domingo, 5 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Presença não pretende outra originalidade – é o que pensam e aspiram seus organizadores – a não ser a da tolerância e generosidade democráticas, qualidades quase sempre ausentes, em nosso país, nas publicações patrocinadas por organizações, movimentos ou grupos socialistas.”


(Armênio Guedes, na apresentação do nº 1 da revista Presença, novembro de 1983)

Os equívocos do PT

Alberto Goldman
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Eis a minha contribuição ao debate ideológico. Estou convicto de que a sociedade brasileira deve travar esse debate para 2010

A RESOLUÇÃO política do Diretório Nacional do PT de 10/2, que se propõe a analisar a crise econômica internacional, seus desdobramentos no Brasil e sua influência nos debates da sucessão presidencial é um documento que, além de simplista, é revelador.

Nele o PT se recusa a fazer a análise de maneira profunda, preferindo sentenciar: "Estamos diante de uma crise do sistema capitalista como um todo, na forma neoliberal que assumiu nos últimos 30 anos". É isso mesmo?

O mundo experimentou de 2003 a 2007 o mais intenso ciclo de expansão econômica da história, e o Brasil se beneficiou da globalização da economia mundial, com bem menos eficiência, é verdade, que países como China, Índia, Coreia do Sul e Rússia.

É fato, porém, que o sistema capitalista sofre crises cíclicas e que a atual foi precipitada pelos riscos assumidos pelos mercados financeiros e agravada por deficiências na regulamentação das suas atividades exercida pelas agências governamentais de controle.

Agora, acreditar, como faz o PT, que a crise significa um tiro de morte no sistema de produção capitalista é uma aposta que não possui nenhuma aderência à realidade. Mesmo porque inexiste hoje no mundo qualquer alternativa de organização do sistema econômico que não nos moldes da economia de mercado, com graus diferenciados de intervenção estatal -não só necessária como legítima.

Diferentemente do que pensa o PT, a superação da crise, dada sua profundidade e seu alcance, passa por uma reforma profunda das atividades financeiras em escala global e na redefinição de atividades econômicas nos países desenvolvidos, rompendo-se as cadeias de subsídios e ineficiências explicitadas por ela.

Ao PT, que se coloca como arauto de um projeto de "horizonte socialista", exaltado na resolução, cabe a reflexão, ainda que tardia, sobre o desaparecimento no final do século passado dos regimes socialistas e comunistas do Leste Europeu. O que o PT pretende alcançar? Qual é o outro modelo econômico-social de que fala o PT?

É a volta à economia centralizada e seus mirabolantes e ineficazes planos quinquenais, com a presença esmagadora do Estado? É a instituição do regime político de partido único a conduzir todas as atividades político-econômicas? Ou é a simples troca de um projeto de nação por um projeto de poder, conforme denunciou Frei Betto em recente entrevista?

Encontramos na resolução petista a seguinte afirmação: "Os neoliberais que nos antecederam no governo do Brasil, que ainda governam Estados brasileiros e cidades muito importantes, que têm forte presença no Congresso Nacional (...)". Ora, ora, ora, se não são os vícios de uma esquerda de pensamento antidemocrático se manifestando na expressão "ainda".

Como se as conquistas do recente processo de democratização do país -o pluripartidarismo e a convivência de vários partidos no comando de Estados e municípios- fossem uma excrescência, e não a normalidade da vida democrática, e como se ao governo Lula se opusesse apenas uma corrente do pensamento político nacional.

Ora, ninguém minimamente lúcido, no Brasil ou no mundo, deseja uma recessão econômica. Os empresários porque, com ela, perdem muito dinheiro, e os trabalhadores porque perdem o emprego. Logo, a luta contra a recessão não é um privilégio petista. Agora, afirmar que a crise pode apressar a transição para o tal horizonte socialista, conforme afirma a resolução, não passa de delírio.

Se o governo Lula seguiu uma direção correta, foi ter-se mantido na trilha aberta pelo governo FHC de controle da inflação, responsabilidade fiscal, aumento da participação da iniciativa privada nos projetos de infraestrutura e fortalecimento do sistema financeiro nacional.

Mas batizar com novos nomes programas em andamento (o PAC é isso) ou assumir como sua a criação de projetos gestados no passado pode funcionar no campo da propaganda, mas não esconde a verdade: o que o governo Lula tem de melhor foi e é a continuidade -em uma fase de grande desenvolvimento da economia mundial, que se iniciou em 2003 e durou até 2008- de esforços do governo anterior, algo que o governo Lula se recusa a reconhecer. Até quando vão fugir das responsabilidades com as dificuldades por que passa o país?

Eis aqui a minha modesta contribuição ao debate ideológico. Estou convicto de que a sociedade brasileira deve travar esse debate para 2010 e optar entre um projeto de poder de exclusividade de um grupo político ou um projeto de país com foco na justiça social, comprometido com a ampliação dos espaços democráticos e de cidadania.

Alberto Goldman, 71, engenheiro civil, é vice-governador do Estado de São Paulo. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Eleições e propostas

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente de Vox Populi
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Nossas lideranças e nossos partidos devem ao país mais que uma discussão para saber se o nome é fulano ou beltrano (ou fulana e beltrana). a questão é que há muito mais a discutir

Depois que começou quase oficialmente a mais peculiar sucessão desde a redemocratização, estamos vendo de tudo, menos o mais importante. Vai a ressalva do &quotquase" por faltar uma definição fundamental, o nome do PSDB que enfrentará a ministra Dilma. Como, no entanto, as escolhas são limitadas, é mesmo quase.

No resto, por obra de nosso presidente, estamos a todo vapor discutindo as eleições de 2010, como se elas fossem amanhã. O cenário está montado, com a candidatura do governo já escalada e intensas movimentações à procura de apoios nos partidos que sabidamente não apresentarão candidatos próprios. Até ingredientes que costumam só surgir no final do processo, como as discussões a respeito de candidaturas &quotsimbólicas", de partidos que sabem não ter chances reais e que as aproveitam para marcar posições ideológicas, estão em pleno andamento.

Para sublinhar que a época é mesmo de eleições, a cada dia saem novas pesquisas. Nelas, quando os entrevistadores pedem às pessoas que respondam em quem votariam &quotse as eleições fossem hoje", uma verdade se expressa, só que restrita. Embora não seja assim que pensam os cidadãos comuns (para quem o tempo anda devagar em questões como essas), para o sistema político é mesmo como se estivéssemos na véspera delas.

Temos, então, aparentemente, tudo de uma eleição, menos o essencial. Nenhuma das forças que se movimentam se preocupou, até agora, em apresentar ao país nem que seja um esboço do que pretende fazer, caso alcance a Presidência da República.

É um lugar comum dizer que as eleições são um momento único na vida de um país, quando ele pode repensar sua trajetória e decidir o que nela deve ser mantido e o que deve ser mudado. São oportunidades preciosas para a sociedade avaliar em direção a qual futuro quer andar.

Isso é verdade sempre e é ainda mais importante em períodos como o que estamos vivendo. É bom que todos tenhamos consciência que a mudança econômica pela qual o mundo está passando nos afeta de maneira intensa e que é um processo que não estará concluído nos próximos meses. Ninguém sabe como serão as coisas daqui para frente, apenas que não serão iguais ao que foram até hoje.

Nossas lideranças e nossos partidos devem ao país mais que uma discussão para saber se o nome é fulano ou beltrano (ou fulana e beltrana). Mantê-la nesses termos equivale a dizer que nada mais precisa ser pensado, que tudo já foi dito, faltando apenas identificar aquele (ou aquela) que vai se sentar na cadeira de Lula. A questão é que há muito mais a discutir.

Do lado do governo, parece que alguns imaginam que não é preciso avançar nessa direção, pois a ideia de continuidade bastaria como proposta. Eleitoralmente, é um equívoco, pois as pessoas esperam sempre mais de uma candidatura, que sim garanta que programas e projetos bem avaliados sejam mantidos, mas que não se restrinja a um compromisso tão óbvio. Esse, todos os candidatos, inclusive os de oposição, vão fazer.

Em uma cultura política tão personalista quanto a nossa, é até natural que o deputado Ciro Gomes discuta se lança seu nome em função de Serra ser ou deixar de ser candidato pelo PSDB. Que o PSol avalie se Heloisa Helena concorrerá ou não, antes de pensar a proposta que tem para mostrar ao país.

Dos candidatos relevantes, Aécio é o único que tem se batido para que seu partido discuta agora o que quer dizer e só depois o nome que o representará. A tese é boa, mas note-se que ela vem como reação à movimentação de muitos segmentos tucanos para sacramentar logo a indicação de José Serra. Ou seja, centrando, de novo, a discussão em quem e não no quê.

As recentes eleições americanas mostram outro caminho. Desde as prévias, os candidatos dos dois partidos percorreram os Estados Unidos se apresentando aos eleitores e discutindo com clareza temas de todo tipo. Quando chegou a hora de decidir, duas visões do presente e do futuro do país podiam ser comparadas. Essa era a escolha.

Quem governa?

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Se o presidente não para no Palácio e não despacha, não pode saber o que se passa

UM RECURSO manjado, de que lançam mão os regimes autoritários e os caudilhos, é inventar um inimigo do povo, que eles estão sempre prontos a combater. Esse inimigo hipotético serve para justificar muita coisa e, sobretudo, para manter a popularidade do regime ou do líder. Lembram-se da guerra das Malvinas, a que a ditadura militar arrastou a Argentina, tentando com isso salvar-se da morte iminente? Um desastre político e militar, mas que, no primeiro momento, contou com o apoio de boa parte do povo argentino, induzida pela convicção de que os ingleses lhe roubaram aquelas ilhas.

E quando não são ilhas são alhos ou bugalhos, já que a mania de perseguição parece latente na alma de quase todos nós. Mas, se as ditaduras precisam disso para se garantir, o fantasma do inimigo comum tem sido usado por muitos políticos, particularmente pelos chamados populistas. Chávez, por exemplo, elegeu o Bush inimigo número um do povo venezuelano e chegou até a comprar armas de guerra para se defender de uma suposta iminente invasão do país pelos norte-americanos. A eleição de Barack Obama tornou-se uma ameaça às avessas para Chávez, que, por isso mesmo, já começou a demonizá-lo.

Lula não é tão óbvio mas, aqui e ali, nas declarações que dá, deixa sempre implícito que os brasileiros ricos são inimigos dos brasileiros pobres e que ele, Lula, está a postos para impedir que essa perseguição se mantenha. Não o estou equiparando a Chávez com sua revolução bolivariana que, no Brasil, seria motivo de galhofa, e Lula, que sabe muito bem disso, tampouco pensa em revoluções de qualquer tipo.

Gostaria, é claro, de se reeleger indefinidamente, mas, como não dá, contenta-se em eleger a Dilma, para retornar em 2014.

Logo, não vejo nas insinuações de Lula outro propósito senão o de explorar, em seu benefício, as desigualdades que, sem dúvida, existem, mas que têm causas bem mais complexas do que a suposta maldade de ricos contra pobres ou de brancos contra negros. Ao fazê-las, na condição de presidente da República e líder político, lança na sociedade o germe do ódio racial e de classes, que poderá acabar em lamentáveis consequências.

Admito não ser essa a sua intenção e que fale assim para tirar partido das contradições latentes na sociedade. E se o admito é, entre outras razões, pela obviedade como o faz. Logo após a vitória eleitoral de Obama -que se elegeu afirmando que, antes de ser um candidato negro, era norte-americano-, Lula fez questão de frisar que, assim como o Brasil elegera um operário para a presidência da República, os Estados Unidos acabavam de eleger um negro. Noutras ocasiões, repetiu ter pena de Obama, insinuando que, por ser negro, iria atrair o ódio dos brancos e não poder governar. É evidente que não o dizia para Obama, mas para o brasileiro negro. Nesse terreno, a última gafe que cometeu foi, diante do primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, ao afirmar que a responsabilidade pela crise mundial cabe "aos brancos de olhos azuis". Não se dá conta da indigência intelectual de semelhante afirmação, que nos constrange a todos...

Não estou dizendo nenhuma novidade. Que o Lula é um político populista todo mundo sabe, já que essa é a marca de seu governo. Se ainda restasse alguma dúvida, bastaria o recente anúncio do PAC da habitação, que promete construir 1 milhão de casas para os pobres, sem ter projeto claro, sem saber onde serão erguidas essas casas e sem data estabelecida para que o plano se realize. E ele mesmo declarou: "Não me cobrem datas". Sim, porque o que lhe importa não é realizar o projeto, mas apenas anunciá-lo. Contado, ninguém acredita.

Aliás, ele não faz outra coisa, senão anunciar novos programas, lançar pedras fundamentais, assinar investimentos futuros, proclamar realizações que não saem do papel. Por falar nisso, cabe perguntar: quem será mesmo que governa o país? Dei-me ao trabalho de anotar as "realizações" do nosso presidente durante o mês de março: dia 12, estava no canteiro de obras da hidrelétrica do Jirau, em Rondônia; dia 13, seguia para os Estados Unidos, onde ficou 14 e 15, quando deu conselhos a Obama; dia 16 embarca de volta, chega na madrugada de 17 a Brasília; dia 18, já está no Rio e dia 20 em São Paulo, com Cristina Kirchner; segunda-feira, 22, vai a Recife, depois a Salvador e, 25, em Brasília, lança o pacote da habitação, dia 26,de novo em São Paulo e 28 no Chile...

Se o presidente não para no Palácio e não despacha com os ministros, não pode saber o que se passa nos 37 ministérios. Então, quem governa?

LULA É O CARA...

Pacto de confiança

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Antes mesmo de acusar os "brancos de olhos azuis" pela crise econômica internacional, uma das críticas recorrentes do presidente Lula era aos yuppies de Wall Street que "faziam avaliações sem conhecer a América do Sul", em referência aos jovens analistas de mercado que tinham (ou têm) poder de decretar que países merecem a confiança dos investidores. Afora o fato de que, quando o Brasil recebeu o grau de investimento das agências de risco definido pela avaliação desses mesmos yuppies, o presidente Lula se vangloriou de que o país era "uma potência no mercado de capitais internacional" e disse que estávamos quase "entrando no paraíso", teremos no próximo ano uma conjunção delicada de eleições presidenciais e crise econômica, o que pode ser determinante tanto na definição eleitoral quanto na solução da crise.

E não é apenas no Brasil que essa conjunção de fatores ocorre: em nada menos que 11 países da América Latina ocorrerão eleições presidenciais entre 2010 e 2012, e existe a possibilidade concreta de que a recuperação econômica da região fique dependente de como evoluirão os acontecimentos políticos.

Há analistas que temem que, mesmo que os Estados Unidos se recuperem em 2010, países da América Latina retardem essa recuperação em consequência de medidas políticas que tomarem no ano eleitoral.

A crise econômica pode provocar também uma onda de populismo econômico, para explorar o descrédito do sistema financeiro internacional, que pode dar votos ao candidato que assim se comportar, mas certamente não dará equilíbrio econômico ao país.

Um trabalho dos economistas Sebastián Nieto Parra e Javier Santiso, feito para a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os 30 países mais ricos do mundo, analisou o impacto das eleições presidenciais na América Latina nas recomendações de investimentos na região por 13 dos principais agentes financeiros, de 1997 a 2008.

O estudo chegou à conclusão de que os ciclos eleitorais têm influência determinante sobre as recomendações de investimento, sendo que a percepção desses agentes se deteriora fortemente nos anos de eleição presidencial.

O exemplo mais marcante nesse campo, em especial para o presidente Lula, foi o "lulômetro" criado pelo banco americano de investimento Goldman Sachs na eleição presidencial de 2002, que piorava à medida que aumentavam as chances de Lula ser eleito presidente.

Segundo o estudo, a análise dos banqueiros depende da credibilidade dos planos econômicos dos candidatos, e dos sinais emitidos por eles durante a campanha.

Se a percepção dos banqueiros internacionais for de que o candidato não está comprometido com uma política macroeconômica equilibrada, o país pode até mesmo sofrer um rebaixamento em seu grau de investimento.

O estudo da OCDE mostra também o reverso da situação, isto é, a tendência de que o mercado, por sua aversão a incertezas e a políticas heterodoxas, restrinja as opções políticas viáveis.

Existem algumas situações emblemáticas de como a economia pode influir nas questões políticas, de acordo com o estudo, como a tendência dos bancos de investimento de sugerir a seus clientes que adiem seus investimentos na América Latina até depois da definição da eleição presidencial.

Há também a tendência de recomendar que os investidores retirem suas aplicações nos países que estão em ano eleitoral, o que pode provocar uma fuga de capitais que terá influência na política daquele país.

Um comportamento que já não é tão comum na região, mas que marcou sua política por alguns anos, é o de governantes em fim de mandato aumentarem os gastos públicos, ou adiarem medidas duras, como desvalorizações cambiais, deixando para o governo entrante as medidas de ajuste.

O estudo da OCDE mostra que todas as principais crises financeiras latino-americanas dos últimos quinze anos aconteceram em anos eleitorais, como no México em 1980 e 1994, a crise da desvalorização do Real em 1999 e a crise econômica da Argentina em 2001.

Com a reeleição no Brasil, criou-se a situação paradoxal de que postergar medidas pode afetar o próprio reeleito, mas pode também facilitar sua eleição, como foi o caso de Fernando Henrique Cardoso, que retardou a desvalorização do real para se reeleger, e acabou tendo que fazê-lo no início de seu segundo mandato.

Também o presidente Lula, empenhado em eleger seu sucessor, está abandonando aos poucos o equilíbrio fiscal e se comprometendo com aumentos salariais cujos compromissos vão além de seu governo.

O estudo conclui que, para entender o mercado financeiro, é preciso uma análise de política econômica, tamanha a complexidade da interação entre a política e a economia. O nome do jogo é confiança, e o compromisso dos candidatos e dos partidos é crucial para os agentes financeiros nesses momentos eleitorais.

Já na eleição de 2002 houve a necessidade de o candidato Lula, em meio à desconfiança dos mercados financeiros, lançar sua "Carta aos Brasileiros" assumindo compromissos com a estabilidade econômica.

O economista Javier Santiso, um dos autores do estudo, acha que esse é um caminho para evitar crises econômicas. Em entrevista a Andrés Oppenheimer, do "Miami Tribune", diz que tanto os governos como as oposições deveriam incentivar o que chamou de "pactos de credibilidade" para minimizar os impactos econômicos antes das eleições.

LULA E FMI

Obama é o cara

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O presidente Luiz Inácio da Silva saiu muito bem na foto da reunião do G-20, mas o presidente Barack Obama saiu-se muitíssimo melhor. A comparação não diminui Lula em nada, ao contrário. É preciso ter um certo charme, muita simpatia e carregar alguma simbologia para ser chamado a dividir a cena com um catedrático na matéria artimanhas da sedução.

Obama poderia ter escolhido qualquer outro para destacar da roda de presidentes no momento reservado à descontração. Escolheu Lula porque lhe pareceu o parceiro perfeito, entre aqueles senhores e senhoras desprovidos de peculiaridades pessoais, para chamar de "meu chapa".

O único a reunir origem operária, nacionalidade de emergente, ficha aprovada no item condução da economia, em dia no quesito democracia e de bem com a vida no que diz respeito à popularidade interna.

Tudo nos conformes para Barack Obama mais uma vez acentuar seu perfil "gente como a gente" no monumental trabalho de relações públicas para reaproximar os Estados Unidos do mundo e tirar do país o ranço de império do mal levado ao paroxismo pelo antecessor.

Ao elogiar Lula - "eu adoro esse cara", "é o político mais popular da terra"-, Obama atrai para si tudo o que aquela atitude reflete: desprendimento, naturalidade de expressão afetiva, capacidade de reconhecer qualidades alheias em público e ressaltá-las, alegria, leveza, jovialidade, zero de afetação e por aí seguem-se atributos que o traduzem como o melhor dos contrapontos à representação contida na figura de George W. Bush.

Evidentemente, Obama sabe quem é o político mais popular do planeta, bem como consegue perceber que o presidente brasileiro não estaria entre os finalistas em concurso de "boa-pinta". Não era, porém, a exatidão o que estava em jogo ali.

E, no jogo proposto, o presidente americano mostrou-se um craque: fez brilhar a própria estrela lustrando o brilho do outro; transpareceu humildade, enaltecendo a grandeza do realmente mais humilde no sentido de poder, importância e influência.

Lula, por sua vez, fez direito a parte que lhe cabia: "Obama tem a cara da gente", declarou feliz, como quem recebera a recompensa por toda a existência.

Terá sido ainda mais bem recompensado se perceber que ganhou de Obama mais que elogios.

Recebeu de presente uma lição. Caberá a ele absorver - ou não - da melhor forma o conselho involuntário transmitido por seu novo "chapa": o verdadeiro astro é aquele que sabe atrair a luz por gravidade.

Sem cabotinismo, autoexaltação, apropriação dos méritos alheios, anulação das qualidades de outrem, manifestações de egolatria, sem ira nem ressentimento. Com modéstia, simplicidade, classe, compostura verbal e respeito ao contraditório.

Por tabela

Uma comparação entre o valor do salário mínimo e o subsídio dos parlamentares mostra que de 1995 a 2009 houve uma substancial redução entre um e outro. Há 14 anos o mínimo era de R$ 100, sendo necessários 80 deles para pagar os R$ 8.000 da remuneração mensal de um congressista.

Hoje, os deputados e senadores ganham R$ 16.512. Com o mínimo valendo R$ 465, são necessários 35 salários para remunerar um parlamentar.

Porém, se for somada a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais, o subsídio do congressista vai para R$ 31.512 e o número de salários mínimos contidos nesse valor sobe para 67.

Esses números circulam a propósito de comprovar que o Congresso sofreu uma redução salarial e que as resistências aos aumentos criam uma polêmica demagógica.

Olhando bem as contas percebe-se que o mínimo subiu mais de quatro vezes no período, de R$ 100 para R$ 465, e o salário dos congressistas (somada a verba indenizatória) aumentou quase na mesma proporção, de R$ 8.000 para R$ 31.512.

A verba não pode ser vista como salário? Tecnicamente não, mas na prática é, e ainda melhor. Sobre ela não há desconto de Imposto de Renda nem repasse para os partidos que cobram porcentual de contribuição dos parlamentares. No caso do PT, salgados 30%.

Por essas e talvez algumas outras, a retomada da proposta de incorporação da verba aos salários, de fato e direito, pode encontrar resistência. Como o teto do funcionalismo é R$ 24.500, os deputados e senadores teriam uma redução na quantia recebida por mês e ainda precisariam pagar imposto sobre mais R$ 8.000 em relação ao salário oficial de hoje.

Agora, se a ideia for incorporar a verba até a quantia máxima permitida e preservar a diferença (entre R$ 24.500 e R$ 31.512) como ressarcimento, aí sim haverá adesão total.

Passo a passo

O ex-governador Geraldo Alckmin abraçou a causa da chapa puro-sangue José Serra-Aécio Neves para a Presidência em 2010. Quando era ele o pretendente, em 2006, defendia outra tese: "O Brasil é um país multipartidário, por isso precisamos de alianças."

ARCO-IRIS (Poema)

Graziela Melo

O preto
É a cor
Da noite

A manhã,
Dourado
Cintilante!

A tarde
Cinza-claro
Amortecido

Simboliza
O amor-perfeito

Cinza-escuro
A saudade
No meu peito

Que me
Atormenta
Quando quero
Estar contigo!

Rio de Janeiro, 04/04/09

Na máquina do tempo

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Os historiadores estão interessados na Grande História, biógrafos (e também jornalistas) adoram a Pequena História. O encontro do G-20 em Londres foi uma rara confluência da "grand histoire" com a "petite histoire", pororoca do transcendental com o trivial.

O baile de egos na beira do abismo produziu magníficas decisões e intenções, a mais badalada foi a decretação do fim da era do sigilo bancário. Vão acabar os paraísos fiscais. O cidadão honesto nada tem a temer, ao contrário dos corsários – os santuários onde guardavam seus botins estão, aparentemente, com os dias contados.

O anúncio não chega a configurar-se com uma nova ordem econômica mundial, mas sinaliza com clareza para um consenso moral em relação a três pontos: I) O capitalismo selvagem e suas manipulações clandestinas podem estar chegando ao fim. II) A indomável corrupção poderá ser drasticamente limitada e III) o crime organizado está prestes a perder a sua ilimitada capacidade de infiltração e capilaridade.

Nos paraísos fiscais estão os ninhos onde se incubam os ovos das serpentes que ameaçam o mundo contemporâneo. A designação de "paraíso" é, em si, uma aberração porque confere uma indevida aparência bíblica à fabricação de perversidades e malefícios. Mais apropriado seria denominar estas lavadoras de dinheiro sujo como "infernos fiscais", dada a sua capacidade de corromper os conceitos de erário, democracia, isonomia, regulamentos e obediência cívica.

Outras manifestações logo virão à tona, mas a fala de Barack Obama ainda que desacompanhada de medidas concretas, deverá produzir alterações psicológicas muito além do grupo dos vinte países mais ricos: o mundo não deve contar exclusivamente com os excessos do consumo do Tio Sam. A febre comprista da sociedade americana convertida em paradigma do comportamento internacional deverá ser redirecionada para a poupança. No lugar do consumo conspícuo, o consumo consciente, a defesa do meio ambiente, o desenvolvimento de novas matrizes energéticas, o bem-estar público. Aos emergentes caberá atender as demandas dos seus próprios mercados, socialmente legítimas.

A reunião londrina do G-20 emitiu uma inconfundível atmosfera de austeridade. Se confirmada e mantida, poderá redirecionar o próprio desenvolvimento econômico mundial e estimular uma reversão cultural cujos efeitos podem ser comparáveis aos do Renascimento. Nas últimas duas décadas, graças aos efeitos perversos das tecnologias, assistimos à degradação dos valores que a humanidade levou séculos para aperfeiçoar e acumular. Talvez tenha chegado a hora de dar sentido e direção aos avanços que a ciência propiciou. Talvez tenha chegado a hora de pensar no ser humano e desatrelá-lo das exigências que ele próprio criou para distrair-se das suas missões.

O G-20 deu um belo empurrão no ego de alguns líderes mundiais. O do presidente Lula foi massageado algumas vezes e, merecidamente. Mas eventos são pontos no espaço-tempo, transições. Deixarão de ser eventuais para se transformarem em algo perdurável quando os líderes assumirem que representam nações inteiras, interesses nacionais conjugados e não, parcelas do todo.

Barack Obama, estrela da festa, não estava ali como o primeiro presidente negro dos EUA, ele era a reedição do sonho americano. Sem pele branca e olhos azuis. Gordon Brown, chefe do governo anfitrião, mais do que a China semicomunista, encarnou a tradição socialista inglesa que Margaret Tatcher, John Major e depois Tony Blair desfiguraram com tanta determinação.

A reunião do G-20 coincidiu com o 70º aniversário do fim da Guerra Civil na Espanha e a vitória do caudilho fascista Francisco Franco sobre as forças legalistas, republicanas.

O encontro londrino foi estritamente econômico, a política não foi convidada, porém ninguém pode nos impedir de entrar na máquina do tempo e lembrar panoramas passados.

Se entre 1936 e 1939 os países democráticos tivessem se reunido para evitar aquele banho de sangue na terra de Dom Quixote, a catástrofe da Segunda Guerra Mundial teria sido certamente evitada.

» Alberto Dines é jornalista

Marcito e o mau hábito de pensar

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Conheci Márcio Moreira Alves em Cuba, há 32 anos. Eu estava preparando uma série de reportagens sobre a ilha, embora brasileiros estivessem então proibidos de visitá-la. Não me lembro o que Marcito fazia por lá.

Estávamos no mesmo hotel, tomávamos café da manhã mais ou menos à mesma hora, mas não nos falávamos. Como ele me contaria depois, preferiu evitar o contato para não me comprometer como, digamos, amigo do "perigoso" homem cujo discurso fora o pretexto para o nefando AI-5.

Eu o evitava, primeiro, porque odeio me oferecer para conversar e, segundo, porque temia comprometê-los aos olhos dos cubanos, porque eu devia ser o único estrangeiro, diplomatas à parte, que não estava ali exilado nem convidado pelo regime.

Por fim, ele tomou a iniciativa de perguntar, via guia oficial (sim, governos como o cubano não deixam jornalistas soltos pelo país), se topava conversar. Não queria outra coisa. Marcito revelou-se uma doce criatura, que não tinha nada a ver com o incendiário que fora usado para endurecer o regime.

Uma noite, me levou a visitar uma família cubana, sobre cujo chefe, operário de uma fábrica de charutos, ele escrevera um livro. Fomos de ônibus ("guaguas", como os cubanos os chamam). Permitiu-me uma rara visão por dentro da vida do cubano normal.

O operário era revolucionário, sim, não não era cego. Cantava os méritos do regime, mas contava também suas penas. Assim como Marcito o fez nas muitas conversas ociosas que tivemos por lá É claro que Marcito simpatizava com o regime, mas, ao contrário de incontáveis intelectuais brasileiros que babam na "guayabera" diante de Cuba, também não era cego.

Respeitei-o mais a partir daí exatamente por isso: repetir slogans e propaganda oficial é fácil.

Pensar dá um baita trabalho.

Luz, afinal?

Fernando Henrique Cardoso
DEU EM O GLOBO

reunião do G-20 em Londres está sendo saudada com alívio. Finalmente os líderes mundiais começam a acertar o passo. Foi preciso uma crise dessa gravidade para despertá-los para a natureza da questão: há um descompasso no plano mundial entre as formas institucionais e o mercado. Disso há muito se sabia. Nos anos 90, quando a globalização financeira começara a se fazer sentir com força, o problema já se colocava: a falta de regras internacionais mais objetivas complicava a situação de vários países que, eventualmente, nada tinham que ver com o estopim da crise. Desde então não faltaram vozes isoladas a clamar por uma reordenação global, não só do mercado, mas das instituições financeiras e da sua regulação.

Clamava-se, ainda, por uma reordenação comercial (vejam-se os esforços de Doha), pela reordenação das políticas de meio ambiente (os acordos de Kyoto), pela reordenação bélica (com o empenho nos tratados de não proliferação atômica ou no controle dos mísseis), pela reforma do Conselho de Segurança, e assim por diante. Até mesmo os esforços globais de redução da pobreza e de melhoria da qualidade de vida foram objetos dos acordos que resultaram nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovados pela ONU em 2000.

Tudo isso caminhou a passos de tartaruga porque não é fácil complementar as ações que se devem dar no plano nacional com as que são de outra natureza e dependem de regras e decisões globais. Desde Kant se sabe que a Paz Universal requer um Direito Universal. Por que as finanças globalizadas escapariam dessa condição? Mas também se sabe que o fracasso da Liga das Nações, se não foi responsável pela 2ª Grande Guerra, abriu espaço para que a crise de 1929 despedaçasse o mundo em isolacionismos protecionistas e, no final, em guerras de conquista. Foi pela visão generosa de um mundo de paz e prosperidade que Roosevelt - como se vê em sua correspondência com Stalin durante a guerra - cedeu tanto aos soviéticos. Queria construir a ONU mantendo a União Soviética comprometida com a ordem global. Apesar da guerra fria e de tantos avatares mais, a ONU evitou uma guerra mundial.

Hoje, diante da impossibilidade de os Estados nacionais controlarem a crise financeira, o revigoramento da ordem global começa a ganhar fôlego. Até aqui, com a impotência das instituições de Bretton Woods para enfrentar a maré de papéis tóxicos espalhados pelo mundo, o que vimos foi o banco central dos EUA e o Tesouro americano espalhando recursos aos trilhões de dólares, tentando irrigar o sistema bancário. Os resultados, entretanto, foram magros até agora. O mercado permanece amortecido pelo temor dos bancos em fazer novos empréstimos e pela preferência dos eventuais tomadores em se resguardarem. Só deseja empréstimo quem já está quebrado. Os europeus, ingleses à frente, mais prudentes, injetaram capital nos bancos e assumiram parcialmente o seu controle. Consequentemente, surgiu um cisma que poderia paralisar as decisões em Londres: de um lado, a Europa tratando de impedir que os estímulos fiscais arruínem o futuro de sua moeda e, do outro, os americanos, donos da mágica de produzir dinheiro lastreado na confiança no governo e em sua economia, provendo liquidez e aumentando os déficits sem muita preocupação com equilíbrios fiscais.

Entretanto, como o mundo agora é mais plano, os chineses deram o grito de alarma pela boca do primeiro-ministro: e se o dólar desvalorizar? Por certo, o problema hoje não é a inflação, mas a deflação; as taxas de juros americanas podem se manter rentes a zero. Mas será assim amanhã, se a dívida crescer a tal ponto que coloque em questão, ao longo do tempo, a capacidade de recuperação dos orçamentos americanos? Foi significativo ver que no G-20 se falou de uma cesta de moedas que sirva de reserva e houve a decisão de aumentar o capital do FMI e até mesmo de utilizar os direitos especiais de saque, uma espécie de dinheiro internacional próprio do FMI. Noutros termos: há no horizonte distante o que Keynes previra e desejava, a formação de uma Autoridade Monetária Central. Não será o Banco Central Europeu uma antevisão do que poderá ocorrer em décadas adiante? O Conselho de Estabilidade Financeira não poderá exercer papel efetivo na coordenação das políticas e em seu controle?

Reordenação mais profunda do sistema financeiro global implicaria um novo arranjo político, do qual estamos distantes. Mas assim como o unilateralismo dos neoconservadores e do governo Bush esticou a corda nos dois lados, invadindo países e dando licença aos mercados para fazer o que quisessem sem consultar ninguém, a atitude do governo Obama (Hillary Clinton falando até de incluir os talibãs "moderados" (sic) na mesa de negociações) prenuncia algo melhor para o mundo. Gordon Brown foi perspicaz e procurou os emergentes para aumentar suas chances de liderança, apostando em mais regulamentação. Isso, com maior legitimidade, ampliando-se o número de atores que decidem, talvez seja a fórmula para se falar com mais seriedade em um outro e melhor mundo. George Soros, voz dissidente e clarividente nas finanças, colocou a outra condição para um ponto de partida positivo: será necessário prover muito dinheiro para evitar tragédias maiores nos países pobres e em algumas economias emergentes. O G-20 falou de US$ 1 trilhão. É um começo.

Os ativos globais perderam de US$ 30 trilhões a US$ 50 trilhões! Os socorros de todo tipo, incluindo estímulos fiscais, devem roçar os US$ 2 trilhões, as promessas vão aos US$ 5 trilhões. Em Londres os líderes esperam que lá pelo fim de 2010 a economia flua outra vez. Tomara. Isso se houver restabelecimento da confiança e do crédito e avanços no reordenamento político e financeiro do mundo. Se, entretanto, houver fracasso, o protecionismo e o nacionalismo bélicos podem voltar à cena. Espero, por isso, que a reunião do G-20 não se resuma a uma oportunidade fotográfica.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

No túnel do tempo

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Na crise, está crescendo um dos males econômicos do qual tentamos nos livrar: a transferência de renda para cima. Como na ditadura, o caminho é o mesmo: uso dos bancos estatais, dos subsídios, dos incentivos fiscais, da rolagem de dívidas, dos fundos de poupança pública. A conversa é a mesma: fortalecer as empresas nacionais. A leitura local da crise, de suas causas e remédios, reabilitará velhos hábitos.

O governo atual sempre acreditou na ideologia econômica do governo militar. A ideia do crescimento liderado, dirigido, financiado e subsidiado pelo Estado sempre fez sentido para muitos deles. Como se o dinheiro público gasto sem controle não prenunciasse mais extorsão da sociedade, através de uma carga tributária alta. Eles se definem com o simpático nome de "desenvolvimentistas", como se houvesse quem fosse contra o progresso. A questão sempre foi sobre a qualidade das escolhas para se chegar ao desenvolvimento.

Rondam, de novo, a economia brasileira as famigeradas operações-hospital do BNDES. O banco tem entrado de sócio e dado dinheiro para empresas com conhecidas dificuldades. Um dos possíveis candidatos ao dinheiro do banco é o Frigorífico Independência, que está em recuperação judicial e tem abatedouros em áreas de desmatamento. Os fundos públicos têm sido usados para rolar as dívidas de setores que têm dívidas com a sociedade. Alguns setores escolhidos estão tendo alívios fiscais que outros não têm.

Tudo lembra o caminho feito na época do governo militar. No primeiro ano do regime, quando anunciaram o Paeg, o Plano de Ação Econômica do Governo, os militares falaram em austeridade e cortaram gastos, mas deram aumentos salariais de 100% para os funcionários públicos e de 120% para os próprios militares. A tese de, na escassez, primeiro os nossos gastos, data daquela época.

O crescimento que aconteceu depois dos primeiros anos de tentativa de equilíbrio foi inflacionista e baseado em farta distribuição de recursos públicos para cima, sem controle e sem contrapartida. "O governo não hesitou em lançar mão de um amplo esquema de subsídios e incentivos fiscais para promover setores e regiões específicas, que passaram a fazer parte da política industrial do governo", ensina Luiz Aranha Corrêa do Lago, no capítulo que escreveu para o livro "A Ordem do Progresso", organizado por Marcelo Paiva Abreu, da PUC do Rio de Janeiro. "Todas as declarações em favor do desenvolvimento do setor privado e da livre operação do mercado contrastavam com a proliferação de incentivos, novos subsídios, isenções específicas", diz o texto.

Tudo era feito para criar empresas fortes e forjar o Brasil grande, mas acabou criando apenas empresas dependentes do Estado. O governo se agigantou. O brasilianista Tom Trebat, da Universidade de Columbia, registrou em seus estudos que de 1968 a 1974 foram criadas 231 empresas estatais.

Reli, durante a semana, textos sobre a história da política econômica dos anos do regime militar para um evento pedido pela CBN. Eu teria que responder - num programa gravado e com público, na Livraria da Travessa -, se os militares tinham acertado na economia. Apesar dos avanços, como a criação do Banco Central e investimentos em infraestrutura, minha convicção é que o saldo daquele período é negativo também na economia.

A democracia herdou a armadilha inflacionária, a dívida externa, o Estado agigantado, uma estrutura fiscal tosca, um país fechado, uma indústria formada por monopólios e cartéis e empresários viciados em estado. Anos foram gastos para desarmar alguns desses defeitos da economia. Outros ainda estão entre nós e crescem à sombra, e com o pretexto, da crise atual.

Depois da palestra, uma amiga me falou que, quando ouviu a descrição do gigantismo do Estado e da distribuição de favores a empresas, pensou: "Não mudou muito não."

Houve uma lenta construção de alguns princípios e instituições que deram um pouco mais de transparência ao gasto do dinheiro público. O Banco Central deixou de ser banco de fomento para ser apenas autoridade monetária. A sangria de dinheiro público pelos bancos estaduais foi estancada. As siderúrgicas deixaram de ser estatais e, portanto, pararam de subsidiar com matéria prima barata grandes empresas e multinacionais. Foram fechados alguns monstros engolidores de dinheiro do contribuinte, tipo a Siderbrás. Acabaram monopólios, como o das telecomunicações. O país foi, aos poucos, entrando numa nova lógica.

Muito entulho do estatismo ficou. Muita gente no governo, com poder de decisão, acredita neste ideário de fortalecer a "burguesia nacional", fazer um Brasil grande pela mão forte do Estado, criar estatais ou rever privatizações, salvar empresas mesmo que tenham quebrado por má gestão. Agora, eles ouvem do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, que inflação não é mais problema, que agora é a era do expansionismo fiscal e monetário, que os governos devem fazer tudo o que for possível contra a crise. Entendem isso como um sinal de que o mundo se curva, afinal, a eles. Que agora há uma licença global para gastar, que a ideia estatista sempre esteve certa. Esse é o risco do momento. O governo não está entendendo nossas limitações e pode aplicar, literalmente, um receituário que vai nos levar ao regresso institucional e gerar a crise fiscal futura.

O jogo das regras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nas situações de estresse, os investidores buscam liquidez e promovem um cumulativo processo de queda de preços

O FASB (conselho encarregado de zelar pela observância das regras contábeis nos Estados Unidos) anuncia mudanças nos critérios de "precificação" dos ativos. Na última quinta-feira, os especialistas na matéria recomendavam os rigores da marcação a mercado: as negociações diárias deveriam estabelecer o valor dos ativos e das dívidas. Assim, o volume de transações e os preços de cada momento explicitariam o estado de expectativas que comanda os negócios e colocariam à prova a capacidade dos gestores de recursos em antecipar corretamente as tendências do mercado. No jogo da concorrência, o desempenho inferior à média é punido com a perda de clientes.

A acumulação de riqueza financeira, em tese, se distribui por uma variedade de títulos e valores, papéis com distintos graus esperados de liquidez e de rentabilidade. Cada detentor de riqueza financeira "escolhe" sua própria carteira de ativos na busca da combinação ótima entre esses dois fatores.

Em um modelo simplificado de dois ativos -moeda e títulos- essa condição pode ser retratada, como Keynes o fez, figurando a existência de dois grupos: os "baixistas", que antecipam o aumento da taxa de juros e a queda dos preços dos títulos, e os "altistas", os que preveem a queda da taxa de juros e a consequente elevação dos preços dos títulos. Para que os mercados funcionem de forma razoavelmente estável, é imprescindível a diversidade de opiniões. Essa divisão não precisa ser perfeitamente equilibrada, mas admite a predominância temporária de uma das facções e supõe que detentores de riqueza mudem de opinião, caso considerem os preços dos ativos e dívidas (e as taxas de juros) no seu limite convencional de baixa (ou de alta). A palavra convencional é escorregadia, mas incontornável.

Mercados profundos e líquidos ajudam no amortecimento das oscilações de preços. Em tais circunstâncias, é de esperar certo equilíbrio (instável) na divisão de opiniões entre baixistas e altistas. No mundo ideal da divisão equilibrada de opiniões, os mercados se comportariam de acordo com a Hipótese dos Mercados Eficientes: as transações formariam preços compatíveis com os valores fundamentais dos ativos.

A mudança nas regras contábeis busca aumentar a eficácia das sucessivas e maciças "injeções" de dinheiro nas instituições carregadas de ativos sem possibilidade de transações entre os agentes privados, seja qual for o preço. Na dura realidade da vida financeira de nosso tempo, isso significa simplesmente que o mercado para as transações com esses papéis desapareceu. Nas situações de estresse em que as opiniões se concentram em torno de expectativas baixistas, os investidores correm para a liquidez e, assim, promovem um processo cumulativo de queda de preços.

A diversificação do risco só existiu na fantasia dos insensatos. O risco espalhou-se como pandemia, com enorme poder de contaminação. Em tais ocasiões, desaparece o suposto que sustenta a inexistência de correlação entre os preços dos ativos. O irrealismo é chamado à triste realidade do desespero das ordens de venda dos ativos mais líquidos.

Luiz Gonzaga Belluzzo, 66, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Uma grande compra de votos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Prefeitos reclamam de queda de verba federal. Oposição e Lula querem fazer dívida para compensá-los. E ganhar 2010

OPOSIÇÃO E governo querem comprar os votos dos prefeitos de cidades pequenas. Os prefeitos se queixam de que em 2009 têm recebido menos dinheiro do governo federal. Referem-se aos repasses obrigatórios do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), 23,5% do que o governo arrecada com IR e IPI. A receita de impostos e a do FPM caíram porque a economia declina e o governo federal reduziu as alíquotas de IR e IPI.

Oposição e governo planejam leis estrambóticas a fim de compensar a queda de receita e agradar aos prefeitos, bons cabos eleitorais em cidades pequenas. Faz sentido?É mito que a pobreza esteja associada ao tamanho do município. O repasse do FPM per capita tende a ser maior para cidades menores, que vivem basicamente desse dinheiro, gasto no sustento da burocracia local. Mas não há relação estatística minimamente significativa entre pobreza ou índice de desenvolvimento humano e tamanho da população. Quem quiser ter uma intuição da coisa basta olhar a periferia de São Paulo, a Baixada Fluminense, Salvador, Recife.

Não faz sentido social compensar cidades menores.

Estados e cidades recebem transferências federais cada vez maiores. A carga tributária total do país tem crescido, decerto. Mas, desde 1995, o total das transferências para Estados e municípios só não cresceu mais que a receita federal em um ou outro ano recessivo. A tendência é de alta forte e quase constante. Em 1995, Estados e municípios levavam 2,5% do PIB. Em 2008, devem ter levado 4,6% do PIB. No biênio bom de 2007-2008, tais transferências cresceram ao dobro do ritmo do PIB.

Os municípios reclamam que, em termos reais, o repasse do FPM caiu 6,4% no primeiro trimestre de 2009 (ante 2008). Estavam mal acostumados. Em 2008, o aumento do repasse do FPM foi de quase 20%, em termos reais. Em 2007, de 8,5%. Se reclamam é porque comprometeram a receita adicional com despesa permanente. Se não o fizeram, basta apertar o cinto. O país está em crise.

Mais despesa municipal não significa mais gasto "social". De 1985, reestreia do governo civil, a 2008, o número de municípios foi de 4.085 para 5.565: 1.480 municípios e gastos novos com burocracias. "Elites" locais, parentelas e clientelas levam o dinheiro, em gasto improdutivo. Só de FPM foram R$ 43 bilhões em 2008 (valor corrigido pela inflação).

Isto não significa que o governo federal gaste melhor (é difícil saber). Mas o governo Lula vai gastar ainda mais se compensar as "perdas" do FPM. No fim das contas, teremos apenas sujos e mal lavados.

Cerca de 77% das cidades têm menos de 25.000 habitantes. Contam com mais de 23% do eleitorado. Parece pouco, mas trata-se de um eleitorado "capilarizado". Difícil fazer campanha em todos esses 4.272 municípios. Comprar a boa vontade do prefeito pode poupar, para comitês de campanha, viagens das "caravanas da cidadania" ou coisas assim.

Lula-Dilma ainda estudam de onde vão tirar seu capilé. A oposição quer indexar o dinheiro do FPM: garantir em 2009 e 2010 o mesmo repasse de 2008, corrigido pela inflação, o que provocará mais rombo ou mais dívida federais. Pensam ainda em permitir maior endividamento das cidades. Para comprar votos.

A luta de classes acabou?

Ernesto Maggiotto Caxeiro
Professor de Filosofia e Advogado
Um dos problemas teóricos mais importantes de toda a esquerda ainda hoje é saber se a luta de classes acabou.Para muitos isto é um fato ,mas para outros isto é um absurdo.

O que aconteceu é que no processo de auto-reforma do socialismo,da revolução para o reformismo,principalmente encabeçado pela linha gramsciana do Partido Comunista Italiano houve uma mudança de fundamento quanto ao pensamento de Karl Marx.

Para Marx e Engels a revolução não podia ser senão universal(de todos os trabalhadores)e contra a classe exploradora,a burguesia.Não havia espaço para a mediação nacional.Toda forma de consideração teórica do problema nacional era acusada de nacionalismo ou, pior, queda para a "revolução nacional" dos nazistas.

Stalin, em seu único livro importante,com alguma teoria,afirmava,seguindo os clássicos,que a nação era um conceito eminentemente burguês e que,portanto, deveria ser rechaçado.O seu projeto de " socialismo num só país",era uma forma de fortalecer a URSS para embates inevitáveis no futuro.Stalin e o stalinismo jamais aceitaram,por exemplo,o conceito de Kruschev,de " coexistência pacífica", como prova desta afirmação.

Ocorre que há um erro nesta dialética.A falta de consideração desta mediação revela uma incompreensão de um outro conceito basilar de Marx,o " concreto de pensamento",a abstração plena de conteúdo,aquela que nos devolve o concreto(a " verdade é concreta" dizia Marx),para diferenciar das abstrações vazias do idealismo.

Dialeticamente falando toda a abstração devia acompanhar o movimento vivo do real,porque este não é extático,mas movimenta-se.A revolução mundial dos trabalhadores tem que considerar a nação no seu processo de transformação,porque os modos de exploração e dominação se diferenciam de formação nacional para formação nacional.Se o capital não tem pátria,ele não tem uma pátria só,relacionando-se de maneira diferente em cada país ou nação.

Na auto-reforma,em direção ao reformismo e aceitando de modo radical a democracia e o direito ,foi preciso incluir as classes exploradoras,como portadoras de direitos,como eventuais participantes do processo de mudança(a burguesia defendeu e criou a democracia moderna,bem como o direito moderno).

A dialética da luta de classes consagra a luta e a associação de todas as classes.Se isto vai conduzir à transformação é um problema para um próximo artigo,mas que isto não acaba com a luta de classes não acaba,porque as formas de exploração continuam.Não há desemprego na atual crise?

Não há acumulação primitiva na rotatividade semestral dos professores nas faculdades particulares e em outra empresas?Não há processo de dominação real ou simbólico?Talvez na Itália,pátria do melhorismo,onde uma luta de sessenta anos colocou os trabalhadores na posição de não revolucionar,tal afirmação possa se fazer,mas no Brasil?

Os partidos de esquerda têm que considerar isto!

Homenagem a Ernesto Nazareth

Vele a pena ver o vídeo

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O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1290&portal=