domingo, 5 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Conceito de ‘trabalhador’ ficou no passado

O Globo

Fracasso do Primeiro de Maio é sinal de que realidade econômica não é a que Lula e os sindicatos imaginam

O esvaziamento do ato das centrais sindicais em comemoração ao 1º de Maio em São Paulo irritou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco mais de 1.600 pessoas compareceram ao evento na quarta-feira, o que fez Lula passar um pito em público nos organizadores. Eles não têm, porém, como reverter as transformações da sociedade brasileira, que tornaram coisa do passado o conceito de “trabalhador” tão caro a Lula e aos sindicatos — e que estão na raiz do esvaziamento.

Um em cada quatro brasileiros hoje trabalha como autônomo ou por “conta própria”, na classificação do IBGE. Não tem patrão, muito menos vínculo com qualquer entidade sindical. Em dez anos, essa parcela da população cresceu de 20,8 milhões para 25,6 milhões. É certo que parte da tendência resulta da falta de opção de emprego, que leva muitos a fazer bicos para sobreviver. Mas é inegável o avanço de ocupações autônomas, como motorista ou entregadores de aplicativo, e da cultura do empreendedorismo. Isso fica evidente na proporção de trabalhadores por conta própria com CNPJ, que saiu de 24% em 2013 para 34% em 2023. São brasileiros que identificaram demandas de consumidores, viram oportunidades e abriram negócios.

Merval Pereira - Regimes abrasileirados

O Globo

Especialistas veem no Presidente da República, eleito pelo voto direto nesse sistema de governo, o garantidor da estabilidade

O presidente da Câmara Arthur Lira não tergiversou. Perguntado como definiria hoje o sistema de governo brasileiro, diante do protagonismo crescente do Legislativo, respondeu: semipresidencialismo. Aliás, há anos que Lira defende a adoção do semipresidencialismo, tendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes como parceiro nessa defesa.

Assim como nossa experiência de parlamentarismo, no entanto, o semipresidencialismo, embora também há anos vigore extraoficialmente, só é lembrado como alternativa a nossas constantes crises institucionais perto das eleições presidenciais, o que o leva a ser taxado como uma solução golpista. Se houver disposição dos políticos de debaterem aprofundadamente o assunto para adotá-lo a longo prazo, se esse for o consenso, pode ser que consigamos alguns avanços.

O cientista político francês Maurice Duverger, grande teórico do tema, definiu o semipresidencialismo como o regime que reúne um presidente da República eleito por sufrágio universal e dotado de notáveis poderes, e um primeiro-ministro e gabinete responsáveis perante o parlamento. Esse aspecto do semipresidencialismo, o do aumento da responsabilidade do Legislativo no governo, parece fundamental aos estudiosos do assunto.

Míriam Leitão - Folhas do tempo e lições a reter

O Globo

O ano de aniversários redondos de eventos históricos é uma oportunidade de o Brasil olhar para si, evitar os erros e lembrar os acertos

No ano dos aniversários redondos, o Brasil deveria olhar mais para si mesmo e escolher caminhos que nos afastem dos erros e nos aproximem dos acertos que algumas dessas datas apontam. São duzentos anos da primeira Constituição do Brasil independente, 60 anos da ditadura militar, 50 anos da revolução democrática de Portugal, 40 anos da memorável campanha das Diretas, 30 anos do Plano Real, 30 anos da morte do Senna, dez anos da Lava-Jato. É como se o passado, bom ou ruim, aparecesse como um calendário antigo em papel em que as folhinhas voam indicando a passagem rápida do tempo.

O caminho constitucional é o único possível, como aprendemos duramente, mas temos tratado a nossa melhor Carta como depósito de questões corporativas ou conjunturais sem relevância. Basta ver a PEC que classifica como crime o porte de qualquer quantidade até de drogas leves, e a PEC que aumenta o salário da elite do judiciário a cada cinco anos. Uma delas vai no caminho contrário do mundo, e a outra bate de frente com o controle das contas públicas.

Bernardo Mello Franco - Notícias da Guanabara

O Globo

Governador prevê calote em servidores, prefeito nomeia aliados de Eduardo Cunha, PF indicia deputada ligada à milícia. E o Rio vibra com a presença de Madonna

O Rio de Janeiro continua lindo. Na segunda-feira, o governador Cláudio Castro anunciou que pode suspender o pagamento de salários dos servidores. O motivo é a crise financeira do estado, que ele escondeu na campanha à reeleição. “Caminha para isso”, informou Castro sobre o possível calote aos funcionários. “Não agora não em 2025. Talvez lá para o final de 2026”, acrescentou. Quem avisa amigo é. Se o dinheiro não pingar na conta, ninguém poderá dizer que foi pego de surpresa.

O Rio de Janeiro continua sendo. O prefeito Eduardo Paes entregou o comando da Secretaria de Habitação e de duas empresas públicas a indicados de Eduardo Cunha. O ex-deputado saiu da cadeia porque a juíza Gabriela Hardt, ela mesma, compadeceu-se de “sua idade e seu frágil estado de saúde”. As condenações caíram, a doença sumiu, e Cunha voltou a praticar sua especialidade. Para adivinhar o que acontecerá na prefeitura, ver o histórico da Telerj e do fundo de pensão da Cedae.

Dorrit Harazim - Soberba humana

O Globo

Depois da tragédia no Rio Grande do Sul, espera-se que o país comece a agir à luz da realidade

Se o teste definitivo de nosso conhecimento (individual e coletivo) está em nossa habilidade de transmitir o que sabemos, das duas uma: ou somos péssimos professores ou alunos impermeáveis. Mudança climática não é propriamente uma novidade — em seus convulsionados 4,5 bilhões de anos (indo para outros 5 bilhões até ser absorvida pelo Sol), a Terra aguentou solavancos ambientais de proporções bíblicas. Ainda assim, ela vai muito bem. O que vai mal são todas as formas de vida da biosfera, que começa 9,5km abaixo do nível do mar e vai até uma altura de 8km acima da superfície terrestre — aquilo que costumamos chamar de “mundo”. Este vai de mal a pior desde que nos apegamos ao conceito de “controle da natureza”, miragem concebida em arrogante suposição: que a natureza existe para conveniência do ser humano.

— Esquecemos como ser bons hóspedes, como pisar sobre o chão da Terra com a delicadeza comum às demais criaturas — resumiu, com melancolia pouco comum, a economista inglesa Barbara Ward, já citada neste espaço.

Eliane Cantanhêde - A economia vai bem, e Haddad?

O Estado de S. Paulo

Saíram os generais de Bolsonaro e entraram os petistas de Lula, mas a guerra continua

Assim como todos os ministros do Planalto no governo Jair Bolsonaro eram militares, até a chegada do líder do Centrão, Ciro Nogueira, na Casa Civil, todos no governo Lula estão nas mãos de um único partido, o PT. O que significa? Uma bolha de pensamento único, sem controvérsias reais e suscetível a briguinhas de poder e a disputas pelas graças do presidente de plantão.

No caso de Bolsonaro, eram todos generais, fazendo reverências ao capitão insubordinado. No de Lula, a velha guerra interna e as idiossincrasias do PT foram transportadas para o centro de poder e miram os dois principais ministros, Fernando Haddad, petista e responsável pelos maiores troféus do governo em 2023, e José Múcio, que vem da direita e é considerado o engenheiro certo, na hora certa, para construir pontes com os militares.

Celso Ming - O mundo gira e os sindicatos rodam

O Estado de S. Paulo

O sindicato à moda antiga não passa de um zumbi. Há muito não representa os trabalhadores e, agora, nem mobilizá-los consegue, como se viu a partir do retumbante fracasso das manifestações de 1° de Maio. Nem o presidente Lula nem seu ministro do Trabalho, Luiz Marinho, estão se dando conta disso.

A estrutura sindical nasceu com grave vício de origem. Foi criada por Getúlio Vargas para dar suporte a seu regime corporativista inspirado em Mussolini, e não para defender o interesse dos trabalhadores. Assim, foi ficando, governo após governo.

Graças às polpudas verbas do imposto sindical e ao comportamento cartorial dos seus dirigentes, os sindicatos prosperaram, garantiram boa vida a muitos e até forjaram líderes políticos, entre os quais se sobressaiu o atual presidente da República.

Luiz Carlos Azedo - Brasil safado de Madonna é negação do conservadorismo

Correio Braziliense

Fãs revelam uma identidade coletiva na qual representam a persona que quiserem. E tudo no bairro, que é o mais cantado do mundo, preferido por Bolsonaro para realizar seus atos golpistas

Mitos e símbolos são semelhantes em todas as culturas ao longo do tempo. O inconsciente individual existe sobre uma camada mais profunda, o inconsciente coletivo. O sucesso de Madonna, no Rio de Janeiro, com um show gratuito, patrocinado com recursos públicos (não existe almoço grátis), merece uma reflexão sobre o outro lado de um país que parece regredir no tempo, quando olhamos para a política. Mas que passou por mudanças de comportamento humano que não têm mais volta.

Podia-se afirmar que é um fenômeno do Rio de Janeiro, que busca no entretenimento e na transgressão cultural uma espécie de redenção de suas mazelas políticas e iniquidades sociais. Mas, não. Foi gente do país inteiro, de todas as classes sociais e gêneros sexuais, que viajou para o ver o show de Madonna no Rio de Janeiro. Poderia ser no sentido inverso, para São Paulo, Salvador ou Belo Horizonte, o sucesso seria o mesmo. Entretanto, que astro pop resiste ao fascínio de Copacabana?

O bairro boêmio preferido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para realizar seus atos golpistas é o mais cantado do mundo. A “princesinha do mar”, como foi chamada no samba de Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha, gravado originalmente em 1946, na voz inconfundível de Dick Farney, foi cantada até por Sarah Vaughan.

Celso Rocha de Barros - O que modera é golpista preso

Folha de S. Paulo

Normalização do bolsonarismo precisa ser revertida, não aprofundada

Em sua coluna de 29 de abril, Joel Pinheiro da Fonseca argumentou que a centro-direita está muito fraca e que, por isso, precisa se aliar ao "bolsonarismo moderado". Afinal, argumenta o colunista, não faltam exemplos de movimentos guerrilheiros ou mesmo terroristas que moderaram seu discurso e aceitaram a democracia. Por que não os bolsonaristas?

A discussão pode ser útil para estabelecer alguns limites.

Joel tem razão em dizer que muitos movimentos radicais de esquerda moderaram suas posições, em especial na América Latina dos anos 90. O PT, o Frente Amplio uruguaio, todos estão cheios de ex-guerrilheiros.

Bruno Boghossian - A direita interditada

Folha de S. Paulo

É mais provável que ex-presidente convença outros a se vestirem como ele do que o contrário

De tempos em tempos, um ministro saía do gabinete presidencial e dizia que Jair Bolsonaro estava decidido a segurar a onda. A explicação era quase sempre a mesma: o capitão havia sido convencido de que suas atitudes incendiárias afastavam uma fatia crucial do eleitorado.

Bolsonaro nunca seguiu esse caminho. Confiante de que seria capaz de sustentar sua autoridade na máquina do governo, na fúria antissistema e no combate à esquerda, ele continuou apegado a seus princípios. Perdeu a aposta, mas conseguiu apoio suficiente para manter domínio sobre todo um bloco político.

Muniz Sodré - Fenômenos patéticos

Folha de S. Paulo

Humor encontra dificuldades quando circunstâncias sociais deprimem a inteligência perceptiva

comício do Bozo em Copacabana ofereceu ao menos um episódio marcante para o registro público dos fenômenos patéticos. Sem mais nem menos, em meio à babel de bravatas, um deputado federal passou a falar em inglês. Pretendia estar sendo ouvido por Elon Musk, entronizado no ato como o bilionário que resgatará a liberdade no planeta. Uma escuta improvável: em órbita incerta, ele agora assedia australianos. Mas o episódio pode contribuir para reflexões de humoristas sobre as adversidades de se fazer humor hoje no país.

Vinicius Torres Freire - O clima no Brasil é de morte

Folha de S. Paulo

Estudo lembra como a selvageria parlamentar, administrativa e ambiental mata muito

O governo tem um "Atlas Digital de Desastres", com números de mortes e prejuízos por desastres chamados de "naturais", similares e conexos, de 1991 a 2022.

O pior ano teria sido 2011, quando 957 pessoas perderam a vida, 955 delas por causa de "chuvas intensas", com 553 mil desabrigados e desalojados. A maioria morreu em Nova Friburgo (420), Teresópolis (355) e Petrópolis (71), na serra do Rio de Janeiro. Em 2022, foram-se 397 pessoas, 395 por "chuvas intensas".

Entendidos acham que os dados são subestimados, bidu. A subestimação maior, porém, deve ocorrer porque morre muito mais gente pelo efeito difuso da combinação de ruína climática com a incompetência e a crueldade nacionais.

Hélio Schwartsman - Hegelianos de Ohio

Folha de S. Paulo

Livro mostra como pensadores alemães influenciaram abolicionistas dos EUA

No Reino Unido, os religiosos desempenharam um papel importante na luta contra a escravidão. Nos EUA, não. Ou melhor, houve um primeiro pico de circulação de ideias abolicionistas, ainda no século 18, para o qual grupos religiosos como os quakers contribuíram, mas o movimento não foi para a frente e a religião acabou se tornando no século 19 uma força majoritariamente pró-escravidão. Pior, os donos de escravos religiosos eram, nas palavras do abolicionista Frederick Douglass, ele próprio um ex-escravo, muito piores que os menos religiosos. Por que a diferença?

Poesia | Sete belíssimos poemas sobre a lua

 

Música | Zeca Pagodinho e vários artistas - Camarão que dorme a onda leva