(Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), ontem, em O Estado de S. Paulo)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 30 de janeiro de 2010
Reflexão do dia – Marinus Marsico
(Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), ontem, em O Estado de S. Paulo)
Merval Pereira :: O futuro do país
DAVOS. O Brasil continua sendo o país do futuro, ou o futuro já chegou? Embora não tenha sido nem mesmo um dos principais temas do 40oFórum Econômico Mundial, que, ao contrário de anos anteriores, divide sua atenção entre a ascensão irrefreável da China e o papel dos Estados Unidos no mundo pós-crise, chancelando o surgimento do G-2, que marcou sua presença ostensiva na reunião de Copenhague sobre o clima no final do ano, o Brasil esteve em debate em alguns momentos, inclusive pelo prêmio concedido ao presidente Lula como a primeira personalidade internacional a receber o título de Estadista Global
A tendência generalizada no Fórum de discutir a influência do G-2 no mundo pós-crise, especialmente a necessidade de regulamentação do sistema financeiro, não impediu, no entanto, que os líderes dos países emergentes marcassem posição com diversas demonstrações de insatisfação com o papel que lhes é reservado na tomada de decisões.
Esse também foi o sentido geral do discurso do presidente Lula, lido em português pelo chanceler Celso Amorim. O de chamar os países desenvolvidos à responsabilidade no momento em que o mundo pede inovações na sua governança, com os países emergentes reivindicando seu lugar nos organismos internacionais.
A ausência de Lula retirou da homenagem a carga política que permitiria ao país tornar-se o protagonista do dia ontem em Davos, mas mesmo assim o novo papel do Brasil esteve em discussão num almoço que reuniu investidores, especialistas em América Latina e autoridades brasileiras.
A visão glamourizada do país, revelada tanto no discurso do presidente Lula, quanto nas falas do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não impediu que alguns contrapontos fossem colocados nas discussões.
A perspectiva de crescimento por volta de 6% este ano do PIB brasileiro, número oficial apontado pelas autoridades, foi relativizado pelo dirigente do Instituto Ethos, Ricardo Young, que chamou a atenção para nossa fragilidade educacional, sobretudo no que se refere ao ensino superior, insuficiente para uma competição em pesquisa, ciência e tecnologia com países como a Coreia e a China.
Não há dúvida de que o Brasil está em evidência no mundo, embora seja exagerado dizer, como o ministro Celso Amorim afirmou, que o país precisa agora se acostumar com os problemas que o “protagonismo internacional” traz.
O Brasil não tem ainda uma palavra decisiva na arena internacional, embora tenha se tornado relevante como líder regional e seja uma das lideranças dos países emergentes, especialmente no G-20, que reúne os países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio.
No outro G-20, que reúne os presidentes dos países desenvolvidos e os em desenvolvimento mais importantes, o Brasil começa a ter papel relevante, embora não decisivo.
Mas há questões a serem lembradas quando se fala do estágio de desenvolvimento do Brasil, que são deixadas de lado pelas autoridades brasileiras.
Ontem, no almoço em que o futuro da economia brasileira era o tema central, tanto o ministro Guido Mantega quanto Henrique Meirelles destacaram os fatos positivos: crescimento provável em torno de 6% do PIB este ano, inflação sob controle, melhoria nos investimentos, especialmente em infraestrutura, com vistas aos grandes eventos esportivos à frente, Olimpíadas em 2016 e Copa do Mundo em 2014.
Assim como Lula em seu discurso ressaltou que o principal fator que ajudou o Brasil no combate à crise foi a atuação direta do governo, que incentivou o crédito e o consumo interno, base da recuperação da economia, também o ministro Guido Mantega ressaltou a importância do Estado no combate a crise financeira, especialmente o papel dos bancos estatais BNDES e Banco do Brasil.
A presença maciça do Estado na economia, defendida pelos ministros como fundamental para que o Brasil enfrentasse a crise, já está sendo, no entanto, questionada nos fóruns internacionais, inclusive aqui em Davos.
A crise internacional obrigou que governos como o dos Estados Unidos e outros da Europa, como o da Inglaterra, usassem métodos heterodoxos de intervenção estatal para salvar o sistema financeiro e estimular a economia.
A revista inglesa “The Economist”, por exemplo, atribui a derrota dos democratas na eleição para o Senado em Massachusetts a uma reação do eleitorado contra o crescente poder do Estado sobre Barack Obama. E prevê que essa reação se espalhará pelos países em que o Estado, aproveitando-se da crise, é maior do que deveria.
As consequências desse movimento de fortalecimento da presença do Estado, longe de serem consensuais, estão ainda para serem sentidas, podem provocar novas crises, e a preocupação agora é retirar o excesso de presença do Estado da economia.
O ministro Mantega, justificou as manobras fiscais que foram usadas para conseguir o superávit primário — utilização de depósitos judiciais, pagamento de dividendos de estatais, utilização de investimentos do PAC na redução da meta — como medidas compreensíveis diante da crise financeira sem precedentes.
Mas o equilíbrio das contas públicas brasileiras começa a ser colocado em risco, e a relação dívida/PIB, que aumentou com a crise, só é prevista retornar a patamares menos perigosos no ano que vem.
Foram lembrados também vários fatores que impedem um crescimento maior da economia, como a alta carga tributária, a falta de reformas estruturais na legislação trabalhista, na Previdência e a burocracia em excesso.
Como Lula chamou a atenção no seu discurso, estar na moda pode ser uma situação passageira. Dependerá do próximo presidente confirmar que o desenvolvimento econômico e social do país é um processo em progresso, que não será alterado.
(Continua amanhã)
Villas-Bôas Corrêa :: O susto anunciado
Nos muitos dos 64 anos bem vividos do presidente Lula, especialmente nos sete anos dos dois mandatos, não apenas os amigos da corriola palaciana mas também os companheiros da ascensão do torneiro mecânico de São Bernardo do Campo (SP) ao maior líder operário da história desde país, que fundou o Partido dos Trabalhadores (PT), hoje desgastado, mas que foi a base da sua eleição a presidente da República – testemunham a disposição, a garra com que enfrenta agendas que emendam dias e noites e viagens domésticas e internacionais.
O presidente é de natural bem humorado, brincalhão, e fala pelos cotovelos. Não pode ver gente reunida e um microfone sem deitar falação em improvisos que raramente durem menos de uma hora. Salvo em caso de chuvarada ou apertos da agenda, com o avião da Presidência com os motores ligados para o compromisso nos mais diversos cantos do mundo, que conhece como a palma da mão.
Mas nada justifica que a redobrada vigilância sobre o presidente da República não se tenha dado conta de que a corda estava para arrebentar, que ninguém é de ferro. O inesperado pegou o país no desespero das enchentes que não dão trégua e derrubam casas, destroem cidades e deixam milhares no desespero de não saber como recomeçar depois que perderam tudo, como uma pancada seca na boca do estômago: Lula, por ordem médica, abandonou o avião que o levaria ao Forum Econômico de Davos, na Suíça, onde receberia o crachá de Estadista do Ano para se internar em hospital com suspeita de infarto – felizmente logo afastada com o pronto e competente atendimento no Real Hospital Português.
Desde quarta-feira Lula, a primeira-dama, dona Marisa Letícia, e familiares estão na casa em São Bernardo do Campo. Na próxima semana deverá voltar a Brasília para um meio expediente sob controle médico. E a campanha eleitoral com a inseparável candidata, ministra Dilma Rousseff, também dará uma trégua aos trabalhadores das turmas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Minha Casa Minha Vida, a ser aproveitada a para o lançamento oficial da chapa, com o vice ainda bailando entre especulações e o favoritismo do presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), também presidente da Câmara dos Deputados.
E Lula será acompanhado pela imprensa, pelas lentes das emissoras de televisão, pela atenção do povão onde quer que apareça. O presidente da República é um servidor da pátria e tem o dever de zelar pela sua saúde e dar o bom exemplo. A obsessão de apresentar a sua candidata, Dilma Rousseff, ao voto, na medida em que se aproxima a hora do início oficial da campanha, até aqui desrespeitado, só tende a aumentar a pressão. A cada rodada de pesquisa sobre as intenções de voto, disparam os batimentos cardíacos. E esta deve ser a última campanha em que a liderança de Lula pode ser o fator decisivo. Na próxima, em 2014, Lula estará com 69 anos.
Além da prioridade compulsória com a saúde, a pauta deste ano até as eleições é de atemorizar: fiscalização de centenas de obras de recuperação da malha rodoviária arruinada pelas enchentes, que ainda não cessaram, reconstruir pontes às dezenas derrubadas e que bloqueiam o transito entre cidades e estados. Além dos desafios políticos: como fica a reforma agrária dos solenes juramentos do PT? E a gastança com o obeso ministério que movimenta o papelório no circo da burocracia? O desafio da crise ética de Brasília, a nova capital desmoralizada pela crise ética dos três poderes e que permanece intocada com o esquecimento maroto da reforma política, será um tema para a oposição na caça ao voto eleitor desencantado, esquivo e com os dentes trincados de raiva e vexame.
A caça ao eleitor vai mobilizar o país na contradição da raiva da decepção e dos oposicionistas que começam a sonhar com um desastre do governo. A cada ano, a prova de fogo, da próxima Copa do Mundo e da realização da Copa de 2014 no Brasil. Desafios repassados aos futuros governos. Como a Olimpíada de 2016. O estadista do ano tem que dar o exemplo: não pode fumar como um suicida. Cabelos brancos que rareiam na coroa, no alto da cabeça, são as marcas do tempo e do juízo.
Fernando de Barros e Silva:: A saúde de Lula
SÃO PAULO - Horas antes de sentir seu piripaque, no momento em que embarcaria para Davos, na Suíça, Lula inaugurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na região metropolitana de Recife: "Serei breve, estou com a garganta não muito boa e não quero ser o primeiro paciente desta UPA. Mas ela está tão bem localizada, tão bem estruturada, que dá até vontade de ficar doente para ser atendido".
Com a saúde não se brinca, diz o ditado. Lula brinca com tudo, mas foi contrariado e recebeu os primeiros atendimentos longe da UPA de que tanto havia gostado. Dormiu na suíte triplex do Real Hospital Português, uma instituição privada. Nada contra esse cuidado. A saúde de Lula é uma questão de Estado.
O problema não está no zelo com o presidente, mas num sistema público que não consegue suprir demandas básicas dos brasileiros.
O Datafolha mostrou há um mês que a saúde é a área de pior desempenho do governo: 24% da população acha isso. No início de 2003, apenas 4% tinham essa opinião. Da mesma forma, a saúde é o principal problema do país para 27% (seguido pela violência, com 16%).
No início de 2003, 6% achavam isso.
Há, portanto, uma percepção popular muito clara de que a saúde piorou sob Lula.
Especialistas chamam a atenção para o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde, o SUS, que teria se agravado. Faltam vagas em hospitais, faltam médicos. Um exame laboratorial pelo SUS para diagnosticar um câncer pode levar seis meses, até um ano. A morte muitas vezes chega antes.
Mas cerca de 150 milhões de brasileiros estão condenados ao atendimento precário do SUS.
O sistema foi concebido, no entanto, para atender a todos, gratuita e integralmente, conforme o sonho da Constituição de 1988, que decretou uma sociedade do bem-estar de nível nórdico num país com nível de renda que era um décimo do europeu.
Cerca de 40 milhões de pessoas pagam por planos privados, temendo os horrores da saúde pública. Pagam para fugir da UPA e ficar mais perto de Davos, mesmo no Brasil.
Visita de Lula : Oposição indignada com a campanha para Dilma
Raul Henry e Mendonça Filho acusam o presidente de, “sem o menor constrangimento”, aproveitar um evento público para enaltecer a imagem da ministra, que é pré-candidata do PT à Presidência
Os líderes dos partidos de oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reagiram com indignação ao fato de o petista aproveitar, sem o menor constrangimento, um evento público – a inauguração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Paulista, na quarta-feira (27) – para enaltecer as imagens da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PSB), pré-candidata a presidente da República, e do governador do Estado, Eduardo Campos (PSB), que deve tentar à reeleição.
“É um absurdo o que está acontecendo. É campanha aberta e fica por isso mesmo. A Justiça Eleitoral não enfrenta porque é o presidente”, afirmou o deputado federal Raul Henry (PMDB), ligado ao senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), o principal alvo das críticas feitas por Lula no Recife.
O presidente estadual do Democratas (DEM), o ex-governador Mendonça Filho, também criticou a Justiça Eleitoral por permitir a antecipação da campanha política, que começa, oficialmente, em julho. “Se isso não é campanha, o que é?”, indagou, referindo-se aos registros feitos pela imprensa dos discursos de Lula. “O fato do presidente fazer campanha já foi incorporado à paisagem política, o que é problemático é a subjetividade da interpretação da Justiça Eleitoral”, argumentou.
Tanto Raul como Mendonça lembraram que as penalidades são aplicadas pela Justiça quando as ações são impetradas contra prefeitos e vereadores e o mesmo, contudo, não ocorre quando as denúncias envolvem o presidente. A oposição já entrou com ações contra Lula junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em função de outros episódios, mas não obteve sucesso.
Incomodado com a situação, Mendonça Filho chegou a comparar o petista ao Rei Luiz XIV da França, conhecido como o Rei Sol, um dos símbolos da monarquia absolutista que reinou entre 1643 e 1715. “É uma volta a um passado distante. Ele (Lula) se julga acima da lei”, lamentou.
O procurador regional eleitoral substituto, Antonio Edílio, decidiu ontem requisitar às emissoras de rádio e televisão, que acompanharam a visita de Lula, todas as reportagens gravadas. Ele esclareceu que o Ministério Público, a partir da análise desse material, pode verificar se o presidente desobedeceu a legislação eleitoral. Só assim pode entrar com alguma ação. Como a sua interinidade acaba na segunda-feira (1º), quem vai fazer esse trabalho é o procurador regional titular, Sady Torres Filho. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, Roberto Ferreira Lins, esclareceu que o TRE só se posiciona quando é provocado pelo Ministério Público ou por um partido político.
Aécio: Crítica ao governo federal
DEU NO ESTADO DE MINAS
A oito meses das eleições presidenciais, o governador Aécio Neves alternou seu discurso a respeito do desempenho do governo federal, ora criticando ora adotando um tom afável em relação ao desempenho do presidente. Em Cláudio, ele disse ser preciso reconhecer os avanços sociais do governo Lula. No entanto, em Jequitinhonha, na região de mesmo nome, ele acusou o Executivo federal de não investir no asfaltamento de estradas.
“Infelizmente, não temos tido do governo federal o volume de investimentos que gostaríamos de ter em Minas Gerais”, afirmou o governador, ao se referir ao asfaltamento dos 80 quilômetros da BR-367, que separam Almenara e Salto da Divisa. “Como é uma BR, o próprio nome diz, a responsabilidade é do governo federal. O estado, até por questões legais, está impedido de investir em BRs”, afirmou Aécio, que garante ter asfaltado 220 estradas que estavam sob responsabilidade do estado, desde o início de seu governo. Segundo ele, cinco estradas cuja ligação asfáltica eram de responsabilidade do governo federal “sequer foram iniciadas”.
Órgão federal responsável pelas obras em Minas, o Departamento de Infraestrutura de Transportes (Dnit), preferiu não rebater o governador mineiro. A assessoria do órgão informou apenas que desconhece a informação.
Na última semana, durante visita a Jenipapo de Minas, na mesma região, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, prometeu liberar recursos para asfaltar o trecho, demanda antiga dos moradores do Vale do Jequitinhonha. O atendimento ao pleito foi reforçado pelo próprio Lula, que garantiu que, quando chegasse em Brasília providenciaria o projeto executivo da obra, porque dinheiro não seria um problema.
O plano de trabalho está pronto, mas depende de aprovação do Dnit. Há previsão de repasse de R$ 10 milhões da União para o governo de Minas executar a obra. “Tomara que esses anúncios se confirmem”, afirmou Aécio.
Roberto Freire::A miopia da Justiça
Nas sociedades democráticas estáveis, o respeito ao calendário eleitoral faz parte da tradição. Isto se dá, basicamente, por dois motivos, duas faces da mesma moeda.
1. pelo respeito aos cidadãos educados no processo de educação cívica, no respeito às leis e pela garantia de retidão por parte dos responsáveis pela gestão do Estado;
2. pela garantia da lisura do processo eleitoral, garantindo-se que o Estado não seja utilizado como monopólio de partidos e/ou grupos, em respeito à regra de ouro das democracias, a alternância do poder, e ao mesmo tempo a garantia da governabilidade e a eficiente gestão da república.
No Brasil, no entanto, o que temos visto é o recorrente desprezo às leis eleitorais por parte de quem deveria dar o exemplo máximo em seu cumprimento, o presidente da República.
Desde o início do ano passado, quando definiu que a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, seria a candidata a sua sucessão - à revelia de seu próprio partido, diga-se - o presidente da República objetivamente deu início ao próprio processo eleitoral ao arrepio da lei.
Então, a rigor, a sra. Dilma Rousseff está em campanha há um ano por conta de ser a responsável pelo PAC, isto é, responsável pelo que não há. Nada a estranhar.
Um governo que tem se notabilizado por nunca deixar os palanques e administrar o país como uma trupe mambembe, estabeleceu formas inéditas de apropriação do Estado em benefício de um projeto de poder, compartilhando-o com sua base parlamentar, colocando-se a cima das leis que regem não apenas o processo eleitoral, mas a administração pública, como o demonstra as ações do TCU no que toca as licitações de 30% dos projetos que conformam justamente essa extraordinária peça de ficção, o PAC.
Uma prova é a recente liberação de R$ 13,1 bilhões para obras que apresentam irregularidades apontadas pelo TCU.
Quando um chefe de Estado põe-se acima do processo legal que rege as relações entre os poderes, interferindo em seu equilíbrio, é o próprio processo democrático que fica ameaçado pela intrusão indevida de quem deveria dar o exemplo para todos os cidadãos.
Pior ainda se tal comportamento torna uma disputa eleitoral desigual, comprometendo a democracia pela inserção descabida do chefe de Estado transformado em garoto-propaganda.
A pergunta que não quer calar é: se há leis que normatizam o processo eleitoral, definindo prazos para o seu desenrolar, estabelecendo parâmetros para que a máquina pública não seja usada para beneficiar candidaturas, por que a Justiça tem se mantido silenciosa diante dos gritantes abusos que o sr. Lula da Silva, em sua condição de presidente da República, tem cometido em sua sanha eleitoreira?
O que, afinal de contas, estaria impedindo os Tribunais de Justiça de garantir a legalidade do processo sucessório, punindo as ilegalidades tantas vezes denunciadas pelo uso da máquina pública em benefício da candidata do governo?
Quando a Justiça se cala diante de ilícitos cometido por quem jurou cumprir a Constituição do país, alarga-se o espaço para aventuras cuja vítima é o próprio Estado de Direito.
* Roberto Freire é presidente do PPS.
Serra reage com ironia à cobrança de Bernardo
Ministro tem trabalhado "sem discriminar São Paulo", diz tucano
Carolina Freitas
O governador José Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência, respondeu com ironia à cobrança feita na quinta-feira pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "Ele é um ministro que tem trabalhado sem discriminar São Paulo. Retribuo o que ele disse com essa observação", disse Serra ao responder à provocação feita por Bernardo na quinta-feira.
O ministro cobrara explicações do tucano sobre as declarações polêmicas do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), a respeito dos planos do pré-candidato para a política econômica. Em recente entrevista à revista Veja, Guerra disse que o PSDB mudará a política cambial, de juros e o regime de metas de inflação. Para o ministro, o governador deve explicar ao País como funcionaria a política econômica com essas mudanças. "Eu não sei se foi ele (Guerra) que escorregou ou se essa é a posição do PSDB e do governador Serra", disse o ministro. Foi mais uma tentativa do PT de trazer Serra, para o centro do embate entre governo e oposição, polarizando a disputa eleitoral.
Na contramão dos desejos petistas, porém, Serra tentava ontem mostrar que não distingue os prefeitos pelo partido, levando ao palanque um prefeito do PT. E ouviu um discurso repleto de elogios à sua gestão.
Durante inauguração de novas alas do Hospital Geral de Carapicuíba, o prefeito Sérgio Ribeiro Silva (PT) listou os investimentos do governo estadual no município e agradeceu a Serra por ajudar a "salvar a cidade". O tucano e o petista cochicharam durante todo o evento ao fundo do palanque, descerraram juntos placas inaugurais e visitaram as instalações da unidade.
ORDENS
Silva fez questão de esperar o governador, que saíra para atender a um telefonema, para começar seu discurso. "Cumpri suas ordens, Serra. Esperei para começar a falar", disse o petista. Durante cinco minutos, o prefeito citou cifras de repasses para a instalação de uma estação de trem em Carapicuíba, a construção de um parque, escolas e faculdades técnicas, um batalhão de polícia e obras de saneamento e habitação.
O prefeito fez um agradecimento especial pelos recursos repassados pelo Estado para resolver uma crise no recolhimento de lixo da cidade. "São R$ 2,2 milhões para a compra de caminhões e equipamentos de limpeza pública que vão salvar nossa cidade", disse o petista. "Sou testemunha, governador, do seu trabalho e da sua postura republicana. Essa cidade precisa de um governador, um presidente que não olhe as siglas partidárias, mas o interesse comum."
Serra, por sua vez, endossou a tese do trabalho apartidário. "No governo do Estado, trabalhamos sem distinguir a cor de camisa partidária. Não pode ter outra opção, senão a população sai prejudicada. A única cor de camisa a que eu às vezes presto atenção é a do futebol", disse o governador, aproveitando para fazer com a plateia de cerca de 200 pessoas uma enquete sobre o time para o qual torciam. O Palmeiras, seu clube de coração, ficou em terceiro lugar.
Dilma faz campanha mesmo sem presidente
"Gostaria que me escolhessem como sucessora", afirma ministra
Clarissa Oliveira
A um passo de assumir publicamente sua candidatura à Presidência, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou ontem que quer muito ser escolhida para disputar a sucessão do presidente Lula. "Acho que o presidente tem de ter um sucessor à altura do governo dele. Eu gostaria muito que me escolhessem como essa sucessora. Não sou hoje", disse Dilma, após inaugurar um gasoduto da Petrobrás, que liga os municípios de Paulínia, em São Paulo, e Jacutinga, no extremo sul de Minas.
A obra, que custou R$ 275 milhões, é parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das principais bandeiras do PT para a eleição presidencial deste ano.
Dilma disse que só poderá ser considerada pré-candidata quando tiver seu nome submetido ao congresso do PT, o que está previsto para ocorrer no dia 18 de fevereiro. "Quando concluído o congresso, eu serei candidata se o congresso me escolher."
Mas deixou claro que já tem na ponta da língua o discurso para enfrentar a disputa presidencial. Apesar de o evento tratar de energia, a ministra dedicou quase toda sua fala a assuntos que deverão guiar os comícios na segunda metade do ano. A nova etapa do Programa de Aceleração do Crescimento - o PAC 2 - foi descrita como uma "herança" que o atual governo deixará para as gestões futuras.
Dilma até ensaiou algumas promessas. Sem que houvesse relação com o tema do evento, ela discorreu longamente sobre a construção de creches. Disse que o governo deve não apenas ajudar os municípios a construir as unidades de atendimento infantil, como tem de assegurar um auxílio para o custeio.
Sem perder a chance de afagar os prefeitos presentes, Dilma também prometeu verbas para drenagem no âmbito do PAC . "Que existe chuva, existe. Mas a gente não tem de se conformar. Com a calamidade, não podemos nos conformar."
Marina reclama: 'Anteciparam a campanha
Em feira de informática, senadora diz que adversários iniciaram o jogo eleitoral e que é injusto não fazer o mesmo
Tatiana Farah
SÃO PAULO. Ao responder ontem a uma pergunta sobre o caráter de campanha de sua visita à Campus Party, uma feira de informática e tecnologia em São Paulo, a senadora Marina Silva (PV-AC) disse que seus possíveis adversários (a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra) já iniciaram o jogo eleitoral.
E que por isso é injusto dizer aos outros concorrentes para não fazerem o mesmo.
— Eles anteciparam a campanha, infelizmente. Não dá para você antecipar o jogo e dizer para os outros jogadores “olha, não jogue”. Daí fica injusto — respondeu Marina, ao ser questionada se sua estreia na 3aedição do maior evento na área de internet no país era antecipação de campanha.
A senadora, no entanto, afirmou que, apesar de ter ido ao evento devido à campanha, estava interessada nos assuntos de internet: — Obviamente, que não estou aqui de forma artificial. Vou usar a ferramenta durante a campanha e acho que nada melhor do que vir aqui reconhecer que é uma ferramenta importante — disse ela.
Marina afirmou que a internet terá um papel importante nas eleições, mas que os candidatos precisam ter uma mensagem para transmitir aos internautas.
— Eu, como cidadã, nunca vou dizer qualquer coisa que seja mentirosa ou falsa a respeito de Serra, de Dilma e de Ciro.
Marina passeou pelos estandes da feira, recebeu um batismo digital, brincou com os computadores e colocou óculos especiais para ver um programa em 3D.
A ex-ministra voltou a afirmar que o governador José Serra (PSDB) não será apoiado pelo deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) no Rio.
— Gabeira já decidiu que o palanque é do PV.
O legado do Fórum Social - Editorial
Desde a primeira edição, em 2001, o Fórum Social Mundial teve vários formatos, que apresentarão mais uma inovação durante este ano, com a realização de encontros temáticos em vários países. O evento que marcou o 10º encontro, encerrado ontem, teve a marca da pulverização de atividades na região metropolitana de Porto Alegre. Os organizadores decidiram, nos últimos anos, reformular a estrutura de funcionamento do FSM, mas deve-se destacar que o encontro manteve o espírito motivador do Fórum inaugural, de propiciar debate, reflexão, integração de vários setores da sociedade e também a discordância.
Essas são as principais virtudes de um evento que surgiu com a marca de Porto Alegre e contribuiu, no início desse século, para a discussão de grandes temas, de interesse nacional e mundial, além da divulgação do Rio Grande do Sul. A ausência de deliberações e mesmo de um documento com as conclusões de centenas de debates e atividades, ao final do evento, o que em outras edições chegou a provocar controvérsias entre os próprios participantes, é vista hoje com naturalidade. Argumentam os organizadores que, mais do que apresentar um relatório formal com o que foi discutido, o que importa é a natural disseminação das ideias que circularam entre mais de 35 mil pessoas de vários países durante uma semana.
Ficam diluídas também, nessa 10ª edição, questões menos relevantes provocadas pela própria identificação do Fórum como um evento das esquerdas. Independentemente do viés político ou ideológico dos participantes, o que é da natureza de qualquer encontro em que pontos de vista sejam publicamente expostos, o que fica do FSM é a sua capacidade de mobilizar, de atrair pensadores de toda parte do mundo e estimular principalmente os jovens a refletir sobre educação, economia, política, ambiente e tantos outros temas. O Fórum reafirmou-se assim como uma iniciativa que contribui para a pluralidade de opiniões e que por isso mesmo pode acionar compreensíveis reações, desde que submetidas às regras da convivência democrática com discordâncias e diferenças.
Fórum Social Mundial termina sem marcha e documento final
Da Agência Folha, em Porto Alegre
O Fórum Social Mundial terminou ontem em Porto Alegre sem um documento final nem a tradicional marcha de encerramento.
A passeata pelas ruas da cidade não saiu porque as discussões promovidas por sindicatos e movimentos sociais, pela manhã, na Usina do Gasômetro, estouraram o tempo. Entre 12h e 13h, sob o sol forte, a multidão reunida se dispersou aos poucos.
Por causa da diversidade das correntes que formam o encontro, os militantes preferiram não reunir o debate em um documento final.
A falta dessas manifestações é o símbolo desta edição do fórum, que nasceu em Porto Alegre há 10 anos e este ano foi realizado em seis cidades do Rio Grande do Sul. Foram 27 mil participantes inscritos.
Para o sociólogo Emir Sader, o protagonismo de organizações não governamentais dificulta a articulação das experiências de governos de esquerda da América Latina e dos movimentos sociais contrários ao capitalismo.
Movimentos sociais e centrais sindicais, porém, conseguiram editar um documento final próprio, com um calendário de mobilizações.
Membro da comissão internacional do fórum, a antropóloga Moema Miranda contesta o esvaziamento do encontro. Segundo ela, o caráter de "encontro e reconhecimento da diversidade" dá força ao encontro atualmente porque "o neoliberalismo não tem hoje uma grande bandeira a oferecer".
(Graciliano Rocha)
Questão de Limites - Editorial
Reconhecido internacionalmente por seus trabalhos na área das ciências sociais, o professor Boaventura de Sousa Santos reacendou a polêmica da “criminalização dos movimentos sociais” no Brasil, ao pedir ontem, durante painel sobre direitos humanos no Fórum Social Mundial, que todas as ações civis públicas contra o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) sejam arquivadas. A manifestação do sociólogo português ocorreu exatamente na semana em que a polícia de São Paulo, cumprindo mandados judiciais, prendeu vários integrantes do movimento acusados de depredar uma fazenda do grupo Cutrale no ano passado. Na ocasião, os invasores destruíram 7 mil pés de laranja e danificaram máquinas e instalações. Do episódio, ficou uma imagem chocante, mostrada ao país pela televisão: o trator conduzido por um militante que avançava avassalador sobre o laranjal.
Se fosse uma exceção na história do MST, a ação irracional de destruição poderia apenas ser classificada como um descontrole. Mas são incontáveis os casos de depredação de propriedades alheias, constrangimentos e agressões a proprietários e empregados, destruição de mudas e plantações, confrontos com a polícia. Tanto que essas ações conflituosas se transformaram na principal característica do movimento, substituindo a imagem das famílias acampadas sob lona preta na beira da estrada, que despertava compaixão e solidariedade de expressiva parcela da sociedade. Nessa transição, o MST granjeou tanta antipatia, que até o seu líder maior, o economista João Pedro Stedile, reconhece a necessidade de mudança de rumo. “Hoje, a ocupação de terra não soma aliados”, disse em entrevista concedida na última terça-feira, em Porto Alegre, onde participa do Fórum Social Mundial.
Ainda assim, os apoiadores dos métodos truculentos preferem responsabilizar os meios de comunicação, o Judiciário e os governos com o chavão da criminalização. Ontem mesmo, o Núcleo Agrário Nacional do PT emitiu nota criticando a prisão de nove pessoas ligadas ao MST pela referida invasão e depredação da fazenda da Cutrale. Eles são acusados, também, de furtar equipamentos e pertences das oito famílias de colonos que trabalhavam na propriedade invadida. Será que, neste caso, os invasores (ou ocupantes, se quisermos utilizar a linguagem do movimento) não feriram os princípios básicos da ordem pública?
Pode-se justificar qualquer coisa, sob o pretexto de que polícia, Judiciário, Ministério Público, governo e mídia estão a serviço das classes dominantes e do poder econômico. Mas ofende a inteligência das pessoas dizer que se trata de uma ação organizada da elite para criminalizar movimentos sociais quando as evidências do delito são insofismáveis. A Constituição Brasileira contempla a liberdade de manifestação e respalda reivindicações de movimentos sociais, mas também impõe limites para que os direitos dos demais grupos e indivíduos sejam preservados.
Leandro Konder :Em 'Caim', Saramago questiona as ações de Deus
RIO - Como estão hoje as crenças dos crentes? E as descrenças dos descrentes?
Ideias nem sempre claras são defendidas por representantes das duas perspectivas, que constituem campos complexos, matizados. Em ambos os casos, as exigências de um aprofundamento do conhecimento abrangem polos que vão da fé inabalável ao mais arraigado ceticismo.
Impõe-se a pergunta: como se tocam os extremos? Em outros termos: em que pé as convicções apaixonadas de uns e outros conseguem dialogar? Essa é uma questão importante. Quando os interlocutores se defrontam com diferenças mais explosivas, aumentam as possibilidades de ossificação do pensamento. E cresce o risco do fanatismo.
Historicamente, a disputa não tem sido uma parada festiva: ações censuráveis foram cometidas por ambos os lados. Os crentes são a ampla maioria. Não gostam de perder tempo em debates inúteis. Vão direto ao ponto crucial, segundo a sua doutrina. “Você não acredita em Deus?”.
O ateu, em sua resposta, decepciona a maioria. No passado, no tempo da inquisição, a decepção virava feroz intolerância. Numa outra época, na União Soviética, os bolchevistas tentaram erradicar – em vão – o sentimento religioso da alma do povo. Eram ateus tentando impor o ateísmo por decreto.
Os dois lados fazem criticas ferinas um ao outro. E fazem autocríticas, reconhecendo seus limites. Atualmente, as condições, ao que parece, estão ficando mais civilizadas. E o primeiro nome que me ocorre para ilustrar essa sofisticação cultural é o do escritor português José Saramago.
Saramago recebeu o Prêmio Nobel em 1998, publicou Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis, O evangelho segundo Jesus Cristo e mais recentemente lançou Caim, que está causando polêmica.
Usando sua liberdade de criação, Saramago faz de Cristo o narrador dos acontecimentos de sua vida. Tínhamos quatro Evangelhos e agora, graças à ficção, temos cinco.
Mas a audácia do escritor não para aí: em Caim, o protagonista é narrador, com base em alguns episódios do Velho Testamento. Denuncia o senhor (assim mesmo, com minúscula), acusando-o de cumplicidade no assassinato de Abel, porque, sendo onisciente, sabia do que estava para acontecer e; sendo onipotente, poderia tê-lo impedido de acontecer.
Quando o senhor ordena que seu servo Abraão sacrifique seu dileto filho Isac, Caim se irrita com a crueldade do senhor e termina por insultá-lo, com palavras de baixo calão.
Saramago dá um show de erudição. Seus conhecimentos não o impedem de, em alguns momentos, exagerar um pouco. Talvez essa tenha lhe parecido ser a maneira de sacudir com suficiente vigor as almas de seus leitores.
Saramago é um ateu que pode proporcionar momentos privilegiados, os quais interessam às duas perspectivas. Suas possíveis consequências vão desde um reajuste das criticas que se fazem mutuamente, no campo do pensamento religioso, até uma reflexão mais densa e mais cuidadosa na qual os descrentes saibam evitar gestos e atitudes que sejam lidos como desrespeitosos.
Se não perdermos anos decisivos de nossas vidas, podemos prever que ocorrerão novos movimentos que mexerão conosco, serão capazes de nos convencer a adotarmos novos critérios.
Não resisto a apontar um palpite meu. Acho que a teologia tem sobre outros saberes uma vantagem considerável. A ideologia dominante, na época atual, assume a forma do relativismo, que exerce forte influência em várias regiões científicas. Muitos cientistas cultivam uma acentuada desconfiança na filosofia. E, recusando a dialética, cada um deles trata de relativizar os conhecimentos da sua área.
A teologia não se deixou levar por esse movimento. Seu nome indica que ela se ocupa de Deus. E é obvio que Deus – quer acreditemos n'Ele, quer sejamos céticos – não pode ser relativizado. A teologia, como mostra o nosso autor, é apaixonante, porque as questões que ela enfrenta são questões grandes, que não se deixam reduzir a um jogo mesquinho.
O marxista José Saramago sabe disso. Quando faz suas incursões na esfera da teologia, o ateu debocha, torna-se sarcástico. Mas deixa transparecer o quanto a estudou, o quanto assimilou dela.