Raquel Ulhôa – Valor Econômico
BRASÍLIA - O recesso parlamentar branco que começa nesta semana pode dar a falsa impressão de esfriamento da crise política, mas, fora de Brasília, serão intensas as conversas sobre os desdobramentos da decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de formalizar o rompimento com o governo. A presidente Dilma Rousseff que se prepare para tempos ainda mais difíceis no Congresso, caso Cunha mantenha na prática essa disposição. Entre parlamentares de diversos partidos cresce a apreensão com os desdobramentos da Operação Lava-Jato e o surgimento de novas vítimas. Sobra para o governo.
Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - provável próxima vítima da Lava-Jato, segundo indicações -, tentam transformar a crise política em institucional, com o discurso de que o Poder Legislativo está sendo atacado pelo Judiciário e pelo Ministério Público, numa ação orquestrada pelo Executivo. Segundo essa versão, espalhada por seus aliados, o objetivo é desmoralizar o Congresso, para tentar reduzir o foco da crise sobre o Palácio do Planalto.
A irritação de vários senadores e de Renan com os demais Poderes já era grande na semana passada por causa da operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa de parlamentares, entre eles o ex-presidente Fernando Collor de Mello. Além do aspecto legal, a ação policial ostensiva, com helicópteros e metralhadoras, foi criticada. Para os parlamentares, foi uma operação para "desmoralizar" e "destruir imagem".
A leitura é que um impasse institucional torna-se inevitável. "O Supremo Tribunal Federal não está coibindo, o Ministério Público não está agindo corretamente e o Ministério da Justiça não está cumprindo o que deveria: conduzir as operações de forma discreta, responsável e equilibrada", define um interlocutor de Renan.
Enquanto estiverem de pé, os presidentes da Câmara e do Senado tendem a criar mais problemas para Dilma, mas mantendo os estilos diferentes. Enquanto Cunha "esbraveja e age", na definição de aliados, Renan oscila. Às vezes solta uma farpa e, em outras, faz um gesto emblemático. "O Renan está na mesma toada [que Cunha]. Sabe que é o próximo", afirma um dirigente do PMDB, que acompanha as articulações dos presidentes da Câmara e do Senado e não consegue, ainda, prever o desfecho da crise.
Como o Congresso não está formalmente de recesso, já que o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não foi votado - exigência constitucional para a suspensão dos trabalhos -, sessões da Câmara e do Senado podem ser convocadas a qualquer momento, se os respectivos presidentes considerarem necessário reagir a algum "ataque" do Executivo, do Judiciário e do MP. Armas, eles têm.
"Nós estamos apenas em recesso branco. Cabe tudo. A toda ação corresponde uma reação. Na física, ela vem na mesma intensidade e energia. Na política, isso não é necessariamente verdadeiro. Às vezes, a intensidade é maior", define um pemedebista próximo a Cunha e Renan.
Para o segundo semestre, caso até lá a situação se arraste sem novas surpresas, a expectativa é de derrotas nas principais votações do governo, como o projeto de lei que retira a desoneração da folha de pagamento de diversos setores da economia. A proposta é parte do ajuste fiscal do governo. A Câmara aprovou e encaminhou ao Senado. Renan adiou a votação para o segundo semestre e defendeu mudanças. Se o Senado fizer emendas, o texto volta para a Câmara, cuja tendência, agora, é rejeitar, na opinião de políticos próximos de Cunha.
Sob o comando de Renan, o Senado, por sua vez, poderá nem votar a proposta que permite a repatriação de recursos depositados no exterior sem pagamento de imposto, apesar dos vários apelos de Dilma e do ministro Joaquim Levy.
Além disso, o presidente do Senado já anunciou para o segundo semestre a criação de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), com potencial de dar muita dor de cabeça para o governo: a dos fundos de pensão, para investigar os desvios nos fundos de previdência privada das estatais da União, e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para apurar supostas irregularidades em contratos de financiamento do banco com grandes empresas e os destinados a obras no exterior. Cunha também autorizou a criação das duas CPIs na Câmara e de outras duas: a de crimes cibernéticos e a de maus tratos a animais.
Fora do Congresso, o comando do PMDB próximo do vice-presidente da República, Michel Temer, presidente nacional do partido, não quis embarcar na onda de Cunha, que prega o rompimento já da legenda com o governo. Pemedebistas da cúpula dizem que o problema do presidente da Câmara na Operação Lava-Jato é "pessoal", assim como o de Renan. Eles não serão execrados pela cúpula partidária, mas também não receberão solidariedade incondicional. E serão cobrados a se explicar.
Segundo um dirigente da legenda, "não há nobreza nenhuma na causa" de Cunha, acusado por um lobista, em delação premiada, de receber U$ 5 milhões de propina, e de Renan ou qualquer outro que venha a ser acusado de corrupção. E, numa época de salve-se quem puder, ninguém quer envolver-se com problemas. A presidência do partido divulgou nota na qual afirma que o rompimento com o governo, anunciado por Cunha, "é expressão de uma posição pessoal, que se respeita pela tradição democrática do PMDB".
Colocado numa saia justíssima, o comando partidário busca justificar sua posição dizendo que o PMDB é diferente do PT - que tem a corrupção como "prática institucional" -, do ex-PFL (hoje DEM), "que execra e maltrata" filiados acusados de irregularidades, e do PSDB, "que finge não ver" quando um dos seus correligionários é alvo de denúncia.
Ainda que um eventual impeachment de Dilma possa levar Temer a assumir a Presidência da República, o vice-presidente não será pego em conspiração contra ela. Mas a avaliação em parte da cúpula do PMDB é que a velocidade do agravamento da crise é tão avassaladora que o afastamento de Dilma do cargo parece o desfecho mais provável, independentemente do que acontecer a Cunha e -como temem aliados- com Renan. (Colaborou Thiago Resende)