terça-feira, 14 de julho de 2020

Luiz Carlos Azedo - Cuidado com a palavra

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Na opinião pública mundial, os heróis não são os militares, são os índios, que têm suas terras invadidas e, agora, de novo, estariam ameaçados de extinção. Como? Pela covid-19”

A palavra genocídio, substantivo masculino, significa extermínio de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso (Houaiss). O maior de todos, no século passado, foi o Holocausto, o assassinato em massa de judeus pelos nazistas, que defendiam a superioridade racial dos arianos. Genocida era, por exemplo, o médico alemão Josef Menguele, que morreu em Bertioga (SP), em 1979, com o nome falso de Wolfgang Gerhard. Ele realizava experiências genéticas no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, durante a II Guerra Mundial. Estima-se que morreram no Holocausto 6 milhões de judeus, de um total de 21 milhões de prisioneiros assassinados pelos nazistas na II Guerra Mundial.

O genocídio foi tipificado como crime contra a humanidade em 1951, quando foi criada a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. A partir daí, assassinatos em massa como consequência de diferenças étnicas, nacionais, raciais e religiosas passaram a ser qualificados como tal, especialmente quando se trata de limpeza étnica. Houve genocídio na colonização das Américas e da África; no século passado, na Turquia (armênios), Camboja (oposição ao regime comunista), Timor Leste (nacionalistas), Kosovo (albaneses), Ruanda (tutsis), Bósnia (muçulmanos) e Iraque (curdos). O Brasil reconhece o genocídio como crime desde 1956.

Por isso mesmo, não foi gratuita a reação dos militares às declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que criticou duramente o general de divisão Eduardo Pazzuelo, um graduado oficial da ativa, por sua atuação à frente do Ministério da Saúde: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, disse.

Ricardo Noblat - Com quem as Forças Armadas preferem se associar

- Blog do Noblat | Veja

O que diz a Constituição é quase letra morta

Fica combinado assim: este é o governo que mais emprega militares da ativa e da reserva desde o fim da ditadura de 64, mas nem por isso as Forças Armadas o apoiam ou com ele se confundem. As Forças Armadas são uma instituição do Estado.

O fato de serem militares todos os ministros com gabinetes no Palácio do Planalto não quer dizer nada, tampouco que o presidente seja um ex-capitão afastado do Exército por indisciplina, e o vice-presidente um general da reserva.

Há quase 3 mil militares em demais escalões da administração pública federal – só no Ministério da Saúde, comandado por um general de brigada, são mais de 20. Fez-se uma versão branda da reforma da Previdência só para beneficiar os militares. Mas, e daí?

Quer dizer nada. Como nada quer dizer um reajuste salarial que está sendo concedido aos oficiais das três armas no momento em que falta ao governo dinheiro para gastar com a pandemia que já matou quase 73 mil brasileiros e infectou mais de 1,8 milhão.

Por sinal, quando assumiu o Ministério da Saúde como ministro interino, o general Eduardo Pazuello, especialista em logística, herdou 14 mil mortos dos que o antecederam no cargo. Tentou esconder os números sobre mortos e contaminados.

Não se acanhou de regulamentar o uso da cloroquina no tratamento de doentes, embora no resto do mundo a droga tenha sido desprezada porque não serve para a cura do vírus. A remessa de remédios e equipamentos aos Estados também não funcionou.

Fabio Graner - O desafio de tributar mais renda e desonerar a folha

- Valor Econômico

Proposta mira cobrança maior de tributos de quem tem imóveis e outros bens de maior valor

Enquanto o país ainda vive a crise do coronavírus, o tema da reforma tributária ganha força nas manifestações do governo e de lideranças do Congresso como principal agenda no pós-pandemia. E já é possível notar que alguns elementos passaram a ganhar maior relevância na discussão. Entre eles estão a ampliação da tributação sobre renda e patrimônio e a desoneração da folha de pagamentos.

Com a missão de produzir um relatório de consenso sobre um assunto que há três décadas patina, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) disse à coluna estar convencido sobre a necessidade de promover maior progressividade no sistema tributário. “Este debate está posto e vamos enfrentar. Vamos tratar da distribuição de lucros e dividendos. Temos que calibrar para ver impacto arrecadatório”.

Ele explicou que sua tendência é que haja alíquota única nessa cobrança sobre os resultados distribuídos. E prevê redução do imposto de renda das empresas para equilibrar a carga, em linha com o que tem enfatizado o ministro da Economia, Paulo Guedes, apesar da demora do governo em formalizar sua proposta.

Ribeiro disse que também está considerando uma tabela progressiva para tributação sobre o patrimônio. Ou seja, quem tem imóveis e bens de maior valor, pagaria mais. Essa progressividade, admite, também poderá ser estendida ao Imposto de Renda Pessoa Física, com alíquotas maiores do que 27,5%. “Se comprovadamente isso se mostrar viável do ponto de vista arrecadatório, podemos sim, mas estamos falando de rico, de quem ganha muita grana no país”, afirmou.

Andrea Jubé - O papo reto de Jorge e Eduardo Bolsonaro

- Valor Econômico

Alexandre Ramagem deve ser nomeado de novo para a PF, diz Jorge Oliveira

O ministro em quem Jair Bolsonaro mais confia é um dos que mais desperta a desconfiança de seus apoiadores. Para aplacar essa resistência, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) conversou no sábado com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, em seu canal no YouTube, com mais de 602 mil inscritos.
Em meio a uma relação tensa com o Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro não quer sofrer mais baixas entre seus seguidores depois que indicar Jorge Oliveira para a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposentará em novembro.

De perfil discreto e afável no trato, Oliveira construiu pontes com ministros do STF, como o presidente Dias Toffoli e o ministro Gilmar Mendes. Mas se esse perfil moderado favorece o diálogo com outros poderes, em contrapartida, desagrada os bolsonaristas, que preferem estilos mais radicais, como o ex-ministro Abraham Weintraub.

Durante a conversa, Jorge afirmou que o delegado Alexandre Ramagem pode ser nomeado de novo para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal (PF). “Há possibilidade”, admitiu.

Segundo o ministro, assim que o inquérito que apura o suposto desvio de finalidade na indicação de Ramagem, baseado na denúncia do ex-ministro Sergio Moro, for concluído, “não haverá óbice” para um novo ato de nomeação de Ramagem. Ele disse acreditar que o desfecho do inquérito, que é relatado pelo decano Celso de Mello, “ocorrerá em breve”. A nova prorrogação da investigação acaba no fim do mês.

Maria Cristina Fernandes - Gilmar se antecipa à estratégia bolsonarista

- Valor Econômico

O mais recente episódio de confrontação entre os poderes, a ameaça do Ministério da Defesa de representar judicialmente contra Gilmar Mendes, originou-se da estratégia do ministro do Supremo Tribunal Federal de levantar barreiras à escalada com a qual o presidente Jair Bolsonaro busca responsabilizar a Corte, governadores e prefeitos pelos danos à saúde dos brasileiros e à economia do pais.

Já corria 1h30 do debate promovido no sábado à tarde pelo Instituto de Direito Privado (IDP), do qual é sócio, quando o ministro disse que não seria mais possível tolerar o que se passa no Ministério da Saúde: “É péssimo para a imagem das Forças Armadas. O Exército está se associando a este genocídio”.

Gilmar Mendes foi secundado por dois dos palestrantes, o médico Drauzio Varella, que disse que a entrada dos militares no Ministério da Saúde “não honra as Forças Armadas do Brasil”, e pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, para quem a intervenção de militares na Pasta, substituindo todo o corpo técnico, é tão ou mais sério que uma intervenção do governo na Polícia Federal. O general Eduardo Pazuello, que responde pela Pasta desde 15 de maio, com a saída do ex-ministro Nelson Teich, preencheu todo o segundo escalão com nomes egressos das Forças Armadas.

A resposta do Ministério da Defesa veio, por nota, na tarde do domingo. Nesta nota, assinada pela assessoria de comunicação, a Pasta se limita a prestar informações sobre o envolvimento das Forças Armadas no combate à pandemia, como, por exemplo, o contingente de 34 mil militares, maior, como costumam lembrar, do que aquele enviado à Segunda Guerra Mundial.

Nesta segunda, porém, veio uma nota mais dura. Assinada pelo ministro Fernando Azevedo e Silva, além dos três comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, os signatários, nesta segunda nota, se dizem “indignados” pelos comentários do ministro do Supremo: “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e, sobretudo, leviana”.

José Pastore* - A irracionalidade dos vetos em matéria trabalhista

- Folha de S. Paulo

Penalizar ainda mais o desempregado neste momento é uma perversidade

Em recente entrevista à CNN Brasil, o ministro Paulo Guedes classificou os encargos sociais como os “impostos mais cruéis do Brasil”, fato reconhecido também por Jair Bolsonaro, que na campanha eleitoral “prometeu tirar essa pesada carga do cangote dos empresários”.

Por isso, recebi com surpresa o veto do presidente da República à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos até o fim de 2021, que consta da Medida Provisória 936 aprovada pelo Congresso Nacional. Mesmo porque a desoneração da folha foi acertadamente incluída pelo próprio governo na Medida Provisória 905 em 11 de novembro de 2019, ao propor o contrato verde e amarelo para estimular a geração de empregos formais. O Brasil detém um recorde nessa área. Os encargos sociais pesam 102,43% do salário —um empregado que ganha R$ 1.000 mensais custa para a empresa mais de R$ 2.020 por mês.

Diante de tanta convicção sobre o assunto, o governo terá de aceitar a derrubada do referido veto que, aliás, se mostra iminente. A sua manutenção, neste momento, seria um golpe de morte para as empresas e para os trabalhadores que vêm enfrentando uma recessão catastrófica provocada pelo coronavírus.

Pablo Ortellado* - Facebook na berlinda

- Folha de S. Paulo

Derrubada de páginas pode não ter sido motivada apenas por comportamento inautêntico, mas para responder acusações de tolerância ao discurso de ódio

O Facebook derrubou na semana passada uma série de páginas e contas de sua plataforma e também do Instagram por comportamento inautêntico coordenado, ou seja, por se passarem por outras pessoas para enganar usuários ou o algoritmo das duas plataformas. Ao contrário de outras ocasiões em que conjuntos de páginas e contas foram derrubadas, desta vez a empresa deixou claro quem eram os alvos: Roger Stone, colaborador de Donald Trump, e assessores de membros da família Bolsonaro.

Como investigações desse tipo demoram semanas, elas provavelmente foram deflagradas num contexto diferente do atual. Apesar disso, não parece coincidência que tenham sido anunciadas no momento em que o Facebook é acusado de ser condescendente com discurso de ódio pela campanha de boicote “Stop Hate for Profit”.

A campanha foi montada por organizações de direitos humanos e conseguiu a adesão de grandes marcas globais que estão suspendendo anúncios no Facebook como meio de pressionar a empresa a rever uma posição considerada tolerante com discurso de ódio, incitação à violência, discriminação e negação do Holocausto.

Cristina Serra - Sirkis, o descarbonário

- Folha de S. Paulo

O escritor, ambientalista e ex-deputado plantou muitas sementes e fez a agenda ambiental avançar

O escritor, ambientalista e ex-deputado federal Alfredo Sirkis, morto num acidente de carro na semana passada, conta em seu livro mais recente, “Descarbonário”, que só se deu conta da gravidade do aquecimento global ao assistir à palestra de uma líder esquimó, em 2005, no Canadá.A esquimó relatou que os verões no Ártico estavam mais quentes e as geleiras derretendo como nunca visto. Ao final, ela perguntou à plateia:

O que será das cidades litorâneas de vocês?” Sirkis pensou no Rio de Janeiro e “a ficha caiu”. Ele, que já vinha de longa militância no setor, entendeu a centralidade da “descarbonização” do planeta, ou seja, da redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa na atmosfera, sendo o principal deles o dióxido de carbono.

Hélio Schwartsman - Uma questão de honra

- Folha de S. Paulo

Distinção originária na colonização ajuda a explicar nova fase da epidemia de Covid-19 nos EUA

Os EUA, ao contrário do que se possa pensar, são um país culturalmente diverso, e marcas dessa variedade se refletem em uma série de estatísticas. Há, por exemplo, estados com índices de homicídios baixos como os europeus, e outros com um perfil bem mais próximo do de países da América Latina.

Nos anos 90, os psicólogos Richard Nisbett e Dov Cohen ensaiaram uma explicação para o fenômeno.

Alguns estados, notadamente do sul e do oeste do país, seriam marcados pela cultura da honra, na qual a reputação de um indivíduo é o seu maior bem e, em certas condições, ele está autorizado a recorrer à violência para mantê-la. Daí uma maior quantidade de assassinatos em brigas de bar, disputas amorosas etc. Outros traços da cultura de honra seriam o individualismo mais exacerbado, o recurso a punições mais rigorosas e maior tendência ao militarismo.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Sobre o consequencialismo e outras ilusões

- Folha de S. Paulo

Grande problema da corrente é a desconexão com intuições morais profundas

Hélio Schwartsman defendeu o consequencialismo ético em sua coluna aqui na Folha. Segundo ele, “é o que de mais próximo temos de uma teoria ética completa e universalizável”. Tendo a concordar. Mas vamos reconhecer que o diabo mora nesse “mais próximo”. Ou seja: não é, não chega lá.

O consequencialismo —em quaisquer de suas versões, como o utilitarismo— não é uma ética completa e universalizável. Ele enfrenta uma série de dificuldades. Por exemplo: como comparar consequências heterogêneas entre si? Quando se trata de uma escolha entre uma ou muitas vidas, a decisão é simples: duas grandezas de uma mesma variável. Mas e se além de anos de vida salvos tivermos que levar em conta bem-estar, felicidade, saúde? Há ainda a dificuldade de delimitar o prazo da comparação. Cada ação leva a consequências que se desenrolam pela eternidade; quão longe devemos ir para comparar alternativas de ação?

O problema mais profundo, que o próprio Schwartsman aponta, contudo, é a desconexão com certas intuições morais muito profundas: o utilitarismo exige que se mate um homem inocente se isso resultar em um número maior de vidas salvas. Via de regra, é uma ética que exige ignorar valores não-quantificáveis como beleza estética, honestidade, bondade de caráter e profundidade intelectual como se fossem resíduos pré-racionais. Mas se o próprio utilitarismo não é tão racional assim...

Merval Pereira - Crítica a Bolsonaro, não aos militares

- O Globo

É inegável que os erros cometidos no combate à pandemia atingem a imagem do Exército

Quem deveria estar processando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes por tê-lo acusado de genocídio era o presidente Jair Bolsonaro, não as Forças Armadas. Quando disse que o Exército se associou ao genocídio, em crítica à maneira como o governo vem tratamento da pandemia do Covid-19, o ministro alega que estava justamente alertando que os malefícios das decisões governamentais cairiam inevitavelmente na conta dos militares, pois estamos, há meses, na maior crise sanitária já registrada no século, sem ministro da Saúde.

A pasta está sendo comandada por um General de Brigada da ativa, Eduardo Pazuello, e é inegável que os erros cometidos atingem a imagem do Exército. O debate sobre genocídio tem cunho político, apesar de existirem queixas em tribunal internacional acusando o presidente Bolsonaro de genocídio contra os povos indígenas muito antes da pandemia, pela política de fim da demarcação das reservas e permissão para garimpo em terras indígenas.

Com a Covid-19, justamente devido à falta de proteção durante a pandemia, essas acusações foram reforçadas. Há também acusações de crimes contra a humanidade devido às políticas de combate à Covid-19 contrárias às orientações da Organização Mundial de Saúde. O próprio ministro Gilmar Mendes já teve conversas pessoais com o presidente Bolsonaro advertindo-o de que a política de meio ambiente coloca o Brasil em posição fragilizada na Europa, e alcança ainda a política indigenista brasileira, que é classificada por ONGs e organismos internacionais de genocida.

Carlos Andreazza - A devastação da confiança

- O Globo

Aí está. A fé pública se liquefazendo em teorias da conspiração

Já não é notícia. Bolsonaro foi infectado (foi?) pelo vírus traiçoeiro. Aproveitou para vender remédio, cujos efeitos curadores — esperados quando sobre um físico com memória de atleta —se teriam verificado em algo como meio dia de consumo. Um episódio comercial só possível, sem o mais mínimo filtro ético, por ser Jair Bolsonaro o ministro da Saúde do governo Bolsonaro — o que já se sabe desde Nelson Teich, o que viera para inexistir, mas que nos ensinaria que até para a inexistência haverá limite.

Novidade tampouco é que, doente (doente?) Bolsonaro, haja os que torçam pela doença, os que — mui práticos —desejam a morte do presidente como solução; como forma, oportunidade, de derrotar o indivíduo eleito nas urnas. Ou os que, filósofos, admitem a morte do sujeito, agente para a barbárie, no bojo de sua responsabilidade — direta, objetiva — sobre a de milhares. É onde estamos.

A depressão política que nos afunda há tempos busca um veio radicalizador para impor um vale-tudo em que a extinção do outro — a pena capital, divina ou não — seja consentida como parte do jogo; em que o desejo de ver liquidado o outro, fisicamente mesmo, vá expresso como se politicamente próprio ao debate público. Todos morrerão, afinal — já disse Bolsonaro. Que morra ele, ora — diz-se em reação. Trata-se do triunfo de uma moral que se arma; da glória da linguagem bolsonarista — aquela para a guerra. Consequencialista, sem dúvida. O bolsonarismo — vivíssimo, como se continuará a ver no MEC — agradece.

José Casado - Hora do toque de retirada

- O Globo

Forças Armadas se meteram numa confusão institucional

Pode-se criticar o tom do comentário, mas o juiz Gilmar Mendes tem razão na essência da crítica ao envolvimento das Forças Armadas, sobretudo o Exército, na anarquia governamental de Jair Bolsonaro.

O erro original foi cometido na campanha de 2018, quando o então deputado, ex-capitão paraquedista, informou ao Forte Apache — o QG do Exército em Brasília— sobre o plano de saltar da planície política para o topo do poder no Planalto.

Um dia, talvez, seja resgatada a memória das conversas e a extensão do respaldo do comando do Exército ao candidato. Sabe-se que nem tudo obedeceu ao protocolo, mas há reconhecimento da eterna gratidão do beneficiário em discurso: “Obrigado, comandante (Eduardo) Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por (eu) estar aqui.”

O generalato sabe o que fez nas quatro estações eleitorais de 2018 ao abstrair o passado do ex-capitão, preso e processado por anarquia pelo Exército 33 anos antes, por um plano de bombas na Vila Militar, no Rio.

Míriam Leitão - Conflito Gilmar e Forças Armadas

- O Globo

Forças Armadas se sentem injustiçadas no combate à pandemia, mas assumiram o risco à imagem com a forte presença de oficiais na Saúde

O Ministério da Defesa não encontrará vontade de brigar no gabinete do ministro Gilmar Mendes. Por isso, se o procurador-geral da República, Augusto Aras, fizer a representação contra o ministro, ele simplesmente prestará as explicações pedidas. Dirá que não quis imputar crime ao Exército, mas apontar um problema que, na visão dele, está acontecendo. Para os militares, a declaração do ministro Gilmar Mendes pesou demais porque ele disse que o Exército estaria se associando “a esse genocídio”.

As Forças Armadas estão convencidas de que eles estão fazendo o máximo que podem para combater a pandemia, com 34 mil efetivos dedicados às diferentes frentes de trabalho. Elas se sentem injustiçados, e por isso a nota contra o ministro Gilmar Mendes foi assinada não apenas pelo ministro da Defesa, mas pelos comandantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica.

Na live da revista “Isto É”, da qual participou o ministro Gilmar Mendes, todos os painelistas criticaram bastante a omissão do Ministério da Saúde nesta pandemia que já deixou um rastro de 72 mil mortos. A crítica foi exatamente à anulação de quadros técnicos do Ministério. O general Eduardo Pazuello é da ativa e existem outros 28 militares na Saúde. Um deles, o secretário-executivo, é coronel da reserva, Antônio Élcio Franco, e protagonizou a cena lamentável da humilhação de um garçom.

Bernardo Mello Franco - Os generais e o genocídio

- O Globo

Os militares toparam assumir o Ministério da Saúde de um governo que sabota o combate ao coronavírus. Na gestão do general Pazuello, o vírus já matou 59 mil

Os militares toparam assumir o Ministério da Saúde de um governo que nega a ciência e sabota o combate à pandemia. Agora se irritam com quem aponta as consequências da decisão.

No sábado, o ministro Gilmar Mendes disse que o Exército está se associando a um “genocídio” ao endossar o desgoverno na Saúde. “Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas”, acrescentou.
O supremo ministro pode ter carregado no tom, mas disse uma obviedade. Ontem o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, ameaçou processá-lo. Foi apoiado pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.

Em nota enfeitada com o brasão da República, Azevedo se disse “indignado” com a fala de Gilmar. “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana”, sentenciou. Os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica também assinaram o documento. Eles controlam 390 mil homens armados e não deveriam se meter em disputa política.

Eliane Cantanhêde - Sócio no fracasso

- O Estado de S.Paulo

Gilmar Mendes errou feio ao usar ‘genocídio’, mas acertou no diagnóstico e no alerta

Apesar de frágil, sempre por um fio, a trégua entre os três Poderes ia bem até ser ameaçada pela declaração impetuosa do ministro do Supremo Gilmar Mendes, de que “o Exército se associou ao genocídio” ao intervir no Ministério da Saúde e assumir a política negacionista do presidente Jair Bolsonaro na pandemia. Foi um deus nos acuda no governo, na Defesa e nos comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica. Porém, o ministro do STF errou feio nos termos, mas acertou no diagnóstico.

O que realmente irritou as Forças Armadas foi o uso da expressão “genocídio” – na definição do Houaiss, “extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso” –, que define o crime mais grave do direito internacional, remete ao Holocausto e à morte de 6 milhões de judeus. É despropósito unir Exército e genocídio e não há, tecnicamente, como usar o termo para a ação de Bolsonaro na pandemia, por mais condenável que ela seja.

Assim, a irritação dos militares é compartilhada por magistrados e civis até de oposição, que elogiam a resistência firme do Supremo às investidas de Bolsonaro e às ameaças golpistas de seus filhos e seguidores, mas criticam Gilmar Mendes por “ter ultrapassado o limite”. Lembram que a palavra de um ministro do Supremo tem a força de uma sentença e os excessos vulgarizam, tiram peso, relevância e solenidade da função, que deve servir de reflexão para a Nação.

Justiça conveniente – Editorial | Folha de S. Paulo

Presidente do STJ deixa coerência de lado ao beneficiar Queiroz e mulher foragida

Ao conceder prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e em especial à sua mulher, Márcia Aguiar, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, expôs-se a justificada onda de críticas sobre a falta de coerência em suas decisões.

Em relação a Queiroz, o magistrado respaldou-se na legislação e em orientação de março do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que sugere a reavaliação de prisões provisórias e preventivas, sobretudo em se tratando de detentos que integram grupos mais vulneráveis à Covid-19 —idosos, gestantes e doentes crônicos, entre outros.

Nesse caso, pode-se considerar que Noronha agiu de maneira sensata, em que pesem as circunstâncias espinhosas —um suspeito de desvio de recursos públicos, que estava desaparecido até ter sido descoberto e preso em Atibaia (SP), numa propriedade do advogado Frederick Wassef, até então defensor de Jair e Flávio Bolsonaro.

Tal sensatez, contudo, não se observou em episódios pregressos, quando o presidente do tribunal negou o benefício a outros detentos expostos aos riscos da doença.

Quanto à mulher de Queiroz, todavia, justificar a medida constitui uma tarefa inglória. Se não inédita, a opção por favorecer uma pessoa que se encontrava foragida é no mínimo inusual e aberrante.

Direitos são preservados na lei das fake News – Editorial | O Globo

A intenção não é prejudicar empresas, mas atualizar sistemas de fiscalização e punição obsoletos

O projeto da lei das fake news, que começou ontem a tramitar na Câmara, depois de aprovado no Senado, pode criar um ambiente legal no país em que as redes sociais não sirvam mais de meio para se agredir impunemente direitos individuais consolidados na Constituição, e também deixem de ser uma zona de sombras em que crimes são cometidos e os responsáveis escapem da lei.

Há muitos interesses e dinheiro em jogo neste trabalho de regulação do tráfego de conteúdos pela internet, em andamento em muitos países. O grande e veloz crescimento de grupos como Google, Facebook, Amazon, Apple e respectivas subsidiárias, presentes de diversas formas na vida de bilhões de pessoas, mesmo sem elas saberem, impôs aos governos tratar deste assunto. Já existe no Brasil uma agenda neste sentido, da qual saiu, por exemplo, o Marco Civil da Internet. Agora, a questão é dar transparência à forma como as plataformas digitais operam e são utilizadas. É do que trata a lei das fake news.

Na tramitação no Senado, foram mapeados pontos sensíveis da nova legislação que, segundo alegações, ao permitir que sejam identificados autores e impulsionadores de conteúdos com finalidades criminosas, estariam invadindo privacidades e até coibindo a liberdade de expressão. Na primeira das dez audiências públicas programadas para a discussão do projeto na Câmara, realizada ontem, esta má compreensão das intenções da lei ressurgiu.

Um sentido para a tragédia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Sobrará um buraco de dor se a Nação não empreender mudanças e melhorar a qualidade de vida de milhões de desassistidos

O Brasil chegou a 72.100 mortos por covid-19 no fim de semana passado, de acordo com os dados oficiais. Este morticínio sem precedentes na história recente do País será reduzido a um buraco de dor e indignação na alma nacional se dele a Nação não for capaz de extrair algum sentido e unir todas as suas forças para empreender as mudanças necessárias à melhoria da qualidade de vida de milhões de cidadãos desassistidos e, assim, tornar esta terra um lugar menos hostil para viver com pouco ou quase nenhum dinheiro.

Todos foram atingidos pela pandemia, é fato, mas ela se mostrou particularmente cruel para as camadas mais pobres da sociedade, tanto do ponto de vista sanitário como econômico. Aos milhões de desvalidos cuja renda advém do trabalho informal não foi dado se proteger da exposição ao novo coronavírus por meio do trabalho remoto. Ou mesmo quando empregados formalmente, muitos exercem funções que não permitem o chamado home office. Muito longe disso.

As péssimas condições de habitação dos cerca de 20 milhões de brasileiros que vivem nas favelas País afora nem sequer tornam fisicamente possível a prática do distanciamento social, tão preconizada pelas autoridades sanitárias como forma eficaz de conter o avanço da covid-19. A propósito, em maio o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou relatório mostrando que no ano passado havia no País 5,12 milhões de habitações nos chamados “aglomerados subnormais”, termo técnico para as velhas favelas. O número é 60% maior do que o apurado no Censo de 2010 (3,22 milhões de lares), dando a dimensão de nossa decadência social na última década e, agora, do altíssimo risco sanitário a que estão expostos os que vivem em condições sub-humanas.

Desempenho de serviços indica recuperação lenta e desigual – Editorial | Valor Econômico

Setor é, em geral, o último a reagir

O resultado negativo do setor de serviços em maio jogou um balde de água afastou de vez a chance de uma recuperação célere da economia. Dado que os serviços representam pouco mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), os mais otimistas, que vinham embalados pelo desempenho positivo da indústria e do comércio, terão agora que assimilar a perspectiva de uma retomada lenta. Igualmente negativa é a repercussão no mercado de trabalho, pois o setor concentra os postos de trabalho da economia.

A fornada de dados da economia referentes a maio, liberada pelo IBGE, vinha dando sinais animadores, reforçando que abril foi o fundo do poço. A produção industrial registrou aumento de 0,7%. O destaque foi a recuperação do comércio. As vendas do varejo restrito saltaram 13,9% em maio, depois de terem afundado no mês anterior, favorecidas pela flexibilização das regras de distanciamento social e parcialmente sustentadas pela liberação do auxílio emergencial do governo federal. O Bradesco estima que houve um aumento relevante da massa salarial ampliada de 16% em relação a 2019, estimulando o consumo e explicando o aumento da poupança.

Na contramão dos demais setores, porém, os serviços registraram queda de 0,9% na comparação com abril. Foi o quarto mês seguido de queda, que se segue ao recuo recorde de 11,9% em abril. O setor emerge assim como um dos mais afetados pelas medidas de isolamento social - acumula agora perda de 7,6% no ano e de 2,7% em 12 meses. Segundo o IBGE, a receita nominal de serviços (que não desconta a inflação) recuou 0,7% em maio, frente ao mês imediatamente anterior, após o ajuste sazonal. Quando comparado ao mesmo mês de 2019, houve queda de 18,8%. No ano, a baixa acumulada é de 6% e, em 12 meses, de 0,1%.

Música | MPB4, Chico Buarque - Roda Viva

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto à Fotografia

Libertar-se ligeiro da moldura
é o desejo da face, onde, o desgosto
emigrado do poço de água impura,
vai se aninhar na hora do sol posto.

Do lugar da prisão vem a tortura,
pois vê, do seu retângulo, teu rosto
e acorrentado na parede escura,
não pode engravidar-te para agosto.

Guarda ainda no olhar instante e viagem:
o instante em que foi presa pela imagem
e o roteiro que fez em mundo alheio.

E eterna inveja do seu sósia ausente
que, embora prisioneiro da corrente,
habita num subúrbio do teu seio.