segunda-feira, 1 de março de 2010

Reflexão do dia – Tancredo Neves

Partidos que renunciam à luta, que abdicam de seu dever de pelejar pela harmonia das condições do povo, não são partidos políticos. Podem ser, quando muito, um grêmio literário ou uma confraria de São Vicente de Paula.


(Tancredo Neves, na crítica à decisão do PT de não comparecer ao Colégio Eleitoral, em 15/1/1985, que o elegeu presidente da República).

Homenagens relembram os 100 anos de Tancredo Neves

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Selo, sessão solene no Congresso e festa lembrarão trajetória de político

Roldão Arruda

Com a presença do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e do governador Aécio Neves, será lançado hoje em Belo Horizonte um selo comemorativo do centenário de nascimento do ex-presidente Tancredo Neves. O evento faz parte de uma série de homenagens que irão se prolongar até 21 de abril - o dia de sua morte, um dos traumas nacionais no recente período da redemocratização.

Na quarta-feira, o Congresso realiza uma sessão solene para lembrar o primeiro presidente civil após o golpe militar de 1964. Na quinta, será inaugurada em Belo Horizonte a nova sede do governo do Estado, projetada por Oscar Niemeyer, com o nome do ex-presidente. No mesmo dia reabre em São João Del Rey, completamente reformulado e com o patrocínio de empresas privadas, o Memorial Tancredo Neves. As comemorações prosseguirão nas semanas seguintes com exposições, lançamentos de livros e de um documentário cinematográfico dirigido por Silvio Tendler, homenagens na Academia Brasileira de Letras e no Museu Histórico do Rio e outros eventos.

Tancredo nasceu em São João Del Rey no dia 4 de março de 1910. Foi deputado federal, senador e governador de Minas. Também fez parte do gabinete ministerial de Getúlio Vargas - no período democrático - e ocupou o cargo de primeiro-ministro no curto período parlamentarista que o Brasil teve, no início dos anos 60, no governo de João Goulart.

Tido como político conciliador e hábil articulador político, ele ocupava o cargo de governador de Minas pela segunda vez quando lançou-se candidato a presidente. Foi eleito no dia 15 de março de 1985, pela via indireta, no Colégio Eleitoral. Seria o sucessor do general João Baptista de Figueiredo, o último representante da dinastia de militares que se sucederam no poder desde 1964, e havia enorme expectativa em torno do governo que chefiaria.

Com a posse marcada para 15 de março, ele ainda estava compondo seu ministério quando foi vítima de uma infecção generalizada, que o levaria à morte 31dias depois. Seu vice era José Sarney, oriundo do PDS, antigo partido de sustentação da ditadura. As multidões que saíram às ruas para a despedida final, em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, foram o atestado do trauma que a morte representou para a chamada Nova República.

Passados 25 anos e cinco presidentes, um dos quais apeado do poder por um processo de impeachment, a memória dos 50 anos da carreira política de Tancredo parece cada vez mais reduzida ao período de transição democrática, quando participou da campanha pelas eleições diretas e, em seguida, foi ao Colégio Eleitoral.

"Os jovens não sabem quem ele foi e os mais velhos estão restritos às imagens das Diretas Já. Só quem conhece a história do Brasil sabe quem ele foi realmente", diz Andrea Neves, neta mais velha de Tancredo e principal articuladora das comemorações do centenário.

Para ela, o avô deveria ser lembrado como um intransigente defensor da ordem e dos princípios democráticos. Ao falar sobre o assunto é capaz de arrolar em minutos mais de uma dezena de episódios marcantes da história em que o avô mostrou fidelidade a esse princípios.
Um exemplo: "Na eleição do marechal Castelo Branco, no Congresso, só dois deputados votaram contra. Um foi meu avô."

Características de mineiro incluem a discrição e o poder de articulação

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), a carreira política de seu avô, o ex-presidente Tancredo Neves, cujo centenário de nascimento será comemorado nesta semana, não tem muito a ver com o atual cenário político. "A forma que ele adotou para fazer política, com muito desprendimento, coragem e defesa vigorosa da democracia, não é comum em nossos dias", diz.
"É preciso dizer também que fazia política com arte e prazer. Uma de suas principais marcas foi a capacidade para grandes articulações. A maior delas foi a que nos levou à redemocratização."

Na opinião de Aécio o avô era conciliador e, ao mesmo tempo, intransigente defensor dos rituais da vida democrática. "Quando o presidente Juscelino Kubitschek, depois de ter sido cassado, decide deixar o Brasil, num período de exílio voluntário, Tancredo foi um dos poucos políticos que o acompanharam na despedida. As pessoas tinham medo de aparecer ao lado do presidente cassado", conta. "Ele manteve a coerência democrática nos cinquenta anos de vida pública e é bom lembrar isso hoje."

Tancredo também conseguia articular negociações políticas de envergadura nacional com as miudezas típicas da vida das pequenas cidades, segundo o neto: "No leito do hospital, cinco dias antes de sua morte, ele me chamou e disse que eu não deveria esquecer de acompanhar e pedir notícias da cirurgia do padre Elói - que vivia em um pequeno distrito de São João Del Rey."

O primeiro partido ao qual Tancredo filiou-se, em 1933, quando tinha 23 anos e havia acabado de formar-se em advocacia, foi o Partido Progressista. Mais tarde foi para o Partido Nacionalista Mineiro e em 1945 desembarcou no Partido Social Democrático (PSD), ninho de velhas raposas políticas, no qual consolidou a carreira e ganhou projeção nacional.

Em 1966 o político mineiro ajudou a fundar o antigo MDB - o partido de oposição consentida do período da ditadura militar. Em 1979, criou o PP, que se colocava mais ao centro do espectro político do que o MDB de Ulysses Guimarães. Três anos mais tarde, porém, promoveu a fusão do PP com o PMDB, que sucedera ao MDB. Foi com essa legenda que chegou à Presidência da República, após derrotar Paulo Salim Maluf, do PDS, no Colégio Eleitoral.

Março, 25 anos da Nova República: "Meu caro presidente..."

DEU NA REVISTA VEJA

Tancredo Neves, o homem que devolveu a democracia ao Brasil, completaria 100 anos nesta semana. Cartas inéditas, trocadas entre ele e o ex-presidente Juscelino Kubitschek durante o regime militar, oferecem uma lição de espírito público cada vez mais rara nos tempos atuais

Na noite de 13 de junho de 1964, pouco mais de dois meses após o golpe militar que estabeleceu uma ditadura no Brasil, o ex-presidente Juscelino Kubitschek embarcava solitariamente no Rio de Janeiro rumo ao exílio voluntário na Europa. JK, o festejado presidente bossa-nova, tivera o mandato e os direitos políticos cassados pelos militares.

Despedia-se do país sob o rugido aziago das turbinas do avião da Ibéria que o levaria a Madri. No jato, partiam Juscelino e os anos dourados. Em terra, ficavam os militares e os anos de chumbo.

Quando Juscelino subiu as escadas do avião, um braço o alcançou. Era Tancredo de Almeida Neves, que completaria 100 anos nesta semana, em 4 de março. Aos 54 anos, Tancredo era deputado, crítico do regime, mas ainda não tinha o tamanho de Juscelino.

Deixaram-no ficar. Juscelino, porém, projetava uma sombra democrática por demais incômoda aos militares. "Meu caro Tancredo", escreveu Juscelino de Paris, dois meses depois do embarque, numa das primeiras cartas de uma correspondência que se avolumaria no decorrer daqueles tempos lúgubres, "lembro-me bem de que a sua foi a última mão que apertei antes de me dirigir ao avião. Naquele instante de brutalidade, a sua presença me confortou."

Foi em meio à brutalidade do regime militar que a amizade entre ambos amadureceu, transcendendo as conveniências da política - e amadureceu por meio das epístolas que ambos trocavam.

VEJA teve acesso a um conjunto de dez cartas inéditas, escritas por eles durante o regime militar. Começam em julho de 1964, quando Tancredo descreve os movimentos do regime para destruir a reputação de JK, e terminam em julho de 1975, quando o ex-presidente agradece por mais uma leva de discursos remetidos pelo amigo.

A correspondência percorre um arco de onze anos, nos quais Tancredo esteve no Congresso, enfrentando a ditadura por dentro. Ele tentava dissolver na legalidade um regime que operava fora dela. Por fora também agia JK, que, amaldiçoado pelos militares, amargava um limbo público, exilado ora no exterior, ora no Brasil.

No plano político, as missivas expõem a convergência de afinidades entre dois grandes estadistas.

Desde a despedida no aeroporto do Rio, Tancredo trabalhou para retomar a democracia no país.

Foi deputado, senador e governador. Eleito presidente por um colégio eleitoral em 1985, adoeceu um dia antes de tomar posse, morrendo pouco mais de um mês depois - mas sua obra já estava terminada: o poder foi entregue aos civis.

No dia 24 de julho de 1964, quase quatro meses após o golpe militar, Tancredo enviou uma emocionada carta a JK. Escreveu o então deputado: "Sinto que se aproxima do fim o eclipse que nos envergonha diante das nações civilizadas e que já está à vista o dia em que iremos restaurar o clima de dignidade democrática por que anseiam todos os brasileiros, com a revisão das brutais iniquidades que maculam nossa história política".
Tancredo sabia que o regime não agonizava. Queria confortar o amigo. A morte da ditadura só viria vinte anos depois, com a eleição dele à Presidência.

Nas cartas trocadas entre os dois, há ideias, há projetos políticos, há a genuína preocupação com os atalhos autoritários tomados pelos militares. Há, sobretudo, a obsessão em restaurar a democracia no país. São linhas escritas com sinceridade por homens que compreendiam as exigências daquela tormentosa circunstância histórica - e, mais do que isso, sabiam quais sacrifícios eram necessários para superá-la.

JK e Tancredo usam expressões como "dignidade democrática", "objetivo maior" e "bravura moral". Não há nenhuma menção a cargos, emendas, empregos para a família... Nada do que tanto faz salivar a maioria dos políticos do nosso tempo está naquelas linhas, numa mostra constrangedora do declínio ético e intelectual da classe política brasileira.

Num ambiente infestado nos últimos anos pelo cinismo dos mensaleiros e pela mendacidade dos deputados propineiros de Brasília, as epístolas servem de guia para outra categoria de políticos - aqueles poucos que reúnem coragem suficiente para caminhar na direção contrária do que exige a cultura partidária do país.

As cartas estavam dispersas pelos arquivos tanto de JK quanto de Tancredo. Algumas foram encontradas por Andrea Neves, a neta mais velha de Tancredo, junto aos pertences pessoais do avô.

Outras estavam nos papéis de Juscelino, cuidadosamente preservadas por Maria Estela Kubitschek, filha do ex-presidente, que guardava a correspondência para si até hoje. Ela explica por quê:

"Demorei seis anos para conseguir abri-las. São como um pedaço do meu pai, do qual não quero me desfazer".

Andrea Neves, que era afeiçoada ao avô, compilou o material. Diz ela: "Meu avô teve uma importância capital na minha vida. É preciso preservar o legado dele". O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, neto de Tancredo e seu herdeiro político, conta que aprendeu a fazer política com o avô, durante a transição para a democracia:

"Ele ensinava que não se pode transigir jamais com os objetivos, apenas com a estratégia". "Se hoje temos uma experiência democrática, devemos isso historicamente a Juscelino e a Tancredo", afirma o filósofo Newton Bignotto, da Universidade Federal de Minas Gerais.

A correspondência começa com as palavras de um Tancredo ainda perplexo pelos rumos do país.

Escreveu ele: "Na sucessão dos dias, (a nação) mais consciência vai tomando de que, com a ignóbil cassação do seu mandato e a suspensão dos seus direitos políticos, cassados e suspensos ficaram os direitos do povo".

O discreto e parcimonioso Tancredo registra também, numa abundância de adjetivos incomum para a sua personalidade:
"Em meio a um panorama desolador e aviltante, estamos colecionando muitas decepções dos que desertam, se acovardam ou se acomodam".

Como que para consolar JK, o deputado afirma que, apesar dos ataques do regime contra o amigo, crescia a gratidão do povo, "cada vez mais viva e profunda".

Generosas palavras, partindo de quem partiam, parecem ter conquistado em definitivo um JK já sensibilizado pelo gesto de Tancredo no Aeroporto do Galeão. A partir daí, as cartas crescem em cumplicidade e afeto. De "meu caro", Juscelino passa a qualificar Tancredo de "querido", que por sua vez se despede do ex-presidente com o carinhoso "sempre seu". Nos anos subsequentes, enquanto se exilava no exterior, JK sempre encontrava tempo para escrever a Tancredo. Numa correspondência, redigida em Nova York no dia 2 de maio de 1966, JK mostra-se melancólico, "tentando escrever alguma coisa num triste domingo". Até que, relata, deparou com uma entrevista do amigo:

"A tarde estava chuvosa, e eu senti que um raio de sol a atravessava, ao ler a página que poucos homens teriam a coragem de escrever, nessa hora que pesa como uma campânula de chumbo sobre o nosso pobre país".

Os dois entendiam de sacrifícios pessoais. Numa carta de dezembro de 1966, JK explica a Tancredo por que iria aliar-se a Carlos Lacerda, seu "mais terrível adversário". Escreveu o ex-presidente:

"Era o único serviço que eu podia prestar ao meu país, mostrando a todos os brasileiros que é possível superar divergências profundas quando se tem em vista um bem maior".

A aliança deu errado, mas o sacrifício mostrou até que ponto ambos estavam dispostos a ir para expulsar os militares do poder. Quando essa possibilidade parecia mais remota, no Natal de 1971, JK antevia que, se houvesse democracia novamente no país, ela passaria por Tancredo:

"Nada que venha de você pode me surpreender. A trajetória que o caro amigo está deixando na vida brasileira, tão pobre de homens com a grandeza do seu caráter, é marcada por um rastro de bravura moral".

Antes do golpe, Tancredo e Juscelino mantinham uma relação de cordialidade política, embora cultivassem várias divergências. Apesar de ser um homem de diálogo e conciliação, Tancredo era contra qualquer acordo com os militares golpistas. Juscelino, cujo governo sobrevivera graças ao apoio de setores das Forças Armadas, acreditava ser possível um governo de coalizão quando surgiram os primeiros sinais de ruptura institucional. A cassação de Juscelino e tudo que veio a acontecer depois mostraram que Tancredo estava certo. Lidas agora, palavras tão fortes podem aproximar-se do melodramático, do cabotino. A emoção que transborda das cartas, contudo, resulta dos esforços que lhes eram exigidos: para JK, deixar o país, a família, sua obra; para Tancredo, estar sob a mira constante de um regime que pouco hesitava em torturar. JK morreu em 1976, ainda perseguido e humilhado, e não teve a chance de assistir ao fim da ditadura.

Tancredo sacrificou seus últimos dias de vida para assegurar que morresse junto com a ditadura, recusando-se a receber atendimento médico quando já estava muito doente por temer que os militares não entregassem o poder a seu vice, José Sarney. Não deu apenas sua vida à democracia: deu sua morte também.

Negra Li - Bala com Bala Elis Regina

Pressão sobre Serra aumenta após pesquisa

DEU EM O GLOBO

A queda na diferença entre os pré-candidatos à Presidência José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) de 14 para 4 pontos, registrada pelo Datafolha, fez aumentar a pressão por uma definição do governador paulista e pelo nome de Aécio Neves como vice na chapa da oposição.

Cresce pressão sobre Serra e Aécio

No Datafolha, diferença entre governador paulista e Dilma cai; PT comemora

Adriana Vasconcelos

O crescimento da pré-candidata petista, Dilma Rousseff, na última pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial fez a oposição entrar em estado de alerta. Isso porque a redução da vantagem do governador paulista José Serra (PSDB) em relação a Dilma, de 14 para quatro pontos percentuais, foi maior do que se esperava. Os tucanos temem que isso reforce as especulações de que Serra poderia trocar a acirrada disputa nacional por uma reeleição mais tranquila em São Paulo. Outra preocupação para a oposição é a redução da diferença entre ele e Dilma no Sudeste, de 22 para 14 pontos. Com isso, aumentam também as pressões para que o governador de Minas, Aécio Neves, aceite ser vice na chapa de Serra.

Nos bastidores, alguns tucanos admitiram ontem que o maior temor agora é que a campanha oficial comece com Dilma Rousseff liderando as pesquisas, tirando o maior trunfo do PSDB até então.

A queda de Serra nas pesquisas está sendo atribuída não só à sua demora para oficializar a candidatura, mas aos problemas enfrentados pelo governador em São Paulo, como as enchentes nos dois primeiros meses do ano.

- Nosso problema é que não temos um candidato definido, o que suscita dúvidas entre nossos aliados. E é claro que isso causa preocupação - admite o líder do DEM, senador José Agripino (RN).

"Precisaremos de sangue frio"

A avaliação entre os tucanos é que a redução da vantagem de Serra para Dilma poderá não só aumentar as resistências de Aécio a ser vice na chapa de Serra, como levá-lo a se recusar a assumir o posto de candidato à Presidência caso o governador paulista opte pela reeleição no estado. Serra e Aécio deverão se reunir esta semana em Minas Gerais.

A queda de Serra nas pesquisas também poderá dificultar as negociações para garantir o ingresso do PTB e do PSC na aliança nacional idealizada pela oposição, que garantiria o aumento do tempo de TV do candidato do PSDB de seis para oito minutos. Publicamente, porém, a oposição tenta mostrar tranquilidade.

A expectativa é que os próximos três meses serão muito difíceis para Serra e seus aliados.

- Precisaremos ter paciência e sangue frio para aguentar este período em que os fatos se dão em torno da Dilma, mas isso acontecerá conosco quando Serra se lançar candidato - diz o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA), um dos principais aliados de Serra.

Sem esconder o otimismo, o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, considera que o resultado da pesquisa mostra que o partido está no caminho certo e que o nome de Dilma está consolidado para as eleições de outubro. Dutra diz não acreditar, porém, que Serra desista da disputa.

- Estamos felizes, é claro. Esta pesquisa mostra que estamos no caminho certo, e agora quem fala em plano B é a oposição - provoca Dutra.

- Esse é apenas um retrato momentâneo. Temos todas as condições de revertê-lo - aposta o secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG).

Para facilitar a trajetória de Serra, o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, insiste na necessidade de Aécio ser vice na chapa:

- Neste momento, a oposição precisa estar mais unida do que nunca.

- A pressão para Aécio ser vice demonstra a fragilidade da candidatura de Serra - alfineta Dutra, presidente nacional do PT.

Ontem, Serra não comentou o resultado da pesquisa Datafolha.

Momento decisivo para tucano

DEU EM O GLOBO

Para especialistas, Serra terá que assumir candidatura para frear queda

Germano Oliveira e Carolina Benevides

SÃO PAULO e RIO. O resultado da pesquisa Datafolha indica um único caminho para Serra: explicitar sua candidatura à sucessão presidencial. É essa a avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO. Para o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, Serra teria que tomar decisões de impacto, como anunciar logo a candidatura a presidente e formar uma chapa de peso, possivelmente com o governador mineiro, Aécio Neves, como vice. Paulino lembra que Dilma tirou votos do tucano, que perdeu eleitores inclusive no Sudeste, onde sempre foi muito forte.

- O PSDB e o governador Serra precisam dar uma resposta imediata para reverter essa tendência de queda. Pode ser o anúncio da candidatura, o lançamento de uma chapa forte com o Aécio, ou seja, algo impactante para recuperar os pontos perdidos. Este é um momento decisivo para Serra reverter esse quadro, que hoje é mais positivo para Dilma - disse Paulino, analisando os dados da pesquisa Datafolha, publicada na edição de ontem do jornal "Folha de S.Paulo".

A pesquisa do instituto mostrou que a diferença entre Serra e Dilma caiu de 14 pontos para 4 pontos percentuais. Ou seja, apesar de Serra continuar liderando, com 32% das intenções de voto, Dilma se aproxima de um empate técnico, e em ascensão (subiu de 23% para 28%), enquanto Serra caiu de 37% para 32%.

Para Marco Antônio Villa, professor de história da Universidade Federal de São Carlos, Sera tem que assumir logo a candidatura. Diante de si, terá um desafio: "Precisa ser anti-Dilma sem ser anti-Lula", diz o professor.

- Serra não pode brigar com os fatos e dizer que o governo Lula é ruim. Ele tem que conseguir que as pessoas vejam as diferenças na trajetória dele e da Dilma e convencer que ele fará o país crescer mais e melhor.

Segundo David Fleischer, professor de ciência política da UnB, se Serra não assumir a pré-candidatura ainda no começo deste mês, Dilma tem tudo para ultrapassá-lo nas pesquisas:

- Acredito que ele não assumiu a candidatura antes para evitar entrar em conflito com o presidente Lula, mas agora essa estratégia se mostra ultrapassada. Parece que Serra está em um momento Hamlet: ser ou não ser. Mas é hora de agir e assumir que é o candidato do PSDB à Presidência.

Professor de sociologia e política da PUC-Rio, Ricardo Ismael diz que Serra precisa mostrar que tem força.

- Hoje, o jogo está empatado, a tendência de crescimento da Dilma é incontestável e a estratégia do governo de polarizar tem dado certo. Ele tem que assumir que vai concorrer, e, se o Aécio aceitar ser vice, a candidatura ganhará um gás. Com a fragilidade do DEM, que enfrenta problemas no Distrito Federal e em São Paulo, o PSDB ter um vice de peso é fundamental.

"Queda de Serra no Sudeste mostra fortalecimento de Dilma"

Para Paulino, do Datafolha, a queda de Serra no Sudeste é preocupante para o tucano.

- Ele caiu 3 pontos. É uma queda significativa, pois o Sudeste é onde Serra e o PSDB sempre dominaram, e é uma região que concentra 42% do eleitorado.

De acordo com Ricardo Ismael, a queda de Serra no Sudeste mostra o "fortalecimento de Dilma e a consolidação da candidatura da petista".

- Mais importante que a queda de Serra foi o crescimento dela nessa região. Isso é um avanço expressivo no eleitorado que é mais crítico. Com esses índices, Dilma mostra que pode vencer a eleição e passa a ter mais facilidade para montar os palanques nos estados - disse ele.

A hora do corredor polonês

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Nas Entrelinhas :: Alon Feuerwerker

As denúncias que mexeram no quadro eleitoral daquele 2002 esquentaram entre março e abril. As notícias desse fim de semana indicam que este ano não será diferente: é a hora do pântano

Por Denise Rothenburg

O PT fez uma festa nos bastidores por conta da pesquisa Datafolha divulgada neste fim de semana que mostra o indiscutível crescimento da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de 23% para 28%, enquanto José Serra (PSDB) caiu de 37% para 32% no cenário em que Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV) estão no páreo. Um grupo de tucanos partiu para o desespero, achando que, ou põe seu bloco na rua agora, ou adeus. A história mostra que os dois estão errados.

Primeiro, vale a pena relembrar o que nos diz a última eleição em que um presidente da República não era candidato. Como Lula também não é. Em fevereiro de 2002, quando Fernando Henrique se despediu da Presidência, as diferenças entre o resultado e a largada foram grandes.

Em fevereiro daquele ano, a onda era da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, então do PFL. Ela apareceu com 23% na pesquisa Datafolha, pouco atrás de Lula, que liderava com 26%. José Serra, então ministro da Saúde, surgia em quarto, com 10%, atrás de Anthony Garotinho (13%). Ciro Gomes somava 8% da preferência do eleitorado.

Em abril, Roseana estava fora disputa por causa do dinheiro apreendido na Lunus, a empresa administrada pelo marido. Mais tarde, ela foi inocentada de qualquer processo e os valores acabaram devolvidos, mas o estrago estava feito: o então PFL jogou a culpa no PSDB e ficou longe de José Serra na campanha presidencial. O PMDB se aliou ao tucano e só teve a deputada Rita Camata como vice porque todos os demais listados para a função — inclusive o atual líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, hoje um dos mentores da aliança com Dilma — sucumbiram ao longo do caminho por conta de denúncias de irregularidades. A história acima mostra que as denúncias capazes de mexer com o cenário eleitoral daquele 2002 surgem entre março, abril e maio, o trimestre que antecede a temporada das convenções para a escolha dos candidatos. Os políticos que prestaram atenção em outros pontos do noticiário do último fim de semana, além da pesquisa do Datafolha e da tragédia provocada pelo terremoto no Chile, não têm dúvidas: chegou a hora do pântano na campanha presidencial.

O mesmo fim de semana que traz a pesquisa Datafolha põe luz sobre o escândalo do mensalão petista, com trechos do processo em curso no Supremo Tribunal Federal divulgados pela Revista IstoÉ. O material apresentado pelo semanário deixa claro que a investigação andou e há indícios cada vez mais fortes de que houve, sim, dinheiro público incluído na história, e não apenas recursos recolhidos de empresas que não quiseram aparecer — o caixa dois —, como os atores procuraram demonstrar lá atrás.

As notícias que jogam lama sobre o PT não pararam por aí. Na semana passada apareceu a Eletronet, a empresa que bombou depois de ter José Dirceu como consultor. Ciro Gomes (PSB) se referiu a esse caso como parte do “roçado de escândalos” que representa a aliança PT-PMDB. “Roçado de escândalos é o avião em que o irmão dele levou a sogra.” A frase eu ouvi na semana passada do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele se referia ao governador do Ceará, Cid Gomes, irmão de Ciro. Ou seja, o clima nos bastidores não está bom.

Como Lula fez em 2002, frio, passando ao largo das brigas entre os aliados do governo FHC e apenas recolhendo os feridos, os tucanos vão tentar fazer o mesmo. Nesta quarta-feira, durante a solenidade para marcar o centenário de Tancredo Neves, farão de tudo para mostrar que estão todos bem — ainda que o ninho esteja completamente agitado e ansioso e a pressão para que Aécio Neves seja vice de Serra esteja a mil.

A ansiedade dos tucanos se justifica. Lula tem junto ao eleitorado um prestígio que FHC não tinha. Tanto é que conseguiu transformar Dilma, neófita nesse campo eleitoral, em uma candidata promissora e em ascensão. Mas Serra continua na frente, sem ser candidato. Essa é a largada no momento de atravessar o pântano. Resta saber quem chegará vivo e forte do outro lado, ou seja, em junho, quando for aberta a temporada das convenções oficiais para a escolha de candidatos. Por enquanto, é uma curva. E de curvas, a estrada até outubro está cheia.

Serra no sufoco:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

A mais recente pesquisa de intenção de votos do Datafolha traz uma coleção de más notícias para José Serra, o provável candidato do PSDB à sucessão de Lula. Dilma Rousseff subiu – ele caiu. Dilma cresceu no Sul e no Sudeste, ainda fortalezas de Serra. A rejeição de Serra é a maior. Dilma bate Serra no voto espontâneo. Está bom ou quer mais?

Então um pouco mais. Serra perdeu três pontos percentuais no Sudeste, onde vivem 42% da população adulta do País. A vantagem dele ali sobre Dilma desabou oito pontos percentuais. Dos eleitores ouvidos pelo Datafolha, 42% afirmaram que pretendem votar no candidato de Lula.

Outros 26% que talvez votem.

Diga-se de Serra que é um político experiente, realista e cerebral. Em análise esboçada antes mesmo de o Datafolha ir a campo avaliar o humor dos brasileiros, ele listou algumas das dificuldades que enfrentará para se eleger presidente da República. Uma delas: o discurso de candidato.

Reconhece que o de Dilma, por ora, é superior ao dele. Dilma prega a continuidade de uma situação aprovada pela esmagadora maioria dos brasileiros. E ainda promete fazer algumas mudanças para melhor. Eleição, aqui ou em qualquer parte, se define com base em dois verbos: manter ou mudar.

Em 1998, quando o real começava a fazer água, o presidente Fernando Henrique se reelegeu por pouco ainda no primeiro turno. O medo do real se desmanchar com uma eventual eleição de Lula levou os brasileiros a conjugar o verbo manter. O real desmanchou-se em seguida no colo de Fernando Henrique.

Ainda vale a divisão simplificada do eleitorado proposta em 2002 pelo marqueteiro Duda Mendonça, responsável pela campanha de Lula. Um terço vota no PT, um terço contra o PT e o outro terço decide a eleição. Até início de abril, Lula repassará a Dilma os votos do PT – mais rapidamente do que se imaginava.

O terço contra o PT está com Serra – e com ele permanecerá. Como atrair a fatia maior do terço restante? Serra tem uma vaga ideia. Dilma tem uma ideia pronta. Serra sabe que a lembrança do segundo governo de Fernando Henrique poderá derrotá-lo – como o derrotou em 2002. Nada mais favorável a Dilma do que a lembrança do período Lula.

Uma vez obrigado a engolir Dilma, o PT está empenhado em elegê-la. Para isso sacrificará qualquer candidato a governador – Tarso Genro, no Rio Grande do Sul, inclusive. Lula só espera a hora de varrer as candidaturas do PT ao governo de Minas Gerais para apoiar a candidatura de Hélio Costa (PMDB).

E o PSDB? Desgastada por suspeitas de corrupção, Yeda Crucius, governadora do Rio Grande do Sul, insiste em tentar se reeleger. A candidatura de Beto Richa ao governo do Paraná desmontou o palanque que Serra armava por lá com a ajuda do PDT. Tasso Jereissati, no Ceará, é um problema para Serra. E Sérgio Guerra, em Pernambuco, outro.

O DEM já foi melhor companhia – aí a desgraça do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, pôs tudo a perder. Geraldo Alckmin é disparado o favorito para ganhar o governo de São Paulo. Mas se ele tocar a campanha em cima de suas realizações passadas como governador, esquecendo as de Serra? Isola! Bate na madeira!

Serra e Dilma provaram ser competentes como operadores do poder. Serra precisa provar que também é competente como operador político. Operador do poder impõe. Operador político compõe. Dilma tem ao seu lado um magnífico operador político – Lula. O de Serra terá de ser ele mesmo.

Nas próximas semanas, espera-se de Serra alguma prova de maestria política. Só parece haver uma capaz de assombrar seus pares e assustar os adversários: a conquista de Aécio Neves para a vaga de vice. Se isso não ocorrer, Serra irá à luta dependendo do acaso, da sorte ou do erro do adversário para vencer.

Irônico, pois é. Quem serviu de sparring para que o primeiro operário chegasse lá poderá também servir de sparring para que a primeira mulher chegue.

Riscos da soberba:: Valdo Cruz

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A subida de Dilma no Datafolha, atingindo patamar imaginado pelo PT apenas para final de março, reforça o discurso de uma ala de sua campanha que defende a imposição ao PMDB do nome do candidato a vice.

Dentro dessa estratégia, o negócio é empurrar com a barriga a escolha do companheiro de chapa de Dilma. Antes de maio, nem pensar, quando, esperam os petistas, a ministra inverterá as posições com o tucano José Serra e passará a liderar a corrida eleitoral.

Aí, Dilma estará forte o suficiente para impor ou pelo menos ter direito a veto no processo de escolha de seu candidato a vice. Pelo menos é o que essa ala petista deseja.

Tal articulação não tem apoio irrestrito no governo e no PT. Há quem defenda o nome do presidente do PMDB, Michel Temer, preferido da cúpula peemedebista.

Para esse grupo, Temer não é fundamental para a eleição, mas será essencial no pós-campanha. Caso Dilma ganhe a eleição, ele azeitará a relação da petista com sua base aliada no Congresso. Principalmente o PMDB.

O principal sinal de que tudo está indefinido e que o PMDB tem motivos para estar aflito vem do silêncio presidencial. Recentemente, um empresário foi testemunha disso. Em conversa com Lula, ele defendeu a escolha de Temer como nome ideal a vice. Não ouviu uma palavra em resposta à sua tese.

O fato é que o PMDB, a despeito de não gostar nem um pouquinho desse jogo de empurra-empurra dos petistas, por enquanto não tem muito o que fazer. A ameaça de bandear para a canoa dos tucanos vai perdendo força na medida em que Dilma cresce nas pesquisas de intenção de votos.

Só faria sentido, à essa altura do campeonato, se tudo mudasse no ninho tucano: Serra desistindo da candidatura e Aécio Neves se tornando o nome do PSDB na disputa presidencial. Esse, por sinal, é o único cenário que hoje assusta os petistas. No mais, acham que a eleição está no papo.

Águas de março:: Fernando de Barros e Silva:

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com sentimentos opostos, petistas e tucanos manifestaram surpresa com o resultado do Datafolha. Embora quase todo mundo esperasse o crescimento de Dilma Rousseff, quase ninguém acreditava que ela pudesse encostar em José Serra tão cedo e tão rapidamente.

Encostou. Os quatro pontos que agora os separam -Serra com 32%, Dilma com 28%- resultam tanto da subida da petista como da queda do tucano -cinco pontos cada um-, o que só aumenta o desconforto do (por ora) líder.

Consolida-se a percepção -que já se tinha mesmo com a diferença anterior, de 14 pontos- de que a segunda colocada é a favorita da disputa. A seu favor jogam a popularidade de Lula, a máquina do governo federal, a situação econômica do país, a militância petista e a aliança política mais ampla e com mais tempo de TV.

Contra Dilma, quem sabe, só ela própria, que busca a Presidência sem nunca ter disputado um voto na vida e ainda é vista por muitos como um peso difícil de carregar. Aos tucanos restaria como consolo o argumento de que, roçando nos 30%, a ministra ainda está abaixo daquele terço do eleitorado historicamente simpático ao nome do PT.

Seja como for, já caducou o discurso de Ciro Gomes de que sua candidatura presidencial seria uma forma de garantir o segundo turno. O roçado de Ciro foi atropelado pelo trator governista.

As atenções agora se voltam para os tucanos. São duas as questões:

1. Serra ainda pode desistir?;

2. Aécio aceitará ser o seu vice? Serra gostaria de ter a segunda resposta antes de se definir publicamente.

Hoje, no entanto, o mais provável é que aceite enfrentar o desafio da disputa sem a certeza prévia de que contará com o mineiro em sua chapa.

Não há dúvida de que Aécio agora será muito pressionado pelos tucanos. Mas quem precisa dizer a que veio antes que as águas de março fechem o verão é o governador de São Paulo.

PSDB minimiza avanço de Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pesquisa Datafolha que mostra queda de Serra e crescimento de ministra entusiasma o PT

BRASÍLIA - Líderes do PSDB consideraram ontem "natural" e "previsível" o crescimento das intenções de voto na pré-candidata à presidência pelo PT e ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Segundo pesquisa Datafolha, a petista atingiu 28% das intenções de voto e reduziu de 14 para quatro pontos porcentuais a distância que a separava do seu principal rival, o governador José Serra (PSDB), que tem 32%.

Na avaliação de tucanos, o bom desempenho da ministra é fruto da superexposição de sua candidatura, que foi lançada oficialmente pelo PT, da aparição ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no programa do partido na TV e das viagens para inaugurar obras pelo País.

"Ela teve uma projeção muito grande, o momento favoreceu a ela", afirmou o líder do PSDB na Câmara, deputado João Almeida (BA). "Mas, a despeito de toda essa exposição, o Serra continua liderando as pesquisas de intenção de voto sem fazer nenhuma campanha", completou.

Já o PT recebeu com entusiasmo o resultado da pesquisa. "Quanto mais a população conhece a Dilma, mais sua aceitação cresce", afirmou o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). Mas ele evitou dar tom triunfalista ao avanço da petista. "Toda pesquisa é o retrato de um momento e até a eleição há um longo caminho", ponderou.

O deputado José Genoino (PT-SP) comemorou na sua página de mensagens do Twitter: "A oposição vai ficar ainda mais desesperada". Também pela rede, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) festejou: "É uma boa pesquisa pra ver que estamos no caminho certo. Mas é bom ter pé no chão, treino é treino, jogo é jogo, já dizia o velho treinador".

Para os tucanos, as intenções de voto em Serra voltarão a subir assim que ele lançar sua candidatura à sucessão de Lula, no fim deste mês. "Hoje só existe uma pessoa fazendo campanha ao lado do presidente Lula: a ministra Dilma. Portanto é natural que só ela cresça", disse o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP). "O Serra nem saiu candidato ainda", argumentou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM).

Os tucanos também citaram uma série de fatores adversos que atingiram seus aliados. É o caso das enchentes em São Paulo e da cassação do mandato - logo depois revogada - do prefeito Gilberto Kassab (DEM). "Mas a Dilma tem menos combustível para queimar do que nós. O Brasil não está preparado para pegar uma pessoa que nunca foi nada e eleger", afirmou Arthur Virgílio.

Os eixos da identidade de Dilma:: Gaudêncio Torquato

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, pela maior competitividade de que se reveste em comparação com outras candidatas - Heloisa Helena (PSOL) em 2006 e Marina Silva (PV) no pleito deste ano -, abre um intenso foro de discussão, a começar pela interrogação que aferventa conversas entre gregos e troianos, governistas e oposicionistas, eleitores racionais e emotivos: será ela mero apêndice do lulismo, podendo ser engolfada pelo petismo, ou terá condições de firmar uma identidade e imprimir marca própria ao governo, caso seja eleita a primeira mandatária do Brasil em toda a sua História? A tentativa de resposta razoável abriga, de pronto, uma avaliação sobre a ministra-chefe da Casa Civil, há quase cinco anos, exercício que leva em conta os quatro eixos de sua identidade: político, técnico, feminino e histórico. Cada um deles permite inferir sobre seu posicionamento no cenário nacional e projetar os rumos do futuro, sabendo-se desde já que postulantes que entram na disputa ao posto máximo da Nação não pela via normal, mas por intervenção cirúrgica, terão grande dificuldade de se acomodar no tabuleiro das conveniências partidárias.

Esse é o primeiro desafio da ministra Dilma. Possui ela tênue identidade política, sendo de pouca valia o fato de ter percorrido, durante algum tempo, o espaço do PDT e se filiado, posteriormente, ao PT. Ser testado nas urnas, entender como eleitores escolhem um candidato, ir ao encontro do povo nas ruas, debater acirradamente com adversários, perder eleições - como aconteceu com Lula algumas vezes - são exercícios que contribuem para lapidar os políticos, aprimorar a cultura e os costumes e, seguramente, conferir desenvoltura aos competidores. É verdade que ser inexperiente em matéria eleitoral não é, hoje, algo tão desastrado como no passado. Até porque escândalos em profusão solapam a imagem da representação política, abrindo espaço para que pessoas sem história se apresentem ao eleitor exibindo feições assépticas. Ocorre que mesmo tais perfis não conseguem escapar da borrada moldura que abriga partidos, correligionários e companheiros. Ninguém consegue escapar das ondas caudalosas que devastam as praias partidárias.

A frágil expressão de Dilma no terreno da experiência política poderá ser compensada por uma boa história nas páginas da gestão governamental. O eixo forte de sua identidade é esse. Trata-se de uma economista reverenciada, com atuação reconhecida na área de minas e energia. Ministra-chefe da Casa Civil, incorporou o papel de executora-mor do governo, sendo até apresentada como mãe do PAC. Esse aspecto, porém, abriga intensa discussão. A saída de um líder carismático para a entrada de um perfil técnico não acarreta uma reversão de expectativas?

Por trás da inferência reside a desconfiança de que, em espaço não muito longo, o imenso apoio popular que Lula desfruta poderá ser escasso num eventual ciclo dilmista, mesmo com a figura do mito ao fundo da paisagem. Na ocorrência de distanciamento das massas, seria previsível maior independência da base governista no Congresso e, consequentemente, inversão das cartas do jogo. O presidencialismo de cunho imperial da era Lula entraria em arrefecimento. A identidade técnica de Dilma, por isso mesmo, para manter fluidos os canais com o Congresso e garantir estabilidade à governabilidade, deverá ganhar contrapeso no campo político. Daí a importância de perfis de figurino adequado para liderar uma frente de coordenação política.

Se, por um lado, a identidade técnica canibaliza a identidade política da ministra, por outro, ajuda-a a compor a imagem de autoridade. O estilo gerencial de Dilma Rousseff transmite certa arrogância, jeito de mandona e irritadiça. Ora, tal caracterização permite inferir que ela não aceitaria ser patrulhada por um PT mais radical. E, dessa forma, o estilo durão poderá descambar para a determinação de defender o ideário do lulismo, ao qual expressa sempre muita lealdade. Ademais, é improvável que o País adote políticas que possam reabrir feridas, provocar traumas e alguma contrariedade social. O pragmatismo do governo Lula daria o tom maior, apesar de se saber que acenos radicais sempre enfeitarão o cenário. Servem para lembrar a ligação do governo com movimentos e ideários ortodoxos. O MST não continua fazendo intervenções na paisagem no campo?

E a condição feminina? Como a população enxerga uma mulher no comando da Nação? O gênero feminino consolida-se na esfera institucional, apesar de uma participação modesta das mulheres na política. Desde que a potiguar Alzira Soriano se elegeu como primeira prefeita do País, em 1928, o Brasil passou a valorizar os potenciais femininos. A mulher na política é hoje bem-vista.
As representações femininas crescem a cada legislatura. O fato é que a mulher absorveu qualidades enxergadas na condição masculina: a autoridade, a energia, a afirmação do "eu".
Isabelita Perón, quando assumiu a Presidência da Argentina, um país machista, em 1974, teve uma postura desafiante: "Será que os homens realmente acreditam que somente eles podem usar calças?" Em 1976, Margaret Trudeau, acompanhando o marido, o primeiro-ministro do Canadá, em viagem oficial à América Latina, produziu também uma frase que viria a ser bom lema para as mulheres: "Quero ser algo mais que uma rosa na lapela do meu marido." Dilma Rousseff, para firmar a identidade, não deverá querer ser apenas um apêndice do lulismo. Se optar pela condição de rosa na lapela, será figurante ligeira na Praça dos Três Poderes.

Resta, por último, a história da guerrilheira. Fosse a mineira/gaúcha mais suave e menos propensa a puxões de orelha, esse registro não passaria de mera curiosidade. Perderá votos por causa disso? Poucos. A foto antiga não atrapalhará rumos.

Ao fim e ao cabo, a pergunta: tem ela condições de alçar voo? Sim. Por significar a extensão de um tempo. Que, aliás, poderá voltar-se contra ela se o povo der o veredicto final: "O ciclo esgotou-se."

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação

Frederic Chopin - Nocturne In E Flat Major, Op.9 No.2 (hoje, bicentenário de nascimento)

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Rio faz 445 anos com bolo e música

Depois da crise, impostos sobre os ricos:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Uma alternativa é financiar o aumento dos gastos do Estado nos países ricos com impostos adicionais e progressivos

Nos países ricos -nos EUA, na União Europeia, no Japão-, a recuperação depois da crise financeira global de 2008 é lenta e insuficiente. O desemprego continua crescendo e já está em torno de 10% da população economicamente ativa. Apenas as Bolsas se recuperaram; mas isso não decorreu da melhoria da economia real, e sim do fato que os bancos centrais baixaram os juros e inundaram seus países de liquidez.

Dessa forma, essa recuperação é antes causa de preocupação do que de alegria, porque indica novas bolhas especulativas.

A causa desse mau desempenho está no lado da demanda. As empresas desempregam porque não têm para quem vender. Internamente não há fonte de demanda porque as famílias e as empresas estão pagando suas dívidas para recuperar sua solvência. No plano externo, também não há demanda entre os países ricos, porque aqueles que se endividaram (EUA, Espanha e Irlanda, principalmente) precisam pôr em ordem suas contas.

Diante da crise, a solução adotada por todos os países foi uma política fiscal expansionista que evitou o caos econômico. Mas os gastos fiscais não lograram promover uma recuperação sustentada das economias por duas razões: primeiro porque uma parte desse gasto se traduziu em isenção de impostos para os ricos -um tipo de política com baixo efeito multiplicador; segundo porque mesmo os gastos em investimentos não sinalizaram para os investidores privados perspectiva de crescimento sustentado da demanda, mas apenas aumento "once and for all" da demanda.

Que fazer alternativamente? Economistas como Martin Wolf pedem que os países de renda média aumentem suas importações, mas isso já está acontecendo. Como esses países foram menos atingidos pela crise exatamente porque estavam menos endividados, eles já voltaram a crescer de maneira satisfatória e, em consequência, voltaram a aumentar suas importações. O desempenho relativamente bom do Japão no último trimestre, por exemplo, deveu-se principalmente às importações da China.

Não resta, portanto, alternativa para os países ricos senão manter provisoriamente a política fiscal expansionista, até porque ela está sob seu controle. Mas essa política que envolveu deficit públicos perto de 10% do PIB não pode ser simplesmente continuada. A dívida pública dos países ricos tornou-se altíssima: a do Japão já alcança 226% do PIB, a dos EUA, 99,8%, a da França, 92,5%.

Que fazer então? Uma alternativa é financiar o aumento dos gastos do Estado que tenham efeitos multiplicadores criando demanda e emprego e financiá-los com impostos adicionais e progressivos sobre os ricos -sobre aqueles cuja propensão marginal a consumir é relativamente baixa. Dessa forma, o aumento da poupança privada não neutralizará a expansão do gasto público.

Quando escrevi a primeira versão deste artigo, na semana passada, pensei que estava propondo algo arrojado. Mas descobri em seguida que estava "descobrindo a América" pela segunda vez... Não obstante estar em campanha eleitoral, o governo britânico de Gordon Brown já promoveu o aumento do Imposto de Renda progressivo marginal de 40% para 50%. Mais cedo ou mais tarde essa política terá que ser considerada pelos demais países ricos. Nos 30 Anos Gloriosos do Capitalismo (1949-1978), o Imposto de Renda marginal chegou a alcançar 90%. Foi reduzido nos 30 Anos Neoliberais do Capitalismo. Voltará, agora, a ser elevado não apenas por uma questão de justiça mas também de lógica econômica.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

O joio e o joio:: Fábio Wanderley Reis

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em 2005, inspirado na lembrança de um velho artigo de jornal de Wanderley Guilherme dos Santos ("O Trigo e o Trigo"), usei o título acima em ensaio relacionado com a crise do chamado "mensalão". A intenção era contrapor-me à separação, a que figuras de destaque de diferentes orientações políticas vinham recorrendo (num consenso que sugere uma torta "cultura" em operação), entre o "joio" de ilegalidades como as que eram desvendadas pela crise e o suposto "trigo" das ilegalidades - "menores" e sem importância real... - relacionadas com o financiamento de campanhas, o caixa dois. A atuação da Justiça Eleitoral, mesmo se de maneira embaraçosamente pesada e lerda que seria preciso aperfeiçoar, vem contribuindo, como se vê agora na cassação do prefeito Gilberto Kassab e sua vice e de diversos vereadores em São Paulo, para por fim ao que o Valor chamou, em editorial de 24 de fevereiro, de "relativização do delito eleitoral".

O financiamento de campanhas, ou da atividade política em geral, é um item entre outros da reforma política que se tem discutido no Brasil. Mas é grande sua importância de um ponto de vista doutrinário orientado pelo ideal democrático: é patente a necessidade de compor a igualdade do direito de votar, amplamente assegurado, com a igualdade no direito de ser votado, ou de candidatar-se com perspectivas de êxito a cargos eleitorais, direito este quanto ao qual o peso do dinheiro privado se faz sentir de forma que, ao contaminar e distorcer o processo eleitoral, representa forte estímulo à corrupção na administração pública. De todo modo, sejam quais forem as dificuldades para erigir mecanismos de execução e controle eficientes do financiamento público tornado exclusivo (idealmente a solução adequada do problema geral), ou para o recurso a formas democratizadas de financiamento privado que vimos acionadas com êxito na campanha de Barack Obama, é inadmissível que continue operando indefinidamente entre nós a aceitação ligeira da transposição do limite da legalidade contida na "relativização" de que fala o Valor. Uma vez feita a transposição, não há como superar a turvação em que a própria legalidade como tal se tornará em princípio irrelevante, preservando-se a cultura propícia não só às formas usuais de corrupção, mas também a coisas mais sinistras: é provavelmente desnecessário lembrar, por exemplo, os indícios que apontam, no assassinato de Celso Daniel, o desdobramento de práticas escusas de financiamento partidário e caixa dois.

Mas eventos recentes nos Estados Unidos merecem destaque quanto ao alcance maior tanto dos dispositivos que se acolham para o financiamento da atividade política como da disposição a jogar com a seriedade com que as leis haverão de ser tomadas. O primeiro aspecto é ilustrado pela recente decisão da Suprema Corte em que se relaxam restrições vigentes há muito para a participação das corporações no financiamento de campanhas políticas. O debate a respeito acaba (ou, de fato, começa, pois isto surge já na fundamentação da decisão) por envolver questões constitucionais relativas à própria liberdade de expressão - não obstante os críticos da decisão ressaltarem convincentemente, como em editorial do "New York Times" de 22 de janeiro, a impropriedade legal da assimilação entre corporações e cidadãos como titulares do direito à livre expressão. Na verdade, Linda Greenhouse, em comentário na edição eletrônica de 28 de janeiro do mesmo jornal, elabora o que a decisão da Suprema Corte envolveu de manobra, bem como o risco de que ela termine por questionar a constitucionalidade até da fundamental conquista democrática da Lei dos Direitos Civis, tal como emendada em 1991 - de maneira que colocaria a Corte não só contra o Congresso, mas contra o conjunto unânime de decisões dela própria que a ação do Congresso consolidou naquele ano.

O outro aspecto, quanto os riscos envolvidos na "relativização" do apego às leis, se ilustra com as dificuldades de que o presidente Obama se vê cercado na área de segurança e na gradual retomada de uma perspectiva mais afim a Bush com respeito à "guerra ao terror". Além dos vários casos em que se evidenciam essas dificuldades, tomemos Guantánamo, com o simbolismo de que se reveste, e a recente decisão do governo Obama de manter lá indefinidamente 50 prisioneiros. Tal como noticiadas pela "Folha de S. Paulo" em 23 de janeiro, as razões citadas para a decisão alegam que os prisioneiros "são considerados perigosos demais para a soltura devido a laços com redes extremistas. Mas o governo acha impossível julgá-los, em geral porque a cadeia de provas foi corrompida - por exemplo com confissões obtidas mediante tortura". Em outras palavras: como há ilegalidade na obtenção de provas, cometamos a ilegalidade maior de prender indefinidamente sem julgamento as pessoas envolvidas. Admita-se o que há de complicada novidade, para os Estados Unidos (e o mundo), no enfrentamento da ameaça para a qual o país despertou sob o trágico impacto do 11 de setembro; não há como negar, contudo, o exemplo que a decisão em questão representa da deriva a que a saúde legal e a adesão aos princípios liberais são submetidas quando se aceita tergiversar quanto à lei e relativizá-la.

Voltando ao Brasil, o vigor da lei como referência efetiva da conduta provavelmente depende, em última análise, da vigência real de uma cultura favorável. Mas a alternativa à longa e incerta espera do amadurecimento da boa cultura é fazer boas leis e vigiar com rigor a sua observância. O que talvez acabe até produzindo a boa cultura.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras