quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Populismo na crise


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A crise que tomou conta da economia americana está transtornando a campanha eleitoral, sem que os dois candidatos principais tenham condições de dar respostas consistentes aos desafios que terão pela frente, se eleitos. O candidato democrata Barack Obama conseguiu, não por ação própria, tirar da sua frente a vice republicana Sarah Palin e reverter o ambiente político a seu favor. Mas, além de culpar a administração Bush e, por osmose, McCain, pela crise, não tem nenhum plano consistente para apresentar ao eleitor, a não ser a promessa de corte de impostos para a classe média. Como seu vice, senador Joe Biden, foi escolhido para preencher uma falha sua na política externa, não há ninguém na campanha para ajudá-lo em outro ponto fraco, a economia.

Mais uma vez a senadora Hillary Clinton é lembrada como uma alternativa mais útil à candidatura Obama neste momento de crise econômica. Ela, colada ao sucesso do governo do marido Bill Clinton na rearrumação da economia, já havia se mostrado durante as primárias mais efetiva ao lidar com aspectos da crise imobiliária do que Obama. Embora tenha tido acessos de populismo econômico, ao defender a redução do preço da gasolina durante o verão, tendo sido criticada por Obama.

O candidato republicano John McCain já havia confessado durante as primárias que não entendia muito de economia, e tinha para orientá-lo Phill Graham, um economista defensor radical da desregulamentação da economia, a ponto de ter criado um problema político para a campanha, ao acusar os cidadãos americanos de terem se transformado em um bando de "choramingões" no início da crise imobiliária.

O comentário acabou obrigando-o a sair oficialmente da campanha, mas há informações de que ele continua tendo voz ativa na parte econômica. Como Sarah Palin não preenche esse espaço vazio na campanha - ela preencheu outros, especialmente na direita fundamentalista dos republicanos -, resta a McCain tentar reinventar-se.

E ele está usando surpreendentemente um tom populista que nada tem a ver consigo, e nem com o Partido Republicano. Há exemplos de candidatos a presidente que escolheram Wall Street como o grande inimigo, mas geralmente são democratas.

Franklin Roosevelt, assumindo em meio à Grande Depressão, criticava os "inescrupulosos trocadores de dinheiro", e Harry Truman, assumindo o governo com a morte de Roosevelt, seguiu na mesma batida acusando "os sanguessugas que têm escritório em Wall Street".

Buscando ficar longe de George W. Bush, especialmente no que se refere à economia, McCain tem se ligado a outros republicanos que tiveram mais sucesso a seu tempo, como Ronald Reagan.

Ou então outro Roosevelt, o Teddy, seu grande herói que, paradoxalmente, tornou-se o presidente mais novo dos Estados Unidos, ao assumir o cargo aos 42 anos, com a morte de William Mckinley. McCain será, aos 72 anos, o presidente mais velho, caso seja eleito.

Mas ele se vê refletido na imagem de independente de Roosevelt, um verdadeiro "maverick". Mas a linguagem de McCain sobre a crise financeira de Wall Street não se encaixa em nenhum manual republicano, e abre imensas incoerências em sua campanha, a começar por ele próprio, que nunca antes tivera nenhum tipo de atitude no Congresso a favor de uma regulamentação mais dura no mercado financeiro.

Quando ele se refere aos "gatos gordos" de Wall Street, que saem dos empregos com os bolsos forrados de dinheiro por pacotes de indenizações milionárias de empresas falidas, ele finge esquecer que uma de suas principais assessoras econômicas é Carly Fiorina, que saiu com U$42 milhões do cargo de CEO da empresa de informática Hewlett Packard.

Os dois candidatos, aliás, têm problemas em tratar do assunto, já que estão sendo regiamente financiados por empresas de Wall Street, embora de maneira indireta, devido às regras da eleição americana que impedem que empresas financiem diretamente candidatos. O ex-CEO da Fannie Mae, Jim Johnson, foi um dos responsáveis pela escolha do vice do Obama.

De acordo com diversos levantamentos, empresas de investimento doaram milhões de dólares para ambas as campanhas.

Empregados da Merryl Linch e seus familiares, o banco que foi vendido antes de quebrar para o Bank of America, doaram cerca de U$300 mil para a campanha de McCain, mais de U$100 mil do que doaram a Obama, de acordo com o Centro de Política Conseqüent, uma ONG independente. Já os empregados do Lehman Brothers, antes de quebrar, haviam doado três vezes mais para a campanha democrata.

A vitória dos democratas nas eleições congressuais, após a reeleição de Bush em 2004, foi marcada por acentuados tons populistas, que nos EUA tem mais a ver com uma certa irresponsabilidade fiscal, uma política fiscal mais frouxa, gastar mais e tributar mais.

A primeira coisa que os republicanos fazem ao chegar ao poder é cortar imposto dos mais ricos, enquanto os democratas procuram oferecer isenções de impostos para a grande classe média americana.

Os democratas teriam competido como verdadeiros "populistas econômicos", e foram muito criticados por deixarem que o populismo superasse a ideologia. Nesta fase da campanha presidencial, quem está tentando atuar como populista econômico é o candidato republicano John McCain.

Está transformando sua candidatura num monstro disforme, que aceita o fundamentalismo religioso e o populismo econômico.

Ele disse certa vez que preferia perder a eleição a perder uma guerra por seu país. Nesta reta final, está mostrando que faz tudo para vencer a eleição presidencial.

O popular Lula


Zuenir Ventura
DEU EM O GLOBO

Todas as tentativas de explicar a popularidade de Lula têm recorrido à sociologia, e fracassaram. Talvez seja hora de tentar a psicologia. Em vez de sócio-análises, psicoanálises. Por que não consultar os entendidos em alma coletiva, os que conhecem os mecanismos de afinidade e identificação, os mistérios do carisma? O que não se pode mais é desqualificar o seu sucesso, alegando, como faziam antes muitos inconformados, que tudo se devia à ignorância das classes baixas, aquela gente mal informada que não lia jornal e, portanto, não dispunha de sentido crítico. E que, além do mais, vivia do Bolsa Família.

O que dizer agora da última pesquisa do Datafolha? Além de mostrar uma aprovação recorde em todas as regiões do país - 64% de ótimo/bom, quando há seis meses era de 55% - o levantamento traz uma novidade: a adesão dos mais ricos e dos mais escolarizados. Os primeiros eram 43% em março último e hoje são 57%; os segundos pularam de 47% para 55%.

Li várias declarações de oposicionistas. Um atribuiu o fenômeno à consolidação de projetos como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento); outro alegou o fato de o presidente estar permanentemente em campanha. Um terceiro citou o crescimento de 6% do PIB no primeiro semestre, um quarto, a estabilidade econômica. É possível que seja um pouco de tudo, mas será só isso? Houve quem dissesse que a cooptação da elite é passageira, vai terminar quando a crise financeira dos EUA chegar ao Brasil. E houve até quem decretasse, como o senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, que "a oposição no Brasil foi revogada, saiu de moda", quando na verdade o que perdeu sentido foi essa oposição sistemática e implicante, incapaz de reconhecer seus erros, e muito menos os acertos do adversário. Que gosta de polemizar com o sucesso alheio e acha mais divertido gozar os tropeços gramaticais e as metáforas do presidente do que admitir seu extraordinário poder de comunicação. Lula é popular pelo que faz, mas também pelo que diz e pelo que é.

A interpretação mais original foi a do líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal. Ele descobriu que o alto prestígio do presidente se deve à "sorte" - sorte de terem aparecido novas reservas de petróleo. "O povo está achando que a descoberta do pré-sal é a solução de todos os problemas e põe isso na conta do Lula", reclamou. Aníbal parece não ter percebido o risco de sua tese estimular a crença de que a sorte está do lado de Lula, não da oposição, que, em conseqüência, seria azarada. Num país em que as pessoas têm horror a pé-frio, imagina se corre a lenda de que Lula é pé-quente e nele nada de ruim cola, a exemplo dos escândalos do seu governo. Sua popularidade só tenderá a crescer. Assim, com a oposição ajudando, ele vai acabar elegendo até um poste, como já se diz hoje.

Na curva do Tietê


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O fundo do poço, na política, tem mola. Já devolveu à luz muita gente dada como perdida, ejetou o presidente Luiz Inácio da Silva incólume da crise do mensalão e, apenas por essa peculiaridade, seria precipitado vaticinar que o PSDB chegou lá para ficar.

Talvez o eleitor não tenha entendimento tão rigoroso a respeito do que se passa com os tucanos na eleição municipal de São Paulo, mas certamente há de ter uma sensação de estranheza diante de um partido que escolhe brigar consigo mesmo na eleição municipal mais importante do País.

Isso às vésperas de uma campanha presidencial em que esse partido terá de enfrentar os 64% de aprovação popular do presidente Lula, com a pretensão de lhe arrebatar a prerrogativa de eleger o sucessor.

Trata-se de dar conta de um recado gigantesco, qualquer um percebe a olho nu. Qualquer um menos as experientes e aparentemente alfabetizadas excelências da matriz do tucanato. Cegas e surdas às óbvias conseqüências do engalfinho em que se enfiaram na disputa pela Prefeitura de São Paulo, nessa altura dariam sorte se ficassem mudas.

Pelo menos teriam uma chance de não destruir por completo todos os argumentos para convencer o eleitorado brasileiro a dar a era Lula por encerrada a partir de janeiro de 2011.

No momento, o PSDB está enterrando seu discurso para a campanha presidencial na curva da eleição paulistana. E o problema não é o que o candidato oficial do partido, Geraldo Alckmin, diz do postulante no paralelo, Gilberto Kassab, muito menos o que ambos falam a respeito da oponente petista, Marta Suplicy.

Aliás, nada soa mais falso hoje na boca de um correligionário de Alckmin ou de Kassab que a assertiva sobre o PT ser “o verdadeiro inimigo”. Marta, no máximo, é uma adversária.

O xis da questão está nas incongruências autodestrutivas do PSDB. Não interessa quem cometeu o pecado original: se Alckmin ao insistir na candidatura, se José Serra ao não fazê-lo desistir, se as inteligências partidárias ao deixarem as coisas correrem frouxas, por inércia ou atrito de ambições.

Importa o resultado. E este expõe o seguinte cenário: o candidato oficial do PSDB bate pesado na administração comandada de fato pelo mais provável candidato do partido à Presidência e elogia o presidente do qual o partido se diz opositor.

Uma amostra recente do horário eleitoral de São Paulo é suficiente. No programa propriamente dito, Alckmin aponta como exemplos da terra arrasada patrocinada por Kassab a Saúde e a Educação, duas pastas ocupadas por tucanos; no comercial, o candidato critica o PT, mas ressalva: “Lula, tudo bem”.

Ora, se com “Lula, tudo bem”, se com a máquina da prefeitura administrada pelo PSDB tudo vai mal, se o partido se deixa conduzir sem reclamar (por tolice ou oportunismo) ao terreno do adesismo, é de se perguntar: qual razão teria o eleitor para discordar?

E assim vai o PSDB gastando patrimônio com bobagem, fechando os poucos espaços abertos ao contraditório, deixando órfão o eleitorado divergente.

Por nada

Nas altas esferas tucanas há quem aconselhe o governador José Serra a fazer uns agrados a Minas Gerais. Não ao mundo oficial nem ao exclusivamente social; mas a uma esfera intermediária, representativa (pelo menos supostamente, na visão paulista) do “espírito mineiro”.

Uma idéia seria Serra visitar Itamar Franco para dizer muito obrigado pelo que o ex-presidente fez em prol da entrada dos medicamentos genéricos no mercado.

“Ele não fez nada”, acrescenta o conselheiro, lembrando que agradecer também não custa nada e para um candidato fica muito simpático.

União civil

Em vias de perder o controle sobre a cidade do Rio de Janeiro, o DEM não está nem aí para a derrota da deputada Solange Amaral, candidata do prefeito Cesar Maia.

Se título de eleitor carioca tivesse, gente poderosa do partido presidido por Rodrigo Maia (deputado federal, filho do prefeito) confessa: votaria sem pestanejar em Eduardo Paes, candidato do governador Sérgio Cabral.

Nada, porém, na vida ocorre por acaso. Cria política de Cesar, ex-secretário-geral do PSDB, Paes foi ungido ao posto sob a proteção de José Serra e hoje está no PMDB, cuja adesão à candidatura Gilberto Kassab incluiu compromisso de apoio a Serra em 2010.

Acerto por ora restrito à seção paulista do partido.


Eduardo Paes é amigo do peito de Aécio Neves, um evidente espelho para o dândi que Sérgio Cabral resolveu incorporar depois de anos à procura de um modelo.

Em trajetória descendente no Rio - eleitoral e partidariamente falando -, o PSDB quer entrar na campanha presidencial com um patrimônio não muito inferior a 30% dos votos.

No início apostou no apoio a Fernando Gabeira, mas já está convencido de que peixe na quantidade necessária só dá no mar do Palácio Guanabara.

Um copo pela metade


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Forte no jogo político pelo alto, Dilma tenta se tornar uma candidata robusta na base, o que não aconteceu até agora. É aí que entra o marketing

A grande popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo atingiu 64% de avaliação positiva (bom e ótimo), é um assunto fora de discussão. O mesmo não acontece com a possibilidade de transferir esse prestígio para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), na sua sucessão em 2010. É como um copo pela metade. Os governistas dizem que está quase cheio; a oposição, quase vazio. Que variáveis podem de fato encher ou esvaziar o copo de Dilma? São sobretudo três: o cenário econômico, a política de alianças e a pegada eleitoral da candidata.

A estratégia

Para o diretor-presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, o copo está quase vazio. Ele não acredita na possibilidade de Lula transferir seu prestígio para Dilma. “Lula tem uma trajetória única. Escapou de morrer de fome no Nordeste, viajou de pau-de-arara para São Paulo, foi engraxate, perdeu um dedo no torno mecânico, comandou greves quando ninguém vazia isso, foi preso pela ditadura, fundou um partido, disputou e perdeu três eleições para presidente da República e venceu duas”, resume. Qual a ligação de Dilma com a história de Lula? Quase nenhuma. Isso significa que ela não tenha uma biografia política? É claro que não. Mas tem uma história diferente, é a jovem estudante que virou guerrilheira, foi presa e torturada, cuja maior proeza foi “expropriar” o cofre do ex-governador paulista Ademar de Barros, criador do “rouba mas faz”. Sua militância política nem de longe será capaz de produzir um carisma semelhante ao de Lula.

Como, então, encher o copo de Dilma? Primeiro, garantindo um cenário econômico que lhe seja favorável, com a inflação sob controle, o país crescendo, os programas sociais aos mais pobres e grandes obras para todo lado. Tal cenário favoreceria o continuísmo, o desdobramento da gestão de Lula com a eleição de uma pessoa identificada com suas realizações. Segundo, com a aglutinação das forças políticas que apóiam o governo em torno de Dilma, o que implica em consolidar seu nome nas bases do PT, fazer uma boa amarração com o PMDB e outros partidos aliados e remover a candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB). Terceiro, com o marketing político, transformar a executiva da burocracia estatal, perfil de Dilma, na “fazedora de obras” e no trator eleitoral.


As contingências

Com a régua e o compasso do Palácio do Planalto, essa arquitetura pode até dar certo, pois o ambiente é favorável. Mas também pode dar errado. Toda a estratégia sofre fricção, mesmo a bem sucedida. É no seu curso que os obstáculos aparecem. Um problemão é a mudança no cenário econômico. Até aqui, o Brasil tirou de letra a crise financeira norte-americana, mas a situação está ficando cada vez mais estranha. A economia brasileira enfrenta razoavelmente bem a turbulência, mas os prognósticos são de que o país crescerá menos nos próximos anos. Tudo vai depender da China. Se continuar crescendo, o Brasil terá mais chances de manter a economia aquecida.

A segunda contingência é a unidade do bloco governista. O PT reivindica a cabeça de chapa porque é o partido do presidente e sairá das eleições mais robusto. Mas é cedo para falar em uma onda vermelha que varre o país. A cúpula petista espera conquistar as prefeituras de Rio Branco, Porto Velho, Palmas, Fortaleza, Recife e Vitória com facilidade. Porém, terá que suar a camisa para ganhar em Salvador, São Paulo e Porto Alegre. Se conseguir, é o suficiente para impor a candidatura de Dilma aos aliados e remover a candidatura de Ciro Gomes (PSB). Entretanto, isso não significa garantir o apoio do PMDB, partido que gosta de cristianizar os candidatos e apoiar aquele que está ganhando. A legenda tradicionalmente deriva nas eleições de acordo com as conveniências locais de seus caciques.

E falta o principal: combinar com o eleitor. Segundo Montenegro, Lula pode transferir por gravidade de 12% a 15% de intenções de voto para Dilma, não mais do que isso. É o tal copo pela metade. O risco é de uma escolha errada. Forte no jogo político pelo alto, Dilma tenta se tornar uma candidata robusta na base, o que não aconteceu até agora. É aí que entra o marketing político. Se fracassar, por mais incrível que hoje pareça, a oposição terá chances reais de vitória.

Lula nas alturas

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Com crescente competência, o presidente estabelece uma relação cada vez mais sólida com a pessoa comum, falando como ela, agindo como “qualquer um” agiria

Com a divulgação da mais recente pesquisa nacional do Datafolha, confirmou-se o que era esperado. Lula está nas alturas, com sua popularidade batendo todos os recordes, mesmo os seus, que já eram os mais exuberantes desde quando se começou a pesquisar de maneira sistemática a opinião pública no Brasil.

Há diversas coisas a comentar sobre como chegou à situação atual, em que duas, de cada três pessoas, de Norte a Sul do país, consideram seu governo como “ótimo” ou “bom”. Segundo os dados da pesquisa, as diferenças regionais e socioeconômicas se tornaram quase irrelevantes, ao contrário do que eram faz pouco tempo, quando seu desempenho nas camadas de renda e escolaridade mais altas era significativamente inferior, assim como na Região Sul e nas capitais.

Se chama atenção o tamanho de sua avaliação positiva, é ainda mais notável quão pequena se tornou a negativa. Somando quem é de opinião que seu governo é “ruim” e “péssimo”, chegamos a apenas 8% do total. Menos que um em cada 10 cidadãos brasileiros reprova sua atuação. O que quer dizer que mais de 90% não está insatisfeita com ele.

Ou seja, Lula virou uma espécie de unanimidade nacional.

As razões para isso vêm sendo objeto de especulação faz tempo, ainda quando sua aprovação era menor. Têm a ver com várias coisas. A comparação com seus antecessores (com quem a história tem sido cruel) e as expectativas não muito elevadas que a população tinha a respeito de seu governo são duas.

O bom momento que a economia brasileira vive é outra, de evidente relevância para explicar essa aprovação. Para muitos especialistas, o momento poderia até ser melhor, se o governo agisse de forma diferente. Mas, para o cidadão comum, o mais importante é que poderia ser pior, como, aliás, foi nos vários últimos anos. A conjugação de mais oportunidades de trabalho com mais acesso ao consumo, mesmo em patamares relativamente modestos, é infalível para levantar a popularidade de qualquer governo.

Há, ainda, muita coisa que o governo faz que recebe a aprovação das pessoas, especialmente de pessoas de renda menor (mas não apenas delas). Quase todas integram a política social, com o carro puxado pelo Bolsa Família, englobando ações na educação e no apoio a comunidades carentes em regiões pobres.

Salvo elas, as pesquisas disponíveis mostram que a avaliação do governo, área por área, nunca alcança os níveis que tem no conjunto. Uma a uma, as notas que recebem as diversas políticas são sempre menores que a do governo como um todo. Em outras palavras, o todo é maior que a soma das partes.

É porque, na avaliação do governo, as pessoas avaliam também o próprio Lula. Com crescente competência, ele estabelece uma relação cada vez mais sólida com a pessoa comum, falando como ela, agindo como “qualquer um” agiria. Assim, afasta tudo de negativo (até mesmo os erros de seu governo, como a crise de infra-estrutura que vivemos) e se apropria do que é positivo (até mesmo coisas para as quais sua contribuição é pequena, como as descobertas de petróleo).

Conjunturalmente, a isso se soma que Lula se beneficia muito do período eleitoral que vivemos. Com sua popularidade nas alturas, ninguém o critica e legiões de candidatos lutam para se identificar com ele. Sem exagerar, pode-se dizer que Lula tem, hoje, uns 20 mil cabos eleitorais espalhados pelos 5.800 municípios brasileiros, contando apenas os candidatos a prefeito.

Isso é bom? Não haver, para todos efeitos, oposição, faz bem a um país? Ou é melhor que ela exista, para fazer com que o governo ande mais depressa e chegue logo aonde precisa chegar.

Tomara que, assim que passem as eleições, as oposições retomem seu papel.

Na expectativa da onda vermelha


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Nas eleições municipais de 2004, portanto antes de estourar o escândalo do mensalão, que desnudou e desestabilizou o partido, o PT fez a previsão de que elegeria mais de mil prefeitos em todo o país. Anunciou a meta e correu para conquistá-la, mas acabou ficando em menos da metade. Os pouco mais de 400 prefeitos eleitos, que representavam, na verdade, uma conquista extraordinária do partido, pois lograra dobrar as prefeituras que possuía à época, transformaram-se em um resultado frustrante. O partido saiu da eleição como se tivesse sido derrotado. Esta inversão de expectativa é o que o PT quer evitar na disputa municipal de 2008.

Por isto, não quer e não está falando em metas e números, mas as tem, sim, e espera, no mínimo, varrer o país com sua onda vermelha. Novamente a marca das mil prefeituras é um objetivo, e desta vez, para atingi-lo, o caminho foi traçado detalhadamente, apesar das negativas.

Na segunda-feira, o Grupo de Trabalho Eleitoral do PT fez uma análise parcial do desempenho até aqui e chegou à conclusão de que o partido vai muito bem nesta campanha. Um dos integrantes da cúpula partidária define, revelando a euforia que em público todos tentam conter, o que lhes vai ao pensamento: "O PT vai ter um sucesso absoluto".

E este êxito se deve não a uma só estratégia, mas a uma combinação de várias delas, analisadas por integrantes do comando da legenda. A quebra do tabu das alianças foi uma delas. Ainda há muitas cidades estratégicas onde o PT radicalizou sua velha posição de não ceder postos a aliados, mesmo que melhor posicionados, mas a regra geral não foi esta. No Rio, por exemplo, o partido não quis dar apoio à candidata Jandira Feghali, do PCdoB, e ficou com o seu candidato, Alexandre Molon, isolado e amargando um constrangedor sexto lugar na preferência do eleitorado.

Em Porto Alegre, a candidata petista Maria do Rosário acaba de ser ultrapassada por Manuela D"Ávila, do PCdoB, e o partido não admitiu, ali, em nenhum momento, somar seu eleitorado para eleger facilmente um aliado. Em Goiânia, a decisão de aliar-se ao PMDB, ficando este partido na cabeça de chapa, foi sofrida e aprovada no diretório por apenas um voto de diferença. Em Belo Horizonte, se o prefeito Fernando Pimentel (PT) não se rebela contra a decisão da cúpula, estaria o PT fora da chapa do candidato Márcio Lacerda, do PSB, que parece ter plenas condições de vencer no primeiro turno.

No interior do país houve também muitas exceções à nova postura sobre alianças. Agora, já às vésperas da votação, por exemplo, ainda tem petistas impugnando alianças do partido que há meses fazia campanha em coligação com legendas com quem divide o governo federal, tirando as chances suas e dos aliados. Na cidade goiana de Formosa, a 80 quilômetros da sede nacional do partido, nas vizinhanças do Distrito Federal, o PT forçou o PR, esta semana, a mudar o candidato a vice-prefeito porque decidiu sustentar candidatura própria.

Esta reincidência no isolamento partidário, segundo avaliações da cúpula, não é, porém, a tônica desta eleição. Seria possível contar os municípios onde o PT lançou sozinho um candidato, ou que o PT saiu só com os aliados de esquerda. O PT considera que está, nesta campanha, mais junto com a base do governo do que jamais esteve.

A segunda estratégia que, esta sim, tem se revelado arrasadora para os adversários do partido é que o PT descobriu-se destinatário principal do prestígio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e está conseguindo colar sua imagem à de Lula. As avaliações mostram que Lula, não necessariamente, transfere sua popularidade para o partido, razão pela qual todos os candidatos de siglas da base de apoio ao governo federal exploram a proximidade com o presidente. Mas o PT está sabendo explorar bem o fato de ser o partido do presidente e, em localidades absolutamente essenciais ao conforto político de Lula, ele próprio está se envolvendo no embate.

Uma terceira estratégia que estaria permitindo colher vitórias este ano foi a decisão de vários candidatos, em cidades mais arejadas, de abrir o seu programa de TV para que personalidades não petistas possam também falar. O exemplo analisado foi o de São Paulo, onde, segundo dirigentes partidários, o PMDB de Orestes Quércia, que apóia o candidato à reeleição, Gilberto Kassab (DEM), foi contestado pelo PMDB do escritor Fernando Morais, uma cria política de Quércia que com ele rompeu e agora pede votos, na TV, para a candidata Marta Suplicy.

Os candidatos, nesta avaliação, tornaram-se mais abertos para permitir que pessoas com nichos eleitorais definidos tenham espaço na sua propaganda política.

E, mais um caminho eleitoral trilhado pelo partido, foi levado adiante um processo de filiação qualitativa ao PT. O partido não se recusou a permitir que filiado novo se transformasse em candidato, desde que suas perspectivas fossem boas. A campanha seletiva de filiação levou para o PT pessoas bem qualificadas, diz um integrante da cúpula, tanto do ponto de vista moral quanto eleitoral. "Foram pessoas com boa representação social". Há casos exemplares até em cidades da região metropolitana de São Paulo.

Destas estratégias emerge o mesmo pragmatismo que levou o presidente Lula a fazer alianças à esquerda e à direita, no Congresso. Foi também o pragmatismo que levou a direção petista a definir uma política de distribuição de dinheiro para a campanha de quem tem realmente chance, faltando três semanas para a votação. Fora disso, haverá apenas um teatro para marcar posição, até o fim, uma prática muito difundida no passado que o PT acredita estar superando nesta disputa.

As avaliações feitas agora apontam também a possibilidade de sucesso, no futuro, destas estratégias testados nesta campanha. Partidos de oposição estão acompanhando o trabalho do partido e sabem que não têm e dificilmente conquistarão o mesmo nível de organicidade, pragmatismo, e obsessão que caracterizam esta campanha de fortalecimento nacional do PT que, avaliam petistas e não petistas, chegará muito forte a 2010.

O PT evita falar no assunto, mas espera uma onda vermelha em outubro, com a eleição de mil prefeitos em todo o país.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Nem é oposição nem o partido do governo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


É compreensível que os dirigentes e demais abrigados na barraca do PT tentem passar para o eleitor que o sortilégio da legenda que curtiu o calvário da oposição conta com o apoio da imensa maioria da população.

Pena que a esperta versão seja metade verdade e a outra banda uma conversa de esperto para enganar os trouxas. Pois, a evidência que passa pelo raciocínio que não fatiga os neurônios é que na bagunça do quadro partidário, em que se encaixa o flagrante da campanha para prefeitos e vereadores, não há oposição com o mínimo de consistência nem o PT é o grande partido que se apresenta como o favorito na maioria das capitais e municípios.

No caso da tresloucada oposição, o seu martirológio começou antes da posse de Lula para o primeiro mandato, em 2002, quando foi montado no Congresso o balcão para a compra e aluguel de votos para a composição da maioria parlamentar – que é acachapante na Câmara e com os seus riscos no Senado, no pobre Senado dos senadores de garupa, que se "elegem" sem um único voto, como suplentes dos verdadeiros donos dos mandatos.

Com a crise ética que assola o Legislativo e contamina os três poderes, caiu a máscara no descaro dos acertos no toma-lá-dá-cá da cooptação do PMDB e dos avulsos que se bandearam em grupos ou no varejo das unidades.

A fragilidade da oposição pode ser conferida no flagrante das rachaduras e contradições da campanha municipal. Minoritária e dividida na sopa de letras das siglas que não se entendem nos Estados e batem cabeça nos municípios, os líderes dos partidos desistiram da elementar providência de fechar em torno de um candidato para evitar os atritos internos. Nem em Minas foi possível carimbar a popularidade do governador Aécio Neves, como a solução natural, enquanto em São Paulo o governador José Serra não se entende com o antecessor Geraldo Alckmin que, por sua vez, mirou no prefeito Gilberto Kassab (DEM), um aliado que virou alvo.

Na largada da campanha para a sucessão de Lula, o instinto de sobrevivência deverá tanger a oposição para o apoio ao candidato único, com os lanhos das brigas internas.

O governo é o presidente Lula, com a popularidade disparando com a velocidade das sondas espaciais para o recorde de 62% de aprovação e a liderança inquestionável sobre o PT e os demais 15 partidos ou filhotes de siglas que desfilam na parada do apoio ao governo. Uma aliança amarrada com todas as embiras dos interesses atendidos e do empenho de senadores e deputados federais em renovar o mandato, um dos melhores empregos do mundo, que rende mais de R$ 100 mensais com os subsídios, vantagens, benefícios do balaio generoso que escancara o saque ao cofre da viúva.

As especulações de sempre sobre os resultados das eleições de prefeitos em 5.562 municípios e de cerca de 400 mil vereadores (que desperdício!) ajudam a passar o tempo e a aquecer o debate no Congresso.

Desde a restauração do regime democrático, com a derrubada do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, com a interrupção dos quase 21 anos da ditadura militar do rodízio dos generais-presidente, e a nova temporada de eleições para valer, a partir da eleição indireta de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985 – o presidente que não tomou posse – de José Sarney a Lula em seus dois mandatos, raras eleições não tiveram os seus resultados antecipados pela nítida preferência das ruas.

Mas, nunca com a certeza de que o presidente elegeria quem ele quisesse. E Lula quer a ministra-candidata Dilma Rousseff. O PT vai a reboque.

A oposição não sabe onde o galo canta


José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Diz o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), que “a oposição foi revogada, saiu da moda”. O reconhecimento prévio do malogro neste ano eleitoral reproduz, com exatidão e sinceridade, a situação política esdrúxula que o País vive. E também ajuda a explicar tal fiasco, pois a autocondenação à morte mostra que o prócer, a exemplo dos colegas de bancada, sabe que o galo canta, mas não tem idéia de onde fica o poleiro do qual todo dia este saúda o Sol. O desabafo de Guerra traduz desalento e é também uma confissão de impotência, que resulta da própria incompetência, não apenas para combater o fenômeno que a tirou de moda, mas também para compreender a cena política, condição básica para que a partir de tal compreensão se esbocem as linhas-mestras para enfrentar e resolver o problema. A maior tragédia da oposição brasileira hoje não é a eficiência do governo, mas a própria ineficiência para perceber e atuar.

O patamar a que galgou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - de 64% de popularidade, segundo a última pesquisa Datafolha - não pode ser produto apenas de sua inegável sorte: resulta também de sua capacidade rara de se comunicar com os segmentos mais pobres e numerosos da população. Para isso usa a própria vivência e, da mesma forma, recorre a uma intuição admirável. Além da fortuna, a virtude de saber conciliar o levou ao governo depois de três derrotas seguidas em duas disputas contra o tucano Fernando Henrique e outra com o alagoano Fernando Collor. Isso não é inusitado na história política do Brasil independente. À capacidade de dom Pedro II de atender a liberais e conservadores - facilitada pelo fato de que, segundo glosava uma quadrinha popular no século 19, nada mais igual a um saquarema que um luzia no poder, apelidos jocosos dados pelo povo aos grupos que se revezavam no poder no Segundo Império - deveu-se a longevidade de seu reinado. Do talento do gaúcho Getúlio Vargas para reunir grupos na aparência antagônicos sob seu tacão - os latifundiários do PSD com os proletários do PTB - dependeu outra bem-sucedida aliança, tal como a primeira fundida no chumbo em que se imprimia o Diário Oficial: a conciliação pela via da nomeação.

A diferença entre nosso atual caudilho e os modelos históricos aqui lembrados é que ele realizou a primeira conciliação antes de alcançar o poder, ao submeter à disciplina partidária e a seu comando carismático grupos antes irreconciliáveis da esquerda armada, ao lado de lideranças sindicais e líderes da esquerda eclesiástica. Sob o estandarte socialista da mudança de “tudo o que está aí”, mas com um discurso conservador na economia, para não afugentar o voto da classe média e da classe operária especializada, ele subiu a rampa do Palácio do Planalto. No poder, mesmo não sendo um profundo conhecedor da história política nacional, aproveitou-se magistralmente das lições dos grandes conciliadores, radicalizando experiências de união nacional que já tinham sido ensaiadas, mas nunca levadas a cabo até o ponto em que ele as praticou. Foi além de Eurico Dutra e do próprio Getúlio, que montaram Gabinetes de união nacional. E conseguiu de antigos adversários políticos aparentemente inconciliáveis - de egressos da ditadura, como Paulo Maluf, José Sarney e Delfim Netto, a fisiológicos notórios, como Severino Cavalcanti, Jader Barbalho e Renan Calheiros - o que negara a Itamar Franco no grande acordo feito na pós-queda da República de Alagoas. De fato, essa mentalidade de mosqueteiros de fancaria (“todos por cada um e ninguém pelo povo”) se repete monotonamente nos palácios brasileiros desde a Independência. Mas Lula lhe deu consistência e vigor: Fernando Henrique, seu antecessor também nisso (os quadros de seus dois governos se repetem no atual, numa monotonia enervante), jamais teria estômago para fazer a defesa vigorosa que o presidente faz de políticos e práticas inconfessáveis - de Severino Cavalcanti aos “mensaleiros”.

Lula ganhou a primeira eleição prometendo ser diferente dos adversários e a segunda, garantindo que estes eram farinha do mesmo saco onde escondeu seus companheiros apanhados em flagrante em delitos catalogados ao longo de todo o Código Penal. Para isso contou com a ajuda dos opositores, que lhe entregaram as batatas da vitória no instante em que se negaram a sacrificar a cabeça do então presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo (MG), flagrado em crime idêntico aos de que foram acusados “companheiros” do quilate do ex-presidente do PT do presidente José Genoino e de seu principal organizador, José Dirceu. A elite oposicionista, incapaz de enxergar um palmo além dos narizes empoados de seus baluartes, não foi capaz de compreender o fato.

Lula não dormiu sobre os louros do triunfo nas urnas, conseguido pelos próprios méritos e pela incompetência dos adversários: seu oponente, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), conseguiu o feito de ser menos votado no segundo turno que no primeiro. E no segundo governo faz mais do mesmo, ao repetir a fórmula testada e aprovada de encher os cofres dos banqueiros e a barriga dos miseráveis. Essa fórmula mágica, capaz de içar candidaturas municipais do limbo ao topo (como as de João da Costa, no Recife, e Luiz Marinho, em São Bernardo do Campo), produz efeito de avalanche ameaçando sepultar os sonhos oposicionistas de voltar ao Planalto em 2010. Mas, a bem da verdade, Lula nada tem que ver com a lambança de seus adversários Geraldo Alckmin (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM), únicos responsáveis pelo oxigênio injetado na candidatura petista de Marta Suplicy no maior município do País. A eleição paulistana prova que a oposição sai da moda por méritos de Lula e deméritos próprios. Doses de adesão alheia e da falta de visão dela mesma é que podem vir a revogá-la.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

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