segunda-feira, 13 de junho de 2022

Opinião do dia - Manuel Castells*: ‘a hipótese do caos’

“Em tempos de incertezas costuma-se citar Gramsci quando não se sabe o que dizer. Em particular, sua célebre assertiva de que a velha ordem já não existe e a nova ainda está para nascer. O que pressupõe a necessidade de uma nova ordem depois da crise.

Mas não se contempla a hipótese do caos. Aposta-se no surgimento dessa nova ordem de uma nova política que substitua a obsoleta democracia liberal que, manifestamente, está caindo aos pedaços em todo o mundo, porque deixa de existir no único lugar em que pode perdurar: a mente dos cidadãos.”

*Manuel Castells, sociólogo e referência em teoria da comunicação, é professor emérito da Universidade da Califórnia em Berkeley. Do trecho de livro 'Ruptura', Editora Zahar, 2018. Folha de S. Paulo, Ilustríssima, 9/6/2018.

Fernando Gabeira: Fome no país do agronegócio

O Globo

Trinta e três milhões de pessoas passam fome no Brasil. O número praticamente dobrou em dois anos. É um caso de emergência nacional.

Não creio que Bolsonaro esteja se importando muito com isso. Quando morriam as pessoas com Covid-19, ele disse:

— E daí? Não sou coveiro.

Um humorista lembrou muito bem que ele pode dizer agora:

— E daí? Não sou cozinheiro.

Tenho escrito que Bolsonaro é um bode na sala. Um imenso bode. Por trás de sua incompetência e insensibilidade, há uma crise muito séria, que não se resolverá com paliativos. Desde a década passada sobem os preços de alimentos e energia, assim como se sucedem eventos extremos causados pela emergência climática.

Sergio Lamucci: A hora do populismo e do estelionato eleitoral

Valor Econômico

Como o objetivo é baixar a inflação para melhorar a popularidade de Bolsonaro, considerações sobre 2023 e depois não entram mais na conta do governo

Na semana passada, o governo avançou ainda mais na tentativa de reduzir a inflação a qualquer custo, escancarando a estratégia populista na busca para reverter a baixa popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Primeiro, com o anúncio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para ressarcir os Estados que concordarem zerar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do óleo diesel e do gás de cozinha, casada à ideia de jogar a zero a alíquota dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol. Depois, com o pedido de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que empresários segurem reajustes de preços.

O que se prepara, às claras, é um estelionato eleitoral, como definiu Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), em entrevista ao Valor. Se aprovados em conjunto a PEC e o projeto que limita a alíquota do ICMS de itens como energia elétrica e combustíveis (o PLP 18/2022), a inflação poderá ter uma queda considerável neste ano, para voltar a subir no ano que vem. Com um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais elevado em 2023, a perspectiva é que os juros fiquem mais altos por mais tempo, o que deverá afetar o crescimento. Além disso, essas medidas tendem a minar estruturalmente as contas públicas.

Bruno Carazza*: Na República da desigualdade imperfeita

Valor Econômico

As cores distorcidas na política brasileira travam a democracia

A surpresa chegou pelo correio. Cortesia da editora, abri o pacote curioso para saber qual seria a novidade. A capa colorida, suas 458 páginas e o título instigante só aguçaram meu interesse.

Eu nunca havia ouvido falar do autor. Julguei se tratar de uma obra de estreia, mas, na orelha do livro, a revelação: Edson Lopes Cardoso já conta com 73 anos, e aquele era só mais um, dos vários livros escritos ao longo de sua vida.

 “Nada os trará de volta” é uma compilação de textos publicados por Cardoso nas últimas quatro décadas, ao longo das quais analisa os principais acontecimentos políticos e sociais brasileiros.

À medida em que folheava o livro, um sentimento de completa alienação tomou conta de mim. Como nunca havia ouvido falar de um intelectual com uma obra tão vasta, que se formou em algumas das principais instituições do país (UFBA, UnB e USP) e se valia de tantas referências históricas e culturais num diálogo com os principais intérpretes de nossa sociedade?

Ricardo Mendonça: Palanques estaduais são desafio para Tebet

Valor Econômico

Divisão entre MDB e PSDB travam pré-campanha da senadora

Após meses de disputa de bastidores e complexa articulação, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) conseguiu viabilizar sua pré-candidatura à Presidência com PSDB e Cidadania - conjunto que se autointitula “centro democrático” e se apresenta como alternativa à polarização.

Na sexta-feira, recebeu um manifesto de apoio assinado por diversos empresários e economistas, em um arco de Horacio Lafer Piva a Armínio Fraga, passando por Luis Stuhlberger, Fabio Barbosa e Affonso Celso Pastore. O objetivo do grupo, segundo um dos signatários, Pedro Passos, era criar um fato para que o nome da senadora se tornasse mais conhecido nacionalmente.

Na política regional, entretanto, ela entra na disputa sem palanques efetivos em Estados estratégicos. Com 2% ou 3% nas pesquisas, Tebet não transmite segurança a pré-candidatos a governador de siglas aliadas. Em locais com tradição à esquerda, como Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará, os arranjos de emedebistas são com o PT.

O MDB deve indicar vices, por exemplo, aos petistas Jerônimo Rodrigues, Bahia, e Fátima Bezerra, candidata à reeleição no Rio Grande no Norte. No Piauí, a aliança local PT-MDB também é antiga.

Já em regiões mais bolsonaristas, candidatos a governador por MDB ou PSDB, por cautela, tendem a manter distância de Tebet para não desagradar o eleitorado.

Marcus André Melo*: Boris Johnson e opinião pública

Folha de S. Paulo

Partygate ou por que a opinião pública importa mais no parlamentarismo?

Boris Johnson acaba de sobreviver a uma moção de desconfiança. Só que não se trata aqui do instrumento utilizado pela oposição para derrubar governantes impopulares, como ocorreu com Callaghan, em 1979, e que levou à ascensão de Thatcher; mas sim de uma moção apresentada pelos correligionários do partido que está no poder. Sim, como aconteceu com a própria Thatcher, que levou um cartão vermelho do partido, em 1990, após duas moções, e foi substituída por John Major.

O paradoxo é por que cargas d’água correligionários do partido do primeiro-ministro voltam-se contra ele? A moção tem custos partidários, porque nela se aponta seus malfeitos. O cálculo envolve o custo esperado da substituição do primeiro- ministro e aquele decorrente de sua permanência no cargo. O que deflagrou o processo, para Johnson, foi o partygate; para Thatcher, o famigerado poll tax.

A popularidade e a opinião pública importam muito mais sob o parlamentarismo do que sob o presidencialismo, como mostrou Joaquim Nabuco: "Comparado os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio que marca horas da opinião pública, o inglês um relógio que marca até os segundos".

Celso Rocha de Barros: Programa do PT para a economia

Folha de S. Paulo

Momento não permite que programa do partido para a economia repita ajuste duríssimo de 2003

Na semana passada, vazou o programa de governo do PT. O documento defende a revogação da reforma trabalhista e o fim do teto de gastos. Também se opõe à privatização da Eletrobrás. Aliados do PT criticaram as propostas, que devem ser revisadas.

Eis o que eu acho que será a economia em um eventual terceiro governo Lula.

Não se deve esperar um ajuste duríssimo como o que Antonio Palocci fez em 2003. Suceder a Jair Bolsonaro (PL) não é a mesma coisa que suceder a Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A transição de FHC para Lula foi a melhor e mais pacífica da história brasileira. Isso deu a Lula o direito de perder popularidade sem ter medo de cair.

A próxima transição deve começar com Jair tentando um golpe porque não aceitou o resultado da eleição. Pedro Malan manteve as contas razoavelmente sob controle no segundo governo FHC. Paulo Guedes vai gastar uma Eletrobrás para garantir que a gasolina não suba até a eleição.

Lygia Maria: Amor e liberdade

Folha de S. Paulo

O romantismo não é uma criação maléfica do patriarcado, e sim manifestação sublime da nossa humanidade

Vivemos na era das problematizações. Cada aspecto da vida cotidiana é destrinchado para que se encontre uma relação política de dominação. Logo, o Dia dos Namorados vira o dia de desconstruir o romantismo e a monogamia.

O amor romântico seria um instrumento criado pelo patriarcado para manter as mulheres submissas. De tanto ouvir histórias de homens idealizados que as salvam da solidão ou do perigo, as mulheres introjetam esse papel passivo e acabam presas no casamento. Será? Ao decidir ficar com Romeu, Julieta foi contra sua família, que era inimiga da família de Romeu. Ou seja, Julieta se liberta do jugo familiar e se sente como um indivíduo único justamente porque vê apenas em Romeu o seu amor.

Carlos Pereira*: Saída à francesa?

O Estado de S. Paulo

A alta rejeição à polarização Lula-bolsonaro pode gerar surpresas nas eleições de 2022

Há cinco anos, um candidato desconhecido conseguiu surpreender o mundo ao vencer as eleições para a presidência da França. Esse candidato nunca havia sido eleito para qualquer cargo eletivo, não dispunha de um aparato partidário e lançou sua candidatura apenas quatro meses antes das eleições, o que fazia dele um azarão e improvável vencedor.

O mercado eleitoral já estava muito congestionado, com pelo menos quatro candidaturas aparentemente mais competitivas. O “Parti Socialiste” havia escolhido Benoît Hamon com uma plataforma considerada de esquerda radical. Ainda mais à esquerda, havia a candidatura de Jean-luc Mélenchon, pelo movimento “La France Insoumise”. A centro-direita havia escolhido o ex-primeiro ministro François Fillon pelo partido “Les Républicains”. Já a extrema-direita foi ocupada por Marine Le Pen pelo então “Ressemblement Nacional”.

Embora Emmanuel Macron tivesse sido ministro da economia do governo socialista de François Hollande, ele concorreu pelo movimento de centro, “En Marche”, que ele mesmo definia como não sendo nem de esquerda nem de direita, em alternativa à intensa polarização política na França. Macron foi eleito em segundo turno com uma esmagadora vitória, alcançando 66,1% dos votos contra 33,90% de Le Pen.

Henrique Meirelles: Sinais claros e expectativas

O Estado de S. Paulo

Atitudes erradas de hoje cobrarão um alto preço no futuro próximo. Não há perdão na economia

Um dos papéis centrais e mais importantes dos governos é gerenciar expectativas. Os anos mais recentes podem ter apagado isso da memória dos brasileiros, mas cabe à administração central evitar solavancos, tomar atitudes com firmeza, seriedade e serenidade, sempre com um objetivo claro à frente. Em resumo, gerar as condições necessárias para que consumidores, empresários, investidores, todos tenham uma percepção de segurança e previsibilidade sobre os rumos do país. 

A estabilidade é um ativo essencial para garantir investimentos e levar ao crescimento. Ninguém faz negócios, se arrisca em empreendimentos – seja abrir uma padaria ou investir bilhões em uma concessão de rodovia – sem uma boa dose de segurança e de confiança nos rumos do País. Não há melhor forma de proporcionar isso do que ter prioridades claras em política econômica, zelar continuamente pela estabilidade fiscal, demonstrar compromisso com o controle de gastos e da inflação.

João de Souza Leite*: Debate político não tem projeto

O Globo

Culto a personalidades, composições partidárias sem sintonia programática, decisões jurídicas em profusão, a isso se resumiu a discussão política no país. Sem proposições em debate, nem rumos a perseguir na tentativa de superar arcaísmos sociais e o mais que impede o desenvolvimento econômico.

No registro de um trágico despreparo para o enfrentamento de situações de emergência, a nação segue à deriva entre tentativas tópicas de apagar incêndios na ordem econômica, quando muito para atender a privilégios individuais, e uma constante alimentação à desordem política.

Há muito tempo o debate político não cogita um projeto, qualquer que seja.

A capacidade de criar infraestrutura, de estabelecer estratégias de promoção industrial ou ainda de estruturar algum tipo de assistência social, observada em breves momentos do passado, por algum tempo indicou ser possível desenhar o futuro. E o futuro é o tempo do projeto — resultado de esforço concentrado, tenaz e continuado, dirigido a resolver algo que se impõe no agora, mas que se distancia no tempo para sua efetiva realização.

Ivan Alves Filho*: O espaço de Simone é o mesmo de Itamar

Toda vez que o Brasil vivenciou um regime ditatorial ou esteve ameaçado de sofrer um golpe de Estado, as forças do Campo Democrático souberam se unir, impondo uma saída dentro do quadro institucional. 

Foi assim na ruptura com o Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1945; na garantia da posse de Juscelino Kubitschek, dez anos depois; na superação da ditadura dos generais, em 1985; e no impedimento de Collor de Mello, em 1992. No núcleo dessa política se configurava a aliança dos liberal-democratas com os social-democratas e os comunistas. 

Este é o espaço da Frente Ampla, da Democracia.

Hoje, com a candidatura de Simone Tebet à Presidência da República, este espaço volta com força à cena política, tal qual se apresentou da última vez entre nós. Ou seja, durante o Governo Itamar Franco, o mais progressista que o Brasil já teve, a meu juízo. 

Com uma vantagem, até: temos a oportunidade, em 2022, de estender essa Frente Ampla para além da defesa - portanto indispensável - da Democracia política, incorporando a luta pelas reformas sociais e econômicas ao novo programa de Governo. A gravidade do momento assim o exige.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

É o empobrecimento

Folha de S. Paulo

Dados mostram desigualdade dramática em queda da renda e impactos da inflação

É notável como a recuperação da economia brasileira desde a recessão provocada pela pandemia não se traduz hoje em percepção geral de maior bem-estar, o que também tem consequências sobre a popularidade de Jair Bolsonaro (PL). Novos dados do IBGE sobre a queda do poder de compra em 2021 jogam luz sobre o fenômeno.

O Produto Interno Bruto teve expansão de 4,6% no ano passado, recuperando-se da queda de 3,9% provocada pela Covid-19 em 2020. Esse ganho, apurado a partir da produção de indústria, serviços e agropecuária, não se reflete nos valores declarados pelas famílias.

O rendimento domiciliar per capita —vale dizer, a renda disponível em cada domicílio, dividida pelo número de moradores— teve queda de 6,9% no período. Em valores corrigidos, caiu de R$ 1.454 para R$ 1.353 mensais.

Ressalve-se que essa pesquisa do IBGE, feita por meio de entrevistas em uma amostra de residências, tende a subestimar rendas como as oriundas de patrimônio e aplicações financeiras. Ainda assim, os números bastam para escancarar como as perdas de poder de compra se distribuíram de forma desigual na população.

Poesia | Ferreira Gullar: O inferno

 

Música | Paulinho da Viola: Para um amor no Recife