domingo, 3 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Cessar-fogo já entre Israel e Hamas

Folha de S. Paulo

Legítimo na origem, como resposta ao terrorismo, conflito deve parar devido ao número de mortos e à disparidade de força

Na quinta (29), militares israelenses atiraram contra palestinos durante distribuição de comida em Gaza, deixando mais de uma centena de mortos, segundo o Hamas, ou 10 vítimas, de acordo com Israel, em novo episódio lamentável de uma guerra sangrenta e desigual.

O incidente, que ainda tem de ser mais bem esclarecido, evidencia um dos aspectos cruéis do atual conflito: a assimetria no número de vítimas entre os dois lados.

O ato selvagem do grupo terrorista palestino, que deu origem à nova fase da guerra interminável na região, matou 1.269 pessoas, entre elas mulheres e crianças, no maior ataque sofrido por Israel; dos 253 sequestrados, bebês inclusive, muitos continuam desaparecidos.

A reação militar que se seguiu, justificável na origem, escalou para uma mortandade sem precedentes no conflito israelo-palestino, embalada pelo gabinete de extrema direita de Binyamin Netanyahu. Segundo autoridades palestinas, já são 30 mil os mortos em Gaza, a maioria mulheres e crianças.

Merval Pereira - Avanços democráticos

O Globo

Não chegamos à postura profissional de forças militares de países mais equilibrados democraticamente, mas estamos à frente quando se trata de investigar e punir a sedição

O depoimento de oito horas do ex-comandante do Exército Freire Gomes na Polícia Federal tem tudo para ser definidor dos rumos finais da investigação sobre a tentativa de golpe de janeiro de 2023. A escolha de não se calar no interrogatório, como a maioria dos militares que seguiu uma orientação explícita do ex-presidente Jair Bolsonaro, significa que o general quatro estrelas não tem o que esconder, colocando em evidência que a sua posição antigolpista não foi uma atitude oportunista.

O papel dos militares de alto escalão no plano golpista é um tema delicado que precisa ser destrinchado, pois não pode haver solução completa do caso sem que se constate a culpa de quem deixou que os acampamentos dos revoltosos crescessem no entorno dos principais quartéis. Foi essa decisão que permitiu todo o planejamento da marcha contra a Praça dos Três Poderes, quando claramente o policiamento recebeu instruções para proteger os manifestantes, e não reprimi-los, evidenciando que a intenção era cercar a praça, que deveria ter sido blindada.

Bernardo Mello Franco - A cruzada de Michelle

O Globo

Em comício na Paulista, ex-primeira-dama expôs projeto de dominação pela fé

Enquanto o marido clamava por anistia aos golpistas, Michelle Bolsonaro usou o comício da Avenida Paulista para promover outra causa: a supressão do Estado laico.

A ex-primeira-dama abriu o ato do último domingo, organizado pelo notório pastor Silas Malafaia. Do alto do trio elétrico, ela citou trechos da Bíblia, distribuiu aleluias e anunciou um projeto de dominação pela fé.

“Por um bom tempo, fomos negligentes a ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião. E o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação”, conclamou. “Nós te amamos, Pai. Nós te amamos e te pedimos que o Senhor estabeleça o seu reino no Brasil”, prosseguiu.

Luiz Carlos Azedo - Novo coronelismo mostra abuso de poder econômico e impunidade

Correio Braziliense

Desde o tsunami eleitoral de 2018, os partidos operam um movimento de blindagem eleitoral que se caracteriza pelo abuso do poder econômico e garantias de impunidade

Um presidente da República não pode ser investigado nem processado pelo Supremo Tribunal Federal no exercício do mandato. Somente o Congresso pode fazê-lo, por um processo de impeachment, seja por causa da compra irregular de um Fiat Elba, seja uma "pedalada fiscal", como aconteceu com os ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, respectivamente. É um processo político, cujo desfecho depende da consistência de sua base parlamentar. Ministros do STF também têm prerrogativas excepcionais, mas podem ter seus mandatos cassados pelo Senado.

Senadores e deputados não têm essa prerrogativa. Podem ser investigados e processados, como qualquer cidadão, mas apenas pelo Supremo. Agora, porém, a oposição e o baixo clero da Câmara se articularam para votar uma mudança constitucional que lhes garanta impunidade no exercício do mandato, obstruindo investigações da Polícia Federal (PF), que só ocorrem a mando do STF, por terem foro privilegiado. Além disso, querem acabar com esse mesmo foro para serem processados em primeira instância e, ainda, proibir decisões monocráticas sobre a constitucionalidade de suas deliberações e restringir o mandato dos ministros do Supremo.

Míriam Leitão - A fotografia da economia

O Globo

O ano passado cresceu mais do que o esperado, mas agora em 2024 o resultado será mais disseminado na economia, ainda que menor

Na economia, o ano passado foi melhor do que o esperado e este ano será melhor do que parece. A natureza do crescimento do PIB é diferente entre os dois anos. Em 2023, a alta de 2,9% foi concentrada em agricultura e indústria extrativa, este ano pode ser alavancada pela queda dos juros, pelo aumento do crédito e do consumo, um crescimento mais disseminado. Há lições importantes a serem tiradas do desempenho da economia. O mercado precisa melhorar seus modelos porque nos últimos três anos subestimou em sete pontos percentuais o crescimento do PIB, quando se compara o dado final com as projeções feitas no início de cada ano. O ministro Fernando Haddad fez um bom trabalho em superar as divisões internas e ao reverter o ceticismo do mercado, mas ainda tem batalhas decisivas pela frente.

Dorrit Harazim - Dia infame

O Globo

Fuzilaria virou gatilho para desencadear cobranças, pedidos de investigação e acusações por parte de aliados históricos de Israel

A última entrega de alimentos da ONU aos famintos da cidade de Gaza fora no dia 23 de janeiro. Perto de 250 mil civis palestinos vagavam entre as ruínas de suas vidas passadas havia 37 dias e 37 noites. Todo vestígio de comando ou estrutura administrativa havia sido erradicado pelos bombardeios e pela ocupação militar israelense. Mais de 1 milhão de famílias já haviam sido desterradas a fórceps para o sul. Os que permaneceram formavam um amontoado humano em meio ao nada, sem amanhã. O fundo do poço era ali: muitos alimentavam os filhos com ração animal, enquanto cães igualmente errantes se alimentavam de pedaços de carne humana entre destroços.

Foi nessas condições que Gaza chegou às primeiras horas da madrugada de quinta-feira, 29 de fevereiro deste ano bissexto. Dia infame.

Elio Gaspari - De Adolf Hitler@Reich para Lula@gov

O Globo

Prezado senhor,

Escrevo-lhe porque vi que depois de se meter numa briga com os judeus, o senhor se explicou dizendo que nunca falou no Holocausto. Indo-se à literalidade de suas falas, a razão está consigo. Recapitulo:

Em Adis Abeba o senhor disse o seguinte:

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.”

Dias depois, ao se explicar, o senhor esclareceu:

“Não tentem interpretar a entrevista que eu dei. Leiam a entrevista e parem de me julgar a partir da fala do primeiro-ministro de Israel. (...) Primeiro que não disse a palavra Holocausto. Holocausto foi interpretação do primeiro-ministro de Israel. Não foi minha. A segunda coisa é a seguinte, morte é morte.”

Senhor presidente, desse jeito, tudo se resumiu a cinco palavras: “Hitler resolveu matar os judeus.” O senhor realmente acha que eu resolvi matar os judeus e disso resultou uma máquina que exterminou seis milhões de pessoas?

Eliane Cantanhêde – Entre o céu e o inferno

O Estado de S. Paulo

Freire Gomes está entre o céu e o inferno no golpe, o que não pode é intervenção corporativista do Superior Tribunal Militar; logo, o exemplo cruel de corporativismo no julgamento de oito militares que fuzilaram covardemente um músico e um catador de latinhas assusta e irrita

Enquanto todas expectativas em Brasília estavam voltadas para o depoimento do dia seguinte do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, à Polícia Federal, o Superior Tribunal Militar (STM) dava um exemplo lamentável e cruel de corporativismo no julgamento de oito militares que fuzilaram covardemente o músico Evaldo Rosa e o catador de latinhas Luciano Macedo, no Rio, em 2019.

Freire Gomes, que depôs durante oito horas à PF sobre a tentativa de golpe no governo Jair Bolsonaro, está numa espécie de limbo, de onde pode ir para o céu ou para o inferno, dependendo do que disse, do que não disse, das declarações de outros militares e das provas contundentes em mãos da polícia. Ou seja, seu destino depende do que realmente aconteceu e de qual foi a sua participação em tudo aquilo.

José Eduardo Faria* - Emendas parlamentares corrompem a representatividade política

Folha de S. Paulo

Facções criminosas veem prefeituras como um novo mercado

Com a prerrogativa que a Constituição lhe dá para encaminhar ou engavetar o pedido de impeachment do presidente Lula, protocolado pela oposição recentemente, o presidente da Câmara dos DeputadosArthur Lira (PP-AL), ganhou mais força política para pressionar o Executivo a pagar emendas parlamentares individuais e de bancada até 30 de junho, quando começa o período eleitoral e a União é proibida de repassar transferências voluntárias para estados e municípios.

Ao receber o pedido, ele afirmou que o Orçamento não pode ficar nas mãos de "uma burocracia que não gasta sola de sapato percorrendo municípios do país". Sua afirmação suscita dois temas. Um trata da forma de governo, envolvendo a polêmica sobre a substituição do presidencialismo de coalizão por um semipresidencialista de fato. O outro trata das funções do Estado brasileiro.

Celso Rocha de Barros - A esquerda morreu?

Folha de S. Paulo

Quando olho para a esquerda, não vejo tanta acomodação a um sistema

Em entrevista à Folha, o filósofo Vladimir Safatle afirmou que "a esquerda política morreu como esquerda" e que "a extrema direita é hoje a única força política real no país". Enquanto a extrema direita manteria sua "capacidade de ruptura", a esquerda teria perdido sua capacidade de propor "igualdade dentro dos processos de produção e alguma forma de democracia direta".

A esquerda brasileira, obviamente, não morreu. Neste exato momento, Fernando Haddad briga para tornar a tributação brasileira mais progressiva, e acaba de propor no G20 a taxação global dos super-ricosMarina Silva certamente está entre as autoridades mundiais com melhor atuação contra o desmatamento e o aquecimento global. Há retrocessos conservadores em nomeações que ignoram a representatividade, e inúmeras áreas em que as resistências conservadoras impedem maiores progressos. Mas o terceiro governo Lula tem indicado mais, não menos, disposição para enfrentar brigas difíceis do que os governos petistas anteriores. Até porque não sobraram brigas fáceis.

Bruno Boghossian - Uma questão de nobreza

Folha de S. Paulo

Se a PF erra e abusa, deputados e senadores buscam medida para ficar fora do alcance de qualquer investigação

Não são muitos os admiradores de Carlos Jordy no alto clero da Câmara. O deputado é visto como um político barulhento e um agitador do golpe bolsonarista. Nenhuma restrição impediu que os chefes da Casa explorassem uma operação contra o parlamentar em benefício próprio.

PEC da blindagem ganhou corpo depois que a PF vasculhou o gabinete de Jordy em busca de provas de seu envolvimento com atos golpistas. Líderes de vários partidos trabalham para votar uma proposta que, na prática, poderia deixar deputados e senadores fora do alcance de qualquer investigação.

Muniz Sodré - Semeando fogo

Folha de S. Paulo

Lula, por coerência moral, deveria indignar-se também com Putin, Maduro e Ortega

"Deus conta as lágrimas das mulheres", registra o Talmude, belo livro da tradição judaica. A espessura enigmática da frase suscita várias interpretações, mas o sentido conflui para o pensamento da sensibilidade feminina como acréscimo de sabedoria e advertência para que se redobre o respeito à geração da espécie humana. Num poema sobre a tragédia nuclear ("A Rosa de Hiroshima"), Vinícius de Moraes exorta a que "pensem nas mulheres, rotas alteradas", assim como "pensem nas crianças, mudas telepáticas".

Os textos, de procedências tão diversas, vêm aos olhos junto com as notícias tenebrosas de Gaza, onde uma força militar poderosa faz terra arrasada de residências, edifícios e hospitais, até mesmo de filas de ajuda humanitária. As maiores vítimas, milhares, são mulheres e seus filhos, corpos despedaçados ou estripados como nas horripilantes incitações de divina vingança a Davi, o senhor da espada, no Velho Testamento. As crianças que sobrevivem aos escombros tornam-se mudas, sem lágrimas, mas telepáticas no sofrimento.

Vinicius Torres Freire - O delírio no PIBão do Lula

Folha de S. Paulo

Bom resultado de 2023 estimula onda de propaganda enganosa e de ignorância

economia cresceu bem em 2023. Para a propaganda oficial, foi o "PIBão do Lula".

Os replicantes da militância disseminaram o slogan e saíram à caça mesmo de quem apenas discutia o que é preciso fazer para que o crescimento seja maior. Tentavam linchar quem recorresse a um "foi bom, mas..." na conversa. Tem de haver rendição incondicional ao grande líder.

Se a besteira não tivesse consequências práticas, seria cômica.

Um terço do crescimento de 2023 veio diretamente da agropecuária. No mundo Mad Max oligofrênico das redes sociais, a gente lia que o agro foi muito bem em 2023 porque Lula fez o "maior Plano Safra da história". Mas o plano para a safra que inflou o PIB de 2023 fora o de 2022, no governo das trevas.

Entrevista com Pierre Rosanvallon. Nas mutações das democracias

 

Poesia | Segue o teu destino, de Fernando Pessoa

 

Música | Cavalo Marinho/Mundão - Banda de Pau e Corda & Quinteto Violado