quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*


Mas, entre tantas faltas a lastimar, não se pode deixar de contar com as novas presenças que nos vêm da vida do associativismo popular, dos profissionais e intelectuais das atividades da saúde, da nova safra de artistas populares e dos que se dedicam com brilho ao colunismo na imprensa e aos comentaristas políticos na TV e no rádio. Nesse rol igualmente devem ser mencionados os parlamentares e os partidos políticos que com sua resistência ao autoritarismo honram seus mandatos, sobretudo os ministros do STF que preservam a integridade da nossa Constituição. São eles que abastecem de oxigênio uma sociedade exangue por falta de ar.

Aos poucos se desvanecem as ameaças que nos prometiam a destruição da obra da nossa civilização, ainda incompleta e precária como se sabe, mas que aos trancos e barrancos teimávamos edificar. A resistência a este novo autoritarismo em nosso país, em meio a uma cruel pandemia, mostrou, mais uma vez, ser eficaz. Tudo somado nesses tempos sombrios, pode-se constatar que, dos salvados do incêndio com que pretendiam nos destruir, salvou-se a nossa alma da sanha de Bolsonaro, Paulo Guedes, Ernesto Araújo et caterva. Não é pouco para quem vivia como nós sob a ameaça de extinção dos nossos valores e das nossas melhores tradições.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. “As velas pandas de Ulisses Guimarães”, Blog 26/1/2021.

 

William Waack - Impeachment de oportunidade

- O Estado de S. Paulo

O cenário político não sugere riscos imediatos a Bolsonaro, mas a volatilidade é alta

Trazido por ele mesmo à discussão, o impeachment de Jair Bolsonaro é uma possibilidade de baixíssima probabilidade no momento. A razão está em linha com o principal aspecto da política no Brasil de longa data: o impeachment não é visto como uma questão de princípio, mas, sim, como de oportunidade.

É a oportunidade percebida pelos agentes políticos que faz surgir os motivos, e não o contrário. Soa bastante cínico para quem acredita em princípios na política, e aí reside provavelmente a grande originalidade de Maquiavel: na política é impossível realizar princípios.

Bolsonaro provavelmente tem consciência clara – pois se trata da própria sobrevivência política – de que os interessados em tirá-lo do poder não tem carência alguma de motivos sólidos para montar contra ele um processo político de impeachment. Cumpre, portanto, não criar a oportunidade.

Por enquanto ela está afastada diante do fato de Bolsonaro ter entregue ao Centrão o comando da política – exatamente as forças que ele prometeu nas eleições tirar do mapa. Como se trata de um governo com escasso comando de qualquer programa (qual, aliás?) e norteado apenas pelo princípio da sobrevivência política em nome da reeleição, o entendimento com forças políticas como as do Centrão é bastante conveniente, e fácil.

Temer e FHC não veem risco institucional

Ex-presidentes dizem que Forças Armadas não desejam neste momento apoiar um eventual governo autoritário e militares descartaram uma nova ditadura militar no país

Por Cristiane Agostine | Valor Econômico

SÃO PAULO - Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer criticaram ontem as ameaças à democracia feitas durante o governo Jair Bolsonaro, em atos pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois ex-presidentes, no entanto, afirmaram que não veem nas Forças Armadas o ímpeto para apoiar um eventual governo autoritário e descartaram uma nova ditadura militar no país.

Ao participar de uma conferência virtual do Credit Suisse, Temer lembrou que “houve tentativas de ameaça à democracia” recentemente. “Não tem dúvida disso. Não poderia ignorar aqueles movimentos que se deram em certo momento do governo atual e que pleiteavam o fechamento do Congresso, fechamento do Supremo Tribunal Federal, até com razoável agressividade. Mas não sinto que haja clima para uma derrota da democracia no nosso país”, afirmou. A declaração foi uma resposta à pergunta feita pelo mediador da conferência, Ilan Goldfajn, presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil, se há ameaças à democracia no país e como tem sido a atuação das instituições.

Temer afirmou que é “inviável” um golpe de Estado se não houver apoio das Forças Armadas e disse que “jamais” sentiu nos militares “qualquer tentativa de romper com as estruturas democráticas”. “Convivi muito com membros das Forças Armadas e jamais senti neles qualquer tentativa de agredir a Constituição, ou seja, de romper com as estruturas democráticas”, disse. “Não vejo como pensar em golpe.”

O ex-presidente ressaltou o papel das instituições como o Legislativo e o Judiciário e afirmou que uma ameaça “não quer dizer” que vai resultar na derrubada da democracia. “As instituições estão funcionando”. Para Temer, a troca no comando dos Estados Unidos, com a eleição do presidente Joe Biden e a saída de Donald Trump, ajuda a manter o sistema democrático no Brasil.

Luiz Carlos Azedo - O rolo compressor do Planalto

- Correio Braziliense

Ao subir o tom contra o presidente Jair Bolsonaro, Maia aposta numa separação mais nítida entre governistas e a oposição. Entretanto, isso estressa a bancada do DEM

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estima os gastos do Palácio do Planalto para anabolizar a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Casa em R$ 20 bilhões. É muita grana em emendas extraordinárias para um Orçamento já comprometido diante da dívida pública da União, que aumentou R$ 1 trilhão somente no ano passado. O toma lá dá cá é o abre-alas de uma guinada populista do governo para consolidar a base governista na Câmara e no Senado, num ambiente de queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A outra opção é não cumprir os acordos, o que também pode acontecer, porque Bolsonaro já deu mostras de que nem sempre honra os compromissos assumidos por seus articuladores políticos.

Às vésperas de deixar o comando da Câmara, Maia queima os navios com o Palácio do Planalto. Tem criticado, duramente, a interferência direta do presidente da República nas eleições da Mesa e está praticamente rompido com o presidente do DEM, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, que fechou com Lira, de olho na sua candidatura a governador da Bahia. O futuro de Maia é incerto, mas seus interlocutores estão convencidos de que o parlamentar fluminense pretende assumir uma posição de liderança no bloco de oposição ao governo. Especula-se até que esteja desembarcando do DEM. Parcela expressiva da sua bancada refuga o apoio ao deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Maia ao comando da Câmara.

Ricardo Noblat - Congresso está pronto para virar um puxadinho do Planalto

- Blog do Noblat / Veja

O avanço de Bolsonaro sobre as demais instituições

A menos de dois anos das próximas eleições gerais, deputados e senadores fazem qualquer negócio na tentativa de assegurar um novo mandato, e o governo federal se vale disso para emplacar homens de sua confiança nas presidências da Câmara e do Senado. Salvo uma guinada de última hora, terá êxito.

É cedo ainda para dizer que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro está ladeira abaixo. As pesquisas de opinião a serem aplicadas lá para o final de fevereiro confirmarão ou não o que as mais recentes indicaram. Mas como o Congresso habita um mundo paralelo, para ele tanto faz como fez.

Meu mandato primeiro, o resto que se dane! Inclua-se o país no resto. Bolsonaro passou quase 30 anos como deputado federal, e se não aprendeu por lá grande coisa, aprendeu que a maioria dos seus colegas, ou quase todos, tem um preço. Quem pagar leva. A moeda são cargos, dinheiro para obras e toda sorte de sinecuras.

Não foi preciso que deputados e senadores metessem o pé para forçar a abertura dos cofres públicos – Bolsonaro mandou abri-los, uma vez que não entende isso como corrupção, como seus antecessores, uns mais, outros menos, também não entendiam. E como a oposição nesta terra abençoada por Deus inexiste…

Adriana Fernandes – Leite, renúncias e afins

- O Estado de S. Paulo

É papo furado hoje qualquer proposta de ajuste fiscal com corte de renúncias e benefícios fiscais. Esse tipo de medida não avança no Congresso porque implica em aumento de carga tributária para os setores e empresas que perderem os benefícios,

O próprio presidente Jair Bolsonaro para fustigar o governador de São PauloJoão Doria, seu adversário político, vem avisando a todo momento que, no seu governo, não haverá aumento de impostos.

Para elevar a arrecadação em 2021, o governador de São Paulo conseguiu aprovar um corte nas renúncias do ICMS, mas teve que recuar da medida parcialmente diante da ameaça de "tratoraço" de agricultores e pecuaristas. A tesoura nos incentivos do ICMS tinha alcançado medicamentos e alimentos com aumento de preços justamente em tempos de dificuldade econômica com a covid-19. Bolsonaro também deu provas que não vai cortar incentivos tributários do IRPF para a classe média. 

A confiar na fala do presidente, esquece quem acha que Bolsonaro vai repetir a fórmula em Brasília. Mas bastou o ministro da EconomiaPaulo Guedes, dizer que, para apertar o botão da renovação do auxílio emergencial, precisará da contrapartida de medidas de sacrifício com ajuste nas despesas, que os diversionistas de plantão tiraram da gaveta a mesma ladainha salvadora: cortar benefícios fiscais e taxar os mais ricos. Se o Congresso conseguiu rejeitar até mesmo a mudança na tributação de fundos investimentos exclusivos dos super-ricos (proposta totalmente justificável), imagina se vai ter coragem para o resto!  

Merval Pereira - O poder das Big Techs

- O Globo

O fato de os gigantes tecnológicos poderem se tornar mais poderosos política e economicamente que estados soberanos preocupa governos de todos os matizes ideológicos, da China aos Estados Unidos, passando pela Rússia e a União Européia. O presidente Vladimir Putin é um exemplo disto. Falando ontem no Fórum Econômico Mundial de Davos por videoconferência, ressaltou que a essa altura as Big Techs - Google, Amazon, Facebook, Apple, Ali Baba- “já não são simples gigantes econômicos, em diferentes áreas elas já são de fato concorrentes do Estado”.

Também a nova administração dos Estados Unidos, com Biden à frente, anunciou ontem a manutenção do veto da empresa chinesa Huawei na disputa do 5G, iniciativa que havia sido tomada na administração Trump. Quando se trata de guerra tecnológica, os opostos se encontram. E há propostas de controlar os grupos tecnológicos que se tornaram grandes demais, e monopolistas. A tendência é que o Departamento de Justiça derrote as empresas, impedidno o monopólio, como aconteceu há anos com a telefonia, quando a AT&T foi desmembrada em várias empresas.

A China, por sua vez, simplesmente calou Jack Ma, o homem mais rico do país, que ousou criticar o conservadorismo do Partido Comunista, reivindicando mais espaço para o crescimento de seu império nascido do site de compras on-line Ali Baba. Uma das empresas, a Alipay, sistema digital de pagamentos, domina o mercado chinês, a maior economia do mundo. Ma estava ficando mais poderoso do que gostaria o governo chinês, e foi aberta uma investigação antitruste para controlar seu crescimento, que é bom para a economia chinesa, mas não a ponto de desafiar o Partido Comunista.

Míriam Leitão - O petróleo como alvo

- O Globo

A indústria de petróleo e gás está sendo um dos primeiros alvos do governo Biden. O novo presidente americano anunciou ontem um pacote de medidas para combater as emissões de gases de efeito estufa. Uma delas foi a suspensão de qualquer nova concessão em áreas federais. Ele já havia interrompido o oleoduto Keystone XL, que traria óleo cru do Canadá para as refinarias na costa americana do Golfo. Por uma série de ordens executivas Biden está desmontando a política de Donald Trump favorável ao petróleo. Em 2020, foram US$ 40 bilhões em subsídio. Isso terá profundos reflexos no mercado.

No Brasil a discussão é outra. O presidente Bolsonaro deu aval para a redução do imposto sobre óleo diesel para acalmar caminhoneiros que ameaçam greve. Isso depois de a Petrobras segurar os reajustes do produto, o que incentiva o uso de combustível fóssil. Para os caminhoneiros, a situação permanece sem alteração desde a última greve. As medidas de Biden colocam pressão sobre os preços do petróleo, porque a tendência será de redução da oferta.

Os movimentos de Biden afetam um setor sensível para a economia, mas são coerentes com a visão que ele tem defendido de que há quatro guerras a enfrentar: a pandemia, a crise econômica, a mudança climática e o racismo. No primeiro momento no Salão Oval, no dia mesmo da posse, voltou ao Acordo de Paris, o que significa perseguir metas de redução de emissões.

Ribamar Oliveira - A urgência da reforma do PIS/Cofins

- Valor Econômico

Compensações tributárias reduzem a receita da União

No ano passado, os contribuintes brasileiros fizeram compensações tributárias no montante de R$ 167,7 bilhões, uma elevação de R$ 62,1 bilhões em relação a 2019, de acordo com dados da Receita Federal. Esta foi, juntamente com a não quitação integral de tributos federais que tiveram prazos de pagamento adiados (diferimento), a principal explicação para a queda, em termos reais, de 6,91% da receita tributária da União em 2020, na comparação com o ano anterior.

Dito de uma forma mais direta: não foi o impacto negativo da pandemia da covid-19 na atividade econômica, em virtude do isolamento social, que jogou a arrecadação na lona. A atividade caiu muito nos primeiros meses da pandemia, mas depois houve uma recuperação rápida e, no fim de 2020, a economia estava bastante aquecida.

Foram as compensações tributárias e o diferimento de tributos que mais pesaram no resultado. “Sem esses fatores, não haveria queda da arrecadação”, disse o secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, em entrevista ao Valor. “Teria mudado o cenário completamente e o resultado teria sido positivo”, observou.

A compensação ocorre quando o contribuinte possui um crédito contra o fisco, seja porque pagou a mais um determinado tributo, seja em decorrência de decisão judicial, e o usa para quitar os seus impostos. Há toda uma legislação que regula essa matéria. Esta semana, ao divulgar a arrecadação da União em 2020, a Receita Federal disponibilizou informações mais detalhadas sobre a compensação tributária, especificando os tipos de créditos que foram utilizados pelos contribuintes.

Bruno Boghossian - Centrão deve ganhar mais que Bolsonaro nas eleições do Congresso

- Folha de S. Paulo

Se aliados vencerem, presidente terá mais conforto, mas ficará nas mãos desses partidos

O governo tem boas chances de eleger seus candidatos ao comando do Congresso daqui a quatro dias. Se o cenário se confirmar, Jair Bolsonaro terá aliados nesses postos num momento de queda de popularidade, pedidos de impeachment e previsões negativas na economia. Será uma vitória e tanto, mas haverá outros grandes ganhadores.

Ainda que o acordo favoreça o governo, o centrão está mais bem posicionado do que Bolsonaro para extrair dividendos dessa parceria. Enxovalhados no início do mandato, os partidos conseguiram fazer com que o presidente precisasse deles para sobreviver –e ainda entraram no jogo com as ações do Planalto em baixa.

Bolsonaro terá conforto se Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) vencerem na Câmara e no Senado, mas continuará sendo um presidente minoritário no Congresso. Quando houver interesses comuns, todos caminharão juntos. Quando houver divergência, o centrão continuará apitando, e a tropa de choque governista não poderá impedi-lo.

Mariliz Pereira Jorge - CPI do leite condensado

- Folha de S. Paulo

Fica difícil quando a oposição cria uma cortina de fumaça e perde o foco

"Vai pra puta que pariu, porra (...). É pra encher o rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado". Essa foi a reação do presidente da República ao se referir às cobranças sobre os gastos do seu governo, num evento, nesta quarta-feira (27).

Questionamos como um sujeito tosco feito Bolsonaro foi eleito, mas a oposição é muito fraquinha, precisa comer feijão para enfrentar essa besta. Certamente tem valores mais nobres do que o presidente, mas isso até a ema que fugiu da cloroquina nos arredores do Planalto tem. Então não chega a ser uma qualidade.

Diante de uma reportagem sobre a conta de R$ 1,8 bilhão da administração Bolsonaro, é constrangedor ver parlamentares alimentarem a desinformação de que se trata apenas do consumo da Presidência, quando o rancho serve para abastecer todos os órgãos ligados ao governo federal, o que inclui ministérios, instituições de ensino, de saúde, as Forças Armadas.

Maria Cristina Fernandes - A armadilha da vacinação por castas

- Valor Econômico

Ao promoverem a desigualdade na vacinação, empresários adubam o populismo bolsonarista de 2022

O presidente Jair Bolsonaro parecia o único, nos dois lados da tela, a saber onde aquela conversa ia parar. Ele havia sido convidado para pontificar numa conferência do Crédit Suisse e anunciava ali a permissão do governo para a importação, por empresários, de vacina contra a covid-19 quando foi aparteado pelo ministro da Economia. “Para cada funcionário vacinado a empresa tem que entregar uma vacina para o SUS. Não é fura-fila. É uma volta segura ao trabalho. E quem está desempregado, como fica? Vai pegar as doses que forem para o SUS. É evidente que isso é muito bom”, explicou Paulo Guedes.

Participavam do encontro, por videoconferência, além de Bolsonaro e Guedes, o chanceler Ernesto Araújo e o presidente do Banco Central. Roberto Campos Neto se mantinha fora da tela, mas foi a ele que Guedes dirigiu suas últimas palavras: “É o melhor presidente de Banco Central do mundo. Deram uma flauta pra ele e ele tocou a flauta direitinho”. Nessa hora, Bolsonaro olhou para Campos Neto e começou a rir alto: “Robertão e essa flauta aí?”. Paulo Guedes, tentando evitar o duplo sentido da reação de mau gosto do presidente, atalhou: “Flauta no sentido poético”.

O constrangimento provocado por Bolsonaro naquela plateia é apenas o aperitivo daqueles que empresários e investidores enfrentarão com a armadilha da ingerência privada na vacinação. É um movimento que cai como uma luva para os propósitos presidenciais. A importação da vacina, seja pelas dezenas de empresários reunidos pela Coalizão Indústria, seja por clínicas privadas, aprofunda a divisão do país em castas. E não apenas porque um dos fornecedores seja uma indústria indiana. Alargar as desigualdades com a vacinação é prato cheio para o discurso populista que Bolsonaro quer calibrar para 2022.

Maria Hermínia Tavares* - Combate sem comando na luta contra o vírus

- Folha de S. Paulo

A dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito apesar do presidente

Na luta contra a Covid-19, Bolsonaro tomou o partido de costume —da irresponsabilidade, da ignorância e da morte. Consagrando a incompetência, disseminando a mentira, estimulando o egoísmo e nutrindo a discórdia, ele só fez agigantar a tragédia nacional. Beirando os 220 mil óbitos, o país tem o perverso privilégio de ser o vice-campeão mundial na categoria.

Mas a dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito, à revelia ou a contragosto do presidente, para evitar que a pandemia imponha à nação danos talvez irreparáveis. Graças ao Congresso, um robusto pacote emergencial protegeu os rendimentos dos mais pobres e a capacidade das empresas de produzir e empregar. Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), o socorro foi o maior e mais amplo da região, contendo o avanço da pobreza e da desigualdade de renda.

Ascânio Seleme - Nova sugestão contra o vírus

- O Globo

O melhor caminho é a imprensa parar de cobrir a atividade dos três zeros de Bolsonaro

No dia 7 de maio do ano passado, uma quinta-feira como hoje, publiquei nesta página um artigo dando três sugestões para combater o bolsovírus, praga mais infectante e perigosa que o corona. Uma delas era parar de cobrir os faniquitos do presidente na porta do Palácio da Alvorada. Ali, diante daquele grupelho de apoiadores cegos que se reúnem para babar seus ovos, Bolsonaro dá vazão aos seus instintos, com mentiras aos quilos, grosserias aos montes e, sobretudo, ataques à imprensa. Claro que não foi para atender à minha recomendação, mas muitos veículos deixaram de cobrir aquela triste rotina, e apenas os mais mansos e amigos seguem dando microfone para as asneiras matinais ou vespertinas de Bolsonaro.

Esta semana, a ONG Repórteres Sem Fronteiras divulgou o número de ataques que jornalistas brasileiros sofreram em 2020, e não deu outra. Os Bolsonaros lideram com folga o ranking nacional. Os dados são estarrecedores para um país que se quer democrático. Das 580 ofensas contra jornalistas contabilizadas pela ONG, 85% (469) foram proferidas pelo presidente da República e seus três zeros. O mais ignóbil é o golpista (um cabo e um soldado bastam para fechar o Congresso) Eduardo, com 208 impropérios. O mais leve é o Flávio das rachadinhas, autor de 69 agressões. De Carlos, chefe do gabinete do ódio, partiram 89 ataques.

Da boca de Jair, saíram 103 ofensas a jornalistas. Um absurdo se analisado de qualquer ponto de vista. Os ataques dessa gangue se devem ao fato de seus membros não suportarem críticas. Julgam que podem fazer ou dizer o que bem entenderem e que ninguém tem o direito de lhes contestar. Eles carregam em seu organismo o germe do autoritarismo e da intolerância, por isso a avalanche de barbaridades que pronunciam sistematicamente contra jornais e jornalistas, na média de 1,28 a cada dia.

Carlos Alberto Sardenberg - A fila da vacina

- O Globo

Quando o Programa Nacional estiver funcionando normalmente, aí vai aparecer o imunizante no sistema privado

Vamos falar francamente: ainda neste ano, mais para o segundo semestre, hospitais e clínicas particulares estarão oferecendo vacina contra a Covid-19, em caráter suplementar ao Programa Nacional de Imunizações — e tudo de acordo com a Constituição.

Um pouco de história: a Constituinte de 1988 tinha um viés claramente estatizante. Por isso, temos o Sistema Único de Saúde — e o “único” aí não era apenas um modo de falar. A ideia era essa mesma: um sistema estatal, universal e gratuito. E obrigatório, vetando a medicina privada.

Só não ficou assim por dois motivos. Primeiro, porque seria preciso estatizar hospitais, clínicas e mesmo consultórios privados. E não havia dinheiro para isso — já que não se poderia simplesmente confiscar tudo, como se fosse uma ditadura.

O segundo motivo vai na mesma linha: teria o Estado os recursos necessários para esse sistema gratuito? Está lá no artigo 196: que a “saúde é direito de todos e dever do Estado” e que será garantido “acesso universal e igualitário”.

Reconhecendo isso, os constituintes incluíram o artigo 199, dizendo que a assistência à saúde é “livre à iniciativa privada”. Como isso estava em contradição com o contexto, colocaram-se várias ressalvas: essa atuação seria “complementar” e controlada pelo SUS, seria vedada a empresas estrangeiras e se daria preferência às instituições filantrópicas em relação àquelas com fins lucrativos.

José Serra* - Batalha sem trégua contra a vacinação

- O Estado de S. Paulo

O povo brasileiro está sendo privado do acesso livre às vacinas eficazes contra a covid-19

Existe amplo consenso na maioria dos países quanto ao diagnóstico de uma tríplice ameaça, política, econômica e sanitária, que aflige a estabilidade das democracias representativas. O Brasil não escapa a essa crise, que se alastra na maioria dos países das Américas. Tenho reiterado, como em artigo publicado em dezembro, que em nosso país a crise de legitimidade do sistema político precede a crise econômica, que, por sua vez, precede a crise sanitária e é por ela agravada.

Há consenso, também, em todos os países atingidos gravemente pela pandemia – com exceção dos que se omitem em combatê-la e frequentemente se empenham em combater os que não se omitem –, em que a economia não se recupera sem que o vírus da covid-19 seja posto sob estrito controle. Diversas políticas de mitigação da disseminação do vírus foram empregadas pelos diferentes países afetados.

Elas incluem, entre outras, a simples aposta na autodisciplina da população, o menor ou maior grau de restrição da circulação de pessoas e das atividades econômicas ou até o toque de recolher. Entretanto, a pandemia não dá sinais de regredir, nem sequer de arrefecer, portanto, não há receita feita a escolher.

Em nosso país, o Executivo criou deliberadamente mais uma crise, de cuja solução depende o desfecho de todas as outras: a crise da vacinação. Não há receitas 100% eficazes para o controle estrito da disseminação da doença, mas existe um número significativo de vacinas com alta eficácia cientificamente comprovada. Por conseguinte, os países poderão ser capazes de controlar a pandemia o suficiente para normalizar a atividade econômica se se empenharem em distribuir vacinas à população, com eficiência.

Não o Brasil. Vítima de uma guerra sem trégua de grupos entorpecidos pelo ópio do populismo de direita – com apoio explícito do Executivo –, o povo brasileiro está sendo privado do acesso livre e irrestrito às vacinas eficazes contra a covid-19. Ora, o cumprimento desse direito é a condição sine qua non de todos os outros consignados na Constituição: o direito à vida.

Eugênio Bucci* - Fora, Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

Presidente que lidera campanhas contra a imprensa é um atentado ambulante à Constituição

O xingamento “Globolixo”, com o qual as falanges bolosonáricas agridem reiteradamente a Rede Globo, tem duas origens malignas: uma superficial, de ocasião, e outra histórica, profunda.

Em sua origem superficial, “Globolixo” resulta de um trocadilho que faz troça da marca publicitária “Globeleza”, que a própria empresa adota em suas ações de marketing. À primeira vista, parece apenas um tipo de molecagem inconsequente. Nesse plano, temos a sensação de que o xingamento, um sinal de repúdio à programação e à linha editorial da maior rede de televisão do Brasil, poderia ser empregado por adolescentes de qualquer coloração ideológica, de direita ou de esquerda, indistintamente.

Mas não é assim. O palavrão guarda mais identidade com as milícias virtuais da direita antidemocrática, esse pessoal que, à moda do chefe, elogia torturadores, prega o fechamento do Supremo Tribunal e diz que o uso de máscara é coisa de maricas. Mais que uma tirada ignara, “Globolixo” é uma peça de retórica fascista. Mais do que ofender uma organização de mídia em particular, seu propósito é desacreditar toda a imprensa e todo o sistema de que as sociedades democráticas dispõem para separar o que é verdade factual do que é mentira. A palavra “Globolixo” concentra uma campanha insuflada diretamente pelo Planalto contra a imprensa livre.

Isso fica mais claro quando vamos atrás das origens históricas do termo espúrio. Essas origens remontam a palavra alemã Lügenpresse, algo como “imprensa mentirosa”. O termo frequentou o vocabulário de variadas correntes políticas a partir do século 19. No mais das vezes, servia a forças conservadoras ou ultraconservadoras para atacar órgãos de imprensa mais ou menos liberais, anticlericais e críticos, embora tenha atendido também a facções de esquerda que tentavam denunciar hipocrisias nos jornais burgueses. Entre tantas invocações, vindas de atores tão diversos, foi com os nazistas que a palavra Lügenpresse marcou lugar na história no século 20. Por meio dela os seguidores de Adolf Hitler produziram um estigma contra os judeus que estariam por trás das redações jornalísticas e uma ponta de lança para a propaganda massiva que mobilizaram para desacreditar todos os métodos independentes de verificação dos fatos.

Cristovam Buarque* - Monumento aos livros

-Correio Braziliense, 27/1/2021

Brasília discute sobre ser oportuno ou não termos o Museu à Bíblia, no Eixo Monumental. Faz 25 anos, a Câmara Legislativa tomou a iniciativa e aprovou uma lei com dois artigos determinando a construção desse monumento. À época, como governador, sancionei o artigo autorizando o local, mas vetando o outro que se referia a aspectos da construção. Tomei a decisão em respeito ao Poder Legislativo da capital e ao sentimento religioso de parte da população. Mas também por entender o valor cultural do museu e monumento.

O Eixo Monumental deve ser espaço para museus e homenagens que formam e formarão a mente brasileira. Como o Museu ao Índio, o Monumento a JK, o Panteão aos Próceres do Mundo (em frente ao Buriti), a Biblioteca e o Teatro Nacional, o Monumento aos Heróis da Pátria e a Oscar Niemeyer. Mas as homenagens devem ser não apenas à história política e às artes, mas também às ideias. Por isso, é justificável um museu à Bíblia e também outro ao Corão, à Torah, e às religiões sem livros sagrados, como as de origem afrodescendente, as espiritualistas, ao Budismo e mesmo ao pensamento ateu e agnóstico.

Aos que lembram a laicidade do Estado, cabe lembrar que há um templo católico no Eixo Monumental, a Catedral Militar Rainha da Paz, e que a Catedral Metropolitana de Brasília está na própria Esplanada dos Ministérios. Todos os grandes livros merecem monumentos ou um Monumento ao Livro, em geral - a história, desde Gutenberg a Jobs. Um monumento para lembrar o holocausto da escravidão e a luta abolicionista, que ainda não terminou - só terminará quando não houver desigualdade na qualidade da escola oferecida às crianças brasileiras, por causa da renda ou do endereço. Assim, seriam válidos monumentos a educadores e educacionistas, como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e João Calmon. Como lembrou Severino Francisco, em artigo recente publicado no Correio Braziliense, precisamos levar adiante o Museu a Athos Bulcão.

Candido Feitosa* - Momentos da história

No caminhar da sociedade humana, a história registra momentos de mudanças, avanços, estagnação e de retrocessos.

O momento histórico da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) possibilitou mudanças estruturais com a realização da revolução de 1917, na Rússia Czarista; o momento histórico da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), com a derrota do fascismo de Mussolini e do nazismo de Hitler, possibilitou, no Brasil, a legalização do PCB - Partido Comunista do Brasil (17/11/1945) e a participação com candidatura própria de Iedo Fiuza à Presidência da República - nas eleições de 02/12/1945, a qual elegeu um parlamento constituinte que aprovou a Constituição de 1946. O período de liberdades democráticas asseguradas pela Constituição se estendeu até o ano de 1964.

Com o golpe militar de 1964, a história registra um momento de retrocesso no caminhar da sociedade brasileira. Foram suspensas as liberdades democráticas e iniciou-se um período de caça as “bruxas”. Perseguições, prisões, torturas e assassinatos caracterizam esse momento. Com seus atos institucionais, a ditadura se consolidou (1964-1985).

Com a derrota e fim da ditadura militar, iniciou-se um outro momento histórico que possibilitou a legalidade do PCB - Partido Comunista Brasileiro (08/05/1985); a aprovação da Constituição cidadã (1988), a qual abriu espaço para manifestações livres para todas as forças políticas em nosso território. Com as liberdades asseguradas na Carta Magna foram eleitos democraticamente os presidentes da República, Fernando Collor de Melo (1990), tendo sofrido impeachment e renunciado ao seu mandato, em 1992, e o seu vice Itamar Franco o substituiu; Fernando Henrique Cardoso, dois mandatos, de 1995 a 2002; Luiz Inácio Lula da Silva, dois mandatos de 2003 a 2010; Dilma Rousseff, dois mandatos de 2011 a 2019, sofrendo impeachment em 2016 e o seu vice Michael Temer completou o mandato.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

As urnas de 2018 e a altivez do Congresso – Opinião

A altiva disposição do eleitor de renovar o Congresso em 2018 não merece ser convertida numa degradante vassalagem

As eleições legislativas de 2018 proporcionaram um fato inédito. Velhos nomes da política não foram eleitos, ao mesmo tempo que muitos novos candidatos conseguiram uma cadeira no Congresso. Tão logo se encerrou a apuração dos votos, o fenômeno ficou evidente. Mesmo com um sistema eleitoral cheio de defeitos, o eleitor tinha conseguido promover uma contundente renovação da Câmara e do Senado.

De fato, os números das eleições legislativas de 2018 são impressionantes. Mais de 50% dos membros da Câmara e 85% dos eleitos para as vagas no Senado eram de novatos na política ou de políticos que estavam fora e voltaram.

Naturalmente, o “novo” não é necessariamente sinônimo de benéfico para o País. Mas aí está outro importante aspecto das eleições de 2018. O eleitor não apenas promoveu uma renovação inédita do Congresso, como essa renovação transmitiu uma orientação clara para os parlamentares eleitos. Cansada das velhas práticas políticas, a população queria uma profunda renovação não apenas de nomes, mas principalmente de costumes e práticas políticas.

Nas urnas de 2018, o eleitor estabeleceu um novo patamar moral e cívico para a política. O que havia sido tolerado por tantos anos, às vezes por décadas, já não deveria mais ser permitido. Não haveria mais tolerância, por exemplo, para transformar a atividade parlamentar em balcão de negócios. Os escândalos do mensalão e do petrolão tinham mostrado, com abundância de detalhes, os males que a corrupção da política causa ao País.

Todo esse impressionante cenário de 2018, tão próprio da democracia – o eleitor manifestando com o voto o que deseja para o País –, não pode ser esquecido às vésperas das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Um Congresso eleito com tamanha taxa de renovação e chamado a renovar os costumes políticos não pode se esquecer de sua origem. Em outras palavras, não cabe a um Congresso minimamente fiel à vontade das urnas de 2018 eleger os dois candidatos do Palácio do Planalto para as presidências das duas Casas.

Música | Arlindo Cruz - Força da Imaginação

 

Poesia | Pablo Neruda - Posso escrever os versos mais tristes

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.