segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Paulo Fábio Dantas Neto* - Senso comum, fábulas e juízo político nos três poderes

Este artigo girará em torno da seguinte pergunta de fundo: no Brasil atual, riscos de deslegitimação de poderes constituídos existem pela ação de uma extrema-direita fora do poder e posta na defensiva por isolamento político e acuamento policial, ou mais por exercício imprudente dos poderes por quem legitimamente os detém? Algumas impressões passeiam pelo senso comum e sujeitam-se a verificação.

O Poder Legislativo – com destaque para a cúpula da Câmara dos Deputados e seus aliados políticos – pratica um fisiologismo paroquial que, sendo precificado e naturalizado, comete abusos corporativos desafiadores da paciência dos eleitores. O Poder Executivo reorganiza-se, institucionalmente, depois de um desmonte, mas o seu timoneiro é conivente com o fisiologismo, além de ser dado a flertes populistas. E o Poder Judiciário, esse parece ter umbigo de mel. Ocupa, agora, a sua mais alta posição, alguém que se julga legítimo representante da sociedade para liderar um pacto pacificador, exatamente porque não é político e garante não ter aspirações políticas. Em geral, quem não critica a ideia, duvida.

A juízos negativos de senso comum correspondem contrassensos positivos, fabricados com o mesmo imoderado descuido. O Legislativo, bunker do pragmatismo político, seria fiador natural da governabilidade democrática do país; o presidente Lula seria o estadista do social, encarnação da causa da igualdade, cuja missão é usar sua energia descomunal para fazer contraponto à mesquinha política “das elites deste país”; e o Judiciário seria o zagueiro do estado de direito, ao mesmo tempo o artilheiro que castiga fascistas e emancipa minorias oprimidas.

Carlos Pereira* - Conflito virtuoso entre os Poderes

O Estado de S. Paulo

Múltiplos vetos protegem interesses de minorias circunstanciais de serem alienados

Têm sido cada vez mais frequentes conflitos entre os três Poderes. Uma das possíveis causas da cizânia seria a incongruência ideológica entre eles. Um Executivo de esquerda, um Legislativo predominantemente conservador e uma Suprema Corte de perfil majoritariamente progressista.

Essa diferença de preferências tem sido tamanha a ponto de 175 parlamentares terem assinado uma proposta de emenda constitucional que autoriza o Congresso a derrubar decisões do Supremo que o Legislativo julgue que os limites constitucionais da Corte tenham sido extrapolados.

Em vez de interpretar esses conflitos como evidência de suposta crise institucional, é possível explicar esse fenômeno justamente como virtude. Ou seja, um sistema político extremamente competitivo e de perfil “consensualista” não permite que nenhuma força política consiga, sozinha, ser majoritária.

Bruno Carazza* - Por que quase todos querem a PEC da Anistia

Valor Econômico

Números derrubam um a um todos os dispositivos da PEC nª 09/2023

Quando uma proposta legislativa, logo no seu artigo primeiro, começa com um “não serão aplicadas sanções de qualquer natureza”, e ainda mais quando ela tem o apoio de praticamente todos os partidos, você já pode desconfiar.

Desde 2015, quando o STF proibiu doações de campanhas feitas por empresas, o Congresso já transferiu, em valores deflacionados, R$ 17,6 bilhões para os partidos a título de fundo partidário e eleitoral. Esse dinheiro fica na mão da cúpula de cada legenda, nos diretórios nacionais, estaduais e municipais, para cuidar do dia a dia das agremiações e distribuir aos seus candidatos a cada ciclo eleitoral.

A legislação que criou o fundão eleitoral, convenientemente, não estabeleceu nenhum critério para sua alocação aos integrantes dos partidos. Em geral, são privilegiados os próprios dirigentes, seus familiares, auxiliares mais próximos, políticos em busca de reeleição e alguns concorrentes com boas chances de vitória. Não é preciso dizer que esse sistema mina as perspectivas de competição no jogo eleitoral.

Antara Haldar* - Adeus aos economistas de Chicago

Valor Econômico

Os modelos de longa data que pressupõem um comportamento racional que maximiza o bem-estar permanecem totalmente entrincheirados na teoria

Setembro de 2023 marca dois acontecimentos importantes na história da economia - o 50º aniversário do evento que levou à ascensão da “Escola Econômica de Chicago” e o 15º aniversário daquele que precipitou sua queda.

Meio século atrás, os “Garotos de Chicago” embarcaram num experimento no Chile pós-golpe de Augusto Pinochet que se tornaria a estrutura de política econômica dominante do nosso tempo, introduzindo uma série de medidas radicais inspiradas pelas ideias de Milton Friedman e do resto da Escola de Chicago.

Essas ideias - nascidas de uma fé absoluta no mercado e de uma suspeita igualmente absoluta do governo - viriam a dominar a disciplina da economia e, mais importante, a definição de políticas econômicas pelos próximos 35 anos. Foi só com o colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008, seguido logo depois pela crise financeira global, que a ascensão da Escola de Chicago terminou.

A questão hoje, 15 anos depois, é se essa ortodoxia econômica de longa data está gravemente ferida ou se seus defensores estão só lambendo suas feridas e esperando seu momento. A resposta vai depender de se desenvolvemos um entendimento adequado dos fatores que levaram à crise de 2008, e dos desafios que vêm atormentando muitas economias desde então.

Sergio Lamucci - Cenário externo e quadro fiscal estão mais incertos

Valor Econômico

Incertezas sobre as contas públicas pioram a percepção de risco do Brasil, num momento em que o quadro externo é menos favorável a países emergentes

As perspectivas para a economia global e para economia brasileira no quarto trimestre estão mais incertas. A avaliação de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manterá os juros mais altos por mais tempo elevou com força a taxa dos títulos de longo prazo do Tesouro dos EUA, uma má notícia para países emergentes como o Brasil. Por aqui, o quadro para as contas públicas voltou a ficar mais indefinido.

O salto do rendimento dos papéis do Tesouro americano de longo prazo em setembro indica um quadro mais difícil na economia global, com maior aversão a risco. Isso tende a diminuir o fluxo de recursos para economias emergentes. No Brasil, isso se traduziu num câmbio mais desvalorizado, com o dólar voltando a superar R$ 5. Num momento em que o petróleo está acima de US$ 90 o barril, o real mais fraco coloca mais pressão na Petrobras para reajustar os preços dos combustíveis, ainda que não se espere uma depreciação muito forte da moeda brasileira. Isso não deve impedir o Banco Central (BC) de seguir com os cortes de juros neste ano, mas pode limitar a magnitude do ciclo de queda da Selic, que caiu 0,5 ponto percentual em agosto e mais 0,5 ponto em setembro, para 12,75% ao ano.

Marco Antonio Carvalho Teixeira* - Tabata traz novos contornos à corrida paulistana

Folha de S. Paulo

Boulos versus Nunes no 2º turno seria melhor para ambos; deputada pode ser empecilho

A disputa pela Prefeitura de São Paulo movimenta projetos de poder que movem a política nacional. Está em jogo o comando de 11,5 milhões de habitantes, um Orçamento que só não é maior que o do governo federal e dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e um cargo com potencial para transformar o seu prefeito em virtual candidato ao governo paulista e/ou à Presidência da República.

Desenha-se para 2024 uma disputa repleta de novidades. O PT, pela primeira vez, não terá candidato próprio. O PSDB, vencedor de 2016 e 2020, também nãoJair Bolsonaro (PL) vê definhar seu prestígio eleitoral: pesquisa Datafolha apontou que 68% dos paulistanos rejeitariam um candidato indicado por ele. Na mesma sondagem, um postulante apoiado por Lula (PT) seria rejeitado por 37%, ante 46% se indicado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Três nomes são presenças certas na disputa: Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito; Guilherme Boulos (PSOL), deputado federal; e Tabata Amaral (PSB), também deputada. A possibilidade de Kim Kataguiri ser lançado pelo União Brasil é quase nula. Lideranças da legenda na cidade apoiam a reeleição de Nunes.

Marcus André Melo* - A 'difícil combinação' no Brasil e nos EUA

Folha de S. Paulo

O ministério envergonhado e a terapia contra a polarização

O renomado cientista político Scott Mainwaring acaba de divulgar, em coautoria com um importante intelectual público, Lee Drutman, uma proposta de adoção da representação proporcional (RP) nos EUA, visando a instituição do multipartidarismo naquele país. A justificativa é que o sistema político americano se tornou disfuncional devido à polarização tóxica recente.

Os autores argumentam que os EUA são a única democracia que combina o presidencialismo e o sistema eleitoral majoritário (distrital). Este desenho institucional só é encontrado em países não democráticos: Gana, Libéria e Serra Leoa. Nos demais sistemas presidencialistas adota-se a representação proporcional. Funcionou nos EUA por que os partidos não eram politizados: a distância ideológica entre eles era mínima. Democratas conservadores e republicanos liberais tinham agenda similar.

Camila Rocha - MST buscou fazer do limão uma limonada com CPI

Folha de S. Paulo

Comissão foi encerrada sem relatório, e sem-terra usaram contexto para difundir suas causas

CPI contra o MST terminou com uma importante derrota para os detratores do movimento. Encabeçada pelos deputados Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), a comissão foi encerrada no dia 27 de setembro sem que o relatório final fosse votado.

Ambos buscavam maior projeção política com a CPI, no entanto não conseguiram furar a bolha de seus nichos ideológicos. Além disso, Salles viu frustrada sua tentativa de concorrer à Prefeitura de São Paulo, e Zucco tornou-se mais conhecido por ataques à deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que o denunciou por machismo e gordofobia, do que pela pauta da CPI em si.

O MST, por sua vez, fez do limão uma limonada e aproveitou o contexto para difundir suas causas para um público mais amplo. Com a hashtag #TôComMST, o movimento ocupou o segundo lugar entre os assuntos mais comentados do X (antigo Twitter) no Brasil no dia 27 de abril, e o primeiro lugar no dia 23 de maio.

No mês de junho, João Pedro Stedile, uma de suas lideranças mais conhecidas, concedeu uma entrevista ao Flow Podcast. Sua participação obteve mais de 240 mil visualizações e, no dia 13 de junho, a hashtag #MSTnoFlow ocupou o terceiro lugar entre os assuntos mais comentados da rede no Brasil.

Ana Cristina Rosa - A Constituição precisa de uma guardiã negra

Folha de S. Paulo

Como disse Lula, quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema

Constituição Federal de 1988, principal símbolo do processo de redemocratização do Brasil, completa 35 anos neste dia 5 de outubro. Não é uma data qualquer, especialmente depois de tudo o que o país viveu nos últimos anos —culminando com o 8 de janeiro de 2023, um verdadeiro atentado à nossa democracia.

As bases da Constituição Cidadã estão fundamentadas em pressupostos de liberdade e igualdade que norteiam o Estado democrático de Direito. Nesse sentido, ela introduziu avanços em termos de direitos e garantias fundamentais e de direitos coletivos que passaram a integrar os objetivos programáticos do Estado —embora vários não tenham ultrapassado o plano formal.

Ruy Castro - Bocas de cristal

Folha de S. Paulo

Enquanto os jogadores de hoje têm teclados esculpidos em alabastro, o brasileiro médio continua desdentado

Em busca de material sobre o futebol de outros tempos, descubro números de 1958 da revista Manchete Esportiva, sobre a preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo daquele ano, na Suécia. E vejo as reportagens sobre os exames dentários dos jogadores, ordenados pela CBF, então CBD. Aquilo era uma novidade. Formou-se uma legião de dentistas, e os 33 convocados iniciais, um a um, com ou sem medo, sentaram-se na cadeira e abriram a boca.

Foi um terror: em duas semanas, os dentistas tiveram de meter a broca em 470 dentes, quase 15 por jogador, e fazer 32 extrações —Oreco, lateral do Corinthians, o recordista, com sete.

Demétrio Magnoli - O tabu dos verdes

O Globo

Nossa transição energética depende da significativa inclusão da fonte nuclear

Na ONU, Lula apresentou o Brasil como “vanguarda da transição energética”, pois “87% da nossa energia elétrica provém de fontes limpas e renováveis”, e informou que “a geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano”. Segundo o programa do governo, atingiríamos uma matriz de baixo carbono sem contribuição significativa da fonte nuclear. O tabu dos verdes, aqui também, sabota a transição energética.

Globalmente, a equação de substituição extensiva dos combustíveis fósseis não fecha sem a contribuição de usinas nucleares. Duas décadas atrás, James Lovelock, um dos fundadores teóricos do ambientalismo contemporâneo, tentou convencer o movimento verde a abraçar a energia gerada pela fissão nuclear. Seus argumentos naufragaram no tsunami que provocou o acidente de Fukushima, em 2011.

Fernando Gabeira - O fantasma do banheiro unissex

O Globo

Continuo achando que o banheiro de uso individual pode ser usado tanto por homens quanto por mulheres

Volta e meia, o tema do banheiro unissex vem à tona. Na campanha, os adversários atribuíram a Lula a intenção de implantá-lo no Brasil. Ele reagiu dizendo que era pai e avô e não faria essa loucura. Mesmo ele, para se defender, comprou a ideia do banheiro unissex com as tintas pavorosas que a extrema direita a pintou.

Na verdade, o tema interessa a políticos que usam perucas para falar de transgêneros porque é uma forma clássica de assustar e aglutinar pelo medo. Imaginem suas filhas em banheiros frequentados por homens…

Quando se vê essa discussão pelo mundo, sobretudo no governo Obama e em Nova York, a ideia de utilizar banheiros para homens e mulheres era exclusivamente em espaços para uso individual. Se pensarmos bem, é isso que acontece em quase todas as famílias. Os banheiros são usados por uma pessoa de cada vez, que tranca a porta enquanto faz uso.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

O tesouro frágil da democracia

Correio Braziliense

Desde a redemocratização nos anos 1980, o país vem trilhando um caminho de progresso democrático

Em novembro, o Brasil completará 134 anos como uma república. É uma história relativamente breve, em comparação com os outros países do mundo. Principalmente quando se leva em conta que período mais longo sem ditaduras da história do país é justamente o que vivenciamos, já que o autoritarismo, infelizmente, não é uma novidade na história política brasileira. Desde a redemocratização nos anos 1980, o país vem trilhando um caminho de progresso democrático, ainda que com solavancos aqui e ali, mas sempre com os civis no poder e os militares de volta aos quartéis – onde, afinal, eles pertencem.

Por isso, preocupa a falta de posicionamentos e ações por parte das Forças Armadas em repúdio aos atos golpistas de 8 de janeiro, a maior ameaça à estabilidade democrática nas últimas décadas. À medida em que as investigações sobre a destruição impetrada por uma horda bolsonarista na Praça dos Três Poderes avançam, tem ficado claro a participação de setores do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na trama.

Poesia | Maçã-- Manuel Bandeira

 

Música | Maria Bethânia - Reconvexo (Caetano Veloso)