domingo, 20 de agosto de 2023

Merval Pereira - Um país de ficção

O Globo

Tivemos recentemente a prova de que, como dizia o grande filósofo Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. O ex-juiz Sergio Moro, hoje senador, um dos protagonistas das principais cenas políticas da história recente, viu-se às voltas com pelo menos duas situações exemplares das tramas rocambolescas que dominam nossa vida nacional.

Como senador, foi um dos interrogadores do advogado Cristiano Zanin quando sabatinado para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). Zanin foi o super-inimigo de Moro na defesa de Lula, e agora está no Supremo, onde poderia estar Moro, o mesmo STF responsável por anular todas as condenações do atual presidente da República.

Mais adiante, estava no plenário do Senado interrogando o hacker Walter Delgatti, responsável pelo crime de invasão de privacidade dos celulares dos procuradores de Curitiba que ajudou a desacreditar todo o processo da Operação Lava Jato comandado por Moro. Delgatti sugeriu que viu mensagens pessoais de Moro que indicariam que ele era um “criminoso contumaz”. O senador retrucou dizendo que Delgatti era tão inocente quanto Lula, o beneficiário final do desmonte da Lava-Jato, que o levou de volta à presidência da República.

Elio Gaspari - A raiz de todos os delitos

O Globo

Quando os governos se metem com resolvedores de problemas, acabam criando encrencas muito maiores

Quando os governos se metem com resolvedores de problemas, as tramas ganham muitos detalhes, mas na essência, saem da mesma raiz e acabam criando encrencas muito maiores.

No filme Oppenheimer apareceu brevemente a figura do coronel americano Boris Pash.

Ouvindo grampos do FBI, ele tentou afastar Robert Oppenheimer do projeto da bomba atômica.

Filho de um padre russo, Pash havia combatido na guerra civil contra os bolcheviques. De volta aos Estados Unidos, casou-se com uma aristocrata e, durante a Segunda Guerra Mundial, entrou para o Exército. Em 1945, numa operação brilhante, ele participou da captura de toneladas de urânio bruto e material radioativo na Alemanha.

Luiz Carlos Azedo - Uma janela de oportunidade para o Brasil

Correio Braziliense

É preciso uma agenda nova, voltada para a integração às novas cadeias de valor da economia globalizada, que está se reestruturando a partir da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China

Numa conversa recente, o ex-deputado José Anibal (PSDB), que é economista formado na Sorbonne durante o seu exílio, me chamou a atenção para uma passagem muito interessante de Celso Furtado na sua obra clássica Formação Econômica do Brasil, na qual compara os Estados Unidos e o Brasil. O economista liberal Samuel Pessôa classifica Furtado como o mais influente pensador econômico de nossa história, embora questione um aspecto crucial da sua teoria: subestimar o papel da microeconomia no nosso desenvolvimento.

A propósito, as grandes companhias norte-americanas realizam muitos treinamentos de equipe, inspirados na teoria dos jogos, nos quais a cooperação e a competição são exercitadas de forma prática. Um deles, muito usado aqui no Brasil, é a formação de grupos representando duplas de países com as mesmas características, mas que se distinguem das demais em razão de caraterísticas socio-econômicas, como população, recursos financeiros, reservas de matérias-primas, produção de alimentos e capacidade bélica.

Míriam Leitão - Se os telefones deles falarem

O Globo

A investigação da PF e da CPMI descortina o nível de contaminação das Forças Armadas e o risco que o Brasil correu no governo anterior

Muitos telefones apreendidos estão sobre a mesa da Polícia Federal sendo periciados. São os quatro aparelhos do advogado Frederick Wassef, o de Mauro Cid e os do pai dele e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Isso estatisticamente aumenta a chance de se encontrar informações relevantes. Há ainda o sigilo fiscal e bancário de Jair e Michelle Bolsonaro, quebrados pelo ministro Alexandre de Moraes. A CPMI pediu ao Coaf os RIFs, relatórios de investigação financeira, do casal. Tudo isso manterá viva a investigação sobre o que aconteceu no Brasil naquele tempo estranho em que o presidente mandava vender joias e presentes do governo e liderava a trama por um golpe de Estado. O dia 8 de janeiro não terminará tão cedo e a prisão de Jair Bolsonaro é uma possibilidade cada vez mais concreta.

Os militares estão em aparente silêncio. Dentro dos quartéis, a conversa é intensa. O general Tomás Ribeiro Paiva, comandante do Exército, segundo as apurações que eu fiz, tem até agora se mantido firme na convicção de que quem cometeu os crimes que responda por eles. “Tomás impede qualquer reação”, me disse uma autoridade. Muitos oficiais estavam, até recentemente, reclamando muito do “método da investigação”, dizendo que as Forças Armadas estavam sendo muito expostas. Na realidade, elas foram expostas pelos líderes que se envolveram no complô contra a democracia.

Bernardo Mello Franco – Blindagem verde-oliva

O Globo

Relatora promete indiciar Bolsonaro, mas não mexe com blindagem à cúpula militar

A CPI do Golpe ainda não chegou à metade, mas a relatora parece já ter um veredicto: o capitão é culpado e os generais são inocentes. Na quarta-feira, a senadora Eliziane Gama confirmou que pedirá o indiciamento de Jair Bolsonaro. Mas indicou que poupará os militares de alta patente que conspiraram contra a democracia. “A instituição Forças Armadas impediu um golpe no país”, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

A declaração envelheceu rápido. No dia seguinte, Walter Delgatti Neto contou à CPI que ajudou o Ministério da Defesa a redigir um relatório para minar a confiabilidade da urna eletrônica. O hacker disse ter colaborado com dois ex-comandantes do Exército. Um deles, o general Paulo Sérgio Nogueira, foi titular da Defesa no último ano do governo Bolsonaro.

Dorrit Harazim - Deu ruim

O Globo

Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela PF, o capitão-ex-presidente já parece saber que sua casa caiu

Domingo passado, neste mesmo espaço, o texto sobre o intrigante périplo das joias presenteadas ao Estado brasileiro, e dele subtraídas por Jair Bolsonaro, terminava assim: “Daqui para a frente são só notícias amargas para o capitão... é possível que logo mais seu passaporte seja retido; provável que venha a ser indiciado, denunciado, julgado, quiçá condenado — não só pelo rastro de ladroagem deixado. Talvez ainda não saiba, mas sua casa já caiu”.

Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela Polícia Federal (PF), o capitão-ex-presidente já parece saber. E os demais envolvidos também. Com todos juntos e embolados no inquérito sobre milícias digitais e atos golpistas do 8 de Janeiro, a investigação sob a regência de Alexandre de Moraes dá até a impressão de já conhecer o final do enredo. Apenas não atropela. Deixa decantar cada novo pacote de buscas e apreensões, para só então avançar ao patamar seguinte. E é bom que assim seja. Qualquer estrelismo, precipitação nas acusações ou atropelo à lei e às garantias constitucionais seria simplesmente desastroso.

Muniz Sodré* - Um olhar a mais

Folha de S. Paulo

O grotesco televisivo nada escondia, já franca-tripas e prima-donas de agora servem de tapa-olho a tenebrosas transações, civis e militares

"Quando for a hora certa, eu o Senhor farei acontecer." O versículo (Isaías 60:22), recém-invocado como guia pela ex-primeira-dama e autodeclarada aspirante à Presidência da República, deixa em suspenso o sentido de "acontecimento". Mas, em performance recente, pede à acompanhante, deputada federal, que retire sua prótese ocular. Aquiescente, a outra leva a mão ao rosto e entrega um olho de vidro, que a aspirante se apresta a guardar, como uma joia, no bolso do jeans. Então garante à plateia: "Esta é uma mulher que faz acontecer".

Meio século atrás, no programa "A Hora da Buzina", de Chacrinha, "acontecia" quem inserisse primeiro no nariz um carretel de linha. O pano de fundo popularesco permitiu à emergente indústria da televisão granjear uma audiência de migrantes de primeira e segunda gerações nas periferias urbanas do Sul. Podia-se receber como prêmio um quilo de bacalhau ou um eletrodoméstico.

Celso Rocha de Barros* - E se Bolsonaro for preso?

Folha de S. Paulo

Uma condenação pelos crimes do 8 de janeiro deve dividir direitistas moderados e radicais

Nos últimos dias, novas evidências aumentaram bastante a probabilidade de Jair Bolsonaro ser preso.

Nas investigações sobre o golpe de 8 de janeiro, a cela de Jair Bolsonaro já tem duas paredes e meia construídas. No caso do roubo das joias, já são três paredes e meia. A cela para os crimes da pandemia mal começou a ser erguida. Mas será.

Na quinta-feira, o hacker Walter Delgatti declarou à CPI que Bolsonaro lhe convidou para cometer crimes contra a democracia. Invasão de urnas, do sistema de informática do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), produção de registros falsos contra Alexandre de Moraes, campanhas de desinformação sobre as urnas, tudo com promessa de anistia presidencial.

Bruno Boghossian -Bolsonaro está vulnerável

Folha de S. Paulo

Ameaça de confissão de Mauro Cid tem pouco valor até agora, mas já produziu efeitos

A ameaça de confissão feita pela defesa de Mauro Cid produziu efeitos antes mesmo de o coronel decidir se vai realmente abrir a boca. O principal deles foi escancarar a condição de Jair Bolsonaro. O ex-presidente nunca esteve tão vulnerável.

O poder dava a Bolsonaro a proteção de órgãos de controle e uma generosa boa vontade no mundo político. Depois que ele deixou o Planalto, a blindagem se desfez rapidamente, e a luz do dia expôs segredos que submeteram o ex-presidente a um desgaste igualmente acelerado.

Restaria a Bolsonaro um ativo importante para se resguardar: a lealdade de aliados fiéis que testemunharam seus passos ou estiveram envolvidos nas suspeitas que recaem sobre o ex-presidente. Se o mais próximo desses parceiros vacilasse, a muralha poderia cair de uma vez.

Eliane Cantanhêde - A vaquinha vai pro brejo?

O Estado de S. Paulo

Nova frente de investigação: a vaquinha de R$ 17 milhões. Foi lavagem de dinheiro?

Ao quebrar o sigilo bancário e fiscal do ex-presidente Jair Bolsonaro e Michelle, o STF abre uma nova frente de investigação para a Polícia Federal: a história da vaquinha de R$ 17 milhões para pagar uma multa de R$ 1 milhão se sustenta em pé? Ou foi uma saída criativa e parte dos depósitos foi para “esquentar” ou “lavar” o dinheiro vivo do casal?

O esquema de venda de presentes, joias e relógios que funcionava dentro do Planalto é demolidor para o destino e a imagem de Bolsonaro, porque revela crime e reforça o gosto da família por dinheiro em espécie, rachadinhas e compra e venda de imóveis. Mas isso não explica tudo.

Não explica os quase R$ 12 milhões que o tenente coronel da ativa Mauro Cid e seus subordinados na Ajudância de Ordens movimentaram em um ano e meio, nem todos os repasses para Bolsonaro e Michelle. De onde vem o resto?

Jorge Caldeira* - Putin e ambientalismo, oportunidade ao Brasil?

O Estado de S. Paulo

Agora, que o fluxo de investimentos no Fundo Amazônia está voltando, o Brasil vai lidar com o dinheiro AAA (não só o norueguês) como um parceiro sério?

Um ano e meio atrás, Vladimir Putin iniciou uma guerra. Queria um futuro grandioso para a Rússia. Fazia parte dos cálculos de ganhos com a invasão da Ucrânia uma valorização do petróleo e do gás, as principais fontes de riqueza de seu país.

Um ano e meio depois, alguns números, medindo os resultados desses cálculos de grandeza, emergem como realidade. Já se sabe que o PIB russo caiu – a medida de quanto é para lá de controversa. Um indicador mais claro pode ser o das receitas governamentais com o setor de energia: desabaram 36% entre junho de 2022 e de 2023. A projeção atual é de uma queda anualizada de US$ 70 bilhões – 4,6% do PIB nacional.

Existe também quem ganhou muito dinheiro com a guerra. Entre o início de 2022 e o final do 1.º semestre de 2023, segundo estimativas prévias do Ministério das Finanças da Noruega, o país obteve receitas extras de US$ 170 bilhões, graças aos aumentos de preço do petróleo provocados pelo conflito.

Celso Lafer* - Putin e o Direito Internacional Penal

O Estado de S. Paulo

Entre os desdobramentos jurídicos do conflito, cabe discutir o potencial de responsabilidade penal de Putin pela guerra da Ucrânia

A Carta da ONU deixa explícita em seu Preâmbulo a sua “ideia a realizar”: preservar a humanidade dos flagelos da guerra e dos seus indizíveis sofrimentos. Ela estabelece como grande propósito da ordem mundial do pós-Segunda Guerra: manter a paz e a segurança internacionais, reprimir atos de agressão, solucionar por meios pacíficos controvérsias e situações. Neste contexto, realça o cumprimento do princípio de igualdade e de autodeterminação dos povos.

A Carta não coonesta a guerra como a continuação da política internacional por outros meios e consagra como princípios básicos o respeito à integridade territorial e a independência política de qualquer Estado. Estes princípios representam um ingredientechave do potencial de convivência equilibrada entre nações, grandes e pequenas.

José Roberto Mendonça de Barros - O crescimento requer escolhas

O Estado de S. Paulo

A descarbonização da economia no mundo passará necessariamente pelo Brasil

O desequilíbrio ambiental, que não pode mais ser negado, está empurrando o mundo em direção à transição energética, retirando o petróleo do centro do modelo e substituindo-o por energias sustentáveis. Na verdade, a mudança é muito mais ampla, pois é nossa relação com a natureza que tem de ser alterada.

O Brasil tem desafios nessa área. Mas tem também oportunidades.

Claro que problemas históricos persistem, como a pobreza. E ela precisa ser enfrentada respeitando as restrições: interessante notar como a população rejeita a volta da inflação.

Não se pode gastar e elevar a dívida pública sem limites.

Parece razoável dizer que não voltaremos a crescer sem uma estratégia que destrave os novos motores de crescimento, mas sem atropelar as restrições. Ninguém quer mais um voo de galinha.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

É muito improvável governo cumprir metas de Haddad

O Globo

Números mostram que dificilmente o déficit será zerado e os resultados fiscais prometidos serão entregues

Desde o início do ano, os economistas e analistas de mercado manifestam receio sobre os gastos públicos. A fonte do temor é a última passagem do PT pelo Palácio do Planalto. No último governo Dilma Rousseff, a dívida pública saltou de 52% para 70% do PIB (hoje está em 74%). Diante das dúvidas, a reação de Luiz Inácio Lula da Silva foi de indignação. Pois, oito meses depois, os fatos mostram que as vozes céticas não estão distantes da realidade.

É verdade que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs ao Congresso, com apoio de Lula, um novo arcabouço fiscal para substituir a regra do teto de gastos (o texto espera avaliação da Câmara depois de ter sido modificado no Senado). Embora imperfeito ao impor elevação da arrecadação nada desprezível, o novo arcabouço foi saudado, pois qualquer regra é melhor que regra nenhuma. Haddad foi além. Prometeu reduzir o déficit deste ano a R$ 100 bilhões e estabeleceu como meta zerá-lo em 2024, com superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O homem; as viagens

 

Música | Mônica Salmaso - Odeon