domingo, 31 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

60 anos do golpe; 39 anos de democracia

Folha de S. Paulo                             

Conquistas atestam o compromisso da sociedade com o regime democrático, o melhor para 71%, segundo o Datafolha

Há 60 anos, os militares fulminaram pelo golpe o regime constitucional iniciado em 1946. Há 39 anos, o país enterrou a ditadura e instalou o seu mais longevo período democrático. É preciso relembrar, por motivos distintos e complementares, esses dois marcos.

A ruptura de 1964 ilumina alguns aspectos da atualidade, em meio às investigações da Polícia Federal sobre movimentações golpistas para impedir a sucessão presidencial decretada nas urnas em 2022.

O Exército de Humberto Castello Branco não é o mesmo Exército de Marco Antônio Freire Gomes. O primeiro aderiu em bloco e sem hesitar ao intervencionismo em voga na Força desde 1889. O segundo repeliu o assédio de um presidente da República autoritário.

O organismo político desenvolveu imunidade ao vírus do retrocesso. Segundo o Datafolha, 71% da população entende que a democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo.

Míriam Leitão - O país que não sabe lembrar

O Globo

Dois golpes rondam o Brasil. Um precisa ser esclarecido, o outro tem que ser lembrado. E há um fio que liga os dois eventos

No dia 24 de maio de 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reuniu em San José, na Costa Rica, para ouvir as partes no caso Vladimir Herzog. De um lado estava Clarice, uma mulher que insistia em lembrar. Do outro, o Estado brasileiro representado por servidores da Advocacia Geral da União (AGU) e um criminalista contratado, Alberto Toron, para defender a tese de que era preciso esquecer. Clarice estava ali para pedir punição ao Estado brasileiro pelo assassinato do seu marido, Vladimir Herzog, no II Exército. Advogadas da AGU interrogaram Clarice tentando fazê-la cair em contradição. Um pouco antes, Toron havia sustentado que “a coisa julgada não pode ser ofendida”, como se fosse caso encerrado. Clarice do plenário gritou: “não é nada disso, está tudo errado”.

O Brasil jamais condenou alguém pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nem qualquer responsável pelos outros mortos sob tortura, executados ou desaparecidos, portanto, nunca houve um caso encerrado.

Bernardo Mello Franco - Jango e Brizola

O Globo

Dois documentários jogam luz sobre cunhados que disputaram herança política de Getúlio

Nos 60 anos do golpe de 1964, novos documentários jogam luz sobre os principais alvos dos militares: João Goulart e Leonel Brizola.

Herdeiros políticos de Getúlio Vargas, os dois gaúchos derrotaram o golpismo em 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os generais tentaram impedir a posse do vice-presidente. Brizola peitou os conspiradores, montou a Cadeia da Legalidade e conclamou o povo a resistir. A mobilização dividiu o Exército e garantiu a volta de Jango, seu cunhado.

Três anos depois, os generais foram à forra. Arrancaram Jango da Presidência e cassaram o mandato de Brizola, deputado mais votado do país e virtual candidato ao Planalto em 1965.

Além de interromper o projeto trabalhista, o golpe separou os dois aliados. Brizola quis resistir, e Jango preferiu partir direto para o exílio. Vencidos, ambos escolheram se refugiar no Uruguai. Apesar da proximidade física, passariam mais de uma década sem se falar.

Elio Gaspari - Walters, o americano esteve em todas

O Globo

Na manhã de hoje, há 60 anos, o embaixador americano Lincoln Gordon chegou à sua sala por volta das 9h15m. Ele sabia que o golpe estava por dias, mas não sabia que o general Olímpio Mourão Filho, comandante da Região Militar com sede em Juiz de Fora (MG), havia resolvido se rebelar. Quem o avisou que a coisa havia começado foi seu adido militar, o coronel Vernon Walters, um homem corpulento, amigo de militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial.

Walters ralou durante esse dia. No fim da tarde achava-se que o general Castello Branco, seu colega de barraca na Itália e chefe do Estado-Maior do Exército, estava encurralado no Ministério da Guerra. (Falso, ele estava num aparelho na Zona Sul.) Um marechal avisou-o de que uma tropa legalista da Vila Militar marchava para Minas Gerais. Às 19h05m seu prognóstico era sombrio: “A rebelião parece estar perdendo ímpeto.”

Naqueles dias o Rio de Janeiro penava um racionamento de energia e bairros inteiros ficavam sem luz à noite. Perto das 23h, o marechal Lima Brayner, chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Brasileira durante a guerra, ouviu pancadas na entrada de serviço do seu apartamento de Copacabana, abriu a portinhola e viu, iluminado por uma vela, o coronel Walters. Brayner disse-lhe: “O Kruel acaba de lançar um manifesto.” “Graças a Deus”, respondeu Walters, um católico devoto.

Luiz Carlos Azedo - Por quem os sinos dobram neste 31 de março

Correio Braziliense

Há um pacto de silêncio entre Lula e os comandantes militares, que proibiram as comemorações nos quartéis do golpe de 1964, enquanto golpistas prestam contas à Justiça

É preciso fugir ao senso comum e ao passado imaginário para ter um novo olhar sobre o dia 31 de março de 1964. O regime militar que ali se instalou somente se encerrou com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, e a bem-sucedida transição à democracia presidida por José Sarney, cujo coroamento foi a promulgação da Constituição de 1988. Desde então, temos uma democracia representativa de massas, de caráter social-liberal. Não é pouca coisa a preservar.

Um velho amigo, o sociólogo Caetano Araújo, consultor do Senado, a propósito da polêmica sobre se o governo Lula deveria comemorar ou não o golpe de 1964, fez uma sensata separação entre a verdade e a Justiça, que não são mesma coisa, embora devam caminhar juntas. É verdade que os órgãos de segurança cometeram crimes hediondos, sobretudo no caso dos desaparecidos, mas a aprovacão da anistia em 1979, que não foi exatamente como os militares queriam, foi o grande pacto entre o governo e a oposição que deu início efetivo à ultrapassagem pacífica do regime autoritário.

Merval Pereira - Mudanças perigosas

O Globo

A revisão dos critérios para o foro privilegiado faz parte das contradições internas do Supremo

Mais cedo do que pensava, o Supremo Tribunal Federal (STF) se depara com sua própria contradição ao ter que julgar os acusados de mandantes do assassinato de Marielle Franco com base muito mais em uma delação premiada do que em provas que a confirmem.

Até hoje o ex-juiz Sérgio Moro é criticado por ter declarado que tinha “convicção” de que o então ex-presidente Lula era culpado, como se admitisse não ter provas contra ele. Esse parece ser o caso das acusações aos irmãos Brazão e ao delegado Rivaldo Barbosa, pois a investigação da Polícia Federal não traz provas que corroborem a delação do matador de aluguel Ronnie Lessa, embora quem leia o relatório tenha todas as informações para se convencer de que são mesmo os autores intelectuais do crime.

A questão é que as conclusões da investigação estão sendo contestadas, e a escolha da jurisdição do julgamento também, pela oposição e por advogados independentes. Pelas regras atuais, nenhum dos três acusados deveriam estar sendo julgados no STF. Já temos exemplos do que pode acontecer se e quando os ventos políticos mudarem.

Sergio Fausto* - A infame nota do PT sobre a reeleição de Putin

O Estado de S. Paulo

Fosse o partido irrelevante, a esquizofrenia entre o que prega e pratica no Brasil e as posições que defende no âmbito internacional seria assunto interno da sigla. Não sendo, o tema é de interesse nacional

A nota em que o PT felicita Vladimir Putin pela sua vitoriosa reeleição à presidência da Rússia é uma das mais infames da história do partido. O texto é efusivo. Mostra contentamento com o “feito histórico”, ressalta o “expressivo resultado” e termina com “calorosas saudações”. Desconheceriam os dirigentes do PT as condições de coerção em que se realizaram as eleições russas, a brutalidade repressiva sobre a oposição, os assassinatos e prisões de opositores e jornalistas independentes? Esqueceram-se de que o partido nasceu na luta contra a ditadura militar no Brasil, quando muitos dos que viriam a criá-lo sofreram arbitrariedades semelhantes?

Eliane Cantanhêde - Golpe no passado e no presente


O Estado de S. Paulo

Lula acertou ao vetar atos e manifestações oficiais, civis ou militares, neste 31/3

Num ambiente de grave polarização na sociedade e de divisão mais grave ainda nas Forças Armadas, o presidente Lula acertou ao vetar atos e notas oficiais a favor ou contra o golpe militar, deixando a dinâmica da democracia agir e, fora do governo, cada lado se manifestar como bem entender. Há, porém, uma providência inadiável a ser tomada, por mais que haja resistência entre oficiais: rever o ensino militar sobre 1964, desde os colégios militares até a Academia Militar de Agulhas Negras, por exemplo.

Tratada com superficialidade e como retaliação pelo PT, essa providência se tornou uma espécie de dogma nas Forças Armadas, mas, a esta altura, seis décadas depois, é fundamental atualizar o ensino e o debate sobre o golpe e romper uma bolha em que militares de várias gerações e patentes veem aquilo tudo como um passeio no paraíso. Não foi. Nada que abrigue tortura, mortes e desaparecimentos de presos sob a guarda do Estado, inclusive de estudantes muito jovens, pode ser considerado paraíso.

Celso Rocha de Barros - 60 anos do golpe militar

Folha de S. Paulo

Derrubaram um presidente legítimo e prometeram eleição, que só aconteceria em 1989

Neste domingo, 31 de março de 2024, faz 60 anos que a UDN aderiu à luta armada.

Derrubaram um presidente legítimo e prometeram eleições presidenciais em 1965. A eleição só aconteceu em 1989. Quem tinha 46 anos votou para presidente pela primeira vez junto comigo, que tinha 16.

O regime militar durou 20 anos, que corresponderam aos últimos 20 anos da "Era Vargas". Foi uma época de crescimento econômico rápido, como haviam sido os 20 anos de democracia entre 1945 e 1964. Muitos países têm alto crescimento em fases como essas, marcadas por êxodo rural e outras transformações sociais típicas do início do processo de desenvolvimento.

Vinicius Torres Freire - Brasil, ditadura, sociedade desastrosa

Folha de S. Paulo

Desigualdade, violência e ineficiência se entrincheiraram com o golpe de 1964

ditadura de 1964-1985 foi de mortos, desaparecidostorturaestupro, exílio, censura, propaganda parafascista, imposição militar de brucutus-presidentes, eleições fictícias, fraudadas ou muito limitadas. A grande massa de analfabetos não votava nem ao menos no elenco de candidatos autorizado pelos brucutus, a casta militar ignorante, bruta e ignara até hoje.

Menos se recorda que foi um período de repressão de sindicatos, de movimentos sociais, em particular os populares; de repressão salarial, de seguros sociais limitados e que excluíam os mais pobres.

Quase pouco se nota, na conversa mais comum, que a ditadura produziu uma sociedade desastrosa, mais do que um desastre social. Por um tempo disfarçada por taxas de crescimento econômico altíssimas, a ruína perdurou.

O que é uma sociedade desastrosa? Um exemplo muito claro são as grandes cidades, embora cidades médias mimetizem o arranjo perverso das metrópoles.

Muniz Sodré* - Algo de podre

Folha de S. Paulo

Esse olfato crítico ancora numa paisagem política que relega os mais pobres a guetos desemparados

"Há algo de podre no reino da Dinamarca". A célebre frase de Marcellus (em "Hamlet", de Shakespeare) não conota nenhuma sensação física, mas moral, relativa a um mal oculto e manifestado em homicídios e traições. É o tempo de incubação da violência, de cuja regra maléfica se alimentam feras à espreita de vítimas. Há algo de podre no Estado brasileiro, agora perceptível de forma aguda no Rio de Janeiro, no episódio do assassinato de Marielle, em que os fios da meada criminosa, separados na aparência, se entrelaçam.

Bruno Boghossian - A força da memória

Folha de S. Paulo

Receio de atrito com quartéis deveria ser justificativa para lembrar o passado e punir abusos

O processo de transição pós-ditadura foi um baita negócio para as Forças Armadas no longo prazo. Além de obter a proteção de líderes e agentes da repressão, os militares conseguiram erguer um escudo institucional que se conserva há décadas.

Sessenta anos após o golpe, a caserna reivindica influência sobre a maneira como a história da ditadura deve ser contada. Quando não há almoços festivos para celebrar o que se chama de revolução ou notas internas que omitem as atrocidades do regime, algumas vezes a memória oficial é deturpada pela imposição de um silêncio disfarçado de cautela.

Fábio Konder Comparato: Lula perde carisma, e a ditadura não pode ser esquecido

Referência em direitos humanos, advogado sugere Haddad como sucessor do presidente

Fabio Victor / Folha de S. Paulo

O advogado Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e um dos principais juristas do país, afirma que Luiz Inácio Lula da Silva já não tem o carisma de outrora e que o PT já deveria começar a preparar o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para sucedê-lo na Presidência.

Referência da esquerda sobretudo na área de direitos humanos, após um início de carreira voltado também ao direito comercial, Comparato atuou na defesa de presos políticos e por reparação aos perseguidos pela ditadura.

Esteve à frente de causas simbólicas dos familiares e mortos e desaparecidos, como as da família Almeida Teles e Luiz Eduardo Merlino contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e de Inês Etienne Romeu contra a União Federal. Assinou também a ação da OAB no Supremo Tribunal Federal sustentando que a Lei da Anistia não poderia impedir a punição de crimes contra a humanidade perpetrados na ditadura.

"Vivemos uma situação em que é importantíssimo que haja uma figura carismática no governo. E, infelizmente, o Lula está perdendo o seu carisma. E eu penso que talvez fosse o caso de se começar a atuar no sentido de fazer do Fernando Haddad uma espécie de bom sucessor do Lula", disse Comparato à Folha.

Antônio Nascimento* - 60 anos do golpe e ditadura militar

Presidente João Goulart (1961/1964), iniciou sua carreira política nacional, no segundo governo Vargas (1951/1954), como Ministro do Trabalho, afastado pelo Memorial dos Coronéis, em protesto pela correção do salário-mínimo, congelado durante todo o governo anterior. Eleito duas vezes, sucessivamente, Vice-presidente pelo voto direto da população, chegando à Presidência da República em virtude da renúncia do titular, ao desfecho de grave crise político-militar, que mobilizou a Nação em defesa da legalidade constitucional, pela posse do então substituto eleito

Poderes mitigados pela emenda parlamentarista, votada pelo Congresso Nacional, e restabelecidos pela vontade popular em plebiscito. Durante mandato presidencial, extensão dos direitos da CLT aos trabalhadores rurais, criação do décimo-terceiro salario e amplo programa de reformas estruturais, na dependência da maioria conservadora no Congresso. 

Memória | Os comunistas e o golpe de 1964*

A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura

O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua última reunião.

Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a consequente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista.  Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento.  As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés.  Modificou-se profundamente a situação política nacional.

As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:

Poesia | Aos que vierem depois de nós, de Bertolt Brecht

 

Música | MPB4 - Pesadelo

 

sábado, 30 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Macron usa clima para justificar protecionismo

Folha de S. Paulo

Presidente francês ataca acordo entre Mercosul e UE, sob pressão do setor rural de seu país, que teme competição externa

Muito amigável na visita de três dias ao Brasil, o presidente da FrançaEmmanuel Macron, foi também claro a respeito de um tema essencial da agenda econômica. Rechaçou sem meias palavras os termos do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, defendendo novas negociações a começar do zero.

Para o mandatário francês, o acordo negociado há mais de 20 anos ficou antiquado e seria péssimo para as duas partes, pois olharia para o passado e não levaria em conta a biodiversidade e o clima.

Macron disse que a França não poderá abrir seu mercado agrícola a produtores externos que não estejam sujeitos às mesmas exigências ambientais. Não se disfarça o protecionismo, posição tradicional francesa que sempre foi o maior obstáculo nas negociações.

Embora as tratativas não sejam bilaterais e ocorram entre os dois blocos, a oposição de membros dificulta ou inviabiliza uma conclusão.

O momento político também não é propício na Europa. Vários países enfrentam protestos maciços de agricultores contra a agenda climática, que obriga o setor a reduzir emissões de carbono e aumenta os custos da produção local já pouco competitiva.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Sessenta anos de um golpe de estado triunfante: maneiras de lembrar

Um artigo irretocável, de tão lúcido, vibrante e cirúrgico, da jornalista Vera Magalhães, em sua coluna desta sexta-feira em O Globo ("Silêncio sobre o 31/3 expõe feridas do 8/1" - O Globo, 29.03.2024), por pouco não me fez dispensar o texto que já havia alinhavado para a coluna de amanhã. Tudo de mais imediatamente relevante sobre a presente discussão a respeito de lembrar ou não os 60 anos do golpe de 1964 está ali dito. Em vez de reiterar, bastaria compartilhar esse artigo, vero e valioso. 

Num segundo momento repensei e resolvi o oposto. Em vez de buscar outro tema e desistir do texto já iniciado, resolvi prosseguir e antecipar, para esta sexta santa, o que seria publicado no sábado de Aleluia. Creio que posso mencionar outros aspectos que desdobram o tema ou sugerir, quem sabe, algum aprofundamento. Como link, a partir do texto de Vera, basta um sim a seus pontos e argumentos.

Pablo Ortellado - Ditadura nunca mais!

O Globo

Não é aceitável contemporizar quando o assunto é democracia

Amanhã, 31 de março, lembramos o aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964. O presidente Lula, temendo reação negativa dos militares, determinou que a data não fosse mencionada pelo Executivo. Em contrapartida, os militares se comprometeram a também não citá-la na “ordem do dia” nos quartéis, numa espécie de acordo tácito entre Forças Armadas e governo civil.

Em entrevista para a RedeTV!, Lula enfatizou que o episódio “faz parte do passado” e que é preciso “tocar o país pra frente”. Repetiu o argumento de que a maioria dos oficiais militares era criança ou não tinha nascido em 1964. Além disso, lembrou que, atualmente, devido aos inquéritos do 8 de Janeiro, “em nenhum momento da História os militares foram punidos como estão sendo punidos agora”.

Seja pelo conhecido caráter pragmático e conciliador do presidente, seja porque calcula que não é sensato esticar a corda com os militares, passaremos o aniversário de 60 anos do golpe militar sob um vergonhoso pacto de esquecimento.

Marco Aurélio Nogueira* - Novas e novíssimas inteligências

O Estado de S. Paulo

Não se trata de condenar ou absolver a inteligência artificial, mas de compreender que os seus efeitos serão mais benéficos quanto mais educados forem os seus usuários

Não é de hoje que a inteligência artificial (IA) está na agenda. A cada avanço da tecnologia, maiores são suas repercussões nas várias dimensões do agir humano. As formas de IA reverberam em nossas casas, nas escolas, nas empresas, na cultura, na medicina, no sistema financeiro, no modo como namoramos, trabalhamos e, por óbvio, no modo como pensamos e fazemos política.

O surgimento do ChatGPT, em 2022, e logo depois, em intervalos sempre mais curtos, do DALL-E-2, do Baird e do Gemini 1.5, estabeleceu uma forma mais avançada da IA generativa, capacitada para simular a inteligência humana, dialogar com os usuários, escrever, codificar e produzir vídeos. Foi um salto na revolução digital, com desdobramentos imprevisíveis. Há quem pense que a IA adquirirá capacidade humana gradualmente, sem rupturas, e quem afirme que na próxima década ela passará por cima de tudo. Hoje, a questão é saber quando isso acontecerá e com quais resultados.

Fareed Zakaria* - É preciso cuidado ao confrontar o trumpismo

O Estado de S. Paulo

O problema é como falar para um terço dos EUA que ainda acredita que a eleição de 2020 foi fraudada

A contratação e demissão de Ronna McDaniel como analista política da NBC News pode parecer apenas uma pequena tempestade midiática, mas nos obriga a reconhecer uma questão muito mais ampla desta campanha: como lidar com Donald Trump e seus apoiadores.

Recapitulando: Ronna era presidente do Comitê Nacional Republicano, em novembro de 2020, e tentou pressionar autoridades republicanas locais a não certificar os resultados da eleição. Ela também negou que a vitória de Joe Biden tenha sido justa.

Tudo isso é terrível. Já ouvimos tanta coisa a esse respeito que, às vezes, ficamos insensíveis para a sua importância. Por isso, permitam-me lembrar: Trump foi o primeiro presidente na história americana a tentar impedir a transferência pacífica do poder. Ele incitou uma multidão para intimidar seu próprio vice-presidente e os legisladores republicanos.

Eduardo Affonso - A gente faz um país

O Globo

Cultura era para ser programa de Estado, não de governo. Porque é o que nos dá identidade

O artista já foi definido como “a antena da raça”. Seu papel não seria apenas reelaborar o passado (e manter viva a tradição) ou traduzir o presente (e ser o intérprete do seu tempo), mas, principalmente, captar o que está por vir. E inventar esse futuro, seguindo sua intuição.

Por isso incomoda tanto — e é tão perseguido e censurado. Por isso interessa tanto — e é tão sujeito a ser cooptado.

O artista incomoda o burocrata — aquele que cultiva o “lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor”, de que fala Manuel Bandeira. Incomoda o reacionário — o “burguês funesto”, refém das “adiposidades cerebrais”, alvo do ódio de Mário de Andrade. Incomoda a ponto de não faltar gente (como no governo anterior) que, quando ouve falar em cultura, não saca o Pix, mas o revólver.

Carlos Alberto Sardenberg - Mal corrigindo

O Globo

Ministra da Saúde foi atirada numa missão que exigia outros atributos além de ser uma técnica de respeito

A ministra Nísia Trindade não está apenas submetida a uma lenta fritura. É pior. Foi jogada numa fogueira alimentada por inimigos, os suspeitos de sempre e pretensos companheiros. Uma maldade sem tamanho contra uma pessoa do bem, atirada numa missão que exigia outros atributos além de ser uma técnica de respeito.

O orçamento do Ministério da Saúde para este ano é de R$ 218 bilhões, o segundo maior da Esplanada e quase R$ 50 bi acima das despesas de 2023. As funções são certamente as mais difíceis do governo.

Na parte técnica, digamos, vão desde distribuir remédios de graça em farmácias até planejar e investir em pesquisas de alta complexidade; comprar e aplicar vacinas; prevenir desastres anunciados, como a epidemia de dengue; selecionar e adquirir medicamentos; administrar hospitais complexos; levar medicamentos e tratar dos ianomâmis; manter os programas de tratamento de aids; financiar e apoiar ações de prefeituras e governos estaduais.

Marcus Pestana* - Primeiros resultados sob o novo arcabouço fiscal

A Secretaria do Tesouro Nacional e a Secretaria do Orçamento Federal publicaram, no último dia 22 de março, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, relativo ao 1º. Bimestre de 2024.

Como sabemos o equilíbrio das finanças públicas é essencial. A desorganização do orçamento público gera não só aumento da inflação, dos juros e da dívida, como inibe o desenvolvimento e abala a credibilidade da política econômica. A dívida pública brasileira é relativamente alta para um país emergente, devendo a DBGG (Dívida Bruta do Governo Geral) chegar, segundo as projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), a 77,66% do PIB em final de 2024, chegando a 80,19% em 2025. Quanto maior a dívida, maior o prêmio (taxa de juros) exigido pelo investidores que compram títulos do governo e menores são os prazos concedidos. 

Demétrio Magnoli - A Rússia de cada um

Folha de S. Paulo

País não é um monólito sempre igual a si mesmo

Visitei a Rússia em 2017. Num centro comercial de São Petersburgo, à procura de uma informação, indaguei de uma jovem, cabelo pintado de azul, se ela falava inglês. "Sim, claro. Todo mundo nessa cidade fala inglês e francês". Na Rússia, quase todos só entendem o russo –mas a nação moderna da garota e seu círculo cosmopolita de amigos é tão real quanto a "Rússia eterna" que a envolve. Pondé equivoca-se ao enxergar a Rússia como um monólito adornado pela face de Putin (shorturl.at/yM237).

Seu argumento central apoia-se na recusa histórica da Rússia em tornar-se um país europeu. De fato, porém, ao longo de séculos, a elite russa oscilou entre tal recusa e um desejo intenso de ser Europa. São Petersburgo nasceu da pulsão europeísta, assim como a densa teia de uniões dinásticas entre os governantes russos e seu pares europeus.

Rodrigo Zeidan* - Precisamos de uma reforma do Judiciário e da polícia

Folha de S. Paulo         

Pôr mais 'criminosos' na cadeia não vai resolver nada, a não ser gerar mais demanda por venda de sentenças

Os dois problemas principais do Brasil são a segurança pública e a desigualdade de renda. No caso da segurança pública, fomos enganados.

O debate público tem vendido a ideia, há décadas, de que a solução para a segurança pública passa por questões práticas: estatuto do desarmamento, policiamento ostensivo, invasão de comunidades e outras soluções que envolvem, normalmente, violência contra os mais pobres. O caso Marielle Franco descortinou a nossa triste realidade: o problema começa no Estado. Portanto, a solução também tem que começar lá.

Dora Kramer - Veto a cerimônias não apaga fatos do golpe em abril de 1964

Folha de S. Paulo

Ruptura institucional efetivada e prolongada por 21 anos tem teor de gravidade bem maior que a recente tentativa frustrada de golpear as instituições

O veto a cerimônias oficiais pode até ser visto como sinal de conciliação, mas não apaga os fatos dos idos de março e o golpe em abril há 60 anos. Os militares sabem disso. Percebem que gestos não substituem a realidade.

E a verdade é que uma ruptura institucional efetivada e prolongada por 21 anos tem teor de gravidade bem maior que a recente tentativa frustrada de golpear as instituições. O tempo não as separa, antes exibe um traço de união a ser mantido no radar de todos.

Alvaro Costa e Silva - Para o clã Brazão, não existe polarização

Folha de S. Paulo

Suspeitos de matar Marielle aliaram-se tanto ao petismo quanto ao bolsonarismo

A linguagem da delinquência explica o Rio e, por extensão e contágio, o Brasil, onde a segurança pública está atrelada ao marketing político. O objetivo não é resolver o problema e sim permanecer no poder. Um poder disfuncional que destrói as já fragilizadas estruturas administrativas. A autoridade se transforma numa gigantesca milícia, com fome de dinheiro e instinto de autopreservação. O crime organizado não é mais o inimigo, torna-se oficial.

"É melhor você acertar antes o crime do que esperar um bote." A frase, segundo o relatório da PF, é do conselheiro do Tribunal de Contas Domingos Brazão ao explicar a Ronnie Lessa o esquema de acobertamento do assassinato de Marielle Franco, do qual participava o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. Além da proteção, ficou combinado o "embuchamento" —destruir provas, atribuir o delito a outros e encerrar com rapidez as investigações.

Vagner Gomes de Souza* - 1964 e a “bestialização” carioca

Em memória ao centenário de Lindolpho Silva

1964 marca um profundo impacto para a antiga sede da Assembleia Constituinte de 1823, 1891, 1934 e 1946. Seu esvaziamento político institucional se aprofundou sob os parâmetros da perseguição política que muito atingiram cariocas e seus residentes como a memória do chamado “Massacre de Manguinhos” nos faz lembrar[1]. O Rio de Janeiro formado como a cidade da consolidação da unidade nacional em suas linhas tortuosas e ibéricas se abriu para uma “americanização” de seu subúrbio transformado num “Novo Oeste” americano ao Sul do Equador. Na expansão da ocupação do espaço urbano desordenado sob a égide de uma modernização conservadora muito de perversão do americanismo assolou a nossa cultura carioca.

A falta de autonomia da antiga capital do Império e da República não impediu que houvesse uma vida dinâmica se fizesse perceber nas favelas no pré-1964 com a dinâmica disputa política pela organização de seus moradores entre setores da Igreja Católica e os comunistas. As principais favelas cariocas, sob nossa medida, estavam se transformando com uma semelhança a longa disputa política entre a democracia cristã e os comunistas italianos essa é nossa hipótese que justifica as intervenções urbanas das chamadas “remoções” que fizeram emergir os conjuntos habitacionais de Vila Kenedy e Cidade de Deus.

Poesia | Oropa, França e Bahia, de Ascenso Ferreira

 

Música | Marcelo D2 - Delegado Chico Palha

 

sexta-feira, 29 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mesmo tímida, crítica do governo à Venezuela é avanço

O Globo

Demorou para Lula esboçar reparo a Maduro. Brasil precisa reforçar a defesa da democracia no continente

Nicolás Maduro fala, pensa e governa como um ditador. Não aceita nenhum risco de perder eleições, promovidas com o único objetivo de dar a seu regime uma fachada de legitimidade. Todos sabem ser remota a chance de candidatos populares da oposição disputarem eleições livres e justas. Para vencer o pleito marcado para 28 de julho, ele não confia apenas no controle dos organismos encarregados de organizá-lo e fiscalizá-lo. Persegue e barra adversários competitivos. Primeiro, impediu a candidatura da ex-deputada María Corina Machado, principal nome da oposição ao chavismo. Nesta semana, sua substituta Corina Yoris foi impedida de registrar a candidatura on-line e até em pessoa no Conselho Nacional Eleitoral.

Precisou o cerceamento da liberdade política chegar a tal ponto para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfim criticar o regime chavista. Em nota divulgada na última terça-feira, o Ministério das Relações Exteriores afirmou “acompanhar com expectativa e preocupação” o processo eleitoral. Ressaltou a inexistência de decisões judiciais para justificar o bloqueio de Yoris, descrito como incompatível com os acordos de Barbados (negociação multilateral em que a Venezuela se comprometeu a organizar eleições livres). “É grave que ela não possa ter sido registrada”, afirmou Lula nesta quinta-feira, em crítica inédita ao regime venezuelano.

Cristovam Buarque* -Tarefa histórica

Revista Veja

Precisamos debater escolas e não prisões

Em 2026 o Brasil terá sua décima eleição presidencial desde a redemocratização. Depois de quatro décadas, porém, a democracia está em dívida com a nação e o povo ao deixar a maior parte da população no analfabetismo para o mundo contemporâneo. Mas tudo indica que o próximo pleito ainda não será o momento em que os eleitores escolherão pagar essa dívida, enfrentando os desafios e custos necessários para assegurar educação de qualidade para todas as crianças brasileiras. Os temas centrais dos debates serão outra vez crescimento econômico, segurança pública, saúde, distribuição de renda, pobreza, corrupção — pode ser até mesmo mais universidades, dificilmente educação de base, que continuará sendo questão relegada aos municípios, pobres e desiguais.

Hélio Schwartsman - Tudo para ontem

Folha de S. Paulo

Baixa na popularidade assustou governo, mas situação de Lula é boa se comparada com a de outros líderes democráticos

A baixa na popularidade de Lula (PT) fez disparar os alarmes dentro do governo. Mas será que a situação é assim tão ruim? Na comparação com outros líderes mundiais, não.

Pelo Datafolha, a rejeição a Lula é de 33%. É um índice confortável se cotejado com os de outros governantes de países democráticos. Olaf Scholz é gongado por 73% dos alemães; Macron, por 71% dos franceses; a rejeição a Fumio Kishida, do Japão, é de 70%; a de Sunak, no Reino Unido, chega a 66%. Joe Biden, que tenta a reeleição, tem 54% de avaliações negativas. Há decerto um problema em comparar diretamente as taxas de aprovação de dirigentes que estão em diferentes fases de seus mandatos, mas a confluência de tantos registros negativos tem cor, cheiro e gosto de anomalia.

Luiz Carlos Azedo - Venezuela caminha do “iliberalismo” para a ditadura

Correio Braziliense

Denúncias de prisões arbitrárias, ameaças, torturas e mesmo a execução de opositores do regime são constantes. A Venezuela vive um caos econômico

Fez bem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao demarcar distância regulamentar do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que manipula as eleições para não correr o risco de não ser eleito e, para isso, impede a candidatura de seus oponentes. Primeiro, havia sido o Itamaraty a manifestar preocupação com as eleições em nome do governo brasileiro, agora foi o próprio Lula que criticou Maduro e considerou “grave” que Corina Yoris não tenha conseguido registrar sua candidatura à Presidência da Venezuela.

A representante do principal grupo de oposição a Maduro não conseguiu inscrever a candidatura no prazo previsto e, por isso, está sendo impedida de concorrer. “Eu fiquei surpreso com a decisão. Primeiro, a decisão boa, da candidata que foi proibida de ser candidata pela Justiça indicar uma sucessora”, disse Lula. É que Maria Corina Machado indicou sua xará, Corina Yoris, para substituí-la como candidata de oposição.

Bruno Boghossian - Eleição de faz de conta

Folha de S. Paulo

Reação de Lula é sinal de que petista não está disposto a suportar desgaste se venezuelano não entregar disputa que ao menos pareça justa

Por duas décadas, Lula buscou conforto no fato de que, de tempos em tempos, a turma que comanda a Venezuela chama os cidadãos às urnas, conta os votos e declara vitória.

Em 2005, enquanto Hugo Chávez instalava uma máquina que ampliava seu poder e limitava a competição eleitoral, Lula rejeitou as críticas ao bolivariano e afirmou que a Venezuela tinha democracia "em excesso". Dois anos mais tarde, o petista repetiu o argumento: "O que eu sei é que a Venezuela já teve três referendos, três eleições não sei para quê e já teve quatro plebiscitos".