumento da tarifa do metrô foi o estopim para protestos. O governo reagiu com repressão em vez de diálogo. Deu no que deu. O governo errou também ao voltar atrás na decisão e pode ter alimentado a desconfiança dos indivíduos. Afinal, a correção de tarifas não era necessária?

Os novos tempos demandam capacidade de comunicação e diálogo dos governantes. Talvez esse seja o verdadeiro divisor entre a “nova” e a “velha” política.

Eugênio Bucci* - Aprendizes de Adolf Hitler

- O Estado de S.Paulo


Sua meta estratégica é destruir a verdade factual e no lugar dela instaurar o fanatismo

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) agora acusa o governo de manter assessores encarregados de disparar fake news para destruir a reputação de pessoas que até anteontem cerravam fileiras com o presidente. As redes sociais são o campo de batalha da guerra interna que consome as falanges bolsonaristas. As armas incluem, segundo a deputada, perfis falsos, notícias fraudulentas e calúnias.

As denúncias ainda precisam ser comprovadas. O que não mais precisa de comprovação, porque já está mais que escancarado, é o método político do círculo mais próximo do presidente. Esse “núcleo duro”, o núcleo filial sob a liderança paterna, vem se notabilizando por ataques à queima-roupa, desleais e baixos, contra ministros ou servidores (como foi feito com gente do BNDES e do Inpe, há pouco tempo), pelas campanhas desinformativas (como a alegação de que não havia queimadas no Brasil) e por teorias conspiratórias abiloladas (como esta, agora, de dizer que as manifestações no Chile e as manchas de petróleo nas praias do Nordeste se articulam num complô da esquerda sul-americana contra o governo brasileiro).

Esse método de fazer política se vale de mentiras e de difamação, mas seu objetivo é maior do que difamar esse ou aquele ex-aliado: a meta estratégica é destruir a verdade factual e, no lugar dela, instaurar o fanatismo. O núcleo presidencial-familiar canaliza uma voragem antissistêmica que, mesmo não sendo bem-sucedida, vai minando a institucionalidade da política e comprometendo a saúde da democracia.

A esta altura, o nosso maior problema não é se fulano ou beltrana serão vítimas da artilharia caluniosa do clã (que se vale de estratagemas perversos que até outro dia esses mesmos ex-aliados apoiavam), mas a persistência do método que substitui a verdade factual pela propaganda. Esse método explora o medo dos desavisados com paranoias conspiratórias e vai queimando, uma a uma, as pontes da política. Esse é o nosso problema.

Por certo que o método não é uma invenção do clã. Quem fazia política (ou antipolítica) com essa cartilha era Adolf Hitler, o tal que demonstrou na prática que a propaganda é a arma do totalitarismo. Em seu livro Mein Kampf (Minha Luta), publicado em 1935, tudo se expõe de forma cabal. Hitler repete 180 vezes o termo propaganda, como observou recentemente o professor Edgard Rebouças, da Universidade Federal do Espírito Santo. Invariavelmente, a palavra vem associada ao propósito de fabricar verdades. “Compreendi, desde logo, que a aplicação adequada de uma propaganda é ´uma verdadeira arte”, escreve Hitler na abertura do capítulo VI, A propaganda de guerra.

José Serra* - Dá para fazer

- O Estado de S.Paulo

Deveríamos seguir logo o norte apontado pelos ganhadores do Nobel de Economia deste ano

Nunca é demais insistir na importância de retomar o crescimento econômico sustentado para aumentar o bem-estar social. Mas sem uma estratégia de país, como argumentou Celso Lafer em seu último artigo nesta página, não se vai muito longe. Isso envolve a fixação de objetivos que deem continuidade aos avanços das últimas décadas, enquanto o crescimento econômico não vem. Os ganhadores do Nobel nos ensinam que é possível melhorar muito a qualidade de vida das pessoas avaliando políticas públicas e apostando nas mais efetivas.

Entre os anos 1940 e os anos 1980, o Brasil crescia a uma média anual de 7% acima da inflação. Nos quatro decênios posteriores, a média caiu a menos de um terço desse ritmo. Para ter claro, o PIB brasileiro dobrava a cada dez anos, entre a década de 40 e a de 80, e passou a crescer pouco mais de 20% por década entre os anos 1980 e 2019. O PIB per capita, por sua vez, que avançava a 4,2% ao ano no primeiro período, passou a crescer abaixo de 1%.

A desaceleração da economia brasileira tem raízes profundas. Cometemos erros sistêmicos que deixaram o Brasil à margem do processo de desenvolvimento observado em outros países emergentes, como a Coreia do Sul. Lá, investe-se pesadamente em educação desde os anos 1980. Nós seguimos pouco integrados à economia mundial e temos deixado a indústria de transformação perder cada vez mais participação no PIB. Desemprego e ociosidade altos combinados com inflação baixa são os mais claros sinais de que o motor não vai bem.

Bernardo Mello Franco – Ameaças do submundo

- O Globo

O STF voltou à mira das milícias virtuais. Agora a pressão é de caminhoneiros bolsonaristas, que ameaçam invadir a Corte se não gostarem do resultado de um julgamento

O ministro Marco Aurélio Mello tocou no assunto ao seu estilo: com ironia. Ao iniciar o voto de ontem, ele mencionou os vídeos em que caminhoneiros bolsonaristas ameaçam invadir o STF.

“Recebi no WhatsApp que se estaria reforçando a rampa aqui do Supremo, porque teríamos caminhão subindo...”, disse, com um sorriso no rosto.

Em tom mais grave, outros ministros também reclamaram do bombardeio virtual dos últimos dias. É uma campanha orquestrada, com métodos testados na disputa eleitoral de 2018.

O decano Celso de Mello identificou, nas novas ameaças à Corte, a “atuação sinistra de delinquentes que vivem da atmosfera sombria e covarde do submundo digital”. Acrescentou que esses grupos perseguem “um estranho e perigoso projeto de poder”, incompatível com o regime democrático.

Ascânio Seleme - Não tem mais desculpa

- O Globo

Daqui em diante cabe ao governo fazer o que dele se espera, governar

Agora vai. Aprovada a reforma da Previdência, o governo não tem mais desculpa para não decolar e voar em céu de brigadeiro. Convencidos pelas palavras do ministro da Economia, vamos ver o país criar entre um e dois milhões de vagas de trabalho nos próximos 12 meses, e a economia crescer pelo menos 3% no mesmo período. Foi o que ouvimos de Paulo Guedes quando ele apresentou a reforma no início do ano. Como a economia prevista no pacote original foi desidratada em 40%, é justo esperar resultados proporcionais, ou seja entre 600 mil e 1.2 milhão de empregos novos e crescimento no mínimo de 1,8% em um ano.

Mas, que pena, não é bem assim. O próprio Guedes se corrigiu quando ficaram evidentes os sinais de que a reforma seria mesmo aprovada. Disse que, aliada a ela, seria fundamental desonerar a folha de pagamento das empresas aprovando um outro imposto em seu lugar, uma CPMF, por exemplo. Claro, todo mundo sabe que as empresas demitem, não contratam ou contratam menos, porque o custo da mão de obra no Brasil deve ser sempre calculado em dobro. Se uma função é remunerada com R$ 1 mil, o empresário pode separar R$ 2 mil, porque a outra metade cobrirá os impostos do trabalho.

Segundo o ministro, há outras questões que devem ajudar a alavancar a economia, parada por insuficiência respiratória. Zerar o déficit das contas públicas é a mais urgente. Depois, nas palavras de Guedes, privatizar, privatizar e privatizar. Fazer as reformas tributária e administrativa também é urgente. Reduzir as despesas obrigatórias, carimbadas constitucionalmente, e, quem sabe mais adiante, voltar com a proposta de capitalização da Previdência, sonho do ministro inspirado no exemplo chileno. Opa, Chile? Chile, não. Melhor buscar outro exemplo.

Míriam Leitão - A economia entre temores e avanços

- O Globo

Agro teve ano bom e bancos privados estão fornecendo crédito rural, mas exportadores têm medo de barreiras ao comércio por razões ambientais

O economista José Roberto Mendonça de Barros acha que a economia está mudando para melhor em certos pontos, mas ainda prevê um crescimento baixo do PIB no ano que vem. Ele ressalta algumas boas notícias: a safra foi muito boa, mantendo o agro como setor que sempre tem sucesso apesar das crises, o mercado de crédito começa a mudar pela queda forte da Selic. O maior temor dos grandes produtores agrícolas, contudo, é o de sofreram boicote por razões ambientais.

José Roberto é o tipo de analista que nota as mudanças da economia em pequenos detalhes do cotidiano. Nos últimos dias, foi pagar um táxi com uma nota de R$ 50 e o motorista avisou que preferia receber na sua maquininha que ele estava estreando naquele dia. Depois, conversou com o dono de uma pequena rede de supermercados do interior de São Paulo, e ele disse que o operador das máquinas de cartão de crédito reduziu a taxa de uso de 4% para 1,5% e estava quitando os valores em D+2. Antes era em 30 dias:

— O motorista faz parte da onda de popularização das maquininhas depois que o setor deixou de ser um duopólio e passou a ter a competição dos vários fornecedores desse serviço, e o dono do supermercado teve um aumento forte de capital de giro, já que 45% do que ele vende é através de cartão.

A mais notável mudança para ele, que acompanha o que acontece com o setor agropecuário há muitas décadas, é que o crédito rural agora está sendo ofertado por bancos privados:

— Pelas novas regulações do Banco Central, pela queda da Selic, pela entrada das fintechs, o fato é que os três maiores bancos privados estão correndo junto com o Banco do Brasil para ofertar financiamento. Assim, o crédito público fica para os pequenos produtores e para bancar uma parte do seguro agrícola. A queda da Selic tem tirado muito investidor dos fundos DI. Isso abriu espaço para os papéis dos certificados imobiliários e agrícolas. Surgiu uma fonte de crédito abundante com taxas menores que as do plano Safra.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Mensagens que a crise do Chile envia – Editorial | O Globo

Protestos violentos refletem um perigoso mal-estar social, apesar de avanços econômicos

A América do Sul costuma viver em ciclos. Houve o das ditaduras militares, vive-se agora o da bem-vinda redemocratização, em que se revezam governos à direita e à esquerda, com pedigree populista ou não. O importante é que os regimes garantam eleições minimamente livres, o que não acontece na Venezuela.

Nos últimos meses, têm ocorrido manifestações violentas que denunciam um perigoso mal-estar social. No Peru, a sociedade acompanhou a desarticulação de um ramo do petrolão brasileiro, desvendado pela Lava-Jato, e as ruas serviram de campo de guerra durante um choque institucional entre o Executivo e o Legislativo; no Equador, a violência foi detonada pela revogação de uma só vez de subsídios aos combustíveis, e a Bolívia entrou na lista de crises, com a suspensão da contagem de votos da eleição em que Evo Morales tenta se reeleger pela quarta vez consecutiva.

O destaque é o Chile, cuja economia tem índices de razoável desenvolvimento. Por exemplo, um PIB per capita de US$ 25.200, contra US$ 16 mil do Brasil (calculados no conceito de “paridade do poder de compra”). Superadas uma hiperinflação e a violenta ditadura militar de Pinochet, o Chile foi conquistando avanços.

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto oco

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

Música | Claudionor Germano - Frevos de Capiba