quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Vera Magalhães - A fé da Faria Lima

- O Globo

Quando assiste impassível à deterioração da popularidade do presidente da República, os solavancos que ele dá em todas as partes tronchas de seu governo e o empilhamento de corpos na pandemia sem uma saída visível, o mercado, representado pela Avenida Faria Lima e adjacências espelhadas, age com a boa-fé dos ingênuos ou a má-fé dos cínicos?

Eis uma ambivalência que vai se aprofundando à medida que os meses passam, cuja permanência pode levar a que seja cada vez mais difícil o país sair do atoleiro bolsonarista.

O silêncio cúmplice do dito mercado e dos demais setores que deveriam mover a economia é o que dá a Bolsonaro a certeza de que ele pode fechar com o Centrão, enterrar a Lava-Jato, empurrar cloroquina goela abaixo do país, sabotar a vacinação e depois mentir dizendo que não o fez porque nada vai acontecer.

E olha que Bolsonaro é, antes de tudo, um fraco. Covarde, mesmo. Ele morre de medo de impeachment, de crítica, de pesquisa, de adversário, da imprensa, do Supremo, justamente porque sabe de suas severas limitações intelectuais, da sua incompetência nata e do caráter precário de sua administração em todas as áreas.

Se uma pessoa assim incapaz chega ao ponto de dobrar a aposta e negar na cara dura declarações reiteradas de ataque às vacinas, é porque quem poderia contê-lo foi longe demais na condescendência.

Basta analisar a mais recente pesquisa de avaliação do governo divulgada pela XP e pelo Ipespe. Semana após semana, a popularidade de Bolsonaro se deteriora. São 42% os que consideram o governo ruim ou péssimo, e 53% os que condenam sua atuação no curso da pandemia.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro ganhou fôlego

- O Globo

Jair Bolsonaro ganhou fôlego. Apesar do desastre na gestão da pandemia, o presidente recuperou força no Congresso e afastou, ao menos por ora, o fantasma do impeachment. Seus adversários, que precisavam se organizar para incomodá-lo, queimam energia com intrigas e guerras fratricidas.

Em poucos dias, a ideia de uma frente ampla virou miragem. No campo da centro-direita, o fracasso de Baleia Rossi foi o menor dos males. Partidos como DEM, PSDB e MDB, que ensaiavam se distanciar do bolsonarismo, parecem mergulharar numa espiral de autodestruição.

A briga no DEM é a mais ruidosa, devido à troca de insultos entre Rodrigo Maia e ACM Neto. No entanto, as outras legendas não estão menos divididas. No PSDB, o governador João Doria passou a enfrentar oposição aberta. O grupo de Aécio Neves, que ressurgiu das cinzas como aliado do Centrão, agora ameaça melar suas ambições presidenciais.

No MDB, articula-se um movimento para tirar a burocracia partidária das mãos de Baleia. Viciado em cargos, o partido poderia acabar no colo do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Ele construiria a ponte para um futuro governista, alinhado aos interesses eleitorais do capitão.

Felipe Maia* - Bolsonaro está mais forte. E as oposições?

Não há escolha política acertada sem uma correta compreensão das relações de força. Por isso é forçoso constatar que Bolsonaro hoje está mais forte que há dois anos. As razões que explicam o fenômeno ainda estão por ser mais bem entendidas, mas a leitura dos fatos dificilmente permite outra conclusão. A vitória dos candidatos do governo nas eleições para as mesas das duas casas legislativas no início de fevereiro consolidou um realinhamento de forças políticas que teve início em meados do ano passado quando Bolsonaro livrou-se de Sérgio Moro e ampliou a participação do assim chamado “centrão” em seu governo.

O que foi visto à época como um seguro contra um eventual processo de impeachment, pode se tornar agora o modus operandi permanente da relação entre governo e legislativo. Uma eventual reforma ministerial, com se especula, seria o próximo passo na reorganização das forças do governo. Ela poderia consolidar a aliança entre o grupo palaciano e os partidos dominantes no Congresso, num amálgama de interesses corporativos, religiosos e econômicos em que se mistura a agenda cultural reacionária com a economia ultraliberal, que vê no desmonte das redes de proteção social e ambiental a tábua de salvação para um capitalismo decadente que já não consegue concorrer por si só no plano global. Há sempre quem se iluda com a miragem da “normalização” de Bolsonaro, isto é, com sua submissão ao “funcionamento das instituições” e aos limites da ordem constitucional vigente, fingindo não ver que a erosão das instituições democráticas é o cerne do governo, não tirando lições sequer do atentado ao Capitólio americano pelo trumpismo, que inspirou todo o movimento de Bolsonaro até aqui.

Na eleição para a Câmara, o governo abriu o cofre do orçamento público para não só garantir a vitória de seu candidato, mas para derrotar o grupo de Rodrigo Maia e Baleia Rossi até em seus próprios partidos. Estima-se que até nos partidos da oposição de esquerda a aliança vencedora tenha amealhado votos, tendo sido emblemática a divisão da bancada do PT na escolha do posto que lhe cabia na composição da mesa diretora da casa. O arranjo encabeçado por Rodrigo Maia, que reunia partidos de centro-direita independentes do governo e a oposição de esquerda, se desfez. Foi essa articulação que permitiu manter a Câmara longe do controle do governo, o que serviu como um muro de contenção para reduzir os danos da política destrutiva de Bolsonaro. Desfeito o obstáculo, o governo tem agora caminho mais livre para encaminhar sua agenda no Legislativo. A tarefa não será fácil, pois a nova maioria é heterogênea e move-se por interesses localizados, o governo terá de negociar caso a caso e o custo será alto, mas não impossível de ser pago.

E isso ainda mais se Bolsonaro conseguir manter o controle de outros elementos chave da dinâmica política. Em sua relação com o Judiciário, ele vem, aos poucos, ganhando terreno. Já indicou um ministro ao Supremo Tribunal Federal, que vai se revelando bastante colaborativo, e ainda poderá indicar ao menos mais um até o fim de seu mandato, o que não é suficiente para alterar a composição do plenário que é hoje, com todas as críticas que se possa ter a ela, resistente aos impulsos autoritários. Contam os colunistas de jornal que ele joga com a pretensão de juízes dos demais tribunais superiores de ascender ao Supremo para favorecer suas demandas, em especial as que se referem aos processos de corrupção e lavagem de dinheiro de seu filho Flávio Bolsonaro. Também no Ministério Público, Bolsonaro conta com a postura colaborativa do Procurador Geral, mesmo com a manifestação contundente de desacordo dos demais procuradores, neutralizando a possibilidade de investigação independente de sua conduta criminosa durante a pandemia.

Elio Gaspari - A teimosia ignorante de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo / O Globo

Imaginar que seu governo seja capaz de organizar um plano coerente, como o Bolsa Família, é querer demais

Jair Bolsonaro administra a própria ignorância com o pior dos temperos, a teimosia. Em março passado ele disse que a Covid-19 era uma “gripezinha”, vá lá que fosse, os mortos em Pindorama eram apenas cinco. Em dezembro, ele disse que a pandemia estava no “finalzinho” (os mortos passavam de 150 mil) e um mês antes classificara a segunda onda de contágios de “conversinha”. Veio a tragédia do Amazonas, os mortos já são mais de 233 mil, e a média móvel ficou acima de mil por dia por mais de duas semanas. Conversinha?

O ministro da Saúde, um general da ativa, gosta de brigas. Seu secretário-executivo, um coronel, disse que o governador João Doria estava “sonhando acordado” quando anunciou que a vacinação começaria em janeiro no seu estado. Começou.

Bolsonaro acredita em muitas coisas. A cloroquina ajuda contra a Covid-19, a Amazônia não pode ter queimadas porque é úmida, e a eleição americana foi fraudada. Todas essas crenças têm devotos e, salvo os agrotrogloditas que tocam fogo na mata, nenhum deles causa grandes prejuízos aos outros. No caso da pandemia, a superstição presidencial causa danos. O coronel do Ministério da Saúde talvez não tivesse pulado na jugular de Doria se o Planalto falasse outra língua. Talvez o general Pazuello também não saísse por aí com sua maleta de cloroquina.

O estrago feito, feito está. A eleição para as presidências do Senado e da Câmara mostrou que Bolsonaro não está condenado a perder todas. Ele pode ganhar mais uma: basta esperar o dia em que começará a vacinação dos sexagenários e, em vez de ir a uma padaria numa de suas sortidas cenográficas, para entrar no fim de uma fila de vacinação.

Será um gesto de humildade, exemplo para sua infantaria e desestímulo a seus guerreiros sem causa.

Rosângela Bittar - Gênio ou...

- O Estado de S. Paulo

Ao submeter o Congresso aos seus desígnios, Bolsonaro logrou vantagens inesperadas

Contra fatos não há argumentos, diria o debatedor preguiçoso. Por isto, resumidamente: não foi pequena a conquista política de Jair Bolsonaro neste início do terceiro ano de sua inoperante gestão presidencial.

Ao submeter o Congresso aos seus desígnios, ungindo, a preços da União, os que viriam a ser os presidentes da Câmara e do Senado, o presidente logrou outras vantagens inesperadas. Implodiu um partido forte, o DEM, que transitou, em apenas 60 dias, do sucesso absoluto (eleições municipais) ao fracasso retumbante (rendição ao governo).

Ao fazê-lo, destruiu duas articulações já avançadas de seus adversários na disputa eleitoral de 2022.

Numa delas, atingiu os arranjos para o lançamento de uma candidatura viável de centro, dos quais o DEM era interlocutor privilegiado. Por esta fenda foram arrastadas as candidaturas de João DoriaLuiz Henrique Mandetta e Luciano Huck.

Noutra, conseguiu desafinar as cordas de uma orquestração para união das esquerdas na sucessão. Com a adesão do PT ao arrastão no Senado soou o alarme na praia onde devia estar o ex-presidente Lula.

Ordenou a Fernando Haddad se declarar candidato do PT à sucessão de Bolsonaro, de forma a guardar novamente sua vaga enquanto espera decisões judiciais.

Fernando Exman - Maia diante da sina dos antecessores

- Valor Econômico

Desafio será agrupar polo de oposição ao governo Bolsonaro

Rodrigo Maia agora serve o seu próprio café, comprova a fotografia que ilustrou a entrevista do agora ex-presidente da Câmara dos Deputados ao Valor. Não que ele possa ter deixado de fazê-lo quando sozinho, em sua intimidade, na companhia da família ou de amigos mais próximos. Mas, é possível apostar sem chances de errar que poucas vezes precisou servir-se em público desde 2016, quando assumiu um dos cargos mais importantes do país. O poder traz mordomias e estas se vão das vidas daqueles que as usufruem assim que seus mandatos expiram.

Outro fator que entra nessa conta é a perspectiva de poder ou a falta dela. Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a faixa para a sucessora, a brincadeira que se fazia em Brasília era que o petista teria que reaprender a abrir e fechar portas. Até por isso foi de certa maneira impactante ver Maia abaixo do batente, após a porta entreabrir-se e a maçaneta girar, para receber os repórteres que foram ouvi-lo falar sobre a derrota que sofrera dias antes na disputa pela mesa diretora do Legislativo, reclamar da conduta de aliados históricos e tratar do seu futuro político.

O deputado fluminense não pode contar mais com o apoio do estafe da residência oficial, a ampla casa às margens do Lago Paranoá que hospeda o presidente da Câmara. O imóvel já tem um novo inquilino. Maia também estará de volta ao chão do plenário. Desta vez, com o intuito de se posicionar em relação aos grandes temas nacionais e desempenhar um papel central no processo de construção de um polo de oposição.

Luiz Carlos Azedo - Doria põe fogo no ninho

- Correio Braziliense

 “O eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto”

O governador de São Paulo, João Doria, pode ter dado um grande passo em falso para a consolidação de sua candidatura. Nem tanto por exigir do PSDB um claro posicionamento de oposição ao presidente Jair Bolsonaro, uma vez que já se coloca nesse campo, mas porque fez duas exigências para as quais, no momento, ainda não reúne forças suficientes para obtê-las dentro de seu próprio partido: a renúncia do deputado Bruno Araújo (PE), que preside a legenda, e a expulsão do deputado Aécio Neves MG), uma eminência parda nas bancadas da Câmara e até do Senado, onde ainda tem muitos aliados.

Doria fez as exigências num jantar com lideranças tucanas na segunda-feira. Bruno Araújo foi surpreendido pela proposta e não gostou nem um pouco da ideia de passar o comando da legenda para o governador paulista, de quem, inclusive, era aliado. A reação do presidente do PSDB foi defender a realização de prévias, pois o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem revelado a aliados que não deseja se reeleger ao cargo e gostaria de disputar a Presidência da República. O líder da bancada na Câmara, Rodrigo Castro (MG), muito menos. É muito ligado a Aécio, que reagiu confrontando Doria diretamente: “O partido não tem dono”.

O ninho foi incendiado por Doria, mas a divisão interna já estava patente na disputa pelos comandos da Câmara e do Senado. No primeiro caso, por muito pouco a bancada não se retirou do bloco encabeçado pelo líder do MDB, Baleia Rosssi (SP), que foi derrotado por Arthur Lira (PP-AL). Foi preciso que Doria e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso interviessem nas articulações, porque a maioria da bancada estava com o candidato do Centrão. No segundo, cinco dos oito senadores tucanos apoiaram Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contra Simone Tebet (MDB-MS). Ou seja, o eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto.

Ricardo Noblat - Como não pode demiti-lo, Bolsonaro cancela Mourão

- Blog do Noblat / Veja

À procura de um vice que diga apenas "sim, senhor"!

Sem poder demiti-lo porque foi eleito junto com ele, sem poder fazer de conta que ele simplesmente inexiste, o presidente Jair Bolsonaro decidiu cancelar o vice-presidente Hamilton Mourão.

Faz tempo que já não conversa com ele, mas, ontem, foi muito além: excluiu-o de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Compareceram 22 ministros. O único que faltou estava viajando.

 “Não fui convidado, não fui chamado. Então, acredito que o presidente julgou que era desnecessária a minha presença”, disse o  general que faz parte do Conselho de Governo.

Mourão deixou passar algumas horas e deu o troco: embora convidado, não foi à cerimônia de lançamento de um programa destinado a atrair investimentos privados para a Amazônia.

A cerimônia contou com a presença de Bolsonaro e de outros ministros. Perguntando por que não foi, Mourão respondeu: “Estava trabalhando, tinha outras coisas para fazer”.

Mourão foi escolhido por Bolsonaro para ser vice na última hora. E mesmo assim porque outros nomes convidados para a função alegaram variados motivos para não ocupá-la.

Hélio Schwartsman - Vacina e popularidade

- Folha de S. Paulo

Às vezes Bolsonaro age racionalmente, como no caso da aliança com o centrão

Bolsonaro é um mistério. Às vezes, ele age racionalmente, como vimos no caso da aliança com o centrão, outras vezes, porém, opta por caminhos que lhe trazem claro prejuízo político. O mais emblemático deles é a relutância com a vacinação contra a Covid-19. Há um vínculo claro entre imunizar muito e ganhar pontos na popularidade.

A formidável campanha de vacinação em Israel, que já inoculou com ao menos uma dose 60% da população e experimentou redução de hospitalizações e óbitos, vai se convertendo no elemento que faltava para assegurar ao premiê Binyamin Netanyahu vitória nas eleições de março. Israel vai para seu quarto pleito em dois anos. Os três anteriores foram pouco conclusivos, produzindo governos pouco estáveis. É a vacina que poderá mudar essa história.

Bruno Boghossian - Um comentarista no governo

- Folha de S. Paulo

Presidente fala de temas espinhosos como se tivesse perdido a eleição de 2018 e voltado para a Barra da Tijuca

Outro dia, um sujeito parou na portaria do Palácio da Alvorada e reclamou do preço dos combustíveis. Disse que os impostos eram muito altos e que a margem de lucro das distribuidoras era grande demais. "Está todo mundo errado, no meu entendimento. Pode ser que eu esteja equivocado", ponderou.

A queixa poderia ter sido feita por qualquer um dos apoiadores que passam por ali todos os dias, mas o autor daquele lamento foi o presidente da República. Como se não tivesse poder nas mãos ou obrigações no cargo que ocupa, Jair Bolsonaro prefere agir como comentarista de assuntos espinhosos que cercam seu próprio governo.

O presidente fala dos problemas do país como se tivesse perdido a eleição de 2018 e voltado para a Barra da Tijuca. Na segunda-feira (8), ele citou o aumento de preços da cesta básica, mas não apresentou uma ideia razoável para amortecer os impactos dessa alta. "O povo está empobrecendo", refletiu. "Devemos buscar uma solução, e não passa apenas pelo presidente da República."

Ruy Castro - Nós aos olhos dos outros

- Folha de S. Paulo

A crueldade, o crime, a mentira, o hábito doentio de corromper. É o que temos para o momento

O Brasil ignorado lá fora? Nem pensar. Com Deus acima de todos e Bolsonaro acima de tudo, o mundo não tira o olho de nós. Se duvida, eis algumas manchetes recentes:

"Brasil fez a pior gestão do mundo na pandemia, diz OMS". "Com Bolsonaro, Brasil mantém recorde em índice de corrupção na Transparência Internacional". "Biden convoca cúpula do clima em abril e coloca em xeque posição do Brasil". "Corte Interamericana de Direitos Humanos vai julgar o Brasil por omissão na proteção de mulheres e embriões". "Com um assassinato a cada oito dias, Brasil ocupa segundo lugar em ranking da ONU sobre morte de ativistas".

"EUA [leia-se ainda sob Trump] barram tentativa do Brasil de avanço na OMC". "Bolsonaro expõe o Brasil ao ridículo ao ameaçar EUA com pólvora". "Biden ri ao ser perguntado sobre conversar com Bolsonaro". "China felicita Biden e reduz grupo de países fiéis a Trump; Brasil é um deles". "OCDE freia entrada do Brasil em grupo ambiental por política de Bolsonaro para a área".

"Brasil está no topo do ranking de fraudes com dados de cartões". "Brasil quer doar 1 milhão de testes de Covid quase vencidos ao Haiti. Hospitais brasileiros se recusam a receber testes prestes a vencer". "Brasil deve R$ 10,1 bi a organismos mundiais. Itamaraty alerta para risco de sanções por atrasos".

Paulo Delgado* - O assador Lira

- O Estado de S. Paulo

Quando se formam maiorias predatórias, algo de atentatório à democracia emerge

Se o Executivo quiser humilhar a Câmara por considerar ridículo ter de respeitá-la, a maioria se esfarela. As conveniências venceram, mas como prego mal pregado na parede. Se o presidente não souber lidar com o poder, o humor do Legislativo não vai espelhar o do Executivo. E teremos o parlamentarismo do Centrão.

A concha acústica que seria colocada no ponto mais alto do terreno para projetar o grito de manifestantes para dentro do Congresso jamais foi construída. Mas o espelho d’água para desencorajar a multidão a invadir o prédio, esse, sim, foi aberto.

Senado e Câmara elegeram seus novos presidentes sob a indiferença dos brasileiros. No Senado não foi tanto vitória do governo. Foi o Senado, velho e sem se fazer de caduco, que escolheu um homem jovem, gentil, associativo para enfrentar uma política totalmente sem imaginação. O belo discurso de Simone sobre o mar, barcos e remos se perdeu nas ondas de procuradores imaturos e de um juiz que, se foi duro para perseguir grandes, se viu menor diante de um pequeno. Talvez por isso, a poesia logo foi suplantada pelo discurso de formatura do melhor aluno da turma de 2018.

Um senador sem freios apurou: Simone para lá, Rodrigo para cá, depois morreu. Que gente! Ninguém poderia imaginar que assim contassem votos no Senado da República.

Na Câmara foi diferente. Houve boxe, com socos combinados e frases dirigidas para acalmar a boa consciência de traidores engajados. SUS, rede de proteção social, pauta emergencial, cadeira giratória, todos conheço por nome. Clichês endereçados a aplastados partidos. Uff!

A matemática é inexorável. Dos 211 do bloco de Baleia, 145 votos ele teve. Assolador. Com 247 em seu bloco, Lira obteve 302 votos, revelando que os convencidos eram minoria diante dos dispostos a ser convencidos. Partidos de gente partida.

Roberto DaMatta* - Lendo o jornal

- O Estado de S. Paulo

Jornais informam e informar é pôr em ação a igualdade de todos perante os eventos engendrados por suas sociedades

Qual é o papel do jornal na vida das sociedades? É óbvio que tudo começou em Roma, mas só pode haver “jornal” quando há imprensa (um meio mecânico de múltipla reprodução) e letramento. 

Quando uma população sabe ler e lê cotidianamente em busca de alento, de remédio e, sobretudo, de informação e novidade. A palavra “newspaper” é significativa, porque o jornal diário (o “daily news”) só pode existir num sistema em constante mudança. O jornal foi o primeiro anunciante de novidades manifestas ou bloqueadas em sociedades aristocráticas nas quais o ideal era a permanência e o que não cabia nas normas era visto como intrigas, aleivosias, ladroagens, segredos e fuxicos. O jornal “fura” ou abre o sistema inventando uma opinião impessoal: a opinião pública. 

Jornais informam e informar é pôr em ação a igualdade de todos perante os eventos engendrados por suas sociedades. Ou seja: o jornal é a grande vacina contra fuxicos ou meias-palavras quando traz à luz do dia aquilo que os poderosos (ou mandões, os ricos, as elites e as celebridades) fazem na escuridão de seus privilégios e relações. 

São os jornais, com seus “cadernos” e divisões, que articulam e legitimam que tal ou qual desastre, decreto, política, interesse e movimento pertence a este ou àquele domínio da realidade e quais são as suas implicações visíveis. 

Cristiano Romero - País convive com herança estatal do II PND

- Valor Econômico

Apesar das polêmicas, todo governo reduz Estado na economia

Embora não tenham desmontado inteiramente, até os dias atuais, o modelo nacional desenvolvimentista que faliu durante a crise da dívida, em 1982, todos os presidentes, desde então, diminuíram a participação do Estado brasileiro na economia (ver gráfico abaixo). Praticamente todos privatizaram ou concederam ao setor privado a gestão de serviços públicos como rodovias, telefonia e aeroportos, algo, ainda hoje, impensável para os defensores de um Estado utópico, provedor de bens e serviços de qualidade.

O fato de todos os governos terem vendido estatais significa que o modelo de desenvolvimento exauriu-se, isto é, tornou-se insustentável do ponto de vista de seu financiamento tanto fiscal (recursos públicos) quanto externo (dívida bancária). O negacionismo dessa realidade - o pior defeito de um governante - por setores da burocracia estatal, do empresariado, da classe média e do meio político à esquerda e à direita produziu nas décadas seguintes a ruína econômica, traduzida pelo advento da hiperinflação, pela queda brutal da taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), pela deterioração da infraestrutura, pela forte contração das taxa de investimento dos setores público e privado etc.

O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) foi lançado em 1974, no governo Geisel (1974-1979), como resposta à crise internacional provocada pela primeira crise do petróleo. O objetivo, conforme anunciou o então presidente na ocasião, era evitar que a Ilha de Vera Cruz caísse numa recessão.

Vinicius Torres Freire – O plano de governo do centrão

- Folha de S. Paulo

Novo comando do Congresso quer criar novo benefício mesmo sem corte de outra despesa

Se quiser evitar uma crise precoce com o novo comando do Congresso, o governo de Jair Bolsonaro vai ter de engolir a criação de um novo auxílio emergencial sem contrapartida de corte de outras despesas, ao menos de imediato.

Seria, no entanto, uma solução do gosto de Bolsonaro, embora não de Paulo Guedes.

A oferta de contrapartida do centrão, por ora, é aprovar “reformas” sem custo político, tal como a autonomia do Banco Central, que já foi para o forno, e outras medidas regulatórias setoriais (por exemplo, a lei do gás, do petróleo, talvez do setor elétrico).

Se o comando novo do Congresso azeitar a relação com suas bases, se o governo não confrontar o centrão e a popularidade Bolsonaro não for para o vinagre, é possível aprovar também uma reforma administrativa para as calendas e algum remendo mais duradouro, mas procrastinado, de aperto fiscal.

É esse o programa para 2021.Líderes partidários próximos de Artur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e de Rogério Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, dizem que o projeto do novo auxílio será pautado, ponto, e apenas vai cair se houver grande resistência no chão do Congresso, o que é bem improvável.

As dúvidas maiores entre os parlamentares:

1) saber qual instrumento utilizar para aumentar a despesa sem estourar o teto de gastos na letra da lei (se por crédito extraordinário, emenda constitucional de “calamidade” ou variante de “orçamento de guerra” etc.);

2) definir o critério de acesso ao benefício;

3) em quanto aumentar a meta de déficit no Orçamento de 2021.Quanto maior seria o déficit por causa do novo auxílio? O governo imaginava não gastar mais de R$ 20 bilhões (três parcelas de R$ 200 para algo em torno de 30 milhões de pessoas).

Zeina Latif - Menos improviso, por favor

- O Globo

É bastante óbvio que a vacinação em massa e a transferência de renda aos indivíduos mais vulneráveis ao impacto da pandemia são temas urgentes da política pública. Não faltaram alertas. Mesmo assim, falta foco e há muito improviso.

A retomada da economia depende desses assuntos, interligados - quanto mais lenta a vacinação, maior a necessidade de socorrer os mais pobres. Não se trata apenas de garantir recursos orçamentários, mas de ter bons desenhos de políticas públicas.

O governo falha nas duas frentes. A julgar pelo andar da carruagem, teremos a pior combinação possível: o aumento do endividamento público financiando medidas pouco eficazes.

A reação à pandemia foi relativamente rápida do lado econômico, mas não nos preparamos para uma crise que ainda terá mais capítulos, em boa medida pelos próprios erros do governo. Pessoalmente, defendi uma gestão mais cautelosa e com foco especial na saúde, pois conter a doença ajudaria a limitar o contágio na economia.

A crise prometia ser longa e o quadro fiscal já era frágil. A escolha, no entanto, foi outra. Como resultado, a saúde padeceu e ficou a fatura de um custo fiscal mais elevado na comparação mundial.

José Serra* - Banco Central: quando autonomia significa mais desigualdade

- Congresso em Foco

O Parlamento e o governo sabem que um dos legados da pandemia é o aumento da desigualdade social. Famílias sem acesso a recursos financeiros perdem renda e  emprego, com seus filhos fora da escola, lutando pela sobrevivência. Além disso, não temos orçamento público aprovado nem planejamento financeiro para ajudar essa parcela significativa da população brasileira. É neste cenário que o presidente da Câmara resolveu pautar projeto que institui a independência política do Banco Central, o que tende a aumentar, mais ainda, essa desigualdade.

A proposta é moralmente perversa e deve ser rejeitada, pois a independência política de um Banco Central aumenta a já enorme barreira que separa ricos e pobres. Essa é a conclusão de pesquisadores do Banco Mundial em estudo publicado este ano a respeito do  impacto da independência dos bancos centrais   sobre a desigualdade:“Does Central Bank Independence Increase Inequality?”. Com sólida base teórica, os estudiosos do banco demonstraram a existência de correlação entre a independência do Banco Central e a desigualdade social. Chegaram a três conclusões de fácil compreensão.

Primeiro, a independência dos Bancos Centrais limita o alcance da política fiscal, o que limita a capacidade de um Governo para distribuir recursos. Segundo, incentiva a desregulamentação irresponsável dos mercados financeiros, beneficiando os investidores em bolsa, na medida em que infla os valores dos ativos negociados no mercado. Terceiro, promove indiretamente políticas que enfraquecem o poder de negociação dos trabalhadores, com o objetivo de conter pressões inflacionárias.

Cristovam Buarque* - É preciso saltar

- Correio Braziliense

O Brasil assiste, nestes dias, às tragédias da epidemia e da educação, e das duas entrelaçadas asfixiando o futuro do país. Mas o presidente da República apresentou ao Congresso Nacional ações que deseja aprovadas como seu legado ao futuro sem a presença desses assuntos. O presidente quer que o Brasil tenha milícias com indivíduos cada vez mais armados, substituindo polícias e Forças Armadas. Ele propõe também reduzir a proteção aos nossos povos indígenas e inocentar previamente policiais que matam civis durante operações.

Ele não põe a educação como prioridade, salvo desobrigar os governos de oferecerem escola e transferir essa responsabilidade para que as famílias possam dar instrução em casa. Ignora 50 milhões de crianças em idade escolar cujas famílias não têm condições de educar os filhos em casa, como era no período medieval, com tutores, e ainda despreza o futuro da nação a ser construído por elas.

A análise das propostas do presidente assusta pela ausência de preocupação com a educação nos dois anos iniciais do governo. A ponto de isentar importações de armas e taxar importação de livros, porque seus ministros dizem que livros são comprados por ricos e armas por pobres. Se tivesse interesse em fazer com que o Brasil desse o salto na educação, ele teria apresentado as propostas já conhecidas, mas é forçoso dizer que seus antecessores também não quiseram pôr em prática. Apresentar uma estratégia para que em alguns anos, ou décadas, o Brasil atinja duas metas: ter um sistema educacional com máxima qualidade e que a educação tenha a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança. Para tanto, seriam necessários alguns passos.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - O retorno das panaceias e a invasão do futuro

Na era digital – sim, é uma nova era - o cidadão precisa acreditar mais em si, e menos nos governos, nas redes e nos deuses mortais, forjados na política, como mitos, por interesses privados e insensatas ideologias.

O início da vacinação, a reabertura do comércio, das escolas e das universidades sinalizam, para o retorno das panaceias - os discursos da cura de todos os males - conduzidos por mágicos na economia, em geral bancários e banqueiros, e pelos salvadores da Pátria na política. 

Eu juro, por Apolo, por Esculápio, Higia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo o meu poder e a minha razão, a promessa que se segue (...). Dois mil anos depois, o juramento de Hipócrates é ainda acreditado no campo da medicina e sua prática inspira a sobrevivência de muitos, no campo da política que no Brasil se constitui em uma frente de corrupção em plena atividade, levando a Lava Jato a cair na banalidade do cotidiano.

O novo presidente da Câmara anuncia que vai combater a pandemia, expandir as medidas sociais e promover o desenvolvimento. O do Supremo Tribunal Federal pretende priorizar a despolitização judicial e fomentar a pauta de costumes – discutir o aborto, o uso de entorpecentes, segregação e racismo. 

O chefe do Executivo empenha-se na aprovação das reformas fiscal, administrativa, tributária e no aumento do emprego. Inicia a execução do Orçamento de 2021– receita de R$ 1,560 trilhão (20,4% do PIB) e despesas de R$ 1,516 trilhão (19,8% do PIB) - autorizado a gastar R$ 247 bilhões a mais que a lei orçamentária, aprovada no Senado, em 10 minutos, no final do ano passado.

A pandemia está aí, caminhando para 300 mil mortos. A vacinação não apresenta ainda resultados. Os “panacêiticos” insistem na continuidade do auxílio emergencial e na redução da taxa de juros (2% a.a). E os governadores, além de não ressarcir  as prestações de dívidas acumuladas (R$ 720 bilhões) querem mais dinheiro. O ministro da Fazenda parece desnorteado: a dívida ativa da União (o governo deve à sociedade) ultrapassou a casa dos R$ 2,5 trilhões. O desemprego atinge 17 milhões de cidadãos e a informalidade no trabalho envolve 67 milhões de famílias: sem carteira assinada e sem direitos trabalhistas.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A inflação está na mesa – Opinião | O Estado de S. Paulo

Comida, a principal despesa para a maioria das famílias, continua puxando a inflação, num ambiente de alto desemprego e condições agravadas pelo fim do auxílio emergencial. Sem essa ajuda, mais de 60 milhões de pessoas afundaram em dificuldades, enquanto os preços, já muito inflados, continuaram em alta. O custo da alimentação subiu 14,81% em 12 meses, mas esse número, já muito ruim, é apenas uma média. O arroz encareceu 74,14%. O feijão carioca, 18,53%. As carnes, 22,82%. Mesmo com algum alívio em janeiro, a pressão acumulada é muito forte. No mês passado a inflação ficou em 0,25% e o custo da alimentação subiu 1,02%. Foram taxas menores que as de dezembro – mas em cima de grandes aumentos em meses anteriores. Esses dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Convém levar em conta esses aumentos para avaliar o alívio, real ou aparente, ocorrido em janeiro. A taxa do mês foi bem menor que as de dezembro (1,35%) e da maior parte dos meses a partir de julho. Mas apenas dois itens, habitação e vestuário, ficaram mais baratos que no mês anterior, com recuos de 1,07% e 0,07%. O custo da habitação foi derrubado pela tarifa de eletricidade, com redução de 5,60%, resultante da passagem da bandeira vermelha para a amarela. Nos outros sete grandes itens pesquisados houve altas de preços.

O aumento maior e de maior efeito foi o do custo da alimentação, de 1,02%, com impacto de 0,22 ponto na formação do resultado geral (0,25%). Os preços no varejo teriam sido bem mais altos, em janeiro e no segundo semestre de 2020, se produtores e distribuidores tivessem conseguido repassar as altas ocorridas no atacado.

Música | Levino Ferreira - Último dia (9/2/ Dia do Frevo)

 

Poesia | Antonio Machado - Ocaso

Era un suspiro lánguido y sonoro
voz del mar aquella tarde... El día,
no queriendo morir, con garras de oro
de los acantilados se prendía.

Pero su seno el mar alzó potente,
el sol, al fin, como en soberbio lecho,
hundió en las olas la dorada frente,
en una brasa cárdena deshecho.

Para mi pobre cuerpo dolorido,
para mi triste alma lacerada,
para mi yerto corazón herido.

Para mi amarga vida fatigada...,
el mar amado, el mar apetecido,
el mar, el mar, y no pensar en nada...!