Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
WASHINGTON. Há na política americana uma definição clássica: o poder de um novo presidente é tão grande quanto efêmero, e compete ao novo ocupante da Casa Branca tentar fazer com que o fim do encanto e o início das cobranças comecem o mais tarde possível. O caso de Barack Obama, que assume hoje a Presidência dos Estados Unidos num raro momento de esperança tão profunda quanto a crise econômica que assola o país, mesmo sendo a eleição mais importante simbolicamente desde a de John Kennedy, um católico na terra de protestantes, é diferente apenas na intensidade. Embora não queira, ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos é um fato simbolicamente relevante, e politicamente tão forte que pode adiar o fim da lua-de-mel, mas nunca impedi-lo.
A própria comemoração do dia de Martin Luther King na véspera da posse, e o megashow no Memorial de Lincoln no domingo, trouxeram a Washington as lembranças da luta pelos direitos civis, que está sendo coroada com a posse de Obama hoje.
Mas, embora ajude, o simbolismo não é uma solução. Sabendo disso, Obama busca na união nacional o ponto de apoio para essa travessia, que ele já anuncia longa e dolorosa.
O extraordinário apoio popular que continua apresentando nas pesquisas de opinião, beirando os 80%, ajuda a dar a partida de um mandato que terá muitas dificuldades pela frente, mas prenuncia uma provável reversão de expectativas na primeira metade de seu mandato, quando possivelmente a situação econômica não estará resolvida.
As eleições de 2010 definirão se a maioria continuará a favor dos democratas, ou se a frustração fará com que os republicanos recuperem um lugar de destaque na política americana, poder político erodido pela herança da era Bush.
Por isso seu discurso de posse tem como tema central a busca de uma nova era de solidariedade nacional, com o governo e a sociedade assumindo suas responsabilidades na tarefa de reerguer o país.
Tarefa que se apresenta tão árdua que Obama não pretende perder tempo com picuinhas partidárias. Ao participar ontem de um jantar que o seu adversário eleitoral John McCain ofereceu aqui em Washington, pode ter deixado irritados seus parceiros mais radicais, mas paga o tributo à busca de apoio suprapartidário para superar os primeiros dois anos críticos de governo.
Um de seus ídolos, invocado a todo instante nesse momento em que o simbolismo voltou a ganhar mais força política do que as medidas concretas, que só surtirão efeito a longo prazo, Roosevelt, uma vez, referindo-se ao republicanos, disse que "saudava os que o odiavam", pois ele estava ao lado do povo, enquanto seus adversários defendiam os interesses que haviam levado o país à bancarrota.
Obama, ao contrário, quer ser amado por todos, e já mandou diversos recados de que não promoverá uma caça às bruxas, muito menos aceitará as pressões dos liberais para fazer um julgamento dos eventuais crimes contra a humanidade praticados pelo governo Bush no combate ao terrorismo.
Embora não perca a oportunidade para reafirmar que a prática de tortura nos interrogatórios não será permitida em seu governo, mesmo a pretexto de combater o terrorismo, Obama, em vez de perseguir, quer o apoio dos republicanos para sua política econômica e social, convencido de que somente uma grande união nacional tirará o país da atual situação.
Obama conta com a compreensão de seus militantes para as concessões que está fazendo à direita política, mesmo às que parecem desnecessárias e extravagantes como o convite para que o reacionário pastor evangélico Rick Warren faça a prece oficial da posse.
Warren é um ativista antigay, que compara o homossexualismo ao incesto e à pedofilia e foi uma das forças que reverteu em novembro, na Califórnia, a aprovação para casamentos gays.
Mas, para se contrapor às pressões conservadoras, uma série de movimentos da sociedade civil liberal, englobadas sob a denominação genérica de Alliance for Justice, já se prepara para pressionar a Casa Branca, na convicção de que a futura administração Obama não avançará sem o apoio da sociedade.
A maior das organizações, a Move On, que reúne cerca de 5 milhões de ativistas e começou como um movimento contra a guerra do Iraque, já tem um amplo e diversificado pacote de reivindicações: universalização do serviço de saúde, criação de empregos, economia verde, medidas para controlar a mudança climática e o fim da guerra do Iraque.
Pelo momento, o clima em Washington é de festa - nunca houve tantos bailes pela cidade em vésperas de posse presidencial - e não há um espírito de revanche no ar. O máximo que se pode ver é, em frente à sede do Partido Republicano, eleitores democratas cavalgarem alegremente o elefante, símbolo do partido, para uma foto histórica da vitória sobre os tradicionais adversários.
O policiamento é enorme, como não poderia deixar de ser, mas não há tensão aparente. Os próprios policiais e soldados do Exército, engajados na missão, tratam de se fotografar entre si para depois poder mostrar que também participaram desse momento histórico.
Tudo está preparado para coroar com festa e esperança renovada a campanha épica do primeiro presidente negro em direção à Casa Branca. Só Obama, consciente das dificuldades que terá pela frente, trata de alertar para a dura caminhada que começa hoje.
DEU EM O GLOBO
WASHINGTON. Há na política americana uma definição clássica: o poder de um novo presidente é tão grande quanto efêmero, e compete ao novo ocupante da Casa Branca tentar fazer com que o fim do encanto e o início das cobranças comecem o mais tarde possível. O caso de Barack Obama, que assume hoje a Presidência dos Estados Unidos num raro momento de esperança tão profunda quanto a crise econômica que assola o país, mesmo sendo a eleição mais importante simbolicamente desde a de John Kennedy, um católico na terra de protestantes, é diferente apenas na intensidade. Embora não queira, ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos é um fato simbolicamente relevante, e politicamente tão forte que pode adiar o fim da lua-de-mel, mas nunca impedi-lo.
A própria comemoração do dia de Martin Luther King na véspera da posse, e o megashow no Memorial de Lincoln no domingo, trouxeram a Washington as lembranças da luta pelos direitos civis, que está sendo coroada com a posse de Obama hoje.
Mas, embora ajude, o simbolismo não é uma solução. Sabendo disso, Obama busca na união nacional o ponto de apoio para essa travessia, que ele já anuncia longa e dolorosa.
O extraordinário apoio popular que continua apresentando nas pesquisas de opinião, beirando os 80%, ajuda a dar a partida de um mandato que terá muitas dificuldades pela frente, mas prenuncia uma provável reversão de expectativas na primeira metade de seu mandato, quando possivelmente a situação econômica não estará resolvida.
As eleições de 2010 definirão se a maioria continuará a favor dos democratas, ou se a frustração fará com que os republicanos recuperem um lugar de destaque na política americana, poder político erodido pela herança da era Bush.
Por isso seu discurso de posse tem como tema central a busca de uma nova era de solidariedade nacional, com o governo e a sociedade assumindo suas responsabilidades na tarefa de reerguer o país.
Tarefa que se apresenta tão árdua que Obama não pretende perder tempo com picuinhas partidárias. Ao participar ontem de um jantar que o seu adversário eleitoral John McCain ofereceu aqui em Washington, pode ter deixado irritados seus parceiros mais radicais, mas paga o tributo à busca de apoio suprapartidário para superar os primeiros dois anos críticos de governo.
Um de seus ídolos, invocado a todo instante nesse momento em que o simbolismo voltou a ganhar mais força política do que as medidas concretas, que só surtirão efeito a longo prazo, Roosevelt, uma vez, referindo-se ao republicanos, disse que "saudava os que o odiavam", pois ele estava ao lado do povo, enquanto seus adversários defendiam os interesses que haviam levado o país à bancarrota.
Obama, ao contrário, quer ser amado por todos, e já mandou diversos recados de que não promoverá uma caça às bruxas, muito menos aceitará as pressões dos liberais para fazer um julgamento dos eventuais crimes contra a humanidade praticados pelo governo Bush no combate ao terrorismo.
Embora não perca a oportunidade para reafirmar que a prática de tortura nos interrogatórios não será permitida em seu governo, mesmo a pretexto de combater o terrorismo, Obama, em vez de perseguir, quer o apoio dos republicanos para sua política econômica e social, convencido de que somente uma grande união nacional tirará o país da atual situação.
Obama conta com a compreensão de seus militantes para as concessões que está fazendo à direita política, mesmo às que parecem desnecessárias e extravagantes como o convite para que o reacionário pastor evangélico Rick Warren faça a prece oficial da posse.
Warren é um ativista antigay, que compara o homossexualismo ao incesto e à pedofilia e foi uma das forças que reverteu em novembro, na Califórnia, a aprovação para casamentos gays.
Mas, para se contrapor às pressões conservadoras, uma série de movimentos da sociedade civil liberal, englobadas sob a denominação genérica de Alliance for Justice, já se prepara para pressionar a Casa Branca, na convicção de que a futura administração Obama não avançará sem o apoio da sociedade.
A maior das organizações, a Move On, que reúne cerca de 5 milhões de ativistas e começou como um movimento contra a guerra do Iraque, já tem um amplo e diversificado pacote de reivindicações: universalização do serviço de saúde, criação de empregos, economia verde, medidas para controlar a mudança climática e o fim da guerra do Iraque.
Pelo momento, o clima em Washington é de festa - nunca houve tantos bailes pela cidade em vésperas de posse presidencial - e não há um espírito de revanche no ar. O máximo que se pode ver é, em frente à sede do Partido Republicano, eleitores democratas cavalgarem alegremente o elefante, símbolo do partido, para uma foto histórica da vitória sobre os tradicionais adversários.
O policiamento é enorme, como não poderia deixar de ser, mas não há tensão aparente. Os próprios policiais e soldados do Exército, engajados na missão, tratam de se fotografar entre si para depois poder mostrar que também participaram desse momento histórico.
Tudo está preparado para coroar com festa e esperança renovada a campanha épica do primeiro presidente negro em direção à Casa Branca. Só Obama, consciente das dificuldades que terá pela frente, trata de alertar para a dura caminhada que começa hoje.