*Ministra do STF, em discurso de despedida,
27/9/23.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Opinião do dia – Rosa Weber*
Merval Pereira - Desencontros de Poderes
O Globo
Num Congresso de centro-direita, medidas para
conter o déficit fiscal são bem-vindas, mas as pautas de valores sociais são
sempre difíceis de passar
A delicada convivência de um Executivo de
esquerda com um Congresso majoritariamente conservador e um Supremo Tribunal
Federal (STF) progressista, ou “iluminista” como gosta de dizer seu futuro
presidente, o ministro Luís Roberto Barroso, está ficando a cada dia mais
problemática. A composição do ministério, que deveria ser uma representação
partidária das forças políticas que venceram as eleições do ano passado, passou
a ser uma miscelânea ideológica de difícil compreensão para quem gostaria de
ver uma “frente ampla” governando.
Partidos comprometidos com o bolsonarismo até
o último dia de governo ganharam força política para indicar ministros e
dirigentes de estatais, mesmo continuando a votar contra o governo. A
convivência entre estranhos está pautada por acordos congressuais que levam um
governo dito de esquerda a não conseguir fazer valer posições suas, como aquela
sobre o marco temporal das terras indígenas.
Em troca de não fechar questão contra a tese, permitindo que partidos que fazem parte de sua base no Congresso votassem a favor, o governo garantiu o compromisso de aprovação do arcabouço fiscal. Diferentemente do que aconteceu quando conseguiu o apoio de partidos de direita por meio do mensalão, hoje os “aliados” têm força parlamentar para questionar o Executivo e não se contentam apenas com verbas e cargos. Querem isso e mais defender suas propostas.
Malu Gaspar - A encruzilhada militar de Lula
O Globo
Há muito a esclarecer sobre o que se passou
nos bastidores do governo e da caserna nos dias anteriores à eleição de 2022 e
logo depois da vitória de Lula.
Embora não haja dúvida de que o Palácio do Planalto foi cenário para a armação
de um golpe, nem da leniência das Forças
Armadas com os acampamentos que deram guarida a hordas de
golpistas, sabe-se ainda pouco sobre as circunstâncias em que tudo aconteceu e
sobre o papel de cada oficial na trama.
Mas a história dos fatos que levaram ao 8 de
Janeiro não é a única coisa nebulosa em Brasília.
À medida que as investigações da Polícia
Federal e da CPI para investigar os atos golpistas avançam,
fica mais evidente a falta de um norte do governo em relação aos militares.
A ala determinada a sufocar o bolsonarismo e a enquadrar os militares foi turbinada pela delação de Mauro Cid, que botou fogo no ambiente político e colocou a Polícia Federal no encalço dos comandantes militares de Jair Bolsonaro, com o aval de Alexandre de Moraes.
Luiz Carlos Azedo - Apesar da tragédia ianomâmi, senadores querem a volta do genocídio
Correio Braziliense
A ancestralidade indígena, mesmo a assimilada
pela urbanização, é um fio da vida, da sabedoria, da identidade, do
pertencimento e da criatividade do nosso povo
O Senado aprovou, nesta quarta-feira, um
projeto de lei que confronta o Supremo Tribunal Federal (STF) e estabelece um
marco temporal para limitar a demarcação de terras indígenas à data da
promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. É uma volta à trilha do
genocídio dos ianomâmis e outras nações indígenas que vivem em áreas isoladas
da Amazônia, rumo em que estávamos durante o governo Bolsonaro, além da
violência contra aldeias indígenas remanescentes ainda não demarcadas em todas
as regiões do país.
É bom lembrar o que acontecia até a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: estima-se que 570 crianças foram mortas pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, provocada pela invasão das terras ianomâmis pelos garimpeiros. Além disso, em 2022, foram confirmados 11.530 casos de malária entre esses indígenas.
Míriam Leitão - Fazenda tenta desarmar a bomba
O Globo
Economistas que conviveram com absurdos no
governo anterior, hoje acham que a solução atual para os precatórios é
contabilidade criativa
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, diz
que o governo não está buscando qualquer artifício, precedente ou espaço fiscal
quando peticiona junto ao STF para que o teto dos precatórios seja considerado
inconstitucional. “É só resolver um problema que é grave, essa bola de neve.
Resolver isso é bom para todo mundo. O que nós temos hoje é que a gente está
tirando quase um ponto percentual do PIB dos indicadores de endividamento”.
O secretário acha normal o debate em torno
das formas de solução do problema. “Tem discussões que são legítimas e a gente
está aberto para fazer esse debate técnico”. Mas ele quer deixar claro sobre o
que está se falando.
—Se você olhar a dimensão do problema. É gigantesco. A gente não está pagando em dia nossas obrigações como país. A gente fala que quer ser um bom pagador, mas não paga em dia o precatório. Como podemos gerar credibilidade de que vamos pagar em dia os restos a pagar? Que vamos pagar em dia a própria dívida pública? Começa a ser criada uma suspeição sobre o país. Não faz sentido não pagar as nossas obrigações.
Vinicius Torres Freire - Enquanto Lula tomava café com Campos, do BC, juros subiam e Congresso surtava
Folha de S. Paulo
Durante reunião de presidente e chefe do BC,
havia mais sinais de piora na finança e na política
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
reuniu-se com o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, encontro arranjado por Fernando
Haddad a fim de "melhorar
a relação". Quem sabe o clima até melhore. Não é lá relevante. De
resto, no mundo lá fora da sala de reunião, havia calor e tempestades.
O clima na finança e na política voltou
a piorar. De maio a julho, houvera onda de otimismo. Parte da degradação do
ambiente não tem a ver com Lula ou Campos.
Não quer dizer que as perspectivas de crescimento do Brasil vão mudar lá grande coisa por causa disso. Mas nossas perspectivas são ainda muito medíocres para que possamos perder umas lascas de PIB.
Bruno Boghossian - O baculejo do centrão
Folha de S. Paulo
Presidente topa queda de braço em torno de
cargos para não abrir mão de muito poder de uma vez só
O Planalto foi palco de uma cena explícita de
pressão política. Depois de um evento na terça (26), parlamentares do PSD
cercaram Alexandre
Padilha para cobrar o
controle da Funasa e a liberação de uma verba travada pelo Ministério
da Saúde.
"Se a gente dançar, a ministra vai dançar também", ameaçou a deputada Laura Carneiro (PSD), que caprichou no linguajar ao se referir a Nísia Trindade. No dia seguinte, Padilha tentou fazer graça, mas acabou reforçando o desconforto. "Eu sei que vocês ficaram chocados com o baculejo que eu recebi ontem", declarou. "Vocês não têm ideia do que eles fazem comigo a portas fechadas."
Conrado Hübner Mendes* - O modelo Rosa Weber
Folha de S. Paulo
Deixasse esse único legado, bastaria para ser
a maior do STF pós-1988
O STF escalou,
na última década, todo um Himalaia de abusividade ética e descompostura. E
encontrou em Rosa Weber o
seu maior contraponto de integridade. E em Edson Fachin o
seu parceiro. Só restou isso para entender que nada daquilo é natural. Que o
normal do STF não é aceitável em corte de Justiça nenhuma do mundo. Que
interpelar e conter o alpinismo transviado de juízes é uma urgente causa democrática.
O descalabro ético afeta a capacidade de o
tribunal cumprir seu papel de defesa da Constituição. Interessa a forças não
republicanas e retrógradas do país. Deve ser denunciado pelo jornalismo
responsável, pela crítica acadêmica e pela sociedade civil. Pois não o será
pela profissão jurídica servil nem pela advocacia lobista, que brinda a
magistocracia nos jardins do Lago Sul, nos teatros de Lisboa, nos terraços da
Sardenha.
Uma corte que revogou a noção de conflito de interesses; em que ministro-empresário pede patrocínio a agentes econômicos, emprega magistocratas, constrói rede de influência política; em que filhos e esposas de ministros oferecem porta de acesso à corte por meio de honorários-pedágio, a taxa do parente, sem a qual se tornou difícil advogar em Brasília; em que ministros fazem negociações de constitucionalidade em público e frequentam coquetéis do poder privado.
Maria Cristina Fernandes = De Moraes ao Congresso, os embates de Barroso no STF
Valor Econômico
Entre a posse de Barroso, em junho de 2013, e
sua ascensão à presidência da Corte, o Brasil que saiu às ruas por mais
democracia passou a fazê-lo para destruí-la
Dois dias antes da posse do ministro Luís
Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes deu
um “spoiler” ou uma “canja”, a depender da idade do leitor, daquele que está
marcado para ser um dos principais embates da gestão do próximo presidente da
Corte.
Moraes suspendeu a participação das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral bem como do rol de entidades fiscalizadoras - “Não se mostrou necessário, razoável e eficiente”, disse, ao aprovar a decisão no Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade.
Os militares foram incluídos no rol em 2020, na gestão da ministra Rosa Weber no TSE, mas, assim como outras entidades, não mandavam representantes nem se interessaram pela tarefa. Foi a criação da comissão por Barroso que levou à designação de representantes e efetivou a participação militar.
William Waack - Lula e suas vontades
O Estado de S. Paulo
Em parte o presidente está conseguindo o que
ele quer
Lula vai para uma pausa forçada por razões de
saúde, e desejamos que se recupere logo e bem da operação de artrose no quadril.
Como vem fazendo cada vez mais, Janja zelosamente guardará o espaço à volta do
presidente. Esse espaço não é meramente físico, e tem incluído também quem o
presidente ouve.
Lula deixou para depois da intervenção cirúrgica algumas definições importantes e de grande alcance político, como a nomeação de ministro para o STF, um novo chefe do Ministério Público, os termos finais de um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, os parâmetros da transição energética (exploração de petróleo na Amazônia), entre outros.
Felipe Salto* - O crédito tributário no IBS
O Estado de S. Paulo
Minha proposta para o crédito tributário é o comando estadual, separando o que é o crédito normal do chamado crédito acumulado
Neste artigo, analiso a questão do crédito
tributário no contexto da PEC 45, em comparação com o sistema atual. No regime
de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), preconiza-se tributar apenas a
agregação de valor. O próprio ICMS foi forjado sob essa diretriz. Do ponto de
vista jurídico, essa ideia econômica é instrumentalizada pela não cumulatividade,
que confere ao contribuinte o direito de abater na etapa seguinte o imposto
recolhido pelo elo anterior.
Exemplo: um distribuidor vende R$ 50 mil de medicamentos para uma farmácia e recolhe R$ 6 mil de ICMS. A farmácia vende os medicamentos por R$ 80 mil e deve recolher R$ 9,6 mil de ICMS. Mas, como tem direito de abater o que o distribuidor recolheu na operação anterior, a farmácia irá pagar efetivamente R$ 3,6 mil.
José Serra* - Políticas de emprego: passado e presente
O Estado de S. Paulo
O FAT, sua institucionalidade, legislação e políticas que o complementam cobram uma inusitada contemporaneidade
Quando, há mais de três décadas, um punhado
de parlamentares – incluindo eu – inseriu na Constituição federal de 1988 e
legislação posterior o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), não estava no
horizonte a ruptura tecnológica que o avanço da Inteligência Artificial e seus
desdobramentos representam para o mercado de trabalho.
Em termos contemporâneos, os desafios de então parecem bem menores, ainda que à época ocupassem corações e mentes de forças progressistas. A incipiente globalização, em paralelo aos preâmbulos de uma nova era tecnológica, já insinuava a necessidade de o Estado articular uma série de ações que minimizassem os custos sociais de um mercado de trabalho para o qual vislumbrávamos um futuro em constante mutação.
Celso Ming - Trabalho por aplicativos e a CLT
O Estado de S. Paulo
O governo Lula já não parece pretender que as
grandes mudanças nas relações de trabalho sejam enquadradas na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), como até agora vinha sendo defendido pelo PT.
Na última segunda-feira, por exemplo, o
presidente Lula afirmou que não é intenção do governo obrigar as empresas de
aplicativos a registrar seus trabalhadores.
“Essa gente tem que ser tratada com respeito. O que nós queremos é isso, não queremos obrigá-los a trabalhar com uma carteira assinada. Eles têm o direito de querer ser empreendedores individuais. Mas também têm o direito de serem tratados de forma decente”, disse Lula.
O que a mídia pensa: editoriais / opiniões
Sobram motivos para a PEC da Anistia ser rejeitada
O Globo
Perdão a irregularidades não é único
problema. Método para ampliar diversidade também é questionável
A principal crítica à PEC da Anistia é óbvia:
o texto libera os partidos de qualquer punição por irregularidades, com exceção
do uso de recursos públicos em benefício pessoal. Verbas de viagens sem motivo,
fretamento de aviões por preço exorbitante, salários descolados da realidade,
até a compra de toneladas de carne para churrasco, tudo a PEC perdoa
retroativamente. Não faz sentido o Congresso criar leis eleitorais para depois
esse mesmo Congresso dizer que elas não precisam ser cumpridas. Só isso já
deveria bastar para que a PEC fosse rejeitada. Mas esse não é o único problema.
O pretexto alegado para a proposta que angariou apoio entre partidos de todos os matizes ideológicos é aumentar a representatividade de mulheres e negros no Congresso. O objetivo é louvável e necessário. Os métodos sugeridos, contudo, são questionáveis.