O “paradoxo do isolamento em meio
à visibilidade” é uma das questões de Richard Sennett, no livro O declínio do
homem público: as tiranias da intimidade (São Paulo, Cia. das Letras, 1988,
original de 1974). Uma das passagens elucidativas do paradoxo refere-se à sua
introjeção num dado estilo de arquitetura, pelo qual o ambiente construído nos
leva a pensar no domínio público como espaço sem sentido:
“Paredes quase inteiramente de vidro,
emolduradas por estreitos suportes de aço, fazem com que o interior e o
exterior de um edifício se dissolvam, até o menor ponto de diferenciação; essa
tecnologia permite (...) o máximo em visibilidade. Mas essas paredes devem ser
também barreiras herméticas. (...) embora permeável, também isola as atividades
desenroladas no interior do edifício da vida da rua. Nesse conceito de projeto,
a estética da visibilidade e o isolamento social se fundem” (Sennett, R. O
declínio do homem público, pag. 28).
Uso, metaforicamente, a reflexão de Sennett para iniciar um comentário sobre uma peça de ficção que, na semana que passou, foi motivo de nova fricção no tenso ambiente político nacional. Ela entrou em cartaz através de mais uma fala polêmica do presidente da República, na quarta semana de mandato. Em viagem internacional oficial, Lula afirmou que houve um golpe de estado no Brasil em 2016 e que esse teria sido o marco zero de um processo maligno de destruição da obra benigna dos governos petistas de 2003 até ali. De bate-pronto recebeu dura resposta do ex-presidente Michel Temer, o suposto agente primordial do extermínio que o seu sucessor, Jair Bolsonaro, teria consumado. E, como não poderia deixar de ser, uma sequência de críticas, sem que faltassem também, é claro, aclamações.