quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Dias Toffoli*

Há 36 anos o nosso problema era se teríamos eleições diretas para presidente da República ou não. Tínhamos o problema de eleições diretas, da democratização, não tínhamos uma moeda estável, tínhamos o problema da proteção das minorias.

Todos os espectros ideológicos já assumiram a cadeira de presidente da República, seja de centro, esquerda ou direita. A nossa democracia mostra responsabilidade, os nossos problemas não são os mesmos do passado.

*Dias Toffoli, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Valor Econômico, 4/2/2020

Merval Pereira - Congresso dominante

- O Globo

Não há nada de mais em o Congresso querer participar da escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal

Uma febre revisionista toma conta do Congresso, que vem ocupando o espaço decisório deixado vazio pelo Executivo, comandado por um Bolsonaro completamente sem apetite para as coisas grandes, e voltado diuturnamente para as pequenezas.

Assim como a atuação do Congresso estabelece um parlamentarismo branco, também há em andamento uma Constituinte não declarada. Depois de anos de inação, dependendo do Executivo para tomar decisões, o Congresso parece estar gostando de assumir o protagonismo, o que tem sido bom para o país na maior parte das vezes.

Mas quando o Congresso resolve mudar a Constituição com objetivo político de se auto-blindar, mesmo as decisões corretas em si acabam sendo problemáticas. É o caso do juiz de garantias, figura existente em diversos países que poderia ser um avanço democrático se não fosse tirado do bolso do colete para travar o combate à corrupção pelos juízes de primeira instância, que têm tido papel preponderante na Operação Lava-Jato.

A prisão em segunda instância, que havia sido um avanço do Judiciário em direção ao fim da impunidade, foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora volta à discussão no Congresso. Uma proposta de emenda constitucional (PEC) está em discussão, sem que haja certeza nem de sua aprovação, nem se será considerada constitucional pelo STF.

Ricardo Noblat - Congresso avança sobre espaços que Bolsonaro deixa abertos

- Blog do Noblat | Veja

Em questão, a escolha de ministros do Supremo

Nada absurda a pretensão de deputados e senadores de que o Congresso ganhe maior protagonismo no processo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Não existe uma receita única no mundo. Cada país tem a sua. Aqui, é o presidente da República quem escolhe. O nome é sabatinado pelo Senado e, uma vez aprovado, assume o cargo.

A sabatina é um mero ritual. Não há registro de nome que tenha sido recusado pelo Senado. Nos Estados Unidos ela é para valer, embora a vontade do presidente acabe também prevalecendo.

O mandato de um ministro da Suprema Corte americana é vitalício. Aqui, o ministro é obrigado a se aposentar aos 75 anos . É por isso que Celso de Mello, em novembro, irá para casa.

Na Alemanha e em Portugal, os ministros cumprem mandatos de 12 anos. Na Espanha, de oito. Há países onde o chefe de Estado indica uma parcela dos ministros, e o parlamento, a outra.

A essa altura, não fosse Bolsonaro hostil à ideia de dividir o poder com os partidos e duvidoso o seu compromisso com a democracia, é possível que o Congresso tivesse outras preocupações.

Mas ele é hostil e não é confiável. Em um Supremo rachado ao meio como o que temos, o poder solitário do presidente de nomear um ministro pode se tornar um perigo.

A manter-se o sistema atual, Bolsonaro terá a chance de nomear dois ministros para o Supremo até 2022. Antecipou que um deles será “terrivelmente evangélico”. O outro deverá ser Sérgio Moro.

De um ministro de tribunal superior, exige-se notável conhecimento jurídico e conduta moral ilibada. Não importa que religião professe ou se é ateu. O Estado brasileiro é laico. E ponto.

Lula já escolheu um ministro pela cor de sua pele – Joaquim Barbosa. Dias Toffoli foi escolhido porque era ligado ao PT, embora reprovado antes em dois concursos para juiz.

O Congresso renovado em 2018 tem surpreendido até aqui pela sensatez da maioria das suas decisões. Fará muito bem ao país se perseverar nessa linha.

Luciano Huck, de bolso cheio, só pensa na vaga do capitão

Bernardo Mello Franco - Os negócios do secretário

- O Globo

Os negócios do secretário Wajngarten se misturam com sua atuação no governo. É um caso típico de conflito de interesses, em que o mesmo personagem atua dos dois lados do balcão

Fabio Wajngarten é um homem de negócios. Há três semanas, ele convocou a imprensa para explicar como ficou rico. Disse ter largado uma carreira promissora na advocacia para atender a um pedido do empresário Sílvio Santos.

“Ele queria que eu gravasse as propagandas que eram veiculadas numa emissora concorrente”, contou. “Comprei um videocassete, um caderno, e do meu quarto eu gravava essa emissora de televisão”, prosseguiu, descrevendo o próprio serviço como “pioneiro” e “inovador”.

Em 2017, o publicitário farejou outra oportunidade. No início da campanha presidencial, ele notou o crescimento de Jair Bolsonaro e se ofereceu para aproximá-lo do empresariado paulista. Desta vez, disse não ter buscado vantagens financeiras.

Elio Gaspari - Bolsonaro deve estudar seus recuos

- O Globo / Folha de S. Paulo

A ideia de deixar brasileiros numa área de risco era bobagem em estado puro

Precipitação e insônia os males de Bolsonaro são. Basta que se congelem duas situações irracionais nas quais teve que recuar. Primeiro, a nomeação do peripatético Vicente Santini, demitido depois de seu voo de Davos para Nova Déli e novamente defenestrado. Depois, a declaração de que não poderia resgatar os brasileiros confinados em áreas de risco da China: “Custa caro um voo desses”, disse o capitão depois ter ouvido quatro ministros. Novamente, recuou e fez o certo.

No primeiro caso (a recontratação de Santini), poderia ter ficado quieto por 24 horas, durante as quais ouviria pessoas em quem confia. No segundo (o dos brasileiros que estão na China), bastaria ficar calado, pedindo aos çábios que lhe sugeriram a omissão que pusessem a cara na vitrine.

Sempre houve ministros prontos para repetir bobagens ditas por presidentes. Apanham, mas colhem prestígio palaciano. Presidente repetindo bobagens ciclópicas de ministros é coisa rara. Esse foi o caso do “custa caro um voo desses”. A ideia de deixar brasileiros numa área de risco era bobagem em estado puro, e o presidente foi jogado aos leões por um infeliz palpiteiro (ou por felizes palpiteiros que preferiram ficar calados). Bolsonaro mexeu com a relevância do cargo que ocupa.

Não se pode pedir que ele siga os melhores exemplos de seus antecessores, mas pode-se lembrar a conduta de Dom Pedro II numa situação inversa, na qual ele poderia ser suspeito de trazer um micróbio indesejável. Em 1871 o imperador viajava para a Europa como Pedro de Alcântara, um cidadão qualquer, e seu navio aportou em Lisboa. Passageiros vindos do Brasil tinham que se submeter a uma quarentena, indo para o Lazareto. Ofereceram-lhe um passe livre e, em voz alta, ele o recusou, submetendo-se a uma quarentena de que durou oito dias. Escreveria: “Estou no Lazareto, uff!”

Rosângela Bittar - Conta outra

- O Estado de S.Paulo

A carta de intenções do governo enviada ao Congresso é documento inconsistente

Nos Estados Unidos, sempre a primeira referência em vivência democrática, a prestação de contas do governo federal ao Congresso e as intenções para o ano que começa estão em discurso denominado Estado da Nação.

Hollywood (saudades da série The West Wing) já mostrou ao mundo o frenesi que antecede a elaboração da mensagem do chefe do governo ao Legislativo, as discussões sobre os temas polêmicos e o debate de ideias sobre o que deve prevalecer para o registro da história. A mensagem procura o rigor sobre o passado para tornar crível a promessa de futuro.

No Brasil, a mensagem que o presidente da República envia solenemente ao Congresso a cada ano, na abertura dos trabalhos legislativos, já foi chamada de “engana brazilianista”. É um relatório sem compromisso com a realidade. Não serve para pesquisa, seja dos temas, seja dos métodos, seja das intenções da administração. É, apenas, uma extensa formalidade.

A começar pelo portador. Onde já se viu um ministro esvaziado em suas funções enquanto estava de férias, tendo de explicar na volta às pressas se está demitido, levar solenemente ao Congresso a carta de intenções do governo federal? O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fez este papel e viu aumentar sua necessidade, que já era grande, de justificar presença no governo. Mas continuará, por enquanto, onde sempre esteve: no Planalto há um vácuo que serve às longas frituras.

Vera Magalhães - ‘Capitalismo social’

- O Estado de S.Paulo

Passada a 'primeira fase' das reformas econômicas, governo Bolsonaro passa a mirar o social a partir deste ano; a intenção, como sempre, esbarra na realidade: dificilmente sobrará dinheiro para o 'capitalismo popular' sair do discurso

Paralelamente à fase dois das reformas econômicas, o governo Jair Bolsonaro começa a mirar o social a partir deste ano. A preocupação é da ala política, mas já chegou à equipe de Paulo Guedes, que passa a usar expressões como “capitalismo social” para designar um conjunto de propostas que começam a ser desenhadas para tirar da oposição o discurso de que Bolsonaro não combate a desigualdade.

O capitalismo “social” ou “popular”, como vem sendo chamado nos briefings do governo, significa “transferir riqueza para as pessoas, não só renda”. Vem aí, nesse espírito, o anúncio do remodelamento do Minha Casa Minha Vida, que já começou a ser debatido entre os ministérios do Desenvolvimento Regional e da Economia e representantes das construtoras. O nome-fantasia que vem sendo usado nesses encontros é Casa Amada Brasil, que remete ao slogan de pegada “militar” do governo. Não é definitivo, me dizem os participantes das conversas.

Também ainda não há consenso sobre o modelo de financiamento das novas moradias: se mantendo o que vigorava no Minha Casa Minha Vida, ou adotando os vouchers, saída que é defendida pelo ministro Gustavo Canuto, mas tem resistências na equipe econômica e nas próprias empreiteiras.

A intenção, como sempre, esbarra na realidade: se nem as reformas que vão aprofundar o ajuste fiscal estão garantidas, e o teto de gastos é ainda mais restrito neste ano, dificilmente sobrará dinheiro para o capitalismo social sair do discurso.

Roberto DaMatta - Enchentes, temporais, perdas e sofrimento

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Sabemos que o sofrimento é esperado e normal – desde que seja evitado!

O planeta que, até onde sei, não tem ideologia de direita ou de esquerda, mas é tão vivo quanto nós – um dos seus inúmeros filhos – certamente reage ao nosso estilo de vida globalizado, fundado na sua implacável exploração.

A Mãe Terra exibe em terremotos, tempestades, geadas e vendavais, antigamente tidos como “naturais”, as consequências de um impiedoso monopólio. Vale lembrar Lévi-Strauss: “O direito do meio ambiente, de que tanto se fala, é um direito do meio ambiente sobre o homem, não um direito do homem sobre o meio ambiente”.

Não preciso invocar queimadas nem gigantescas enchentes que causam mortes, perdas materiais e muito sofrimento para sentir no coração esses gemidos.

*
Uma radical divisão entre o pessoal e o impessoal, entre o humano e o natural, impede de perguntar por que ocorrem mais enchentes aqui do que lá. Os meteorologistas se distinguem dos jornalistas porque não se podem atribuir razões mortais ou ideológicas ao clima, que somente comporta atenções factuais preventivas. Se há (como, infelizmente, é o caso) um tsunami no Japão, uma epidemia na China ou um temporal em Belo Horizonte, ninguém vai buscar sua causa final na vida de um político. Eventos imprevistos, promovedores de imenso sofrimento, são fundamentalmente “matutais” e estão imunes de atribuições morais.

Luiz Carlos Azedo - Tempos do coronavírus

-Nas entrelinhas – Correio Braziliense

O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.

O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.

Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.

Fábio Alves - Subestimando o vírus

- O Estado de S.Paulo

Há ainda muitas incertezas sobre a magnitude e duração da crise do coronavírus

É crescente o temor de que analistas internacionais tenham subestimado o impacto do surto do coronavírus nas economias chinesa e global nas suas projeções iniciais e que os investidores não tenham precificado totalmente esse impacto nos ativos de risco, como as bolsas de valores.

Há ainda muitas incertezas sobre a magnitude e duração da crise com o surto do coronavírus, que vão desde a confiabilidade dos dados reportados pelo governo chinês até a taxa de disseminação e de controle do vírus, o que poderá afetar o tempo em que o comércio e a indústria ficarão fechados, assim como a extensão das restrições de circulação de pessoas e de produtos.

O feriado do Ano Novo Lunar, por exemplo, foi estendido oficialmente pelo governo da China em uma semana até o domingo passado, mas as autoridades de, pelo menos, 24 províncias chinesas ordenaram que escolas e fábricas seguissem fechadas até a próxima segunda-feira, dia 10. Nos cálculos da rede de TV americana CNBC, essas 24 províncias respondem por 80% do PIB e 90% das exportações chinesas.

Até a segunda-feira, conforme dados da Comissão Nacional de Saúde da China, foram confirmados 20.438 casos de coronavírus e o total de mortes aumentou para 425. Na atualização anterior, haviam 17.205 casos confirmados e 361 óbitos. Fora da China, foram registrados 162 casos em 24 países, com duas mortes.

Ruy Castro* - Tirem suas conclusões

- Folha de S. Paulo

Uma técnica de persuasão mais eficaz do que a pura e simples estupidez

A Polícia Federal concluiu que o senador Flávio Bolsonaro não cometeu os crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica de que está sendo acusado pelo Ministério Público do Rio, por estranhas transações com lucros astronômicos, marotas declarações de bens, movimentações atípicas de dinheiro vivo e invejável evolução patrimonial —tudo isso para um então deputado estadual e dono de uma loja de chocolates próspera no ano inteiro, menos na Páscoa. Ao ser indagado a respeito por um repórter, o presidente Bolsonaro rugiu: "Pergunta pra Polícia Federal!".

Típico de Bolsonaro. Fala todos os dias com os jornalistas, mas, se um deles toca em algo mais delicado ou lhe pede para explicar uma de suas próprias declarações, vocifera cala-bocas como "Chance zero!", "Esquece!", "Ponto final!", "Assunto encerrado!" e "Próxima pergunta!". Ou põe fim de vez à conversa com o incisivo "Acabou, talquêi?" e o já clássico "Pergunta pra tua mãe!" —o primeiro presidente a botar a mãe no meio das ejaculações presidenciais. Mas, no caso das acusações a Flávio Bolsonaro, ele tem razão —só a Polícia Federal consegue explicar por que o livrou.

Bruno Boghossian – Só um brasileiro

- Folha de S. Paulo

Ataque a Petra Costa mostra que interesse público fica abaixo de desejos particulares

Um ex-ministro definiu a conduta do presidente. "Ele confunde o Brasil com a pessoa física dele. Se você critica o Jair Bolsonaro, ele acha que você é inimigo do Brasil. Ele precisa se conscientizar de que é só um brasileiro", disse Gustavo Bebianno, no fim do ano passado.

Bolsonaro deformou o aparato estatal. O governo coleciona episódios em que a máquina pública foi explorada para atingir desafetos e alimentar picuinhas. Servidores e dinheiro público deixam de atender à sociedade e são desviados para um projeto particular de poder.

O ataque da Secretaria de Comunicação da Presidência à diretora Petra Costa é o exemplo mais recente. Em entrevista a uma TV americana, a cineasta fez críticas direcionadas a Bolsonaro e ao governo, mas foi alvejada por um órgão oficial e tachada como "militante anti-Brasil".

Hélio Schwartsman - O tamanho do perigo

- Folha de S. Paulo

Quando as pessoas não ficam muito doentes, circulam mais e são transmissores mais eficientes

Quão ameaçador é o novo coronavírus? Ainda é cedo para dizer com precisão, mas os dados vão se acumulando. Na manhã da terça-feira (4), o placar oficial apontava 20.679 casos confirmados e 427 mortes —uma letalidade de 2,06%. É o que temos, mas sabemos que não é isso.

Na fase inicial de uma epidemia, só portadores de quadros graves acabam sendo testados. Para ter uma ideia do número real de infectados, seria preciso testar também familiares e colegas dos pacientes, o que ainda não foi feito. Mas epidemiologistas como Joseph Wu e Kathy e Gabriel Leung não desistem fácil (https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2930260-9). A partir do número de casos exportados de Wuhan para outros países e de posse da tabela da frequência mensal de voos ao exterior, eles inferiram o número de infectados na cidade. Concluíram que, nos últimos dias de janeiro, o total já era 13 vezes maior do que o número oficial, com a epidemia dobrando de tamanho a cada 6,4 dias. A taxa de reprodução do vírus (R0) foi por eles estimada em 2,68.

Conrado Hübner Mendes* - O medo da liberdade acadêmica?

- Folha de S. Paulo

Sem a liberdade de perguntar, investigar e ensaiar respostas, resta-nos o senso comum e a opinião do mais forte

Sem pesquisa acadêmica, não saberíamos como classificar Bolsonaro na história universal da infâmia política. Não saberíamos dimensionar qualquer perversão moral, diagnosticar distúrbio psíquico, detectar raízes ideológicas ou mensurar impacto econômico de suas cruas intuições. Nem de qualquer outro personagem que interesse. Nem Lula, nem FHC; nem JK, nem GV.

Não ousaríamos pensar o impensável. Tal como fizeram os que inventaram a separação entre Igreja e Estado, os direitos da cidadania, a proibição da tortura, o voto feminino, a permissão do divórcio.

Nem pensaríamos o impensado. Como os que tiveram a ideia da constituição jurídica do mercado, do direito de propriedade, das relações de trabalho, da proteção do ambiente, da educação e da saúde públicas e universais.

As investidas do governo federal contra a liberdade acadêmica eram promessas de campanha.

Ao longo de 2019, vimos o presidente estimular a denúncia de professores “doutrinadores”; afirmar que universidade pública não faz pesquisa (quando 95% da pesquisa brasileira vem de lá); que estudantes que protestam são “idiotas úteis”; demitir diretor do Inpe em razão dos números sobre desmatamento (Ricardo Galvão foi escolhido um dos cientistas de 2019 pela revista Nature).

Enquanto isso, relatório da organização internacional de apoio a cientistas Scholars at Risk deu destaque à deterioração do ambiente acadêmico no Brasil. Vimos também seu ministro afirmar que autonomia universitária virou soberania para plantar maconha e fazer balbúrdia; contingenciar recursos a universidades e e liberá-los tardiamente, impedindo gasto racional e tempestivo.

Vimos o MEC cortar bolsas a pesquisadores de todo país; rejeitar pedido de apoio para congresso com base explícita em motivo ideológico; predeterminar, sem critério, o número de pesquisadores que pode viajar a trabalho.

A liberdade acadêmica não é só um direito individual de “aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, como prevê a Constituição de 1988 (art. 206). Para Jonathan Cole, professor da Universidade Columbia, é um “indicador chave da democracia liberal”. A página 1 da cartilha do autocrata manda atacá-la.

A liberdade acadêmica se realiza somente por meio de um complexo edifício institucional que assegura a professores, pesquisadores e cientistas a estabilidade, a proteção contra represálias, recursos para pesquisa e, claro, um sistema transparente de controle de qualidade pelos seus pares. Não há lugar em que isso possa se realizar com tanta plenitude quanto na universidade pública. Ali está uma das reservas de sanidade, pluralismo e inteligência no país.

Vinicius Torres Freire - Exportação e indústria estão com vírus

- Folha de S. Paulo

País vende menos do exterior, fábricas batem pino: recuperação ainda é frágil

Não é o coronavírus, mas exportações e indústria estão com um bicho ruim. Os números da virada do ano são sintomas preocupantes.

As vendas do Brasil para o exterior caem rapidamente desde julho do ano passado, o que ficou ainda mais evidente com os dados de janeiro.

Em parte, a indústria vai mal porque o país perde mercados, que se implodiram (Argentina) ou andam devagar quase parando (Europa), e não consegue outros clientes relevantes; porque o comércio mundial teve um ano historicamente ruim em 2019.

Diz-se que o desastre assassino de Brumadinho explica o resultado ruim da indústria nacional, que encolheu 1,1% em 2019, número divulgado nesta terça-feira (4) pelo IBGE. É verdade, em parte; é conversa mole, em parte.

A produção da indústria extrativa encolheu quase 10% no ano passado, resultado de país em guerra. Mas a indústria de transformação (as “fábricas”) tem peso de 89% na produção industrial total. Em 2018, havia crescido 1,1%. Em 2019, apenas 0,2%. Ficou na prática estagnada porque setores grandes como montadoras, metalúrgicas e fábricas de máquinas e equipamentos tiveram um ano entre fraco e horrível.

Carlos Melo* - Riscos à democracia e realinhamento político

- Valor Econômico

Riscos de exaustão dos freios democráticos provém também da sociedade. País carece realinhamentos políticos e alianças

O simples debate a respeito dos riscos à democracia é eloquente sinal do sentimento de parte do país. Num regime consolidado não há dúvida: tudo está sob o controle das leis; a liberdade não é apenas formal, imprensa e grupos de comunicação não são perseguidos nem favorecidos; não se apela à intervenções militares, nem se questiona o sistema de freios e contrapesos do país. Como observou Cláudio Couto, a erosão democrática não se dá aos saltos, mas dia após dia; submetidas a testes frequentes, também as instituições vão à fadiga.

É fato que, no Brasil, o esdrúxulo saltou do noticiário; sucedido por desculpas, repete um deliberado e entediante ciclo de ataques. O acintoso e o patético chocam cada vez menos; o país está anestesiado ou a desesperança venceu. O Legislativo, sim, tem exercido suas prerrogativas; é positivo, mas parece depender de arrimos e fiadores políticos, o que é precário. Já o Executivo, inábil em quase tudo, confunde o público com o privado e familiar. Pleno de conflitos, o Supremo já não consegue dissimular alinhamentos e disputas.

Seria menos preocupante se importantes instituições não fossem lentamente aparelhadas. Política Externa, Meio Ambiente, Educação, Ministério Público, Polícias Federal e Militares, Poder Judiciário e até as Religiões foram envolvidas em projetos de poder. É clara a instrumentalização daquilo que deveria ser impessoal e laico, o Estado.

Mas, de toda sorte, o debate acadêmico está posto por gente qualificada que esgrime bons argumentos a favor ou contra, incorretamente taxados de “otimistas” ou “pessimistas”. Todavia, o deixemos de lado: aqui, cumpre buscar as raízes dos tais riscos. Elas não estão apenas no bolsonarismo, residem também no silêncio e apatia da sociedade, na canibalização de setores democráticos, nos vetos cruzados de movimentos identitários, na ineficácia das lideranças políticas e na dificuldade de o país se reinventar.

A outrora chamada sociedade civil carrega culpas e responsabilidades. A dois anos da eleição, atores se precipitam aos palanques e a plateia se organiza como nos clássicos de futebol: torcidas indóceis, redes sociais que indicam que o país perdeu a elegância e a civilidade. A começar, pelos gritos, a dificuldade de ouvir, estabelecer diálogos e consensos - elementos da arte democrática.

Parte disto se deu em virtude da longa polarização PT/PSDB que, ao final, somou zero atingindo-os mutuamente. Quando se viu, o PSDB já era a direita atropelada pelo bolsonarismo; mutilado de guerra, o PT recolhe-se ao gueto da soberba e do ressentimento. Em paralelo, o centro emedebista sucumbiu ao fisiologismo e aos escândalos em pencas da era Temer. Desorganizado o sistema, a fúria eleitoral de 2018 plantou populismo autoritário e colheu política vazia.

Cristiano Romero* - Muito além da economia

- Valor Econômico

Para oferecer mais democracia a quem mais necessita dela, o Estado brasileiro terá que passar por profunda e difícil reforma

O economista Luiz Guilherme Schymura é um liberal que gosta de discordar. À frente do Ibre, o mais antigo centro de estudos econômicos do país, não deixa a instituição funcionar como igreja. Bem pensado: ninguém vai à igreja no domingo para questionar o chefe da paróquia - quando a discórdia é grande, o sujeito muda de igreja ou funda a sua ou, o mais difícil, tenta reformá-la. Ademais, economia não é religião.

É enfadonho o debate que apenas repete o samba de uma nota só do pensamento hegemônico. E é lamentável, neste país, a recusa da maioria ao debate civilizado e civilizador. O que se observa aqui é a demolição intelectual prévia do outro, com o apoio automático de alguns “sacerdotes”. Por aqui, a desmoralização do interlocutor chama mais atenção do que o debate de ideias. Mas, no “país do futuro”, demoniza-se o outro por ter vinculação política com o partido A ou B ou por ter estudado em Harvard e não no MIT ou nascido em Juazeiro (BA) e não em Petrolina (PE), por torcer para o Fluminense e não para o Flamengo. Perde-se muito tempo na Ilha de Vera Cruz com pequenezas.

Além de promover o debate e a “disputa” de ideias, facilitar a emergência do contraditório, tirar colegas da zona de conforto e de lembrar a todos que economia não é ciência exata, Schymura põe suas próprias ideias para brigar, sem abrir mão de sua sólida formação liberal. Nas análises, introduz aspectos que a maioria de seus colegas releva por considerá-los imponderáveis. Ora, o pensamento não chegaria a lugar algum se não houvesse ousadia, sonho, utopia.

A ciência que mais sofre na tentativa de entender o Brasil é justamente a destinada a esta missão: a antropologia. Porque o Brasil é um imenso encontro de etnias marcado por uma infâmia chamada escravidão, com a qual convivemos oficialmente durante quase quatro séculos e que, por isso, é a nossa principal característica como sociedade, como advertiu Joaquim Nabuco há mais de um século.

Executiva Nacional do Cidadania intensifica preparativos para eleições municipais

- Portal do Cidadania 23

O Cidadania realizou nesta terça-feira (4), em Brasília, reunião da Executiva Nacional com o objetivo de estabelecer estratégias para a disputa das eleições municipais que ocorrem esse ano. No encontro, foi aprovada a criação de uma Coordenação Nacional Eleitoral, sob o comando do secretário-geral do partido, Davi Zaia , que terá como responsabilidade adotar medidas para apoiar e orientar os Diretórios Estaduais na questão das candidaturas próprias, alianças e/ou coligações.

Além da coordenação, foi criada a Comissão do Fundo Eleitoral, com a função de determinar regras para o uso dos recursos que serão submetidas a aprovação futura da Executiva Nacional.

A Executiva Nacional também aprovou uma resolução que garante a candidatura de filiados que tenham participado dos cursos de capacitação política do RenovaBR e da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania.

Organização para eleição
O presidente do partido, Roberto Freire, afirmou, ao abrir a reunião, que o Cidadania terá como única preocupação em 2020 a eleição de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o País.

“A principal preocupação dessa convocação é a importância de começarmos a organizar o partido para às eleições. Temos necessidade de construir candidaturas e precisamos criar capilaridade nessa eleição. Temos isso como tarefa prioritária e não podemos dispersar esforços. Nosso único objetivo é a disputa das eleições municipais. Precisamos trabalhar e nos organizar para isso”, afirmou.

Preparação para a eleição
O secretário-geral, Davi Zaia, afirmou ao término do encontro que a reunião foi importante para intensificar o trabalho de preparação do partido para as eleições municipais.

“Foi uma reunião muito importante. Estamos começando o ano e com prazos exíguos para iniciar o processo eleitoral que é a preparação das chapas. Temos prazo até o dia 3 de abril para consolidar o processo de filiações ao partido e também a janela para a entrada de vereadores. O partido está se preparando e colocando como diretriz a intensificação desse trabalho de preparar o partido para as eleições de prefeito, vereadores e vice-prefeitos”, destacou.

Coordenação e Comissão
A Coordenação Nacional Eleitoral será composta, além de Davi Zaia, pelo deputado federal Rubens Bueno (PR), Wober Junior (RN), Juliet Matos (RJ), Adão Cândido (DF) e Raimundo Benoni (MG).

Já a Comissão do Fundo Eleitoral será composta por Régis Cavalcante (AL), Comte Bittencourt (RJ), Renato Galuppo (MG), Irina Storni (DF), José Frederico Netto (GO) e um representante das bancadas do partido no Congresso Nacional que ainda será escolhido.

O que a mídia pensa – Editoriais

Ação entre amigos – Editorial | Folha de S. Paulo

Governo poupa militares do ajuste fiscal e destina à área 28% dos investimentos

O balanço das contas do governo federal de 2019 surpreendeu até mesmo os responsáveis pelo controle do gasto público no Tesouro Nacional. De repente, em dezembro, brotou uma despesa imprevista de cerca de R$ 10 bilhões.

Era o dinheiro do aumento de capital de três empresas estatais, na maior parte para a Emgepron, firma ligada à Marinha e dedicada a construir navios, que recebeu R$ 7,6 bilhões em uma canetada.

O valor equivale a todo investimento federal em obras e equipamentos dos ministérios da Saúde e da Educação, por exemplo.

Dadas as peculiaridades da contabilidade pública, tal despesa não toma o lugar de outra, pois não se sujeita ao limite constitucional do chamado teto de gastos.

De qualquer modo, o déficit público acabou maior. Além do mais, essa decisão inopinada e em quase nada transparente desmoraliza a alardeada política de privatização do governo de Jair Bolsonaro, pífia em sua morosidade e inoperância.

O aumento do capital da Emgepron é, no entanto, coerente com uma das linhas de força do governo: o poder militar. Quase um terço dos ministérios é comandado por oficiais da ativa ou da reserva das Forças Armadas, até porque, em sua carreira, Bolsonaro não cultivou relações com outros grupos de quadros técnicos ou profissionais, além de ter sido na prática um líder sindical da categoria.

Governo e Congresso se acertaram a fim de permitir que militares se aposentem em condições privilegiadas (com o equivalente de salários e reajustes integrais da ativa). Este governo também se prontificou a conceder generosos reajustes para os soldos, em particular para o alto oficialato.

Música | Teresa Cristina - Melhor Assim

Poesia | Manuel Bandeira - Belo Belo

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.